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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.14 no.1 Belém jan./abr. 2022

 

ARTIGO

 

A inserção da psicologia escolar na educação popular: Um relato de experiência

 

The insertion of School Psychology in Popular Education: an experience account

 

La inserción de la Psicología Escolar en la Educación Popular: un relato de experiencia

 

 

Aline Beckmann Menezes1 I; Cristiane Martinez de Almeida2 II; Rachel Coelho Ripardo3 I

I Universidade Federal do Pará
II Centro Universitário do Pará

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este relato de experiência objetiva apresentar atividades vinculadas à inserção da Psicologia Escolar no contexto da Educação Popular. Participaram do projeto 180 estudantes e 10 professores, pertencentes ao Movimento de Educação Popular do Jurunas (Belém-PA). Foram realizadas oficinas e um projeto. Observou-se que em todas as turmas em que se realizaram as oficinas sobre depressão e ansiedade, houve engajamento, devido a identificações com os sintomas apresentados e relação com o ENEM. Sobre o projeto de orientação profissional, houve o registro de falas a respeito de incapacidade de executar determinadas profissões e desmotivação. Com relação aos professores, as queixas sinalizadas correspondiam à aspectos da organização interna e solicitação de oficinas no início do ano letivo. Considerou-se que a proposta deste trabalho foi alcançada, pois proporcionou a todos os envolvidos um espaço de diálogo igualitário, evidenciando a existência de fatores externos ao ambiente educacional e que influenciavam diretamente no desempenho acadêmico e escolha profissional.

Palavras-chave: Relato de experiência; Psicologia escolar; Educação popular.


ABSTRACT

This experience report proposed to present activities related to the insertion of School Psychology in the context of Popular Education. 180 students and 10 teachers from the Jurunas Popular Education Movement (Belém-PA) participated. Workshops and a project were carried out. It was observed that in all the classes in which the workshops on depression and anxiety were held, there was engagement, due to identifications with the symptoms presented and their relationship with ENEM. About the professional guidance project, there were speeches about incapacity to perform certain professions and lack of motivation. With regard to teachers, the complaints referred to aspects of internal organization and request for workshops at the beginning of the school year. It was considered that the proposal of this work was achieved, as it provided everyone involved a space for equal dialogue, evidencing the existence of external factors to the educational environment that directly influenced academic performance and professional choice.

Keywords: Experience account; School psychology; Popular education.


RESUMEN

Este informe de experiencia está destinado a contribuir com la inserción de la psicología escolar en el contexto de la educación popular. Participaron en el proyecto 180 estudiantes y 10 profesores pertenecientes al movimiento de Educación Popular. Se realizaron talleres y un proyecto. Se observó que en todas las clases en las que se realizaron llos talleres sobre depresión y ansiedad, hubo compromiso con los sintomas presentados y relación con ENEM. Sobre el proyecto de orientación profesional, hubo un registro de discursos sobre la incapacidad para realizar determinadas profesiónes y la falta de motivación. Con relación a los docentes, las denuncias señaladas correspondieron a la falta de organización interna y solicitud de talleres al inicio del curso escolar. Se consideró cumplida la propuesta de este trabajo, ya que brindó a todos involucrades un espacio de dialogo igualitario, evidenciando la existencia de factores externos al entorno educativo y que incidieron directamente en el desenpeño académico y la elección profesional.

Palabras clave: Relato de experiencia; Psicología escolar; Educacíon popular.


 

 

Introdução

A juventude de classes sociais populares no Brasil tem sido tratada de forma patologizante, em geral numa perspectiva de políticas públicas de assistência social ou de princípios punitivos (Naves, 1996). Desta forma, estudos direcionados a iniciativas ligadas à Educação Popular (EP) tornam-se relevantes, por contribuir com o fomento da libertação daqueles tradicionalmente oprimidos pela elite econômica e cultural. Para Colesel et al. (2016, p.107), "A metodologia da educação popular apoia-se na ideia de que todos são sujeitos da e na produção do conhecimento (…) É preciso que os sujeitos sejam, de fato, sujeitos e não objetos da educação."

Esta é uma proposta baseada na "Pedagogia do Oprimido" (Freire, 1968/1987), que questiona a serviço de quem se encontra a prática científica e defende o caráter político intrínseco à prática profissional. Ainda assim, segundo Naves (1996) a atuação da psicologia tem sido predominantemente desconectada dos problemas sociais, sob uma suposta neutralidade que acaba por favorecer as classes dominantes. Neste sentido, a relação da psicologia com a educação popular não deve ser apenas de contribuições da primeira com a segunda, mas sim de fortalecer o compromisso social da atuação psicológica, ressignificando a prática da psicologia escolar (Fortes, 2014).

Fortes (2014) estabelece, assim, a importância de um diálogo construído com os múltiplos agentes que compõem espaços educativos emergentes, contribuindo com o processo de tomada de consciência do próprio papel social destes indivíduos. Para viabilizar este processo, a autora defende a escuta psicológica como ferramenta facilitadora da circulação de múltiplas vozes. Marinho-Araújo (2010) apresenta a importância da escuta psicológica para a Psicologia Escolar, não enquanto espaço psicoterapêutico, mas como forma de entrar em contato com a realidade subjacente às relações ali estabelecidas e, assim, realizar um mapeamento institucional que permita compreender as demandas emergentes daquele contexto educacional em particular.

É desta forma que o psicólogo escolar poderá compreender os aspectos institucionais dos espaços educativos em que se insere e identificar suas "convergências e divergências práticas" (Fortes, 2014, p.42). Isto é, se o que é vivido no cotidiano escolar é coerente com o que é postulado como diretriz política norteadora daquele espaço. Uma das dificuldades apontadas pelo autor quanto a esta coerência refere-se à formação dos educadores. Por mais que muitos sejam licenciados e oriundos da realidade social na qual atuam, em sua maioria não possuem a formação crítica e política acerca da educação emancipadora que a EP se propõe ser.

Pode-se defender, todavia, que a formação dos educadores para este tipo de atuação precisa ser diferenciada de uma proposição estritamente técnica e/ou teórica. Como muitos dos professores são oriundos da realidade social em que atuam, trazem consigo impactos emocionais relativos às experiências vivenciadas por eles mesmos em seus processos educativos. É de se esperar, assim, que espaços compartilhados de fala e reflexão permitam a construção de um novo saber. Torna-se importante que o grupo de educadores sinta-se acolhido no espaço escolar e compreenda seu papel social nesse cenário para que abrace os princípios norteadores da EP.

Torres et al. (2013) discutem o olhar de jovens de baixa renda sobre a escola. Nesta pesquisa, os autores discutem como a maioria dos jovens participantes possuem escolaridade superior a de seus pais, de modo que há um choque entre a visão de "ausência de saber" (p.34) muitas vezes atribuída a eles pela escola e a de fonte de informação, lugar ocupado no seio familiar. Quando não são infantilizados, como que desprovidos de contribuições relevantes para o contexto acadêmico, os jovens muitas vezes são criminalizados, de modo que não se sentem compreendidos e respeitados ou mesmo com suas realidades sociais representadas nos debates escolares. Os autores defendem, portanto, a valorização das "culturas juvenis" (p. 37), de modo a incorporar as características desta população, reconhecer seu potencial criativo e, assim, favorecer o seu engajamento no processo educacional. Este seria, assim, um dos grandes desafios a serem enfrentados.

Um recorte particular que pode ser feito nas diferentes formas de implementação da EP consiste em espaços preparatórios para processos seletivos de ingresso em instituições de ensino superior, como o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio). Tais espaços podem vir a se constituir apenas como "cursinhos comunitários" ou podem, além disso, serem imbuídos da concepção de EP aqui apresentada.

A preparação para o ensino superior direcionada às classes oprimidas merece destaque, pois abarca uma série de pressões socioeconômicas que estão atreladas à decisão de continuidade do processo de escolaridade.

Nesse sentido, Sparta e Gomes (2005) encontraram que, por mais que estudantes oriundos de escolas públicas e de escolas privadas tendam ambos a escolher preferencialmente o vestibular como trajetória conseguinte ao ensino médio, os estudantes oriundos da rede pública precisam conciliar esta escolha com a profissionalização mais imediata (cursos profissionalizantes) e com o ingresso direto no mercado de trabalho.

Além disso, mesmo para aqueles que optam exclusivamente pelo ingresso no ensino superior, não é possível desvincular esse percurso formativo de suas histórias pessoais e suas condições socioeconômicas,

Candidatos de grupos sociais mais desfavorecidos chegam em menor percentagem às instituições e aos cursos mais prestigiados socialmente, podendo a situação influenciar projetos vocacionais e de carreira profissional futura; por terem origem nos percursos escolares anteriores, algumas situações impactam as classificações que definem a candidatura dos estudantes ao ensino superior (Almeida et al, 2012, p. 900).

Essa dificuldade de acesso ao ensino superior não atinge apenas os estudantes excluídos, mas afeta inclusive o contexto nacional de formação cidadã. Pina (2018) defende que é apenas através da "formação de indivíduos capazes de fugir das amarras da reprodução social e, por si mesmos, buscar formas de satisfação de seus próprios e subjetivos estados de bem-estar" (p.12) que poderá ser alcançada uma educação verdadeiramente cidadã em nossas instituições de ensino superior. Isto implica, entre outras coisas, no acesso de uma camada da população que tem sido tradicionalmente excluída e, além disso, que estes indivíduos possuam a formação crítica e contextualizada acerca de seus processos formativos para que estejam empoderados dentro dos espaços educativos tradicionalmente elitistas na cultura brasileira.

O presente trabalho se propõe, a partir de um relato de experiência, a contribuir com a inserção da Psicologia Escolar no contexto da Educação Popular. A experiência foi desenvolvida no Movimento de Educação Popular do Jurunas (MEPJU), na cidade de Belém-PA, instituído pela Universidade Estadual do Pará. Tal movimento busca desenvolver uma formação cidadã, baseando-se na educação como instrumento de empoderamento, libertação e emancipação, criando eixos diversificados, tais como: esporte, mídias, finanças, assistência psicológica e produção acadêmica. Estimulando, assim, o senso de pertencimento dos moradores ao ambiente periférico da área, marcado pelas desigualdades sociais, narcotráfico e pela divulgação midiática da violência.

O principal objetivo da parceria estabelecida entre o MEPJU e o Laboratório de Soluções Educacionais - LSE (UFPA) foi propiciar uma troca de conhecimentos, de modo que a equipe do projeto pudesse aprender sobre Educação Popular e a partir da realidade vivenciada pelos membros constituintes do movimento e, por outro lado, que pudesse contribuir a partir da oferta de espaços de escuta, reflexão e discussão de conhecimentos psicológicos relacionados a demandas existentes naquele contexto.

 

Percurso Metodológico

Este projeto foi desenvolvido por integrantes do LSE, no ano de 2019.

Participaram deste projeto 180 estudantes e 10 professores, pertencentes ao MEPJU, o qual ocorria em uma escola estadual do Pará, no município de Belém. Tal escola disponibilizava 5 salas, sendo 4 para aulas do movimento e 1 que funcionava para as atividades da coordenação. As aulas ocorriam de segunda à sexta-feira de 14h às 18h e aos sábados de 08h às 12h e 14h às 18h. A escola estava localizada em uma área de periferia, em um dos bairros mais populosos da capital paraense.

No mês de março de 2019, marcou-se uma reunião na escola com o objetivo de montar a agenda de atividades do LSE em parceria com o MEPJU. A partir da escuta de relatos, fornecidos pela coordenadora do movimento sobre episódios de crise de ansiedade, tentativa de suicídio, agressividade e desinteresse nas aulas por parte dos alunos, os integrantes do LSE se propuseram a desenvolver oficinas direcionadas ao corpo discente.

A primeira ação planejada tinha por objetivo permitir que os próprios estudantes sinalizassem suas demandas e seus interesses, sem haver assim a imposição de condutas pela equipe do projeto. Esta ação teve por base a perspectiva freireana de que "Toda prescrição é a imposição da opressão de uma consciência a outra" (Freire, 1968/1987, p. 46).

Foi então solicitado aos alunos que colocassem em papel, sem se identificarem, algum assunto que desejassem que fosse discutido pelos membros do LSE. Em seguida, todos os manuscritos encontraram-se dispostos em caixa específica, a qual nos foi entregue para a avaliação das demandas sugeridas pelos alunos.

A equipe do projeto, durante os contatos estabelecidos com os membros daquela comunidade educacional, identificou também a importância de desenvolver uma atividade direcionada ao corpo docente. Esta proposta foi acolhida pela coordenação do MEPJU, que apresentou relatos sobre a existência de conflitos internos e colaborou com a viabilização da atividade.

A partir da análise de demandas dos discentes e docentes, foram traçadas as propostas de ação do projeto: ministrar oficinas sobre saúde emocional aos estudantes; ministrar oficina sobre o ENEM; desenvolver um projeto de orientação profissional com os estudantes, sob uma perspectiva crítica e participativa; e ministrar oficina de relações interpessoais com os professores do projeto, uma vez que são integrantes imprescindíveis no contexto educacional e que devem ter um espaço de acolhimento, no qual possam falar e ser ouvidos.

Oficinas sobre saúde emocional
Os temas mais citados no levantamento com os estudantes foram depressão, suicídio e ansiedade. Com base nisto, elaborou-se primeiramente, uma oficina sobre saúde emocional, que discutia pontos relacionados à depressão, sendo ofertada para três turmas distintas. Em duas turmas, a oficina ocorreu em maio de 2019 e a terceira em junho do mesmo ano, com duração de 1 hora e 45 minutos. Cada oficina contou com a presença de 60 alunos. No segundo semestre, mais especificamente no mês de setembro de 2019, foi ofertada outra oficina sobre saúde emocional, que abordava pontos relacionados à ansiedade, em apenas um encontro. Esta oficina contou com a presença de 60 alunos e teve duração de 1 hora e trinta minutos. Optou-se por abordar a temática do suicídio de forma transversal em ambas as oficinas.

A oficina sobre depressão foi conduzida a partir do uso de slides como disparadores para as falas dos participantes sobre o tema, estimulando o relato de experiências pessoais.

Na oficina sobre ansiedade, perguntou-se aos alunos sobre o conceito de ansiedade pré-existente, havendo em seguida uma explanação técnica do mesmo. Em seguida, foram apresentadas frases disparadoras descrevendo situações que poderiam gerar ansiedade e, neste momento, foi dado espaço para que os alunos pudessem comentar sobre as mesmas.

Projeto de orientação profissional
O projeto de orientação profissional foi desenvolvido no período de março a junho de 2019. Consistiu de reuniões em grupo, uma vez por semana, com duração aproximada de 90 minutos. Inicialmente, a equipe de psicólogos intentou dividir seu trabalho com dois grupos diferentes de alunos, com no máximo quinze estudantes cada. No entanto, apenas um deles teve demanda elevada, com um total de onze jovens. A proposta de configuração dos encontros foi baseada em Spaccaquerche e Fortim (2009), tendo como valores norteadores a perspectiva transformadora que pode ser adotada em um projeto de orientação profissional direcionado a camadas populares (Souza, Menandro, Bertollo, & Rolke, 2009).

Oficina sobre relações interpessoais com professores
A oficina sobre relações interpessoais ocorreu em outubro de 2019, com duração aproximada de 3 horas, e contou com a participação de 10 professores do MEPJU. Inicialmente, ocorreu a apresentação de todos os presentes. Em seguida, foi feita uma dinâmica (Dinâmica da Caixa), em que todos os presentes, inclusive os membros do LSE, deveriam escrever em um pedaço de papel algo que estivesse relacionado ao tema. Não havia a necessidade de identificação. Assim que todos tivessem terminado a tarefa, os papéis foram colocados dentro de uma caixa e misturados. Após isso, cada membro presente tirava um papel e lia o que estava escrito e comentava a respeito. As demais pessoas também poderiam emitir opiniões acerca do que havia sido lido.

Oficina sobre o Enem
Em novembro de 2019 foi realizada a Oficina do Enem, com duração de 2 horas. A oficina contou com a presença de aproximadamente 50 alunos. Apresentou-se em slides informações sobre o significado de ter acesso a uma universidade, ao ensino superior de uma forma geral, bem como outras formas de ingresso ao mercado de trabalho e aspectos técnicos sobre o Enem, como quais comportamentos deveriam ser emitidos antes, durante e após a prova (instruções que poderiam ser encontradas no site do ENEM). Houve espaço, entre as apresentações dos slides, em que os participantes poderiam falar sobre as suas expectativas em relação à prova do ENEM, o que significava para eles ingressarem em uma universidade, como lidar com a pressão de amigos e familiares neste momento e como aproveitar essa experiência.

Também se discutiu sobre a existência de crenças limitantes relacionadas ao ingresso no ensino superior, tais como: "Se eu não passar, não serei ninguém na vida", "Quem é bom passa de primeira, não vou mais perder meu tempo", "Isso é coisa de família rica", dentre outras.

Ao final da apresentação dos slides, foi proporcionado aos alunos um momento de relaxamento através de técnicas de meditação em movimento, em que os alunos foram instruídos a realizarem respiração diafragmática associada à alguns movimentos, com o objetivo de utilizá-la em momentos de estresse.

 

Resultados

Nesta seção serão apresentadas as atividades em separado, a partir do que foi observado ao longo do desenvolvimento do projeto. Um dado que foi independente das ações desenvolvidas, mas que será alvo de discussão ainda neste trabalho, foi a evasão acentuada dos alunos do cursinho ao longo do ano letivo.

Oficinas sobre saúde emocional
Em todas as turmas em que se realizou a oficina sobre depressão, observamos engajamento dos alunos em relação ao tema apresentado, na medida em que forneceram opiniões a respeito dos temas de cada slide, acompanhadas com alguns relatos pessoais de situações enfrentadas pelos próprios, tais como: diagnóstico de depressão, desânimo para estudar e/ou dificuldades de como iniciar, sentimento de culpa em momentos de lazer (por pensar que deveriam estar estudando), pressão por parte de familiares, e dificuldades em ter sono de qualidade.

Na oficina sobre ansiedade, os participantes indicaram entendimentos do conceito de ansiedade tanto como um estado de ânimo, como ser impaciente, ou um transtorno com sintomas físicos e psicológicos que precisam ser tratados. Após a explanação técnica sobre o tema, quando foi apresentada a diferença entre a ansiedade benéfica e a ansiedade patológica e os sintomas correspondentes, foram mostradas frases disparadoras descrevendo situações que poderiam gerar ansiedade e, neste momento, foi dado espaço para que os alunos pudessem comentar sobre as mesmas. Alguns alunos relataram experiências como diagnóstico de ansiedade, preocupação excessiva com o ENEM, pessimismo e divergências entre a percepção dos outros sobre eles e como os mesmos se percebiam.

Considerou-se que a oficina sobre ansiedade foi relevante tanto por proporcionar conhecimento científico sobre o tema, quanto por oferecer aos alunos um espaço de acolhimento e escuta sobre as demandas emocionais que os acometem, sejam elas de ordem pessoal e/ou estudantil/profissional.

Projeto de orientação profissional
Inicialmente, o projeto contou com a presença de 11 alunos, porém, no decorrer dos encontros de orientação profissional, esse número foi diminuindo progressivamente até se estabilizar com 3 participantes nas últimas sessões grupais, sendo um deles uma aluna que entrara para o projeto do sétimo encontro em diante. As discussões fomentadas durante as sessões evocaram falas a respeito de incapacidade de executar determinadas profissões que os alunos consideravam não estarem de acordo com sua autoimagem e autoestima; desmotivação devido dificuldades estruturais ao longo do percurso estudantil, como ausência de professores e matérias específicas; e dúvidas em relação às profissões que não exigem curso superior.

A despeito da baixa adesão à iniciativa de orientação profissional, consideramos que as atividades desenvolvidas foram proveitosas aos que se mantiveram do início ao fim. Ao todo, doze reuniões foram realizadas, seccionadas a partir de um cronograma de habilidades que precisavam ser desenvolvidas, enquanto parâmetros para uma boa escolha profissional.

Oficina sobre relações interpessoais
A partir da dinâmica realizada com os professores, observou-se as seguintes queixas: quantidade de professores existentes no grupo de WhatsApp versus quantidade de professores ativos; chamar atenção de professores no grupo do whatsapp ao invés de ser no privado; realizar a oficina sobre relações interpessoais no início do ano letivo; e falta de comprometimento com entrega de questões do simulado no prazo estipulado. Percebeu-se que os professores se sentiram valorizados por ter sido proporcionado um espaço de fala e de escuta para eles, em que suas demandas puderam ser acolhidas e esclarecidas, bem como a oportunidade de oferecerem sugestões para um desenvolvimento mais produtivo de suas atividades.

A partir do que foi conversado, sugerimos que todos os professores ativos conhecessem a identidade do MEPJU através de uma formação de professores continuada; a realização de uma Oficina sobre Assertividade para os membros do projeto; e outra sobre como acolher os alunos quando surgirem demandas emocionais em sala de aula.

Oficina sobre o ENEM
Na Oficina do ENEM, apresentou-se em slides informações sobre o significado de ter acesso ao ensino superior; outras formas de ingresso ao mercado de trabalho; e aspectos técnicos sobre o ENEM, como quais comportamentos deveriam ser emitidos antes, durante e após a prova (instruções que poderiam ser encontradas no site do ENEM). Os alunos demonstraram estar cientes dos critérios para a realização da prova, tais como horário de entrada, cor de caneta esferográfica, documentos necessários e a quem se dirigir em casos de dúvidas.

Sobre o acesso ao ensino superior, houve relatos de estresse devido à pressão pela aprovação no vestibular por parte de familiares, como: "Ninguém na nossa família se formou, você vai ser o primeiro", ou: "Todo mundo aqui em casa tem um diploma, só falta você". Alguns alunos comentaram que exerciam atividades laborais de nível médio, mas que buscavam um crescimento pessoal e profissional a partir do ingresso em uma universidade.

 

Discussão

A experiência aqui relatada apresenta uma aproximação da Psicologia Escolar à Educação Popular, a partir do desenvolvimento de um projeto de extensão. Buscando ser coerente com a própria concepção de Educação Popular, o projeto foi levado de forma aberta ao MEPJU, buscando construir de forma dialógica com o movimento as propostas de ação e identificar as principais formas de contribuir com o projeto educacional já em andamento.

Um dos primeiros pontos que merece destaque aqui é que a escolha de temáticas relativas à saúde emocional pelos membros da comunidade escolar consultada pode ser compreendida como atrelada à visão de Psicologia presente no senso comum. Historicamente, a Psicologia Escolar é concebida reiteradamente como apenas um lócus de aplicação da prática clínica e não um fazer em si mesmo (Guzzo et al., 2010). Contudo, como defende Marinho-Araújo (2010) é necessário acolher essa demanda, criar espaços para que os membros da comunidade possam ser escutados em um movimento qualificado de escuta psicológica, mas a partir dessa ação ir além de uma demanda clínica individualizante e proporcionar o questionamento crítico dos relatos. No contexto desta experiência buscou-se atender à solicitação do grupo em falar de saúde mental, mas compreendendo que naquele contexto o falar precisava envolver acolhimento, escuta, diálogo e criticidade para permitir a reflexão acerca do contexto social no qual se materializava a expressão da saúde.

No que diz respeito ao ingresso no ensino superior através de um curso preparatório para o ENEM, observou-se que os jovens pertencentes ao MEPJU demonstraram relatos de estresse devido pressões externas ao ambiente educacional, como aquelas vinculadas às suas histórias pessoais e condições socioeconômicas, tal como aponta Almeida et al (2012). Entretanto, ainda entendem a inserção em uma universidade como uma forma de alcançar crescimento pessoal e profissional.

Mais especificamente ao trabalho desenvolvido com o corpo docente, pudemos constatar que a realidade do MEPJU é similar àquela relatada na literatura da área. Como já discutia Fortes (2014), pode-se perceber que o maior desafio se refere a colocar em prática os ideais norteadores da Educação Popular, já que a formação de alguns destes profissionais não costuma contemplar os debates necessários para a estruturação de uma educação emancipadora. Sendo assim, oportunizar um momento de reflexão crítica e coletiva demonstrou-se uma estratégia positiva para favorecer essa identificação pessoal com o trabalho desenvolvido (considerando que em sua maioria os docentes são oriundos da mesma comunidade que os discentes) e a troca de experiências, incluindo seus momentos de desafio e de sucesso. Novamente, a escuta psicológica de caráter crítico mostrou-se fundamental para promover tanto um ambiente receptivo e acolhedor quanto um espaço privilegiado de problematização do papel social do corpo docente naquele contexto educacional.

Uma demanda que compareceu de forma transversal à experiência foi a elevada evasão discente do cursinho pré-vestibular. O número de estudantes frequentando as aulas regulares tendeu a cair significativamente ao longo do período letivo, afetando inclusive o desenvolvimento de algumas ações. Este dado não é, contudo, específico da realidade observada no MEPJU. No relatório desenvolvido por Torres et al (2013) sobre o que pensam os jovens de baixa renda sobre a escola, há uma importante discussão sobre a persistência de um modelo elitista de ensino e de uma prática recorrente de ignorar ou mesmo menosprezar as culturas juvenis nas quais os estudantes se inserem. Desta forma, o sentimento de não-pertencimento ao espaço escolar está associado à evasão, a qual é agravada pela competição com as pressões financeiras que demandam uma precoce e intensa imersão no mercado de trabalho.

Acredita-se que a EP é uma forma de favorecer a (re-)aproximação do estudante com o contexto educacional e percebeu-se na fala dos estudantes que a sensação de pertencimento ao MEPJU era elevada, reconhecendo naquele espaço um lugar "seu". Contudo, apesar dos benefícios da EP frente à escola tradicional, as demais pressões vivenciadas pelos estudantes (familiares, de renda, etc) muitas vezes não colaboram com a permanência na escola, menos ainda com o sonho de adentrar o ensino superior.

Como Sparta e Gomes (2005) já demonstraram, muitos estudantes oriundos de escolas públicas buscam o ingresso no mercado de trabalho ou cursos profissionalizantes, de modo que a pressão sofrida por esses jovens muitas vezes é de abandonar os estudos, sendo o ensino superior visto como um empecilho para sua contribuição para a renda doméstica.

É neste cenário que se faz importante inserir a orientação profissional na prática da psicologia escolar. Para Carvalho e Marinho-Araújo (2010), a Orientação Profissional aliada à Psicologia Escolar tem evoluído para "intervenções cada vez mais focadas na promoção do desenvolvimento humano e na construção da cidadania" (p. 220). Deste modo, buscou-se desenvolver a Orientação Profissional como um programa transformador, construído junto aos estudantes e permitindo uma visão ampliada e crítica do seu próprio papel na escolha profissional (conforme defendido por Pina, 2018). Apesar da aderência ao programa não ter sido elevada, acredita-se que as discussões promovidas nos encontros realizados foram relevantes para aqueles que participaram e puderam trabalhar os significados atribuídos por aqueles estudantes ao processo de entrada no ensino superior e à escolha de uma trajetória acadêmica.

 

Considerações Finais

O relato desta experiência se propôs a contribuir com a inserção da Psicologia Escolar no contexto da Educação Popular, mais especificamente no MEPJU, além de ampliar a compreensão sobre o assunto. Consideramos que tal proposta foi alcançada, uma vez que proporcionou a todos os envolvidos (membros do LSE e MEPJU), um espaço de diálogo igualitário, em que momentos de fala e escuta ajudaram a reconhecer a existência de fatores que extrapolam o ambiente educacional e que influenciam diretamente no desempenho acadêmico e escolha profissional.

Ressaltamos que, de maneira alguma, tais questões relativas aos temas apresentados aqui se encerram neste trabalho. Ao contrário, pretende-se que outros estudos e intervenções sejam realizados de maneira a ampliar os conhecimentos teóricos, práticos e científicos no que diz respeito à educação de forma geral. Indicamos, inclusive, que os próximos trabalhos investiguem minuciosamente a evasão escolar durante o percurso acadêmico e que previamente sejam esclarecidos aos alunos os objetivos do projeto de Orientação Profissional.

Compreendemos que o projeto teve sua validade, mas encontraria melhor ressonância caso fosse precedido de uma triagem a ser realizada pelos psicólogos; observamos que boa parte dos alunos chegou até nós com a expectativa de sessões de terapia, em que poderiam falar de suas emoções ou assuntos particulares, que envolviam a dificuldade em enfrentarem o vestibular. Como este não era o objetivo, não pudemos acompanhá-los nesse interesse.

Contudo, através deste trabalho, podemos observar in loco aspectos relevantes da Psicologia Escolar e Educação Popular, tais como os descritos na literatura dos temas em questão, o que contribuiu de forma satisfatória para o crescimento pessoal e profissional dos membros do LSE e, esperamos, da comunidade com a qual atuamos.

 

Agradecimentos

Agradecemos ao psicólogo Lucas Fadul, pela gestão e aplicação das Oficinas de Orientação Profissional de forma competente e dedicada, bem como pela ajuda no planejamento das Oficinas sobre Saúde Emocional.

Agradecemos ao psicólogo Pedro Ricardo Cristo de Freitas e outros membros do Laboratório de Soluções Educacionais, pela disponibilidade em contribuir com a execução deste trabalho.

Agradecemos à todos os integrantes do Movimento de Educação Popular do Jurunas, não somente por ter nos mostrado a essência deste movimento, que enfatiza a educação como uma ferramenta democrática de modificação de uma sociedade, bem como para a formação de cidadãos mais preparados para enfrentá-la, mas também por ter contribuído com a formação pessoal e profissional dos integrantes do Laboratório de Soluções Educacionais.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Aline Beckmann Menezes
E-mail: alinebcm@gmail.com

Cristiane Martinez de Almeida
E-mail: crispsi05@yahoo.com.br

Rachel Coelho Ripardo
E-mail: rcripardo@ufpa.br

Recebido: 15/01/2022
Revisado: 25/01/2022
Aceito: 10/02/2022
Publicado: 18/04/2022

 

 

1 Aline Beckmann Menezes: ORCID: https://orcid.org/0000 - 0002-3136-3707
2 Cristiane Martinez de Almeida: ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5421-0976
2 Rachel Coelho Ripardo: ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0515-7560

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