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Revista de Psicologia da IMED

versión On-line ISSN 2175-5027

Rev. Psicol. IMED vol.11 no.1 Passo Fundo enero/jun. 2019

http://dx.doi.org/10.18256/2175-5027.2019.v11i1.2986 

ARTIGO EMPÍRICO

 

Psicologia escolar no ensino médio público: o rap como mediação

 

School psychology in public high school: the rap as mediation

 

Psicología escolar en la enseñanza media pública: el rap como mediación

 

 

Vera Lucia Trevisan de SouzaI; Maura Assad Pimenta NevesII

IPontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), São Paulo, Brasil. E-mail: vera.trevisan@uol.com.br | ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2062-0680
IIPontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), São Paulo, Brasil. E-mail: mauraapneves@gmail.com | ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8801-5626

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo apresenta parte de uma pesquisa em que se investiga o potencial da música, neste recorte o rap, na mobilização de processos imaginativos e criativos de estudantes do Ensino Médio de uma escola pública. Abordando uma visão de adolescência como produção histórica e cultural, visa por em relevo a importância em dar voz aos adolescentes quando se trata de pensar/agir sobre suas condições de vida atuais e futuras. De modo subjacente o artigo permite refletir sobre a atuação do psicólogo na escola, quando ancorado em uma perspectiva crítica que focaliza o coletivo como potência para a transformação da realidade. A análise realizada se sustenta nos pressupostos teórico-metodológicos da Psicologia Histórico-Cultural, priorizando os conceitos de imaginação e pensamento por conceito, funções psicológicas que assumem prevalência na adolescência. Elegeu-se como objeto da presente análise dois encontros envolvendo 40 estudantes em atividades de apreciação musical, reflexão sobre a biografia de dois rappers e sobre suas músicas e produção de músicas. Os resultados demonstram que a experiência com a música, sobretudo o rap, parece potente na promoção de significados e sentidos sobre a vida dos adolescentes, podendo promover novas relações e percepções sobre seus modos atuais de vida e suas possibilidades futuras.

Palavras-chave: Psicologia escolar, Rap, Adolescência, Imaginação, Ensino público


ABSTRACT

This article presents part of a research that investigates the potential of music, in this cut the rap, in the mobilization of imaginative and creative processes of high school students of a public school. Approaching a vision of adolescence as a historical and cultural production, it aims to highlight the importance of giving voice to adolescents when it comes to think about and act on their current and future living conditions. Underlying this article allows to reflect on the performance of the psychologist in school, when anchored in a critical perspective that focuses the collective as power for the transformation of reality. The analysis is based on the theoretical-methodological assumptions of Historical-Cultural Psychology, prioritizing the concepts of imagination and thought by concept, psychological functions that assume prevalence in adolescence. Two meetings involving 40 students in music appreciation activities, reflection about the biography of two rappers and their music and music production were selected as the object of the present analysis. The results demonstrate that the experience with music, especially rap, seems powerful in promoting meanings and senses about adolescents' lives, and can promote new relations and perceptions about their current ways of life and their future possibilities.

Keywords: School Psychology, Rap, Adolescence, Imagination, Public School Education


RESUMEN

Este artículo presenta parte de una investigación que investiga el potencial de la música, en este recorte el rap, en la movilización de procesos imaginativos y creativos de estudiantes de la Enseñanza Media de una escuela pública. Abordando la adolescencia como producción histórica y cultural, tiene por objeto destacar la importancia de dar voz a los adolescentes cuando se trata de pensar / actuar sobre sus condiciones de vida actuales y futuras. De modo subyacente el artículo permite reflexionar sobre la actuación del psicólogo en la escuela, cuando anclado en una perspectiva crítica que enfoca al colectivo como potencia para la transformación de la realidad. El análisis realizado se sustenta en los presupuestos teórico-metodológicos de la Psicología Histórico-Cultural, priorizando los conceptos de imaginación y pensamiento por concepto. Se eligió como objeto del análisis dos encuentros involucrando a 40 estudiantes en actividades de apreciación musical, reflexión de biografía de dos raperos y sobre sus canciones y producción de canciones. Los resultados demuestran que la experiencia con el rap parece potente en la promoción de significados y sentidos sobre la vida de los adolescentes, pudiendo promover nuevas relaciones y percepciones sobre sus modos actuales de vida y sus posibilidades futuras.

Palabras clave: Psicología escolar, Rap, Adolescencia, Imaginación, Enseñanza en la escuela pública


 

 

Introdução

Este artigo apresenta parte de uma pesquisa em que se investiga o potencial da música, neste recorte o rap, na mobilização de processos imaginativos e criativos de estudantes do Ensino Médio de uma escola pública, visando-se por em relevo a importância em dar voz aos adolescentes quando se trata de pensar/agir sobre suas condições de vida atuais e futuras.

Abordar o tema da adolescência na perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural implica compreendê-la como um fenômeno historicamente construído (Ozella & Aguiar, 2008), mas, também é um convite a conhecer o modo como as funções psicológicas superiores atuam e quais delas assumem prevalência no adolescente, promovendo mudanças no modo de ele ser e agir no mundo (Vigotski, 2012).

A perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural assume que o meio é fonte de desenvolvimento humano, de modo que o acesso ao que está no social e na cultura é o que favorecerá o processo de hominização, pela interação entre sujeito e social. Nesse processo, as funções psicológicas elementares ganham qualidades de superiores, pela mediação da linguagem, ampliando as possibilidades de o sujeito significar o mundo e a si mesmo. Conforme suas experiências e sua relação com o meio se ampliam, ampliam-se também suas formas de significação (Vigotski, 2007).

As funções psicológicas formam um sistema indissociável, em que a alteração do conteúdo de uma implica a mudança estrutural do sistema psicológico como um todo (Vigotski, 2007). Em assim sendo, a imaginação, o pensamento e a emoção atuam de forma totalmente imbricada, o que se opõe à concepção, há tempos disseminada, de que a imaginação estaria dissociada da razão (Tateo, 2016).

Na adolescência, a imaginação e o pensamento por conceito assumem prevalência, ampliando as possibilidades de o sujeito interagir com o mundo, pela capacidade de abstração característica do modo de relação com a realidade de ambas as funções. E, parte constitutiva do desenvolvimento do psiquismo, o meio passa a fazer novas exigências ao sujeito, que já não se apresenta com as características da criança para responder a uma série de situações e é cobrado a assumir novas condutas, ou, modos de pensar, sentir e agir (Vigotski, 2012).

Contudo, o adolescente também não dispõe dos recursos do pensamento do adulto para enfrentar essas demandas, o que resulta no que Vigotski (2012) denomina de crise. Crise que impulsiona o sujeito a superar a situação, desenvolvendo novos modos de se relacionar com a realidade, e a imaginação, como função prevalente na adolescência, é fundamental neste processo.

O conteúdo da imaginação é constituído a partir das experiências do sujeito e, por isso, o integra à realidade de quatro formas, ao longo de seu desenvolvimento. A primeira é característica da criança pequena que, por apresentar um pensamento ainda preso ao concreto, manifesta uma imaginação vinculada à representação, ou imitação, das experiências empíricas. Com o pensamento por conceito mais consolidado, na adolescência a imaginação dá um salto qualitativo no seu desenvolvimento e, por meio da ampliação do sistema conceitual e dos processos de generalização e abstração, o sujeito se torna capaz de apreender a realidade que não é vivida por ele empiricamente, mas que pode ser imaginada por meio de conceitos já por ele apreendidos, o que configurará a segunda forma de vinculação entre imaginação e realidade (Vigotski, 2012).

O pensamento por conceito irá atuar pela interação entre conceitos cotidianos e conceitos científicos. Os primeiros são construídos na vida cotidiana e permitem ao sujeito vivenciá-la de forma mais pragmática. E os científicos, são aprendidos e apreendidos, primordialmente, na escola (Vigotski, 1934/2003), sendo principalmente característicos, no Brasil, dos currículos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. O pensamento, norteado pelos conceitos científicos, tem por característica "abstrair, isolar elementos e examinar os elementos abstratos separadamente da totalidade da experiência concreta de que fazem parte" (Vigotski, p. 95). Tendo a imaginação estreita vinculação com o pensamento, a capacidade de imaginar do sujeito será tão maior quanto forem suas possibilidades de pensar abstratamente e, por isso, ambas assumem grande relevância para a educação escolarizada, favorecendo a apreensão de conteúdos que fogem à realidade concreta do sujeito, mas o possibilitam alcançar inúmeros outros conhecimentos narrados por seus professores, por meio dos livros, filmes, etc. (Souza, 2016a).

Na terceira forma de vinculação entre imaginação e realidade, se evidencia o seu enlace com a emoção (Vigotski, 2012). Devido às aproximações de Vigotski com as artes e seu interesse no modo como estas nos afetam, essa terceira forma será uma das compreensões para a vivência estética proposta pelo autor em Psicologia da Arte (Vigotski, 1925/2001). A vivência estética é promovida quando o sujeito é demasiadamente afetado por uma expressão artística que lhe provoca emoções reais em situações que são reais apenas na obra. Esta relação entre imaginação e realidade irá favorecer a manifestação de emoções pela via da imaginação, e a criação de cenas e situações imaginárias por meio de emoções.

Para compreender o papel dos afetos na constituição humana, Vigotski traz para a sua teoria as contribuições de Espinosa, filósofo do século XVI que se debruça sobre questões acerca das afecções do corpo partindo da premissa de que razão e emoção, mente e corpo, se compõem mutuamente, e se constituem como unidade. Assume-se nessa concepção a emoção como potencial de ação do sujeito, que produz vontade, entendida aqui como função psicológica superior (Sawaia, 2009).

Vinculada a esta proposição, a quarta e última forma de relação entre imaginação e realidade é a mais complexa, pois resulta em um processo de criação, ou seja, é o próprio ato criativo. O aspecto central desta quarta forma é a objetivação do processo de imaginação em algo novo (Vigotski, 2012). Para tanto, o sujeito lança mão de conhecimentos por ele adquiridos ao longo de sua vida, e todas as funções psicológicas superiores participam nesse processo, promovendo seu desenvolvimento.

A imaginação enquanto atividade criadora resulta da inadaptação dos sujeitos à realidade existente. Estando o sujeito adaptado à realidade, ele nada pode criar (Castro, Mano, & Ferreira, 2011). Neste sentido, a ação criativa será tão mais potente quanto mais instigados e mobilizados por uma inadaptabilidade estiverem os sujeitos. Entretanto, para se inquietar é preciso questionar a realidade, pensar criticamente a respeito do que está posto, para então agir sobre ela. Pensando-se no potencial da arte em afetar o sujeito em suas emoções e agilizar a sua imaginação, é possível toma-la como meio para colocar o pensamento do sujeito em movimento, fazendo-o refletir sobre a realidade que o cerca, incomodando-o e inquietando-o, ou ainda impondo-lhe situações sociais desconhecidas, e cuja ação sobre elas demanda ações criativas.

A arte tem sido utilizada pelo grupo PROSPED como instrumento de pesquisa e intervenção por integrar dimensões afetivas, cognitivas e históricas, sendo assim uma síntese do acontecer humano, nas suas mais diversas expressões (filmes, pinturas, fotografias, músicas, literatura, etc.), se revelando como materialidade mediadora de suas ações na escola. Materialidade por ser uma produção humana, que contém aspectos da cultura, e mediadora por se constituir como núcleo organizador da relação do psicólogo com os sujeitos (Souza, Dugnani, & Reis, 2018), no caso, os adolescentes.

"A arte é o social em nós", afirma Vigotski (1925/2001, p. 315), o que implica dizer que o que ela retrata e expressa provem dos signos da cultura, os quais são aprendidos e apreendidos pelo sujeito nas experiências e nas relações que empreende com o social. O social está presente em cada sujeito e quando a arte promove a transformação de emoções, esta ação é social, concepção esta que traduz a compreensão de Vigotski de que o que está no social constitui o sujeito e vice-versa, o que no campo das artes não é diferente, não sendo, portanto, o efeito da arte em nós um simples contágio, mas a emergência da contradição, que poderá afetar-nos possibilitando inúmeras ressiginificações características da vivência estética.

A vivência estética confere à arte a sua função central de transformar os sentimentos e emoções pela contradição que promove, suscitando uma série de sentimentos opostos entre si, provocando sua confrontação e destruição (Vigotski, 1925/2001). Neste sentido, "a arte pode ser considerada uma via indireta pela qual seguimos quando queremos compreender algo e não conseguimos fazê-lo diretamente, sendo esta a ação psicológica da arte" (Petroni, 2013, p. 153).

É justamente esta a função que o grupo PROSPED busca quando se utiliza da arte em suas intervenções, pois ela é uma via de acesso e expressão das emoções e subjetividade dos sujeitos, por tocá-los no afetivo e, por favorecer a ampliação da consciência por meio de discussões e reflexões a partir dos signos da cultura presentes no conteúdo da obra (Souza, 2016a). A arte e a ciência aí se aproximam, pela possibilidade de promoverem, cada uma a sua maneira, desenvolvimento e aprendizagem (Petroni, 2013).

Ao se utilizarem da arte como ferramenta do psicólogo escolar em pesquisa-intervenção, o interesse não está no ensino da arte enquanto prática pedagógica, nem o que se define por arte no campo do conhecimento, mas sim a psicologia da arte, ou seja, como os sujeitos são por ela afetados e qual o seu potencial em promover desenvolvimento, favorecendo a reflexão, a ampliação do pensamento e da linguagem, a expressão das emoções, a formação de conceitos, a mobilização da vontade e dos interesses, a agilização da imaginação e a expressão criativa (Souza, 2016b). O aspecto central no modo em como o grupo se utiliza da arte está na intencionalidade. Conforme explica Souza (p. 89):

A intencionalidade no que concerne ao objeto como foco de intervenção do profissional psicólogo é o sujeito em seu processo de desenvolvimento, que envolve as relações. Logo, não é o indivíduo seu alvo de ação, mas o grupo, o coletivo, o contexto pela via das relações. A intencionalidade no que concerne ao objetivo da ação é 'transformar as relações', de maneira que se promova desenvolvimento. O psicólogo 'não ensina' na escola; ao contrário, ele aprende e apreende os sentidos e significados que circulam nas relações e 'promove a reflexão' sobre eles, assumindo o papel de 'mediador dos afetos', entendidos como modo de viver, sentir, perceber a realidade, utilizando-se de conhecimentos, estratégias e técnicas apropriados ao longo de sua formação. Seu objetivo não é a apropriação de conhecimentos de conteúdos escolarizados, como no caso do professor, mas a 'tomada de consciência', pelos sujeitos, de suas condições de existência e de suas possibilidades de se assumirem como atores e autores de suas histórias.

Essas concepções que norteiam as práticas têm se revelado em processos promissores a cada nova pesquisa-intervenção do grupo. No que se refere aos trabalhados com os anos finais do Ensino Fundamental II e com o Ensino Médio, a arte tem sido mobilizadora dos interesses dos adolescentes, da expressão de sentimentos e emoções, possibilitando o estabelecimento de novas relações e favorecendo o alargamento dos horizontes dos alunos.

Discorre-se, a seguir, sobre uma intervenção realizada com uma turma de alunos do Ensino Médio, em que a música, especificamente, o rap, mostrou-se uma via de acesso e expressão das emoções, da imaginação e da consciência dos adolescentes.

 

Método

Os dados e análises ora apresentados são parte de uma pesquisa desenvolvida no âmbito do doutorado1, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos, sob o parecer de número 2.432.458, que está integrada às investigações do Grupo PROSPED, em um projeto mais amplo que envolveu quatro psicólogos-pesquisadores e seis turmas de alunos do Ensino Médio, dos períodos diurno e noturno, que iniciaram o primeiro ano em 2016 e concluíram o terceiro em 2018.

O estudo se caracteriza, portanto, como uma pesquisa de caráter longitudinal, em que foram acompanhadas duas turmas de alunos do período diurno, cerca de 35 cada, com idades entre 14 e 17 anos, durante todo o percurso do Ensino Médio. Para os propósitos deste artigo, foram selecionados dois encontros realizados com as turmas no momento em que cursavam o 2º Ano do Ensino Médio.

Os pressupostos teórico-metodológicos adotados são os da Psicologia Histórico-Cultural, situando-se na matriz do materialismo histórico e dialético (Vigotski, 1995), que compreende o fenômeno investigado em constante movimento, vinculado a um contexto, situado em um tempo e espaço específicos, dimensões que necessitam ser consideradas em sua apreensão.

Esta perspectiva nos conduz a utilizar a pesquisa-intervenção, que se caracteriza como uma unidade, na qual a intervenção sustenta a investigação constituindo-se como fonte de informações a serem analisadas, e a investigação, por sua vez, mobiliza e sustenta a intervenção, oferecendo compreensões sobre a realidade que impulsionam novas ações. Souza et al. (2018, p. 381) definem a pesquisa-intervenção como:

(. . .) de natureza qualitativa, com características de pesquisa participativa (. . .). A intervenção é, a princípio, uma forma de acessar a realidade investigada e promover ações que permitam pôr o fenômeno em movimento. Entretanto, ao afetar o fenômeno que se modifica pelo fato mesmo de ser afetado, a intervenção põe em questão a investigação, transformando a própria pesquisa em vários e diversos níveis e dimensões - desde os acercamentos possíveis do fenômeno, até os objetivos a serem investigados. Esse processo ocorre permanentemente, em uma relação dialética que ora evidencia a intervenção, ora a pesquisa, instituindo o caráter interdependente que ambas assumem nesta abordagem. Essa interpendência, ao se constituir como tal, assume dimensões contraditórias que só se revelam no ato mesmo de pesquisar-intervir.

Conforme apresentado pelas autoras, a pesquisa-intervenção se constitui uma unidade caracterizada pela contradição e complementariedade. Em consonância com o materialismo histórico e dialético, a compreensão do fenômeno investigado consiste em desvelar as contradições e tem-se encontrado na psicologia da arte, também postulada por Vigotski (1925/2001), uma via potente para se alcançar tal objetivo, conforme será apresentado mais adiante.

Participantes

O encontro objeto do presente relato contou com 40 adolescentes2, com idades entre 15 e 16 anos, de duas turmas diferentes, realizado em parceria com as professoras das disciplinas de português, artes biologia e matemática.

Materiais

Textos narrando as biografias3 dos rappers Mano Brown e Projota. Letras impressas de dois raps de Projota e uma do Racionais MC's (conjunto de rap do qual fez parte Mano Brown). Uma caixa de som para a audição das músicas, lápis de cores diversas, folhas em branco, gravador de áudio e folhas com perguntas4 sobre o vivido.

Procedimentos

O grupo de pesquisa iniciou seus trabalhos na escola em 2016, quando aprovou o projeto em reuniões com os gestores e professores. Nas reuniões com os professores solicitou que os interessados em participar com seus alunos se manifestassem. Aos interessados ofereceu-se um encontro em que as atividades e objetivos foram detalhados, foram colhidas as sugestões de alterações do projeto pelos docentes e, a partir de então, firmaram-se as parcerias com os docentes que passariam a planejar duas de suas aulas semanais com a participação dos psicólogos-pesquisadores.

Os professores5 parceiros eram incentivados a participar das atividades permanentemente e por vezes o fizeram com muito entusiasmo. O encontro que é fonte de análise deste artigo teve, excepcionalmente, o período de quatro aulas, totalizando 3 horas de duração, reunindo as duas turmas durante todo o encontro, e quatro professoras parceiras que ficaram presentes nos momentos respectivos de suas aulas.

O tema do Rap nacional surge nos grupos por ocasião da retomada do trabalho no início de 2017, quando a atividade proposta era que escolhessem uma música para responder à questão: "Se minha vida fosse uma música, qual seria". Tendo, a maioria, apresentado músicas do rap nacional, a psicóloga-pesquisadora organizou para o encontro seguinte a audição de três raps - A vida é desafio (Racionais MC's); O homem que não tinha nada e Ela só quer paz (Projota), e, na sequência, fez uma leitura conjunta das biografias dos dois rappers.

Ao final desta atividade que durou aproximadamente 1h30, os adolescentes foram convidados a responder em grupos livremente formados às quatro questões e, em seguida, deveriam expressar utilizando a linguagem que preferissem, o que ficara como mais significativo daquela experiência. As expressões dos estudantes que serão apresentadas a seguir foram analisadas com base na análise de conteúdo de Bardin (2004).

 

Resultados

A leitura das biografias e a audição das músicas dos rappers, Mano Brown e Projota, resultaram na mobilização dos interesses dos adolescentes, favorecendo que sua atenção se voltasse para a leitura, a discussão e ao desenvolvimento da atividade final.

O silêncio se instaurou no instante da leitura e durante alguns momentos observou-se os conteúdos das músicas e das biografias nas conversas paralelas dos alunos. A discussão em grupo se estabeleceu por meio de perguntas e diálogos a respeito do conteúdo das letras, da melodia das músicas, de como os adolescentes compreendiam que a história de vida dos artistas parecia ter contribuído para as composições, e como essas vivências favoreceram que aprendessem a se expressar por meio do rap e atingissem o sucesso em suas carreiras, entre outras observações.

Os adolescentes foram colocando suas opiniões, expressando seus conhecimentos, sentimentos e pensamentos e, nesse processo, a imaginação foi se expandindo para novos universos de ideias e, na parte final do encontro, objetivada na produção de músicas compostas pelos adolescentes, textos reflexivos e desenhos.

Ao falarem sobre o que mais lhes chamara a atenção nas biografias dos rappers, destacaram: "Que nasceram na periferia e trabalharam muito para chegar até aqui"; "A reviravolta da vida deles"; "Que saíram da lama e conseguiram conquistar tudo e agora estão ganhando a vida com o rap"; "Nasceram em periferia, poderiam ter escolhido um caminho errado, mas preferiram seguir o caminho da arte.". Ou seja, em evidência estão o percurso de sucesso dos cantores e a procedência da periferia que se assemelha à condição deles próprios na atualidade.

Ao serem instigados a imaginar o processo criativo dos rappers apresentaram reflexões sobre a vida dos cantores e as circunstâncias que os inspiraram na produção de suas músicas: "Provavelmente a realidade deles, seus amigos, familiares, etc., fizeram eles criarem esse tipo de música com essas melodias"; "A junção das experiências que eles viveram"; "Eles se inspiram na vida deles e nos acontecimentos do cotidiano deles ou das pessoas próximas."; "Eles podem ter focado no que estava em volta deles, na realidade e ter expressado as críticas em forma de música." Ou seja, segundo a compreensão dos estudantes, a base dos raps está no cotidiano e as composições dos dois cantores não foge a regra. Entretanto, ao serem questionados sobre os conhecimentos necessários para produzir este tipo de música, os estudantes destacaram: "Ter um vocabulário grande, sinônimos de palavras, conhecer ritmos e conhecimentos musicais em geral."; "Contexto, conhecimento da língua portuguesa, rimar."; "Precisa de conhecimento escolar em praticamente todas as matérias para poder criar uma letra com sentido e detalhada."; "Português, matemática, sociologia, arte, filosofia, religião, geografia, história, conhecimento de vida.". Essas respostas, de um lado entram em contradição com suas afirmações anteriores, em que destacam o cotidiano como experiência necessária à produção do rap, e de outro, ampliam a percepção dos estudantes em relação a este tipo de música: o rap não consiste apenas em rimas que narram situações da realidade, mas exige uma série de conhecimentos e competências, incluindo as disciplinas acadêmicas que se aprende na escola. Ou seja, é preciso conhecer, estudar, se esforçar para ser um rapper de sucesso.

Ainda, quando desafiados a pensar a relação entre a letra e a melodia no rap, ou seja, a relação entre o conteúdo e a forma, os estudantes respondem: "Para ajudar a demonstrar e fazer a música ter um clima melhor e um tempo mais aproveitado pela letra."; "Dá sentimento a música e ajuda a interpretar."; "Porque mexe com o lado emocional da pessoa e da um tom de suspense"; "Traz sentido à letra da música, e nos ajuda a entender melhor.". Em comum nas expressões a esse respeito é a vinculação entre o ritmo e a emoção, a compreensão de que o ritmo acentua os sentidos, promovem as emoções e sentimentos, ou seja, seu potencial para tocar os afetos. Afetos que emergem claramente nas produções elaboradas ao final do encontro, em forma de rap:

Música 16

"É uma quinta de manhã / Ninguém quer estudar / É duas aulas de inglês e artes pra completar / Chegou Maurinha com uns raps pra geral pensar / Pega a folha, lápis, borracha na mão / Olha a turma pensando / Dando opinião / Eu vou mandar o povo falar / E não precisa nem rimar / Projota veio com a história / E Mano Brown não vai ficar de fora / Eu vou mandar o povo falar / E não precisa nem rimar." (Produção das alunas A., A., J., S., S., S.).

Música 2:

"Oi, como vai? / Não precisa correr / Aqui é a 'peri' / Mas sou igual a você / Os boy julga a gente / Sem nada saber / Mas não tem competência / Pra sobreviver / Acreditamos na vida / No caminho a percorrer / Nós enfrentamos a batalha / Todo dia pra viver / Nunca deixamos de sonhar / Pois o sonho pode realizar / Só depende da gente, da família, / Da sociedade / Temos coragem / Pra enfrentar o destino / Fazemos nossa história / Não apenas seguimos". (Produção das alunas B., D., D., G., Y., G., E., L., C., P. e da professora S., de português).

 

Discussão

É consenso que, no caso brasileiro, o grupo Racionais MC's foi aquele que mais influiu na constituição da tradição do rap nacional, cujo traço marcante é o grito-denúncia do conjunto de espoliações que negros e pobres sofrem cotidianamente nas cidades. Considerado por muitos a voz dos periféricos do Brasil, o Racionais alcançou todas as regiões do país e, numa forma estética apurada, criticou a violência que permeia a sociedade brasileira (Loureiro, 2016, p. 237).

Não por acaso, os adolescentes da escola pública de periferia se identificam com os conteúdos trazidos nas letras dos raps nacionais, idolatram o Racionais MC's e acompanham a carreira de muitos outros rappers.

Fernandes, Martins e Oliveira (2016), já estavam atentas a isso quando propuseram oficinas de letramento com estudantes do Ensino Fundamental II e Ensino Médio, a partir do uso do rap. Na base desta ação das autoras está a defesa de uma escola cujo conteúdo se aproxime da realidade vivida pelos alunos que dela tomam parte. Afirmam que

Por meio do rap, da estética e do letramento, é possível despertar em maior grau o interesse dos jovens pela escrita, pela leitura, pela história, cujas áreas de conhecimento darão o suporte para a construção de uma identidade amparada em dados históricos relevantes que os ajudará a construir caminhos de superação (p. 197).

Visando também a promoção do interesse pelo conteúdo escolarizado, de modo a favorecer a ampliação de consciência dos adolescentes, buscou-se no encontro, ora apresentado neste artigo, unir essa expressão artística que promove a atribuição de tantos sentidos pelos adolescentes e aprofundar com informações sobre a história de vida dos artistas, possibilitando reflexões voltadas às condições e escolhas de vida, tanto presentes como futuras.

Para tanto, falou-se a respeito de alguns dos conhecimentos que os rappers se apropriaram e lançaram mão ao longo de suas trajetórias para construir a carreira de músicos, desconstruindo, assim, a ideia de dom inato e valorizando a educação, a aprendizagem, as experiências e as escolhas de vida feitas pelos compositores.

Conversou-se a respeito dos conteúdos das músicas, questionando o que eles notavam que havia de semelhante entre as biografias e as composições, o que caracteriza o rap enquanto estilo musical, enfatizando seu ritmo e sua poesia como o próprio nome diz (rythm and poetry) e pensando no papel da melodia no resultado final da música, mobilizando o sentir.

As discussões foram enriquecidas pelo conhecimento que alguns dos adolescentes e as professoras de artes e português tinham desse estilo musical. Estas contribuíram com explicações a respeito da estética em forma de poesia que o rap se apresenta, bem como com o conhecimento que tinham da história e do cenário em que este surge.

O conteúdo trazido nas biografias era novo para a maioria dos adolescentes, que pouco acessam as vidas de seus ídolos, pensamentos mais complexos que estão por trás das letras, suas influências musicais, visão de mundo etc. Bem como costumam não se aprofundar nas reflexões sugeridas nas mensagens, principalmente quando estas se revestem de metáforas, duplos sentidos, o que demanda o desenvolvimento do pensamento abstrato para a compreensão.

Embora no encontro aqui apresentado tenha sido o rap a expressão artística trabalhada, defende-se que a arte em geral, como materialidade mediadora quando escolhida com intencionalidade, pensando-se no objetivo, no público, no contexto, pode favorecer o desenvolvimento dos sujeitos ao mobilizar o interesse, a atenção, a imaginação, o pensamento e levar a ampliação da consciência.

Para que a psicologia da arte se constitua como aporte ao trabalho do psicólogo na escola, é preciso tirar as experiências artísticas do campo da experimentação, da expressão das emoções e vivências lúdicas e inseri-las no campo da atividade humana, cuja apreciação tem no centro o afetivo, mas incorpora a cognição, unindo estética e semiótica. Em outras palavras, é preciso que a intencionalidade na base das ações interventivas que se utilizam da arte vise ao desenvolvimento dos sujeitos, incidindo sobre as relações, nesse caso, entre os diferentes agentes e públicos da escola (Souza, 2016b, p. 86).

É com base nessas postulações de Souza, que se propõe que os conceitos anteriormente apresentados dialoguem com a prática do psicólogo-pesquisador e que norteiem também a discussão deste artigo. Destaca-se que, ao escolher as materialidades mediadoras de sua prática, o psicólogo-pesquisador precisa, antes de tudo, saber com qual intencionalidade as utilizará. As materialidades escolhidas não podem ser aleatórias, nem apresentar uma finalidade lúdica. É preciso apresentar a clara intencionalidade de promover desenvolvimento, tocando os afetos e as emoções pela estética que apresentam e convidando à reflexão pelo conteúdo, possibilitando a ampliação do pensamento por conceito, a mobilização da imaginação e do processo criativo.

March e Fleer (2017) ao falarem do enlace entre imaginação e emoção a partir do uso da arte, explicam que a arte, ao promover a imaginação emocional, pode levar à perezhivanie7, entendida como eventos dramáticos que produzem transformações no sujeito. Segundo Vigotski (2010), para que a perezhivanie ocorra, é preciso haver uma situação social de desenvolvimento que a suscite. Pode-se afirmar que a intervenção aqui ora apresentada, se constituiu como situação social de desenvolvimento e perezhivanie, ao favorecer a mobilização da imaginação enlaçada com a emoção, resultando em expressão criativa dos adolescentes.

Percebe-se nas produções das alunas a imaginação, a emoção, a ação criativa e o pensamento por conceito mobilizados. O processo criativo se manifesta na produção das músicas, que se apresentam como expressão resultante da combinação de vários elementos acessados em suas realidades e das experiências vividas no contato com as músicas e as biografias dos rappers, incorporando as discussões sobre elas.

O pensamento por conceito se revela na compreensão do que caracteriza o rap, em termos de ritmo, na utilização de rimas, apresentando conteúdos vividos no cotidiano em ambas as músicas e tendo a Música 2, em especial, um caráter de crítica social, que pode ser pensada como alargamento da consciência. Há ainda o encadeamento de ideias organizadas em estrofes, versos rimados e sem repetição de palavras, expressando um vocabulário diversificado, que faz parte de todo um sistema conceitual.

Destaca-se também o fato de que as produções das alunas foram realizadas coletivamente, em um processo que demonstra o potencial do coletivo em ações criadoras, pois este produz vontade (Dugnani, 2016), tendo sido esta mobilizada por afetos de nuances positivas que geraram poder de agir (Sawaia, 2009), conferindo ao encontro com uso da música o caráter promotor de situações sociais de desenvolvimento e eventos dramáticos.

Este movimento coletivo pode ter sido mobilizado ao que Vigotski (2012), ao vincular a imaginação à arte, denominou de signo emocional comum. Ou seja, quando a obra de arte faz manifestar emoções semelhantes em diferentes pessoas, mesmo que as suas histórias de vida levem à construção de sentidos distintos, o significado, ao tomar contato com a obra, suscitará sentimentos semelhantes, ou seja, manifestará na consciência do apreciador algo que foi subjetivamente constituído na relação com a cultura. No caso do rap, dificilmente uma letra que retrate a injustiça e desigualdade social irá manifestar em alguém sentimentos alegres ou de euforia, podendo ser um exemplo de signo emocional comum, e nas produções das alunas isso se evidencia, principalmente, na Música 2.

Afirma Vigotski (1925/2001) que a arte é a técnica social do sentimento, pois não sendo o sentimento por si só capaz de criar arte, a técnica lhe dá a possibilidade de ser objetivado em diferentes expressões artísticas. Em consonância com o autor, Maheirie (2003) postula que a música é capaz de dar forma a sentimentos e emoções, estando repleta de sentidos.

A música, como atividade social e produção da cultura humana, é datada, histórica e contém uma dimensão coletiva da qual decorrem significados e sentidos (Wazlawick, Camargo & Maheirie, 2007) e, por essa razão, cria condições de promover desenvolvimento cognitivo e expressão emocional (Tunes & Pederiva, 2013). Neste caso, a

(. . .) estética musical do rap se configura a partir do seu discurso, de modo que a construção dos arranjos das bases musicais complementa a temática abordada. Essa junção entre a música e o discurso atribui ao rap o potencial de fazer ressoar a tensão social que é explicitada pelas temáticas abordadas nas letras (Fernandes et al., 206, p. 193).

Como toda obra de arte, a música apresenta uma dimensão estética, vinculada ao seu material, a sua forma e a sua técnica, e uma dimensão semântica, referente ao seu conteúdo (Pino, 2010). Segundo Neves (2015):

Ela contém o significado, que é do âmbito dos conceitos e, portanto, da reflexão, e toca o âmbito afetivo, o qual está na base dos sentidos. Deste modo, a música faz a mediação do sujeito com o conteúdo pela via da afetividade (p. 37).

Segundo Maheirie (2003), é justamente pela via da afetividade que a música pode alterar o modo como o sujeito significa o mundo, ao despertar-lhe emoções que o conduz à atribuição de novos sentidos a objetos à sua volta, o que foi possível perceber tanto nas discussões e reflexões que ficaram sintetizadas nas respostas pelos adolescentes, como nas letras das músicas que compuseram.

A apreciação e a produção musical podem, portanto, favorecer a ampliação da consciência, por meio da linguagem (conceitos ou palavras) e dos afetos que porta. O rap, nesse sentido, pode ser uma materialidade conscientizadora, pois por meio de críticas presentes em suas letras possibilita o acesso a informações que ajudam o sujeito a significar questões sociais, que atingem os alunos da escola pública de periferia participantes desta pesquisa.

Pode-se dizer que os adolescentes são tocados em seus afetos pelo ritmo e melodia do rap, mas ao tomarem contato com suas letras, são levados à reflexão, que por sua vez lhes provocam novas emoções e sentimentos, favorecedores do processo criativo. Sawaia (2009, p. 366) defende que o afeto, as emoções, a imaginação e a criatividade "são dimensões ético-políticas da ação transformadora, de superação da desigualdade, e que trabalhar com elas (. . .) é um meio de atuar no que há de mais singular da ação política emancipadora". Em consonância com a autora defende-se, como um dos principais intuitos nas ações com os estudantes, a promoção de novas vivências no contexto escolar para que ressignifiquem o que a escola tem sido para eles, oferecendo-lhes subsídios para que configurem novos sentidos à escola, percebendo-a como parte fundamental em seu desenvolvimento como ser humano integral, que favorece a realização de escolhas, por meio dos conhecimentos transmitidos, de acordo com Libâneo (2006), como legado da cultura humana.

Quanto mais conhecimento o sujeito adquire, maiores são suas possibilidades de se articular, estabelecer relações, compreender o mundo e a si próprio, se expressar, acessar a realidade e transformá-la, ou seja, de tornar-se um sujeito mais livre, pois pelo conhecimento de conceitos científicos e a imaginação o sujeito se liberta do mundo empírico (Barbosa, 2017). Tornamo-nos sujeitos mais livres, portanto, quanto mais nos tornamos conhecedores de nossas condições de existência, das condicionantes da realidade a nossa volta e das possibilidades que temos (Vigotski, 2012), e a escola assume grande relevância nesse processo. Daí ser fundamental seu acesso e permanência pelos adolescentes.

Neste sentido, a arte, ao mobilizar emoções, sentimentos, promovendo reflexões e pensamento, se torna instrumento de ação política emancipadora, tanto para quem a cria como para quem a acessa, sendo um importante instrumento no trabalho do psicólogo escolar que assume como compromisso promover ações que favoreçam aos sujeitos tornarem-se mais conhecedores de si e do mundo, assumindo-se como agentes conscientes de suas condições de vida atual e futuras.

 

Considerações Finais

O professor Tateo (2018, p. 1) em aula inaugural proferida na Universidade Federal da Bahia intitulada Imaginando, Conhecendo e Compreendendo, fala sobre o valor epistêmico da imaginação, entendendo-o como: "(. . .) a capacidade geradora de processos imaginativos para produzir formas mais ricas de conhecimento, compreensão, idéias, hipóteses, intuições, antecipações e simulações sobre si mesmo e sobre o mundo de que se faz parte, incluindo tanto o proximal quanto o distal" (Tradução nossa).

Destaca, portanto, o potencial da imaginação na promoção de conhecimentos e, em consequência, do desenvolvimento dos sujeitos. Do modo como postula o professor Tateo, a imaginação é condição para o conhecimento, seja ele cotidiano ou científico.

É nesta perspectiva que se propõe aqui trabalhar com a mobilização da imaginação na adolescência, como forma de restituir aos jovens os sentidos do conhecimento escolarizado para suas vidas. E fazê-lo por meio de produções artísiticas, entendendo-as como potentes instrumentos mediadores do desenvolvimento de novas formas de imaginar e criar, trazendo para nosso aporte de análise as ideias de Vigotski desenvolvidas no livro Psicologia da Arte.

Nas expressões dos estudantes, sejam nos diálogos empreendidos sobre as músicas e biografia dos autores, ou nas produções realizadas, fica evidente o enriquecimento de suas formas de expressão, a ampliação dos conceitos sobre si e sobre o mundo e a capacidade de pensar criticamente sobre a realidade.

Assume-se, portanto, como urgente o investimento em formas de mobilização da imaginação em contextos educativos, sobretudo no Ensino Médio que, no Brasil, tem sofrido os reveses da falta de políticas públicas voltadas à educação, pois, uma vez na ponta, no final da Educação Básica, objetiva os problemas e fracassos vividos pelos jovens brasileiros ao longo de sua escolarização. E o psicólogo escolar é um dos profissionais que deve assumir o compromisso de uma ação crítica, voltada à promoção do desenvolvimento dos adolescentes e profissionais da escola de Ensino Médio Público.

Destaca-se, entretanto, que as interpretações, acepções e compreensões aqui apresentadas são parte de uma pesquisa maior, ainda em curso, que pretende desenvolver fundamentos para a atuação em pesquisa e intervenções de psicólogos voltadas ao público adolescente. Entretanto, importa considerar que são muitos os desafios a serem enfrentados, sobretudo a ausência do profissional da psicologia que impede atuações mais efetivas e maiores aprodundamentos investigativos.

Agradecimentos

A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio à pesquisa realizada através da concessão de bolsa de pós-graduação e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) à concessão de bolsa de produtividade em pesquisa.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Maura Assad Pimenta Neves
Rua Cerqueira César, 244 - Centro
Indaiatuba, São Paulo, Brasil.
CEP: 13330-005

Recebido: Outubro 03, 2018
Aceito: Janeiro 29, 2019

 

 

Editora: Naiana Dapieve Patias
1 Tese em andamento, intitulada: A música como materialidade mediadora na promoção de vivências de alunos e professores do ensino médio. Iniciada em fevereiro de 2016 e com conclusão prevista para dezembro de 2019.
2 No início da pesquisa e a cada início de semestre em que se deu a continuidade do trabalho, a psicóloga-pesquisadora apresentou a proposta de trabalho para as turmas e entregou o Termo de Assentimento dos adolescentes, além de encaminhar aos responsáveis o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, dispondo-se a atender aos pais para esclarecer sobre a pesquisa. O único critério adotado para participação era serem estudantes das turmas do Ensino Médio diurno, deixando claro aos estudantes e a seus responsáveis que a não participação também era uma opção aos que não se interessassem pela proposta, ou aos que quisessem deixar de participar a qualquer tempo. Além disso, foi assegurado aos participantes o sigilo de suas identidades e a utilização de suas falas ou produções somente para fins científicos. Assegurou-se, também, atendimento individual e encaminhamentos às demandas apresentadas pelos adolescentes ao longo do processo.
3 Pesquisou-se diferentes entrevistas que possibilitassem a construção de uma narrativa fiel aos fatos acerca da história de vida dos rappers, objetivando uma aproximação maior com dados de realidade e fugir de eventuais discursos ou propagandas que circulam nas redes sociais. Foram retiradas informações do site https://pt.wikipedia.org e entrevistas realizadas por diferentes canais, disponibilizadas em https://www.youtube.com.
4 As perguntas realizadas aos adolescentes sobre o vivido no encontro foram: O que mais chamou atenção na história do Projota e do Mano Brown?; Como você imagina o processo criativo deles?; Quais conhecimentos necessários para compor uma letra?; Como você acha que a melodia contribui com a letra?
5 Tomou-se o cuidado de estabelecer parcerias com os docentes que tinham um número de aulas maior, de modo a não comprometer o ensino e aprendizagem dos estudantes.
6 Como as músicas não possuíam títulos, estes foram criados para favorecer sua citação no decorrer do artigo.
7 O conceito de perezhivanie aparece em diversos momentos nas obras de Vigotski, sendo a primeira vez em Psicologia da Arte, em 1925. É uma palavra russa de difícil tradução, que vem sendo aproximada por alguns teóricos ao conceito de vivência, ou uma experiência dotada de fortes emoções.

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