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Revista de Psicologia da IMED

versão On-line ISSN 2175-5027

Rev. Psicol. IMED vol.9 no.1 Passo Fundo jan./jun. 2017

http://dx.doi.org/10.18256/2175-5027.2017.v9i1.1554 

ARTIGO EMPÍRICO

 

Atitude Religiosa e Percepção Ontológica do Tempo: Um Estudo Correlacional com Pacientes com Insuficiência Renal Crônica em Hemodiálise

 

Religious Attitude and Ontological Time Perception: A Correlational Study With Chronic Renal Insufficiency Patients on Hemodialysis

 

 

Afranio Batista AlvesI; Thiago Antonio Avellar de AquinoII

IGraduado em Ciências das Religiões pela Universidade Federal da Paraíba. E-mail: afraniobatista@hotmail.com
IIPsicólogo, Doutor em Psicologia Social e Professor no Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: logosvitae@hotmail.com

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi identificar a relação entre religiosidade e percepção ontológica do tempo em pacientes com insuficiência renal crônica em tratamento de hemodiálise. A pesquisa foi realizada em uma clínica particular de nefrologia da cidade de João Pessoa-PB. A amostra contou com 100 pacientes com insuficiência renal crônica com idade média de 39,2 anos (DP = 14,8) e amplitude de 18 a 73 anos, a maioria do sexo feminino (60%). Foram utilizados, para a coleta de dados, os seguintes questionários: Escalas de Atitudes Religiosas, Escala Percepção Ontológica do Tempo e Questionário Sócio demográfico. Constataram-se associações positivas entre a percepção do passado e as atitudes religiosas, mais especificamente com o conhecimento, o comportamento e a corporeidade religiosa. Com relação ao futuro, apenas o conhecimento religioso se associou positivamente à percepção do futuro. Ao analisar o tempo de tratamento, observou-se uma associação positiva com as atitudes religiosas (conhecimento, comportamento e sentimento). Concluiu-se que a religiosidade pode desempenhar um importante papel como mediador da percepção do passado e do futuro.

Palavras-chave: Hemodiálise, percepção do tempo, religiosidade


ABSTRACT

This study aims to identify the relationship between religiosity and ontological time perception in patients with chronic renal failure on hemodialysis treatment. The research was conducted in a private nephrology clinic in the city of João Pessoa/PB, Brazil. The sample included 100 patients with chronic renal failure with age average of 39.2 years old (SD = 14.8), ranging between of 18-79 years old, mostly female (60%). For data collection, the following questionnaires have been applied: Scales of Religious Attitudes, Scales of Ontological Perception of Time, as well as Socio-demographic questionnaire. The study has found positive association between the perception of the past and religious attitudes, more specifically as related to knowledge, behavior, and religious corporeality. Regarding the sense of future, only religious knowledge was positively associated to their perception of future. When analyzing the length of treatment, it was observed a positive association to religious attitudes (i.e. knowledge, behavior, and feelings). This study has concluded that religiosity can play an important role as mediator of the perception of the past as well as the future.

Keywords: Hemodialysis, time perception, religiosity


 

 

A insuficiência renal crônica (IRC) pode ser definida como uma "lesão nos rins onde há perda progressiva e irreversível da função renal, o que leva à perda da capacidade de manter o equilíbrio metabólico e hidroeletrolítico" (Cunha et al., 2009, p. 156). A redução da função renal pode ocasionar a Doença Renal Crônica (DRC) que se caracteriza por ser uma "lesão do parênquima renal (com função renal normal) e/ou pela diminuição funcional renal presentes por um período igual ou superior a três meses" (Bastos et al., 2010, p. 249). Dessa forma, quando há uma diminuição na função e/ou lesão renal, esta pode ser diagnosticada por meio da filtração glomerular (FG) que indica a velocidade de filtração dos rins. Segundo a Associação Médica Brasileira e o Conselho Federal de Medicina (2011), a DRC é concebida como uma disfunção dos rins, com a presença ou não de lesão nesse órgão, que se estende por um período superior a três meses, com taxa de Filtração Glomerular < 60 ml/min/1,73 m2.

Na maioria dos casos, a insuficiência renal crônica (IRC) é ocasionada por doenças sistêmicas, tais como: hipertensão arterial, glomerulonefrite crônica e diabetes mellitus. Outro elemento patogênico é a diabetes mellitus tipo 2, que pode desencadear complicação cardiovascular (Peres et al., 2010). Na atualidade, a IRC é concebida como um problema de saúde pública tendo em vista o número de morbidade e mortalidade que afeta a vida dos pacientes, seja no âmbito orgânico, psíquico ou no social (Nepomuceno et al., 2014).

Com a progressão da doença, os portadores são encaminhados para centros de nefrologia, onde é oferecida a terapia renal. Os tratamentos disponíveis para os pacientes renais são: diálise peritoneal ambulatorial contínua, diálise peritoneal automatizada, diálise peritoneal intermitente, hemodiálise e transplante renal. A hemodiálise ambulatorial é o tratamento mais utilizado no qual os pacientes são submetidos a sessões de diálise, em geral três dias por semana, com duração média de três a quatro horas. Dessa forma, a hemodiálise realiza a função renal por meio da circulação sanguínea extracorpórea (Trentini et al., 2004).

Apesar das diversas possibilidades de tratamentos, atualmente, o transplante é a forma mais eficaz para lograr melhoras na qualidade de vida desses pacientes (Ravagnani et al., 2007). Como exemplo, um estudo realizado por Lazzaretti e Rasia (2003) junto a 100 pacientes renais transplantados identificou que 88% sentiam-se satisfeitos/muito satisfeitos com a saúde geral. De forma contrária, pacientes que ainda dependem de uma máquina para a filtração do sangue podem sofrer algum impacto em sua saúde mental, conforme sugere Saraiva (2014) em um estudo com 37 pacientes em hemodiálise em um hospital de Portugal, quando demonstrou que essa amostra apresentava maiores pontuações em uma medida de depressão em comparação com a população geral.

A insuficiência renal crônica é uma doença que imprime várias limitações ao seu portador, impactando sua qualidade de vida (Nepomuceno et al., 2014) tanto por imprimir restrições na vida cotidiana dos pacientes em tratamento hemodialítico (Trentini et al., 2004), quanto por manifestar sintomas de dor (Marques, et al., 2016; Silva, Mendonça, & Carvalho, 2013). Abaixa qualidade de vida (QV) dos pacientes está geralmente associada à falta de adesão ao tratamento, a frequentes hospitalizações e a maior morbimortalidade (Silveira et al., 2010).

Em vários aspectos, a religiosidade pode desempenhar um papel importante no enfrentamento do estresse decorrente do tratamento. Sobre essa temática, um estudo levado a cabo com 127 pacientes diagnosticados com Insuficiência Renal Crônica Terminal em tratamento hemodialítico, sugeriu uma associação direta entre uma medida de Esperança e uma escala de espiritualidade que era constituída por itens que representavam a atribuição de sentido/significado na vida e esperança/otimismo (Ottaviani, Souza, Drago, Mendiondo, Pavarini, & Orlandi, 2014). Outra pesquisa investigou a relação entre crenças religiosas e fatores médicos e psicossociais em pacientes em tratamento hemodiálico (Patel, Shah, Peterson, & Kimmel, 2002). O estudo sugeriu, por um lado, uma relação ente espiritualidade e religiosidade com melhores índices da percepção de suporte social e qualidade de vida, por outro, apontou que os pacientes com maiores pontuações em crenças religiosas apresentavam menores escores na percepção negativa de efeitos da doença e menores índices de depressão.

Por esses motivos, autores como Saraiva (2014) e Nepomuceno et al (2014) consideram relevante a avaliação da religiosidade dos pacientes com insuficiência renal crônica, já que podem utilizara religiosidade tanto como uma estratégia de enfrentamento, como um incentivo e apoio emocionais, o que pode ser considerado relevante na vida das pessoas que padecem dessa patologia (Nepomuceno et al., 2014). Nesse sentido, o próximo tópico aborda a questão da religiosidade no contexto da saúde.

 

Atitude Religiosa e Saúde

O homo religiosus arcaico ou tradicional percebia uma diferenciação entre o espaço sagrado e o profano ao evocar simbolicamente a sacralidade do espaço/objeto (Eliade, 2010). Nos dias atuais a religiosidade pode ser aferida por meio do conceito de atitude, podendo ser definida como sendo um conjunto de comportamentos, conhecimentos e afetos relacionados a um objeto denominado religião. As atitudes religiosas são compostas por quatro dimensões: (1) a cognitiva, referente ao conhecimento acerca das normas e preceitos religiosos; (2) a comportamental, que se relaciona com o comportamento e práticas institucionais; (3) a afetiva, que concerne aos afetos religiosos que são ativados a partir do contato com o que é considerado sagrado pelo indivíduo; e, por fim, (4) a corporeidade que compreende as expressões corporais ativadas em função da vivência relacionada ao sagrado (Aquino et al., 2009).

Estudos apontam relações positivas entre a religiosidade e o binômio saúde/doença (Hill & Pargament, 2008). Koenig (2012), por exemplo, defende que a religiosidade pode influenciar a saúde por meio de três vias, quando utilizada como (1) uma estratégia de enfrentamento religioso, (2) uma fonte de apoio social e (3) uma maneira de controle do comportamento por meio das crenças. No que concerne aos pacientes renais crônicos, o estudo de Silva et al. (2014) constatou que tais pacientes apresentam diferentes formas de manifestar a religiosidade em função de sua autoatribuição religiosa. Utilizando-se de uma Escala de Atitudes Religiosas, observaram maiores pontuações médias nos componentes conhecimento e corporeidade religiosa em pacientes evangélicos do que nos pacientes católicos (Silva et al., 2014).

No contexto de pacientes com câncer, Paiva et al. (2011) estudaram a importância da atitude religiosa no enfrentamento da quimioterapia em 27 pacientes de um hospital oncológico da cidade de São Paulo. Os autores observaram associações diretas entre o índice geral de atitude religiosa (versão reduzida; Aquino et al., 2009) e as subescalas de sintomas gerais, tais como fadiga, náusea e vômito, dor e perda de apetite. A imagem corporal foi associada com as práticas religiosas (atividade de preces/orações). Diniz e Aquino (2009) examinaram as relações entre Atitude Religiosa e Visão de Morte em 190 estudantes universitários. Os autores constataram que a atitude religiosa se associa diretamente com as seguintes concepções de morte: vida do além, coragem e fim natural. Por outro lado, a religiosidade se correlacionou negativamente com a compreensão da morte como fracasso.

Em uma amostra de 299 pessoas da população geral e estudantes universitários, Aquino et al. (2009) encontram uma correlação positiva entre Atitude Religiosa e uma medida de sentido da vida. Os autores concluíram que a atitude religiosa pode servir como uma estratégia de prevenção contra o vazio existencial e o desespero. Frankl (1995) compreende que a religiosidade é uma busca do sentido último da existência, tal definição se aproxima do construto espiritualidade proposto por Koenig (2012) que inclui a busca de propósitos e significados, mas que não envolve necessariamente o conceito de religião. De forma específica, a espiritualidade pode envolver sentimentos de reverencia, admiração e conexão como os outros, além de traços positivos, tais como, confiança, honestidade, perdão, gratidão e altruísmo (Koenig, King, & Carson, 2012). Assim, ainda resta abordar a questão do sentido na vida bem como a sua relação com a percepção na temporalidade, o que se apresenta a seguir.

 

Busca de Sentido na Vida e Percepção Ontologica do Tempo

Segundo a concepção da análise existencial de Frankl (2008), o ser humano é compreendido como um ente em busca de sentido na vida. O mesmo procura lograr um sentido para a existência por meio de valores vivenciais (vivenciar algo ou amar alguém), criativos (criar uma obra para o mundo) e atitudinais (escolher uma postura interior perante uma situação imutável). Na medida em que o ser humano alcança tais valores, os transpõe para a realidade do passado, salvaguardando-os da transitoriedade (Frankl, 2005). Dessa forma, o ser se constitui a partir das possibilidades de valores/sentidos que encontra e realiza durante a temporalidade de sua existência.

Para essa perspectiva da psicologia existencial, a transitoriedade da existência confere sentido à vida, admite Frankl (2008), na medida em que o ser humano se torna mais consciente e responsável perante os valores existenciais. Dessa forma, a vida, compreendida como o espaço entre o nascimento e a morte está entrelaçada na fluidez do futuro para o passado numa perspectiva de historicidade. O futuro é o "poder ser" e o passado corresponde ao ser (aquilo que já foi realizado); já o presente pode ser compreendido como o liame entre o ser e o poder ser. Nessa perspectiva, o ser humano é considerado um ser que busca preencher o hiato nascimento-morte com um sentido para a sua vida (Frankl, 2005).

Fundamentado na compreensão de Frankl (2005) acerca da temporalidade, Aquino (2009) propõe uma medida para avaliar a percepção de sentido do passado, do presente e do futuro denominada Escala de Percepção Ontológica do Tempo (EPOT). O estudo de Vieira (2014) encontrou relações diretas entre as percepções do passado, do presente e do futuro e a vitalidade subjetiva em idosos, sugerindo que a percepção ontológica do tempo é uma variável importante para a qualidade de vida.

No que diz respeito à relação entre religiosidade e percepção ontológica do tempo, Pontes et al. (2015), em uma amostra de pacientes portadores de HIV/AIDS, encontraram relações positivas entre o presente e o futuro e as atitudes religiosas. Mais especificamente, observaram que os componentes: conhecimento, comportamento, corporeidade se associaram diretamente com o presente significativo, já o futuro significativo se correlacionou positivamente com os quatro componentes da religiosidade (conhecimento, comportamento, corporeidade e sentimento). Tendo em conta as considerações supracitadas, o objetivo do presente trabalho foi identificar em que medida a percepção ontológica do tempo está associada com as atitudes religiosas em pacientes com insuficiência renal crônica (IRC). Tal objetivo se justifica considerando que a religiosidade pode promover sentidos/significados e propósitos que se relacionam com o bem estar do indivíduo (Ellison, 1991; Frankl, 1995).

 

Método

Participantes

A pesquisa foi realizada em uma clínica particular de nefrologia da cidade de João Pessoa-PB. A amostra foi por conveniência e contou com 100 pacientes com insuficiência renal crônica, atendidos em um serviço de hemodiálise. A maioria era do sexo feminino (60%), com a média de idade foi de 39,2 anos (DP = 14,8) e amplitude de 18 a 73 anos. O tempo de tratamento variou de 9 meses a 20 anos. Sobre o estado civil 46% se declararam casados, 42% solteiros, 7% divorciados, 3% viúvos, 1% convivente e 1% separado. No que diz respeito à autoatribuição religiosa, a maioria se declarou católica (67%), seguida por evangélicos (22%), outras religiões (7%) e apenas 4% declararam não possuir nenhuma religião.

Instrumentos

Os pacientes responderam a um conjunto de instrumentos:

Escala de Atitudes Religiosas (EAR-20). Desenvolvido por Aquino (2013), o instrumento é composto por 20 itens distribuídos equitativamente em quatro fatores atitudinais: afetivo, (p. ex.: Sinto-me unido a um "Ser" maior; α = 0,65), comportamental (p. ex.: a religião/religiosidadeinfluencia nas decisões sobre o que devemos fazer; α = 0,82), cognitivo (p. ex.: costumo ler os livros que falam sobre religiosidade; α = 0,85) e expressivo (p. ex.: movimentos corporais de expressões religiosas; α = 0,90). Para responder aos itens o participante utiliza uma escala de cinco pontos, com os extremos 1 (Nunca) e 5 (Sempre) (Aquino et al., 2013).

Escala de Percepção Ontológica do Tempo. Esta escala foi desenvolvida por Aquino (2009), considerando-se o modelo teórico de Frankl (1989) acerca do sentido da vida, especificamente no que concerne à temporalidade ontológica, constituída por um conjunto de nove itens: três para cada uma das perspectivas temporais: passado (p. ex.: sinto-me realizado com o que alcancei; α = 0,66), presente (p. ex.: vejo sempre um motivo para estar no mundo; α = 0,75) e futuro (p. ex.: vejo muitas possibilidades de escolha; α = 0,76). Os participantes devem dar suas respostas numa escala de cinco pontos entre os extremos: 1 = Discordo totalmente e 5 = Concordo totalmente.

Dados sociodemográficos. Com a finalidade de caracterizar a amostra, foi solicitado aos entrevistados informar acerca da idade, sexo, religião autoatribuída, estado civil, número de filho e tempo de tratamento.

Procedimento Ético

Inicialmente o projeto foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa com seres humanos do Centro de Ciências da Saúde (UFPB) sob o parecer número 0274/2015. Foram seguidas todas as recomendações éticas da resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde. Todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foram informados previamente sobre os objetivos da pesquisa e sobre o caráter sigiloso de suas respostas. Também foram informados de que poderiam abandonar a qualquer momento o estudo sem nenhuma penalização.

Procedimento para a Coleta dos Dados

Inicialmente foi solicitada a autorização dos responsáveis pela clínica de nefrologia. Após a carta de anuência e a aceitação do comitê de ética, os participantes foram abordados na sala de espera de uma clínica de hemodiálise localizada na cidade de João Pessoa (PB). Os pacientes responderam aos instrumentos de forma individual, antes das sessões de hemodiálise. O tempo para responder à pesquisa foi de, aproximadamente, 10 a 15 minutos.

Procedimento para Análise dos Dados

Os dados foram tabulados no Pacote Estatístico para Ciências Sociais (SPSS), e em seguida submetidos às análises descritivas (frequência, média e desvio padrão) e ao teste de correlação de Pearson para averiguar em que medida as variáveis do estudo estavam associadas.

 

Resultados

Inicialmente buscou-se conhecer em que medida as variáveis do estudo estavam associadas entre si. Constataram-se associações positivas entre a percepção do passado e as atitudes religiosas, mais especificamente com o conhecimento, o comportamento e a corporeidade religiosa. Apenas o conhecimento religioso se associou diretamente com a percepção do futuro, como pode ser constatado na Tabela 1.

Acerca do tempo de tratamento, observou-se uma associação direta entre esta variável e o conhecimento, o comportamento e o sentimento religioso, como se pode observar na Tabela 2. Também se constataram associações entre a percepção ontológica do passado e do presente, a percepção ontológica do futuro e a idade do paciente, e, por fim, a percepção ontológica do presente e o futuro. Os índices dessas correlações se encontram na Tabela 3.

 

 

Discussão

O objetivo desse estudo foi identificar a relação entre religiosidade e percepção ontológica do tempo em pacientes com insuficiência renal crônica (IRC), o que foi plenamente atingido. Os resultados obtidos são importantes e merecem atenção por parte dos profissionais de saúde, sobretudo para aqueles que tratam de pacientes em hemodiálise. Ressaltam-se aqui as questões pertinentes à percepção do tempo e a religiosidade por considerá-las relevantes para aceitabilidade da doença. Conforme asseveram Siegel e Schrimshaw (2002) as crenças espirituais e religiosas são geralmente ativadas nos indivíduos religiosos que se encontram em situações negativas, pois elas ajudam a achar um sentido por meio de uma atribuição a um propósito divino, o que, por conseguinte, facilitaria a aceitação de suas condições da enfermidade. Da mesma forma, a religiosidade em pacientes com insuficiência renal crônica, poderia funcionar como motivação para adesão ao tratamento como pensam Koenig, Pargament e Nielsen (1998) quando explanam acerca do enfrentamento religioso positivo.

No que se refere às dimensões temporais (passado, presente e futuro), constatou-se que as atitudes religiosas: conhecimento, comportamento e corporeidade se relacionam com maiores índices da percepção positiva do passado. No que tange ao futuro, apenas o conhecimento religioso sugeriu melhores índices, enquanto o presente não apresentou nenhuma associação com as atitudes religiosas.

A religiosidade pode fornecer um sentido ao passado dos pacientes, ressignificando tanto as vivências positivas quanto as negativas dos enfermos com insuficiência renal crônica. Conforme sugere o estudo de Silveira et al. (2010) e Nepomuceno et al. (2014), os pacientes em hemodiálise apresentam comprometimento na qualidade de vida, sobretudo nos aspectos físicos e na vitalidade. Entretanto, Greenstreet (2006) considera que a espiritualidade em pacientes com doenças crônicas pode fornecer sentido e esperança para a vida. Já o estudo de Melo, Silva, Da Silva, Galvão e Caetano (2016) sugeriu que duas variáveis, Frequência em comparecer ao templo religioso e Esforço para viver de acordo com a religião, se associaram diretamente com a esperança em pacientes renais crônicos. Maguti et al. (2015), em um estudo com pacientes renais crônicos que realizam hemodiálise, encontraram associação positiva entre "esperança no futuro" e a percepção de saúde. A associação entre conhecimento religioso e a percepção positiva do futuro pode ser melhor compreendida quando se observa os conteúdos dos itens do futuro da Escala de Percepção Ontológica do Tempo (Ao olhar para o futuro: vejo muitas possibilidades de escolha, percebo uma razão para viver, vejo que tenho um ideal ou um sonho a ser realizado). Dessa forma, sugere-se que o conhecimento religioso possa ajudar o paciente a perceber o futuro de forma mais promissor, suscitando melhores perspectivas na amostra estudada. Acredita-se que a visão positiva, nesse caso, pode estar relacionada a possibilidade de um transplante, o que permitiria a retomada de sua autonomia em relação à máquina de hemodiálise.

No que se refere ao tempo de tratamento, constatou-se uma associação positiva com as atitudes religiosas (conhecimento, comportamento e afetos). A religiosidade pode ter, nesses casos, uma função de enfrentamento das situações estressantes decorrentes do tratamento, conforme sugere o estudo de Valcanti et al. (2012) quando aponta que quanto mais os pacientes em tratamento hemodialítico consideram importante a religião/espiritualidade maior a utilização do coping religioso espiritual. Nessa perspectiva, a religiosidade poderiam desempenhar um papel relevante na adaptação do paciente ao tratamento, sobretudo em situações de doenças crônicas (Lucchetti, Almeida, & Granero, 2010).

Por fim, a percepção do passado se associou diretamente com a idade, sugerindo que a maturidade dos pacientes entrevistados constitui uma condição necessária para perceber o passado de forma mais significativa, sentindo-se mais realizado com o que alcançaram na vida, com mais maturidade (ex. Percebo que tenho evoluído para aquilo que sempre quis) e com mais gratidão para a vida (ex. faria tudo outra vez). Frankl (2005) sugeriu que o passado faz parte da existência do ser humano e é compreendido como a dimensão mais segura, tendo em conta que as possibilidades futuras são passíveis de serem perdidas, mas, por outro lado, os valores que o ser humano já realizou, se encontram de forma perene. A partir dos significados que o paciente renal possa encontrar no presente e nos sentidos que já realizou no seu ser passado, pode-se ampliar a percepção para futuras razões que configurem um "para que" viver.

De forma geral, a religiosidade e a percepção temporal se constituem variáveis importantes para as pesquisas com pacientes renais crônicos em tratamento. Embora a presente pesquisa tenha apenas realizado um estudo correlacional, pode-se pressupor que a religiosidade, como uma forma de cosmovisão, pode ser um dos mediadores da percepção do passado e do futuro.

 

Considerações Finais

Cabe nesse momento expor algumas considerações acerca das limitações da pesquisa e algumas recomendações para os estudos futuros com pacientes com insuficiência renal crônica. Inicialmente, observa-se que a escolha da amostra foi por conveniência, o que torna inexequível a generalização dos resultados aqui apresentados. Em todo caso, considera-se que os resultados da pesquisa em tela possam ser úteis para os profissionais da saúde que oferecem assistência a pacientes em hemodiálise. Por exemplo, conforme os resultados desse estudo, torna-se pertinente abordar questões existenciais que possam fortalecer a percepção de sentidos no passado, no presente e no futuro, que constituam razões necessárias e suficientes para viver. Possivelmente as crenças religiosas possibilitam encontrar significados aos contingentes do tratamento que limitam a qualidade de vida desses pacientes, desempenhando provavelmente um papel relevante como estratégia de enfrentamento.

Entretanto, torna-se necessário ainda descobrir outras fontes de sentido, e, nessa perspectiva, recomenda-se que futuros estudos possam mapear quais valores humanos seriam mais prevalentes, assim como o apoio social percebido pelos pacientes em hemodiálise. Além disso, seria igualmente relevante averiguar outras possíveis variáveis decorrentes do tratamento, tais como: depressão, estresse e ansiedade. De forma geral, considera-se que a temática em foco seja fundamental como tema de pesquisa para nortear as práticas de assistência psicológica em pacientes renais crônicos, baseadas em evidências empíricas.

 

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Endereço para correspondência:
Thiago Antonio Avellar de Aquino
Cidade Universitária - CEP: 58051-900
João Pessoa - PB - Brasil

Recebido: Set. 12, 2016
Aceito: Out. 29, 2017

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