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Revista de Psicologia da IMED

versão On-line ISSN 2175-5027

Rev. Psicol. IMED vol.10 no.2 Passo Fundo jul./dez. 2018

http://dx.doi.org/10.18256/2175-5027.2018.v10i2.2866 

ARTIGO EMPÍRICO

 

Com grandes poderes vem...o que? Super-heróis, agressividade e pró-sociabilidade em adolescentes

 

With great power comes... what? Superheroes, aggressiveness and prosocial behavior in teenagers

 

Con grandes poderes ven ... ¿qué? Super-heroes, agresividad y pró-sociabilidad en adolescentes

 

 

Isabella Silva SantosI; Carlos Eduardo PimentelII; Maria Helena Venâncio de VasconcelosIII; Robinson Pierre Pereira da Silva JuniorIV; Amanda Barros de AbreuV

IUniversidade Federal da Paraíba - UFPB. Brasil. E-mail: isalss2010@gmail.com
IIUniversidade Federal da Paraíba - UFPB. Brasil. E-mail: carlosepimentel@bol.com.br
IIIUniversidade Federal da Paraíba - UFPB. Brasil. E-mail: mhelenavv@outlook.com
IVUniversidade Federal da Paraíba - UFPB. Brasil. E-mail: jrpierreufpb@hotmail.com
VUniversidade Federal da Paraíba - UFPB. Brasil. E-mail: amandabarros.abreu@gmail.com

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os super-heróis são parte da cultura contemporânea, tendo cada vez mais destaque, especialmente entre os adolescentes. Nesse sentido, compreender a influência desse tipo de personagem é necessário para o contexto social e educacional. Assim, o objetivo deste estudo foi compreender as relações entre o contato com super-heróis, a agressividade e a pró-sociabilidade, considerando o impacto da personalidade e do gênero dos participantes. Ao todo, 240 estudantes de uma escola pública entre 12 e 18 anos, responderam aos seguintes instrumentos: Escala de Contato com Super-heróis, Questionário de Agressão, Escala de Pró-sociabilidade, Big Five Inventory-10 e perguntas sociodemográficas. Foram utilizadas análise fatorial, análises descritivas, correlações bivariada e parcial e regressão linear múltipla para analisar as informações. Os resultados indicaram diferenças na relação dos construtos em respondentes do gênero feminino (quando o contato com super-heróis se associou positivamente à pró-sociabilidade) e masculino (quando o contato associou-se negativamente à pró-sociabilidade e positivamente à raiva). Contudo, não foram observadas relações de predição em nenhum dos casos. Assim, existe a possibilidade de propor meios para a concepção de intervenções que utilizem super-heróis para discutir o que leva alguém a ser agressivo ou pró-social.

Palavras-chave: psicologia do adolescente, traços de personalidade, interação social, gênero


ABSTRACT

Superheroes are part of contemporary culture, being very popular among teenagers. Understanding the influence of this type of character is necessary for the social and educational context. Thus, the purpose of this study was to understand the relationship between contact with superheroes, aggressiveness and pro-sociability, considering the impact participants personality and gender. A total of 240 students from a public school between 12 and 18 years old participated in the study, answering the following instruments: Contact with Superheroes Scale, Aggression Questionnaire, Pro-sociability Scale, Big Five Inventory-10 and sociodemographic questions. Factorial analysis, descriptive analyzes, bivariate and partial correlations and multiple linear regression were used to analyze the information. The results indicated differences in the relation between the constructs in female respondents (where contact with superheroes was positively associated with pro-sociability) and male (with this contact being negatively associated with pro-sociability and positively with anger), although no predictive relations were observed in any of the cases. Thus, possibilities can be proposed for the design of interventions that use superheroes to discuss what makes someone have aggressive or prosocial behavior.

Keywords: adolescent psychology, personality traits, social interaction, gender


RESUMEN

Los superhéroes son parte de la cultura contemporánea, teniendo muy destaque, especialmente con adolescentes. En ese sentido, comprender la influencia de ese tipo de personaje es necesario para el contexto social y educativo. Así, el objetivo de este estudio fue comprender las relaciones entre el contacto con superhéroes, la agresividad y la pro-sociabilidad, considerando el impacto de la personalidad y del género de los participantes. Participaron 240 estudiantes de una escuela pública de entre 12 y 18 años, que respondieron los siguientes instrumentos: Escala de Contacto con Superhéroes, Cuestionario de Agresión, Escala de Pro-sociabilidad, Big Five Inventory-10 y preguntas sociodemográficas. Se utilizaron análisis factoriales, análisis descriptivos, correlaciones bivariadas y parcial y regresión lineal múltiple para analizar las informaciones. Los resultados indicaron diferencias en la relación de los constructos en respondedores del género femenino (el contacto con superhéroes se asoció positivamente a la pro-sociabilidad) y masculino (el contacto se asoció negativamente a la pro-sociabilidad y positivamente la ira), no se observan relaciones de predicción en ninguno de los casos. Así, pueden proponerse posibilidades para la concepción de intervenciones que utilicen superhéroes para discutir lo que lleva a alguien a ser agresivo o prosocial.

Palabras clave: psicología del adolescente, rasgos de personalidad, interación social, género


 

 

Introdução

Os heróis são parte da cultura humana desde os seus primórdios, estando presente em todas as sociedades, tanto em mitos e histórias reproduzidas por gerações, quanto em características pessoais que são consideradas "heróicas" nas interações entre os sujeitos de acordo com o contexto da época (Pitina & Taskaeva, 2016; Tang, Crossan, & Rowe, 2017). Atualmente, os super-heróis são o exemplo mais claro dessa caracterização, estando presente em várias formas da mídia, como filmes, histórias em quadrinhos e videogames e se popularizando exponencialmente (Coyne & Linder, 2014; Young, Gabriel, & Hollar, 2013). Se por um lado, esses personagens são a representação do melhor que os indivíduos podem ser, quando um sujeito se dedica a proteger a sociedade do perigo e a arriscar sua vida pela justiça (Calvert, Murray, & Conger, 2004; Kotler & Calvert, 2003), por outro lado, eles se utilizam da violência como um meio para alcançar seus objetivos. Desse modo, há uma dualidade entre pró-sociabilidade e agressividade em suas ações, proporcionando uma reflexão a respeito de qual desses aspectos causa mais impacto nas pessoas que consomem esse tipo de programa, em especial nos mais jovens.

Sendo assim, é importante inicialmente tratar de uma definição operacional desses termos: enquanto a agressividade pode ser definida como uma tendência para uma forma de se comportar hostil e ameaçadora com o objetivo de causar algum tipo de prejuízo, a pró-sociabilidade seria um conjunto de comportamentos e atitudes com a intenção de ajudar outras pessoas sem que haja nenhuma recompensa diretamente relacionada a essa ação (APA, 2008; Aznar-Farias & Oliveira-Monteiro, 2006). Estudos prévios mostram que, de fato, ambos os aspectos podem ser afetados pelo consumo de mídia, a curto e longo prazo (Greitemeyer, 2009; Krahé & Möller, 2010).

Assim, a maioria dos estudos psicológicos envolvendo super-heróis foca nos temas relacionados à agressividade, especialmente no que se diz respeito ao desenvolvimento de comportamentos antissociais e agressivos em pessoas expostas a super-heróis desde à infância criando uma identificação com esse tipo de personagem com o passar dos anos (Coyne et al., 2017; Huesmann et al., 2003; Wilson et al., 2002). Além disso, a exposição à super-heróis também foi demonstrada como relacionada a outros aspectos negativos, como o perfeccionismo maldaptativo e os ideais de corpo perfeito em adolescentes (Dour & Theran, 2011).

Por outro lado, estudos demonstram relações dos super-heróis com construtos positivos, como o desenvolvimento da resiliência em crianças na utilização de histórias de super-heróis com pontos em comum com as dificuldades vividas em seu dia-a-dia (Fradkin, Weschenfelder, & Yunes, 2015) e escolha de comportamento de ajuda após uma situação experimental (Peña & Chen, 2017). No que diz respeito especificamente a comportamentos relacionados à sociabilidade, uma discussão anterior demonstra o desenvolvimento de comportamentos pró-sociais após intervenções discutindo os conceitos de heroísmo com estudantes (Gash & Conway, 1997), e mais recentemente, o aumento desse tipo de ação em uma situação experimental onde os participantes eram atribuídos ao papel de herói (Yoon & Vargas, 2014). Assim sendo, tais exemplos mostram que além da exposição à super-heróis trazer consequências positivas, elas são uma ferramenta para refletir a propósito dos vários tipos de intervenção objetivando a pró-sociabilidade.

Então, como explicar essa dualidade? Pesquisas indicam que um fator determinante é a capacidade de compreensão do sujeito em relação ao que está sendo consumido, fazendo com que crianças e adolescentes mais jovens apresentem um foco maior na agressividade por si só, ao invés de se ater ao significado dessas ações (Calvert, Murray, & Conger, 2004). A partir disso, é essencial salientar a importância de compreender a influência de todos os tipos de representação midiática consumidos na adolescência em específico, considerando que essa é uma época chave onde várias escolhas relacionadas à personalidade são feitas (Erikson, 1968). No contexto desse estudo, a adolescência é considerada a fase do ciclo vital que engloba o período entre 12 e 18 anos, onde ocorrem mudanças essenciais para o desenvolvimento biopsicossocial do sujeito (Eisenstein, 2005).

Uma das mudanças mais marcantes no que diz respeito à subjetividade humana nesse período é a estruturação da personalidade, o conjunto de características que nos faz únicos e que influencia a maneira que reagimos ao mundo ao nosso redor (Schoen-Ferreira, Aznar-Farias, & Silvares, 2003). Nesse contexto, apesar da escassez na literatura de estudos associando os super-heróis com a personalidade, nota-se a sua ligação com a agressividade e a demonstração de comportamentos pró-sociais. Dessa forma, traz à tona o questionamento se ela também estaria envolvida com a preferência ou identificação com esse tipo de personagem (Baumeister & Twenge, 2001; Dam et al., 2018; Jones, Miller, & Linam, 2011).

Portanto, além do envolvimento direto com nossa cultura, a importância de compreender e estudar super-heróis foca-se na compreensão sobre de que maneira a exposição à eles influenciam o consumo desse tipo de mídia. Assim, tendo como objetivo buscar além das consequências observadas no dia-a-dia, mas de semelhante modo as possibilidades de utilização em contextos de intervenção, em especial, na reflexão a respeito do público infantil e adolescente em contexto escolar e social. Considerando o fato de que nenhum tipo de mídia é positiva ou negativa de forma isolada, sendo dependente do contexto, as mensagens trazidas por esse tipo de personagem podem ser otimizadas através do encorajamento de discussões e de atividades, em conjunto com pais e educadores, sobre o que foi consumido (Hogan, 2012). Outra possibilidade seria o uso dos super-heróis na construção de formas de mídia (como histórias em quadrinhos) que discutam e reforcem saídas não violentas para conflitos (Anderson & Bushman, 2001).

Contudo, o contexto brasileiro carece de pesquisas que buscam investigar como o consumo de mídias que possuam como tema os super-heróis afetam ao indivíduo, principalmente em indagações diretamente relacionadas a esse tipo de programa, como a pró-sociabilidade e a agressão. Assim, o objetivo desse estudo foi compreender as relações entre o contato com mídia de super-heróis com a agressividade e a pró-sociabilidade num grupo de adolescentes. Com o intuito de identificar a existência de diferenças de acordo com o gênero dos respondentes nessa relação e qual é o papel da personalidade (se está ou não associada) no contexto desse questionamento.

 

Método

Amostra

Participaram do presente estudo 240 voluntários, em sua maioria estudantes do Ensino Fundamental II e Médio de uma escola pública da cidade de João Pessoa. A amostra foi majoritariamente feminina (55,8%), e cursando o Ensino Médio (50,4%), com uma idade entre 12 e 18 anos, e média de 14,94 anos (DP= 1,89). Foram considerados para a amostra apenas estudantes na faixa etária abarcada no conceito de adolescência utilizado como base. Além disso utilizou-se o critério de que no momento das visitas dos aplicadores, estivessem presentes no prédio escolar. A amostra foi não-probabilística por conveniência.

Procedimentos

O estudo foi realizado durante um projeto de Iniciação Científica (PIBIC), sendo inicialmente submetido e aprovado pelo Comitê de Ética designado através do Sistema CEP/CONEP. Todos os procedimentos realizados seguiram a resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde, referente a pesquisas com seres humanos. Os participantes responderam ao questionário depois de um diálogo sobre essa possibilidade com os diretores da instituição e da apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos responsáveis (o Termo de Assentimento foi recebido pelos participantes no momento da aplicação). Após o acordo com a direção da escola sobre os dias de aplicação, primeiramente foi realizado um pré-teste com um grupo de 10 alunos do sexto ano (sala que continha a parte mais jovem e com menor nível educacional da amostra), para que as devidas correções fossem realizadas objetivando uma melhor compreensão por parte da amostra, salientando que esses questionários não foram considerados na análise final. Toda a amostra referente a escola respondeu o instrumento nas salas de aula, no respectivo turno que tinham suas aulas. O restante da amostra (cerca de 5 sujeitos), por conseguinte, respondeu as escalas de forma individual num local adequado para tal atividade. Todas as etapas do processo foram realizadas por pesquisadores devidamente treinados, disponíveis para esclarecer dúvidas durante e depois da aplicação. A coleta durava em média 20 minutos, tanto nas aplicações coletivas quanto em individuais.

Instrumentos

Foram utilizados os seguintes instrumentos, sendo todos eles considerados adequados de acordo com testes psicométricos anteriores e após algumas adaptações das instruções (especificação de como utilizar as escalas de resposta tipo Likert devido à muitas dúvidas) de acordo com o que foi observado no teste piloto.

Questionário sociodemográfico.

Objetivando caracterizar a amostra, as perguntas abarcavam temas como o gênero, a idade e a escolaridade.

Escala de Contato com Super-heróis (ECS).

Trata-se de uma escala unifatorial tipo Likert de 8 itens que tem como objetivo mensurar meios de consumo de mídia de super-heróis, como quadrinhos, filmes e videogames, assim como a preferência por esse tipo de mídia. Considerando a falta de instrumentos adequados a esse construto em contexto brasileiro, foi desenvolvida no presente estudo, através de pesquisas sobre quais eram as mídias onde os super-heróis apareciam mais frequentemente. Assim, suas perguntas exploravam tanto o contato prévio com super-heróis (e.g. "Com que frequência você assiste filmes de super-heróis?") quanto a preferência por essa mídia (e.g. "O quanto você gosta de super-heróis?"). Os itens finais foram analisados por um grupo de pesquisadores e pelo pré-teste, anteriormente apresentado, para comprovar se de fato eram compreensíveis ao público-alvo do estudo. Suas propriedades psicométricas são trazidas na seção de Resultados.

Questionário de Agressão.

Criado por Buss e Perry (1992) e validado no Brasil por Gouveia e colaboradores (2008), trata-se de uma medida tipo Likert, composta por 25 itens que englobam 4 dimensões da agressão: Agressão física e agressão verbal (ambas representando o aspecto motor do comportamento agressivo, como na afirmativa "quando me provocam o suficiente, é possível que eu bata em outra pessoa"), raiva (o componente referente à excitação fisiológica, bem como a preparação para o comportamento agressivo, trazido em perguntas como "tenho dificuldade em controlar meu temperamento") e hostilidade (uma crença de ser injustiçado, como em "às vezes sinto que a vida tem sido injusta comigo").

Escala de pró-sociabilidade.

Trata-se de uma escala unifatorial tipo Likert, composta por 16 itens que aferem comportamentos pró-sociais, como comportamento de ajuda (e.g. "eu faço o que posso para ajudar os outros a evitar problemas"), e empatia (e.g. "eu sinto intensamente o que os outros sentem."). Foi desenvolvida por Caprara, Steca, Zelli e Capanna (2005) e validada em contexto brasileiro por Pimentel (2012).

Big Five Inventory-10 (BFI-10).

Desenvolvido por Rammstedt e John (2007) como uma forma mais curta de medir os cinco fatores de personalidade (amabilidade, conscienciosidade, neuroticismo, abertura e extroversão), engloba 10 itens tipo Likert baseados no BFI-44 (com 2 itens por dimensão), todos iniciados com a afirmação "eu me vejo como alguém que", como "é reservado" ou "tem poucos interesses artísticos". Já foi validada em diversos idiomas, como inglês, alemão e italiano.

Análise de Dados

Foi utilizado o Statistical Package for Social Sciences (SPSS), em sua versão 24, realizando-se análise fatorial e de confiabilidade para mensurar a adequação da Escala de Contato com Super-heróis (ECS). Além disso, foram realizadas análises descritivas com o objetivo de caracterizar a amostra, teste-t de Student para amostras independentes para compreender se as diferenças nas pontuações entre gêneros diferentes eram significativas. Enfim, foi feita a correlação (bivariada e parcial) para observar como os construtos se relacionavam, e regressão, para verificar a possibilidade de uma relação preditiva.

 

Resultados

Propriedades fatoriais e de confiabilidade da ECS: A medida de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o teste de esfericidade de Bartlett indicaram a adequação da amostragem para a realização da análise fatorial, com resultados de, respectivamente, 0,91 e 944,886 (p < 0,01). Na análise propriamente dita (utilizando-se o método dos componentes principais), a escala se mostrou como unifatorial (Figura 1), com um eigenvalue de 4,71 e explicando 59% da variância das respostas. A sedimentação dos itens no fator variou entre 0,59 (item 7) e 0,86 (item 3). Já no que diz respeito a confiabilidade, o alfa da escala foi de 0,90. Considerando todos os valores adquiridos através das análises, a ECS se mostra parcimoniosa com índices de adequação adequados para a utilização.

Estatísticas descritivas e teste-t para amostras independentes: Primeiramente, foram obtidos os escores gerais em pró-sociabilidade e agressão da amostra, bem como o escore da ECS. Foram considerados tanto o conjunto total quanto dividido por gênero (considerando que observar essas diferenças foi proposto como um dos objetivos do estudo), e um teste-t foi realizado para observar se as diferenças entre meninos e meninas eram significativas, como pode se observar na Tabela 1.

Correlação: Após as análises iniciais, foram realizadas correlações bivariadas de Pearson para verificar de que forma os construtos estudados se relacionavam. Os resultados gerais são trazidos na Tabela 2, onde se considerando a amostra como um todo, não foram trazidas relações entre os outros fatores e a ECS. Por esse motivo (além de já ser proposto pelos objetivos do estudo), a correlação bivariada foi realizada novamente com a amostra dividida de acordo com o gênero e focando nas relações com a ECS, como é trazido na Tabela 3.

Assim, foi observado diferenças entre os dois grupos na relação da agressividade e da pró-sociabilidade com o contato e preferência por super-heróis: Nas meninas, o contato com super-heróis se relacionou ao comportamento pró-social, enquanto nos meninos nenhuma relação se mostrou significativa. Em busca de um melhor modelo explicativo e para observar se retirando a influência dos traços de personalidade as relações entre pró-sociabilidade, agressividade e contato com super-heróis se manteriam, foi realizada uma correlação parcial controlando os traços de personalidade, sendo os resultados exibidos na Tabela 4.

Portanto, retirando a influência dos traços de personalidade, a relação entre contato e preferência por super-heróis e pró-sociabilidade nas meninas aumenta (r = 0,23, p < 0,05), enquanto nos meninos é notada uma relação entre os construtos citados anteriormente de forma positiva com a raiva (r = 0,15 p < 0,05) e negativa com a pró-sociabilidade (r = -0,13, p < 0,05).

Regressão: Por fim foi utilizada a regressão múltipla stepwise, retirando o efeito dos traços de personalidade, para observar a existência de uma relação de predição entre o contato com super-heróis e a agressividade e/ou pró-sociabilidade. Contudo, os níveis de redução de erro não foram significativos (Tabela 5). Dessa maneira, é possível notar que, apesar de existir uma relação entre o consumo e a preferência por mídia de super-heróis e alguns dos construtos estudados, consumir e gostar desse tipo de mídia não predizem comportamento pró-social ou agressivo.

 

Discussão

O objetivo deste estudo foi compreender como o consumo de mídia relacionada à super-heróis está relacionado a agressividade e a pró-sociabilidade, bem como a influência da personalidade e do gênero nessas relações. Foi observado então que, apesar desse consumo não predizer nenhum dos tipos de comportamentos, quando se retira a influência dos traços de personalidade, as meninas com maior contato com mídia de super-heróis demonstram maiores escores em pró-sociabilidade, acontecendo o oposto com os meninos. Também foi observada uma associação entre a raiva e esse contato na amostra masculina. Apesar do estudo atual acessar o construto dos super-heróis de uma forma diferenciada de estudos anteriores (tendo um foco na forma que os sujeitos consomem esse tipo de mídia em sua vida diária, ao invés de uma exposição realizada especificamente para a pesquisa), podem ser feitas algumas reflexões dos resultados a partir de estudos anteriores.

Primeiramente, assim como em pesquisas anteriores o papel da mídia como fator de impacto na subjetividade humana é demonstrado. Uma das hipóteses que explica esse fenômeno é a aprendizagem por observação, que aplicado ao contexto desta pesquisa significaria que assistir um super-herói se comportando de determinada maneira (agressiva ou pró-social) levaria a aquisição de novos repertórios cognitivos e comportamentais (Krahé & Möller, 2011). Mas como explicar as diferenças de gênero nos resultados?

Os resultados da parte masculina da amostra vão na mesma direção que estudos anteriores sobre a agressividade, que mostram o contato com super-heróis como algo relacionado à comportamentos e sentimentos agressivos, sendo a raiva o predominante na amostra estudada (Anderson et al., 2010; Coyne et al., 2017). Porém, os resultados da parcela feminina da amostra vão contra esses resultados. Uma possibilidade para essa diferença é que, como tratado anteriormente por Wiedeman, Black, Dolle, Finney, & Coker (2015), não só existem diferenças de gênero nos efeitos da mídia violenta nas pessoas, mas quando expostos à esse tipo de mídia, meninos demonstram um aumento maior no comportamento agressivo quando comparados a meninas.

Tratando da pró-sociabilidade nas meninas, Espinosa e Kovářík (2015) pontuam o fato de que mulheres tendem a reagir mais a situações pró-sociais (não só considerando à exposição da mídia), o que poderia explicar a ligação mais forte entre a pró-sociabilidade e o contato com super-heróis na amostra feminina (fazendo com que as adolescentes fossem mais impactadas pelas mensagens pró-sociais dos super-heróis que a amostra masculina).

No contexto de pesquisas acerca de super-heróis, por sua vez, como demonstrado anteriormente por Calvert, Murray e Conger (2004) em seu estudo, as participantes do gênero feminino tinham uma compreensão mais adequada do que foi exibido nos programas de super-heróis. Assim, um entendimento mais empobrecido da história fez com que os participantes do gênero masculino se identificassem mais com o elemento agressivo do estímulo apresentado, ao invés de manterem um foco nas motivações dos personagens. Seguindo por essa lógica, uma possibilidade para os resultados observados nesse estudo é que as meninas da amostra compreendem mais as mensagens de pró-sociabilidade incluídas na mídia de super-heróis, justificando assim as diferenças entre os gêneros. Porém, estudos posteriores focados em testar essa possibilidade seriam necessários para comprová-la.

Apesar do relatado anteriormente, é importante salientar que apesar de em uma parte da amostra a relação entre consumo de super-heróis e raiva existir, essa foi a mais fraca em comparação às outras, não existindo também nenhuma relação significativa entre a agressividade como construto geral e à exposição a mídia de super-heróis. Isso pode ter se decorrido devido à idade dos participantes, uma vez que pesquisas realizadas indicam que a vulnerabilidade aos efeitos negativos de mídia com conteúdo violento e situações que misturam comportamento pró-social e agressivo é maior em crianças, por ainda estarem no processo de compreensão das maneiras adequadas de se agir em sociedade (Coyne et al., 2017; Huesmann et al., 2003).

 

Considerações Finais

A mídia de super-heróis oferece uma mistura muito singular entre uma mensagem de ajuda aqueles que estão em sofrimento e superação das dificuldades e de uso da violência para alcançar objetivos, suscitando uma série de questionamentos: existe de fato essa dualidade tão determinada entre o bem e o mal? Até onde se pode ir pelo bem maior? Essas e outras discussões são importantíssimas em fases cruciais do desenvolvimento humano, como a adolescência. Desse modo, demonstra a importância que esse tipo de personagem pode ser uma ferramenta em intervenções e diálogos com essa faixa etária.

Tendo em vista o que foi apresentado, pode-se concluir que os objetivos do estudo foram cumpridos, apesar das limitações que são inerentes a toda pesquisa. As principais foram relativas a amostra: a quantidade de sujeitos que responderam os instrumentos, o fato desses respondentes serem por conveniência e de que a maioria respondeu em ambiente coletivo de sala de aula (o que pode ter causado inibição por vários fatores, como medo dos professores terem acesso as respostas) podem ter influenciado no tipo de resultado alcançado. Também foi notado que muitos dos respondentes não tinham um contato muito frequente com mídia relacionada à super-heróis.

Outro aspecto que causou dificuldade foram os instrumentos apesar da realização de um estudo piloto com os adolescentes mais jovens que estavam incluídos na amostra e de neste momento não terem ocorrido maiores problemas, durante o restante da aplicação muitos participantes apresentaram dúvidas e complicações para compreender como funcionavam as medidas propostas. Contudo essa situação foi consideravelmente sanada com o auxílio dos pesquisadores responsáveis, o que também pode ser uma possível variável interveniente.

Mesmo assim, é esperado que os resultados aqui presentes possam mostrar que, por serem uma mídia com diversas possibilidades, personagens e estilos de narrativas, os super-heróis não são apenas relacionados com comportamento agressivo, mas também com uma mensagem de ajuda ao outro e superação das dificuldades, e entender os fatores que influenciam agressividade ou pró-sociabilidade deveriam ser uma perspectiva nas pesquisas futuras sobre o tema.

Assim, a pesquisa atual não só cumpriu o objetivo proposto, trazendo resultados que contribuem para a popularização e compreensão do tema, quanto abriu como possibilidades o estudo deste construto de maneira mais aprofundada. Desse modo, buscou-se compreender além das relações existentes, mas por que elas existem, bem como evidências de como os super-heróis podem ser utilizados em cenário educacional ou de projetos com adolescentes como uma forma de se falar de comportamentos pró-sociais ou agressivos. Algumas possibilidades dessa utilização são intervenções que mostrem a importância de ajudar os outros através de atitudes de personagens fictícios, ou refletir o que leva os adolescentes a serem agressivos e alternativas para lidar com essas situações de outras maneiras, e ainda o trabalho da resiliência para superar situações de vulnerabilidade utilizando os super-heróis como modelo.

 

Agradecimento

Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de Iniciação Científica concedida a primeira autora para a realização desta pesquisa.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Universidade Federal da Paraíba - UFPB
Cidade Universitária, s/n - Castelo Branco III
João Pessoa - PB, Brasil. CEP 58051-085

Recebido: Julho 23, 2018
Aceito: Agosto 28, 2018

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