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Revista do NUFEN

versão On-line ISSN 2175-2591

Rev. NUFEN vol.14 no.2 Belém maio/ago. 2022

 

ARTIGO

 

Teorias motivacionais e sua aplicabilidade no contexto da Terapia Ocupacional

 

Motivational theories and their applicability in the context of Occupational Therapy

 

Teorías motivacionales y su aplicabilidad en el contexto de la Terapia Ocupacional

 

 

Kátia Vanessa Pinto de Meneses1 I; Mateus de Jesus Tosta2 I Juliana Valeria de Melo3 I

I Universidade de Brasília, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo desse trabalho é identificar as principais teorias motivacionais e compreender a influência dessas teorias no desenvolvimento dos saberes e práticas da terapia ocupacional. Trata-se de uma revisão narrativa da literatura realizada a partir dos descritores "Terapia Ocupacional" AND "motivação" OR "Teoria motivacional". Para seleção dos artigos foi considerada a frequência da menção das teorias motivacionais para análise e discussão dos resultados. Foram identificadas seis teorias motivacionais, sendo que duas delas foram aplicadas ao contexto da Terapia Ocupacional. Percebe-se a necessidade de mais estudos de forma a compreender os fatores relacionados à motivação e os meios para promover um envolvimento ocupacional efetivo e satisfatório.

Palavras-chave: Motivação; Terapia Ocupacional; Teoria Motivacional.


ABSTRACT

The objective of this work is identified as motivational theories and to understand theories in the development of knowledge and practices of occupational therapy. This is a narrative review of the literature based on the descriptors "Occupational Therapy" AND "motivation" OR "Motivational theory". The selection of articles was based on the frequency of mentioning motivational theories for analysis and discussion of the results. Six motivating theories were identified, two of which were applied to the context of Occupational Therapy. More studies are needed to understand the factors related to motivation and the means to promote effective and satisfactory occupational envolvement.

Keywords: Motivation; Occupational Therapy; Motivational Theory.


RESUMEN

El objetivo de este trabajo es identificar las principales teorías motivacionales y comprender la influencia de estas teorías en el desarrollo de conocimientos y prácticas de terapia ocupacional. Esta es una revisión narrativa de la literatura basada en los descriptores "Terapia Ocupacional" Y "motivación" O "Teoría motivacional". Para la selección de artículos, se consideró la frecuencia de mención de las teorías motivacionales para el análisis y discusión de los resultados. Se identificaron seis teorías motivacionales, dos de las cuales fueron aplicadas al contexto de la Terapia Ocupacional. Es necesario realizar más estudios para comprender los factores relacionados con la motivación y los medios para promover una participación laboral efectiva y satisfactoria.

Palabras clave: Motivación; Terapia ocupacional; Teoría Motivacional.


 

 

Introdução

O envolvimento ocupacional é um aspecto importante da ocupação humana e engloba não apenas o desempenho, mas também o nível de importância, de significado e de satisfação que oferece às pessoas (Polatajko, Townsend & Craik, 2007). O envolvimento ocupacional está relacionado com o grau de motivação que irá determinar a ação. O conceito de motivação é bastante antigo e varia de acordo com a linha teórica dos autores. Dentro de uma perspectiva clássica, baseada em Aristóteles, Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, "não há modo de compreender a vida prática do homem sem referência à finalidade" (Echavarría, 2021, p. 116); finalidade esta entendida como "motivação das condutas" (Echavarría, 2021, p. 115).

A motivação impulsiona a pessoa em direção aos seus objetivos (Bergamini, 1990) e pode ser despertada por forças externas ou internas (Echavarría, 2021, Sancho, Blasco, Martinez & Palmero, 2002). Forças externas se referem à recompensas materiais ou sociais e forças internas ao sentimento de prazer, felicidade ou sentido de realização, sem a necessidade de pressões ou recompensas (Battistel, Holz & Sauerwein, 2022).

De acordo com a Associação Americana de Terapia Ocupacional (AOTA, 2020), a terapia ocupacional tem como propósito alcançar saúde, bem-estar e participação em situações da vida através do envolvimento em ocupações. Esse envolvimento acontece como resultado da escolha, motivação e significado, de forma a direcionar a escolha e dar sentido ao fazer. Compreende-se assim que não é o fazer por si mesmo, mas o motivo e o significado intrínseco da atividade que faz toda a diferença. Além disso, sabe-se que o envolvimento inclui aspectos objetivos e subjetivos de experiências dos clientes e envolve a interação transacional da mente, do corpo, e do espírito. Assim, o "conhecimento da relação transacional e do significado das ocupações significativas e produtivas constitui a base para o uso das ocupações tanto como meios, como os resultados das intervenções" (Trombly, 1995, citado por AOTA, 2020, p. 9).

De acordo AOTA, 2015, a motivação para o envolvimento em ocupações é influenciada pelos valores, crenças e espiritualidade da pessoa. Os valores são compreendidos como princípios, atributos e diretrizes que a pessoa considera importante para ela e os conserva. As crenças são entendidas como argumentos cognitivos que o cliente tem como verdadeiros. A espiritualidade, como uma forma pela qual a pessoa procura e expressa sentido na vida e vivencia ligações com o momento presente, com seu eu interior e com tudo que considera relevante e sagrado.

A motivação impacta diretamente na adesão a tratamentos, na saúde e qualidade de vida das pessoas (Leite, et al., 2018), na qualidade do ensino (Battistel et al., 2022) e na produtividade de trabalhadores (Zonatto, Silva & Gonçalves, 2018). De modo oposto, a falta de motivação, de sentido e de esperança podem gerar desequilíbrios e disfunções, colocando a pessoa em risco de problemas de saúde (AOTA, 2020).

As teorias de terapia ocupacional em geral são genéricas e limitadas em relação ao conteúdo sobre motivação. Desta forma, identificar as teorias que abordam a motivação humana e compreender sua aplicabilidade no contexto da terapia ocupacional, pode auxiliar o profissional na orientação do cliente a um envolvimento ocupacional satisfatório, proporcionando intervenções mais eficazes para sua atuação clínica. Compreendendo a importância desse tema, o objetivo deste estudo é identificar as principais teorias da motivação e compreender a aplicabilidade dessas teorias no desenvolvimento dos saberes e práticas da terapia ocupacional.

 

Metodologia

Essa pesquisa é uma revisão narrativa da literatura que, de acordo com Rother (2007), é adequada para descrever e discutir o estado da arte de um assunto específico. Esse tipo de revisão não consiste de critérios rigorosos para avaliação e seleção dos trabalhos utilizados como fonte de informação, assim como não traz respostas quantitativas sobre questões de pesquisa (Rother, 2007). Foi realizado o levantamento bibliográfico na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) durante o período de Janeiro de 2022 à Março de 2022. Para complementar a pesquisa também foram feitas buscas manuais no Google Acadêmico e também nos periódicos nacionais de Terapia Ocupacional listados a seguir: Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo e Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional. A busca foi realizada utilizando a seguinte estratégia com os descritores "Terapia Ocupacional" AND "motivação" OR "Teoria motivacional". Os critérios de inclusão usados para selecionar os documentos foram: artigos publicados em periódicos revisados por pares com acesso livre ou disponibilizados pelo portal CAPES, sem limite de data de publicação e que abordassem as principais teorias motivacionais com vistas a verificar sua aplicabilidade no contexto da terapia ocupacional. Os artigos duplicados foram excluídos. Na primeira busca, realizada na BVS, foram recuperados 227 artigos, sendo apenas 100, disponíveis para leitura na íntegra. No que se refere às buscas manuais, 99 artigos foram recuperados no Google Acadêmico e a busca nos periódicos brasileiros de TO não gerou resultados. Após aplicação dos critérios de inclusão, foi considerada a frequência da menção das teorias motivacionais para análise e discussão dos resultados.

 

Resultados e Discussão

Foram encontradas seis teorias da motivação: Teoria da Hierarquia das Necessidades de Maslow, Teoria Existence, Relatedness, Grow (ERG), Teoria X e Y, Teoria da Expectativa, Teoria dos Dois Fatores e Logoterapia, que serão apresentadas a seguir.

A Teoria da Hierarquia das Necessidades de Maslow é uma das teorias motivacionais mais conhecidas e mais amplamente estudadas. Abraham Maslow foi um psicólogo americano que propôs uma hierarquia das cinco necessidades inatas que ativam e direcionam o comportamento humano (Schultz & Schultz, 2016). De acordo com Maslow, uma necessidade é, em resumo, a privação de certas satisfações. Propõe uma pirâmide onde na base estão as necessidades fisiológicas (alimentação, água e sexo); o segundo degrau compreende as necessidades de segurança (do corpo, de emprego, de recursos, proteção, ordem e estabilidade); o terceiro as necessidades sociais de pertencimento e amor; o quarto as necessidades de estima (de si mesmo e dos outros) e por fim, no topo da pirâmide, a necessidade de autorrealização (Oliveira & Silva, 2021; Schultz & Schultz, 2016). As necessidades inferiores ou mais baixas devem ser parcialmente satisfeitas antes que as superiores ou mais elevadas se tornem influentes e quanto mais inferior a necessidade for na hierarquia, maior seu poder, força e prioridade.

De acordo com Maslow (Schultz & Schultz, 2016) as necessidades fisiológicas e de segurança emergem na infância, enquanto as de afiliação e de estima aparecem na adolescência e, as superiores, como a de autorrealização, surgem na meia idade. As necessidades superiores são menos importantes, comparadas às inferiores para a sobrevivência real e por isso sua satisfação pode ser postergada. Apesar de amplamente difundida e analisada, esta teoria recebeu diferentes críticas ao longo do tempo, principalmente por estar apoiada em evidências restritas de pesquisas empíricas (Bergamini, 1990; Oliveira & Silva, 2021).

A Teoria Existence, relatedness, grow (ERG) foi desenvolvida na década de 1960 pelo psicólogo Clayton Paul Alderfer e pode ser considerada como um aperfeiçoamento da Teoria da Hierarquia das Necessidades de Maslow, uma vez que, sintetizou as cinco necessidades em três grupos, sendo eles: existência (existence - E), relacionamento (relatedness - R) e crescimento (grow - G) (Wyse, 2018). As necessidades de existência remetem aos aspectos físicos e psicológicos da pessoa, como por exemplo, ar, água, sexo, salário e segurança. As necessidades de relacionamento estão ligadas às demandas de contato com outros, compartilhar ideias e pensamentos, seja pela relação com a família, amigos, conjugal, relações de trabalho e qualquer relacionamento que a pessoa tenha que possibilite uma interação. As necessidades de crescimento comunicam a capacidade de autorrealização, ou seja, o desejo de desenvolvimento pessoal, de ser criativo e produtivo, como também ser influente no ambiente em que vive (Ferreira, Demutti & Gimenez, 2010).

O que diferencia a ERG da teoria de Maslow é o fato de que os grupos de necessidades não são hierarquizados, ou seja, pode haver ao mesmo tempo mais de um grupo e a frustração de um deles não impede e o surgimento de outros (Nascimento & Amaral, 2019).

As teorias X e Y, formuladas por McGregor ao longo da década de 1950, analisam o comportamento humano em uma lógica de trabalho a partir de duas tendências diferentes e contrárias. Essas teorias abordam a motivação ou a falta dela para o trabalho, sendo que foi desenvolvida com objetivo de auxiliar na gestão empresarial com diferentes perfis de trabalhadores. A teoria X representa uma visão negativa do trabalhador e a teoria Y uma visão positiva do mesmo (Wyse, 2018).

Segundo Martinez e Paraguay (2003) na teoria X, o trabalho é desagradável para a maioria das pessoas e o trabalhador é preguiçoso, desleixado, não se esforça e evita o trabalho sempre que possível. A pessoa evita responsabilidades para continuar na zona de conforto mantendo sua segurança. Em um ambiente de trabalho com profissionais com essas características é necessário que a gestão seja mais rígida e controle o comportamento das pessoas na organização.

Para Dias, Queiroz e Lopes (2018) na teoria Y, o ser humano é alguém esforçado e que gosta do fazer, tendo o trabalho como uma atividade habitual. Logo, a gestão da empresa com trabalhadores que possuem estas características, pode atuar de forma inovadora, tanto para o desenvolvimento das pessoas quanto da empresa. A partir da teoria Y, é possível compreender que a pessoa pode ser automotivada e autodirigida, aceitando desafios e responsabilidades afim de desenvolver suas capacidades, tornando-se mais criativa e competente.

A Teoria da Expectativa, foi desenvolvida por Victor Vroom na década de 1960 a partir de estudos sobre o comportamento de pessoas no trabalho em empresas (Perez-Ramos, 1990). É uma teoria na qual as pessoas mantêm expectativas dos resultados que poderão vir a partir de seus esforços para melhorar seu desempenho. Nesta teoria, a motivação está sujeita ao atrativo (valência), tendo em vista o esforço e o desempenho para que os resultados ou recompensas sejam alcançados (instrumentalidade). Insere-se nesse processo uma relação entre ter percepção da recompensa ou resultado de um esforço (expectância). Vale ressaltar que a visão desse processo é diferente de uma pessoa para outra, ou seja, o que é muito atrativo para um sujeito, pode não ser para outro (Wyse, 2018).

A Teoria dos Dois Fatores foi desenvolvida na década de 1950 por Frederick Herzberg. Está embasada na análise do ambiente das organizações de trabalho e no comportamento das pessoas em relação aos aspectos que levam à satisfação ou insatisfação (Correia, Christensen, Vasconcelos & Ahrens, 2018). Nessa teoria são descritos dois fatores, a saber: motivacionais e higiênicos. O primeiro está relacionado à realização e crescimento pessoal, ao reconhecimento pelas atividades bem-feitas, à oportunidade de aprimoramento no trabalho, ao desenvolvimento da criatividade e de outras habilidades, tendo como foco os fatores intrínsecos da pessoa que se mostram influentes no seu desempenho laboral. Já os fatores higiênicos são extrínsecos ao trabalhador e estão presentes no ambiente de trabalho, por exemplo, a remuneração, a relação com as outras pessoas e a segurança para desempenhar suas atividades na empresa (Siqueira & Kurcgant, 2012). De acordo com Correia et al, (2018) a ausência de fatores motivacionais não leva à insatisfação, apenas não causam a satisfação, da mesma maneira que a presença de fatores higiênicos não causam satisfação, mas possibilitam que a pessoa trabalhe sem insatisfação.

A Logoterapia foi descrita pelo psiquiatra e neurologista Viktor E. Frankl e tem como proposta central compreender a motivação primordial do ser humano que é a busca por um sentido, pois "o ser humano tem uma orientação primeira e natural para criar e para realizar valores" (Frankl, 2011, p. 47). Essa orientação se dá em forma de tensão, que é inerente ao ser humano e indispensável à saúde mental (Frankl, 2020). Frankl a denomina como vontade de sentido, ou seja, "o esforço mais básico do homem na direção de encontrar e realizar sentidos e propósitos" (Frankl, 2011, p. 50). Se trata de uma tensão entre o ser (existência) e o sentido (essência); uma tensão entre aquilo que o homem é e aquilo que ele deve tornar-se; entre a situação atual e a situação ideal que ele deve tornar real.

Para Frankl (2016), o encontro do sentido se dá por meio da realização de tarefas significativas e é possível realizar sentidos mesmo em situações adversas como problemas de saúde e incapacidades graves. Apresenta três caminhos que levam a pessoa a alcançar a plenitude de sentido na vida. O primeiro caminho é quando a pessoa é capaz de oferecer algo ao mundo e desta forma realiza valores de criação (atividades intelectuais, artísticas, de trabalho e de realização profissional); o segundo é quando a pessoa percebe que pode receber algo da vida, realizando valores de vivencia (amor ou relação com a natureza); o terceiro se refere à atitude tomada frente a uma circunstância imodificável, realizando desta forma valores atitudinais. De acordo com o autor, a vida humana não cessa de ter sentido sob nenhuma circunstância, e considera privilégio saber sofrer, saber se posicionar diante da culpa e considerar a transitoriedade e a finitude da vida. O sofrimento e a deficiência podem ser vistos como uma condição que não tira o sentido da vida de uma pessoa e sim lhe proporcione um novo sentido.

Após o levantamento bibliográfico, observou-se que as Teoria dos Dois Fatores, a Teoria das Expectativas e as Teorias X e Y não demonstraram relação direta com a Terapia Ocupacional, pois estas são comumente aplicáveis nas áreas de administração, gestão, desenvolvimento de lideranças, desenvolvimento profissional e no ambiente de trabalho.

Já as Teorias da Hierarquia das Necessidade de Maslow e a ERG apresentaram relação com o tema motivação e podem ser aplicadas no contexto da Terapia Ocupacional com intuito de identificar e categorizar as demandas apresentadas pelo cliente, bem como direcionar as intervenções relacionadas às necessidades identificadas. Compreendendo que as necessidades fisiológicas são a base da pirâmide e que, geralmente são prioritárias, o uso de equipamentos de tecnologia assistiva (TA) pode favorecer o melhor desempenho nas atividades básicas da vida diária. De acordo com Alves, Emmel e Matsukura, (2012), as TAs mais utilizadas estão voltadas para a higiene pessoal, vestuário e alimentação. Segundo Saia e Cassapian (2007) a utilização de métodos compensatórios são importantes e necessários para substituir disfunções adquiridas, desenvolver novas habilidades e aproveitar funções preservadas, como nos casos de pessoas com lesão medular, de forma a promover independência em seu cotidiano.

Alterações ou impossibilidades de desempenhar papéis ocupacionais rotineiros devido a uma enfermidade ou lesão impactam diretamente nas relações sociais, causando sentimentos de medo, insegurança e desconforto. O uso de TA também pode suprir necessidades dentro da categoria de segurança e proteção de Maslow, tanto por meio de abordagens em grupo ou individuais.

Abordagens em grupo são estratégias utilizadas como uma forma de rede de apoio e de suporte para a pessoa e contemplam também a categoria social e relacional de Maslow. Correia e Akerman (2015) relataram a atuação de terapeutas ocupacionais em uma comunidade. Foi elaborado um diagrama de ecomapa para identificar demandas e foi formada uma rede de suporte social como uma ferramenta de intervenção para apoio no cotidiano, seja material ou imaterial, vindo de amigos, familiares, grupos e instituições para as pessoas em vulnerabilidade. Perez e Almeida (2010) demonstraram em seu estudo que o espaço grupal foi propício para ampliação do contato social e identificações mútuas entre idosos. Além disso a intervenção favoreceu a ampliação da rede relacional dos idosos e possibilitou a ressignificação de suas trajetórias de vida e do próprio envelhecimento.

Abordagens individuais podem suprir, além das outras categorias, as demandas de estima, pois permitem que as especificidades do cliente sejam identificadas, como por exemplo, a insegurança com o próprio corpo para o desempenho de atividades específicas e a necessidade de ajustes para o retorno ao trabalho. Possibilitar o desempenho dessas atividades pode reduzir a insegurança pessoal, social e financeira, reduzir sentimentos de inutilidade e impactar na autoestima da pessoa. De acordo com Marins e Emmel (2011), a dependência nas atividades de vida diária é considerada como um fator que pode afetar a autoestima dos clientes e limitar suas experiências de interação e participação no meio social. Desta forma, a intervenção do terapeuta ocupacional é fundamental, pois as ocupações são um "meio prático e cotidiano de auto-expressão, de fazer ou experimentar sentido; a ocupação é o elemento ativista da existência humana, sejam as ocupações contemplativas, reflexivas e meditativas ou baseadas em ações" (Wilcock & Townsend, 2014, citado por AOTA, 2015, p. 6).

A aplicabilidade da teoria de Maslow no contexto da Terapia Ocupacional pode despertar a autorrealização do cliente por meio do fazer com sentido, pois "as ocupações proporcionam realização pessoal como resultado de sua prática" AOTA (2015, p.5). Além disso, reflexões para tomada de consciência acerca dos potenciais da pessoa podem ampliar o leque de possibilidades e levar ao encontro de novos sentidos por meio do fazer. Segundo Ferreira et al. (2017) em um estudo no qual paratletas do esporte adaptado foram entrevistados, demonstrou-se que o papel do terapeuta ocupacional na área do esporte e lazer é diferenciado das demais profissões porque atua para além das barreiras ou dos aspectos patológicos. O profissional de Terapia Ocupacional não realiza somente adaptações ou treino, mas trabalha no desenvolvimento pleno das capacidades do cliente, tendo em vista o que a pessoa gosta ou almeja e o que ela é capaz de fazer.

A Logoterapia também apresentou relação com o tema da motivação. Ao discorrer sua teoria, Frankl (2005) faz uma crítica à de Maslow, pois, para ele "o que importa não é tanto saber distinguir entre necessidades mais elevadas e necessidades mais baixas, mas sim, responder à questão se os objetivos de um indivíduo são apenas meios ou significados" (Frankl, 2005, p. 33). De acordo com o autor é natural que uma pessoa doente deseje reconquistar a saúde, mas a saúde deve ser apenas um meio para atingir o fim que é aquilo que apresenta significado em determinado contexto e situação. Para Frankl (2005), a necessidade de um sentido é independente das outras necessidades, podendo estar presente mesmo com a não satisfação das mais categorias mais baixas (Frankl, 2005, p. 35).

Frankl (2020) critica as teorias e as abordagens que se preocupam com a manutenção ou restauração de equilíbrio interno da pessoa e que consideram a realidade como "nada mais que um meio para satisfazer instintos e necessidades, gratificar desejos, reduzir tensões e/ou manter um equilíbrio" (Frankl, 2020, p. 58). Contrapõe seu conceito de vontade se sentido com os princípios da homeostase e com os conceitos de vontade de poder e vontade de prazer, do modo como foram desenvolvidos pelas psicologias adleriana e freudiana respectivamente. Segundo o autor:

... uma visão adequada do ser humano só pode ser apropriadamente formulada quando ela vai além da homeostase e além da autorealização, em direção àquela esfera da existência humana em que o homem decide o que ele fará e o que será em meio a um mundo objetivo de sentidos e valores (FRANKL, 2020, p. 70).

Foram encontrados estudos que demonstram a aplicabilidade da Logoterapia no contexto da Terapia Ocupacional. Segundo Díaz, Pachón, Sanabria e Trujillo, (2002), a Logoterapia é um recurso importante que o terapeuta ocupacional pode recorrer junto a pessoas que recebem um diagnóstico de uma enfermidade que não tem cura e entram em crise existencial, percebendo a vida sem sentido. O terapeuta ocupacional pode utilizar dos conceitos da logoterapia para auxiliar a encontrar sentido, independente da circunstância ou do problema.

Elmescany e Barros (2015) utilizaram os conceitos da Logoterapia na prática da terapia ocupacional junto a uma equipe de cuidados paliativos oncológicos com a perspectiva de ressignificar os acontecimentos da vida. Segundo esses autores a abordagem da Logoterapia é de grande relevância a fim de potencializar as atividades e o fazer humano, como também, favorecer o cuidado integral no contexto da oncologia, pois auxilia na valorização da vida em situação de sofrimento, na elaboração das perdas e do processo de morte.

Zaida, Constanza e Consuelo, (2004) realizaram um estudo de intervenção em grupo de Terapia Ocupacional com enfoque na Logoterapia junto a mulheres adultas com estágio de câncer avançado. As estratégias foram dirigidas para melhorar a qualidade de vida baseada na tríade: motivação intrínseca, desempenho ocupacional independente e sentido da vida, o que resultou em um aumento da motivação entre as participantes.

Considerando a busca pelo sentido como a motivação primária do ser humano, a abordagem da Logoterapia se mostra promissora para aplicabilidade no contexto da Terapia Ocupacional não só nas áreas de cuidados paliativos, doenças crônicas e lesões permanentes, mas em todas as outras áreas e cenários de prática.

 

Considerações Finais

Por meio deste estudo foi possível identificar a menção das principais teorias da motivação e compreender a influência destas no desenvolvimento dos saberes e práticas da terapia ocupacional. Não foi encontrada uma teoria que abarque exclusivamente o tema da motivação no contexto da terapia ocupacional, porém as teorias da Hierarquia de Maslow, a ERG e a Logoterapia apresentaram aproximações importantes. Ressalta-se que a Logoterapia foi a única teoria utilizada como embasamento para a prática da Terapia Ocupacional.

Percebe-se assim uma lacuna entre o reconhecimento da importância da motivação e de fato incorporá-la na prática profissional, ou seja, existe um distanciamento entre a teoria e sua aplicabilidade prática. Apesar do tema motivação ser reconhecido como importante fator para o envolvimento ocupacional, percebe-se a necessidade de mais estudos de forma a demonstrar seu real impacto no cotidiano dos clientes e formas de aplicabilidade nos diferentes contextos terapêuticos ocupacionais.

 

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Endereço para correspondência
Kátia Vanessa Pinto de Meneses
E-mail: katiavpmeneses@gmail.com

Mateus de Jesus Tosta
E-mail: mateus.jt96@gmail.com

Juliana Valeria de Melo
E-mail: juliana.melo@unb.br

Recebido: 10/04/2022
Revisado: 10/05/2022
Aceito: 10/06/2022
Publicado: 30/06/2022

 

 

1 Kátia Vanessa Pinto de Meneses: ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9396-0665
2 Mateus de Jesus Tosta: ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5173-7393
3 Juliana Valeria de Melo: ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0883-6609

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