SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.2 número2O lugar da organização cinestética, visceral e laringiana no pensamentoEntrevista: Licenciatura em Psicologia índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

TransFormações em Psicologia (Online)

versão On-line ISSN 2176-106X

TransForm. Psicol. (Online) vol.2 no.2 São Paulo  2009

 

Tradução

 

O lugar da organização cinestética, visceral e laringiana no pensamento

 

 

por John Broadus Watson
J. Walter Thompson Company
New York City

 

 

Em um recente debate com o Professor McDougall perante a Psychological Society de Washington, tornou-se óbvio que eu nunca deixei claro o que eu acredito ser a posição dos behavioristas5 sobre o pensamento. Pensamento, para o behaviorista, é e deve continuar até o advento da experimentação em parte uma formulação lógica. Dados consideráveis podem ser obtidos fazendo o indivíduo pensar alto em termos explícitos, e material adicional considerável pode ser obtido no começo da infância6 observando-se a transição da fala explícita à fala silenciosa ('pensamento'), mas muitas de suas fases continuam inacessíveis à observação até que se possa recorrer à instrumentação.

Logicamente, o behaviorista deve formular todos os problemas psicológicos e sua solução em termos de estímulo e resposta. Ele descobre por experimentos que a organização de palavras ocorre no começo da infância a uma taxa muito rápida; que o processo de construção de palavras é do tipo de reflexo condicionado – o sujeito é estimulado por um objeto – simultaneamente à apresentação do objeto, o sujeito é estimulado pela palavra (palavra falada, palavra escrita, palavra de toque7). A palavra, até o ponto em que a reação é considerada, torna-se substituível pelo objeto. O indivíduo torna-se então possuidor de um universo de palavras adequado em todos os detalhes a nomear todas as suas reações organizadas (e. g. todos os seus hábitos verbais e não-verbais). Como o homem é um animal verbal reage muitas vezes mais freqüentemente à palavra do que ao objeto propriamente dito. A organização de palavras torna-se dominante sobre todas as outras organizações. O segmento motor da garganta torna-se então o segmento controlador do corpo8.

É possivelmente alheio à questão mostrar que o indivíduo manipula seu universo de palavras como ele manipula seu universo de objetos; que manipulações de tentativa e erro trazem novos ajustamentos no universo de palavras na forma de julgamentos, conclusões verbais, proposições e assim por diante, exatamente como elas trazem novos ajustamentos no campo do objeto – invenções, descobertas, etc. Segue, sem mais argumentos, que o indivíduo pode planejar em palavras, sonhar acordado, sonhar e assim por diante, exatamente como ele pode arranjar e rearranjar os objetos à sua frente – ociosamente como na decoração de uma sala, dedilhando no piano ou sistematicamente como ao arranjar a mobília do escritório para acomodar algum novo esquema de eficiência.

O behaviorista tem preferido chamar toda a verbalização que acontece atrás das portas fechadas dos lábios 'pensamento,' independentemente se novos ajustamentos verbais são efetuados ou apenas antigos hábitos, ensaiados.

O estímulo para este comportamento que nós chamamos 'pensamento' é obviamente por um lado o mundo dos objetos e, por outro, mudanças teciduais no corpo mesmo.
Possivelmente o estímulo mais poderoso para ações de todo tipo para qualquer indivíduo é contrações estomacais, quando a comida está ausente. Possivelmente o próximo estímulo mais poderoso, no humano pelo menos, é o estímulo pressure et al levando à resposta sexual. O terceiro é as contrações laringiano-motoras (peito, etc.) na garganta da sentença falada imediatamente antes; este estímulo inicia a próxima reação verbal (ou a próxima reação manual ou emocional). Tendo em vista o fato de que o estímulo da fome (contração) e os estímulos sexuais (pressão, etc.) ocorrem com relativa infreqüência, o estímulo laringiano tem o comando da organização do indivíduo na maioria do tempo, exceto quando em conflito real com fome e sexo. Qual arranjo se tornará dominante quando o conflito ocorre depende do paralelogramo de forças (neuromusculares)9.

Isto, como eu vejo, é um esboço de resumo da argumentação behaviorista. A próxima questão surge: nós pensamos apenas em palavras, isto é, em contrações motoras verbais?

É uma tentativa de responder a esta questão que forma o assunto10 deste artigo. Minha própria resposta tem sido: Sim, ou em substitutos de palavras, como o encolher de ombros ou outra resposta corporal, encontrada nas pálpebras, músculos do olho ou mesmo na retina (eu assumo, claro, que se desistiu da 'imagem' em psicologia!) a qual existe no nosso organismo como um reflexo condicionado de segunda e sucessivas ordens e aparece depois da primeira resposta condicionada que é, teoricamente em qualquer caso, a palavra. Estas respostas condicionadas representam o processo de redução e curto-circuito que acontece em todo aprendizado original.

Eu estou inclinado agora a enfatizar alguns pontos mais ou menos negligenciados no meu artigo de 1920 ante o Congresso Internacional de Psicologia e Filosofia. A presente formulação tenta levar em conta o fato de que quando o indivíduo está pensando o todo de sua organização corporal está trabalhando – mesmo que a solução final deva ser uma formulação verbal expressa falada, escrita ou subvocalmente. Em outras palavras, a partir do momento em que o problema do pensamento é colocado para o indivíduo (pela situação na qual ele está) é suscitada atividade que pode levar a ajustamento. Às vezes a atividade acontece em termos de (1) organização manual; mais freqüentemente em termos de (2) organização verbal; às vezes em termos de (3) organização visceral. Isto é, no processo de tentativa e erro em direção à solução às vezes (1) é dominante, às vezes (2) e às vezes (3). Se (1) ou (2) é dominante, a progressão (ou possivelmente apenas 'atividade' seja a melhor palavra) ocorre sem palavras.

Deixe-nos tentar tornar isto claro pelo uso do nosso velho diagrama de hábitos, só que no diagrama nós não estamos mostrando o sistema nervoso senão unidades de organização corporal envolvendo receptores, condutores, efetores, com todos os seus subsidiários.

O ambiente, apresentando como ele apresenta seus objetos sempre em séries, porque o homem é um animal que se move rapidamente, primeiro integra a organização manual.

 

11

Mas depois que se tenha reagido a esta série por um tempo considerável (hábito formado), apenas o objeto inicial (S1) é necessário para evocar a organização total. Um exemplo seria: dar um passeio que é normalmente feito à luz do dia no escuro. A mudança na ilustração diagramática é agora a que se segue:

 

12

 

RK1, RK2, RK3, RK4 e RK5, embora elas ainda sejam respostas como no primeiro caso, quando o objeto estava presente, agora se tornam substitutos para o objeto que deveria aparecer em seguida se o ambiente original estivesse presente; isto é, no momento em que elas deixam de ser I (ou durante o processo) elas se tornam estímulos cinestéticos para a próxima resposta.

O diagrama é, claro, um dispositivo de sala de aula. O que não está normalmente incorporado ao diagrama é o fato de que o ambiente simultaneamente organiza dois outros arranjos de processos – viz., os processos de palavra e os processos viscerais. Psicólogos antes do surgimento do behaviorista descuidaram-se em mostrar a significado da organização de palavras e apenas nos últimos anos é que nós tivemos um corpo grande de resultados experimentais os quais provam que a formação de hábitos acontece no campo visceral (o campo dos músculos lisos e glândulas), portanto para fazer completa a unidade do nosso esquema ou organização nós precisaremos mudar nosso diagrama. S1 e S2, etc., continuam os objetos; RK1 indica a organização manual ou cinestética que diz respeito ao objeto; RV1 a organização verbal; e RG1 a organização visceral, respectivamente. Deve ser salientado aqui que assim como RK1 torna-se um substituto motor para o objeto S2, assim RV1 e RG1 tornam-se substitutos laringiano e visceral, respectivamente, para S2.

 

13

 

A única asserção necessitando de justificação aqui é a de que organização visceral, ou, mais comumente chamada, emocional ocorre.
Deixe-nos examinar esta asserção em alguma extensão. Baseado em trabalho experimental, parece razoável agora assumir a posição de que a organização emocional ocorre exatamente em paridade com a organização manual e a organização laringiana.
Nós nunca precisamos de nenhuma 'teoria' particular de organização manual ou de organização laringiana. No caso da organização manual nós temos o fato observado de que a criança recém-nascida (e adultos em novas situações) movimenta violentamente seus braços, pernas e tronco. Nós temos o fato observado de que estes atos inatos coalescem – tornam-se com tempo determinado, espaçados, regulados pelo rendimento de energia (força envolvida em cada unidade de ação). Este processo de organização nós chamamos de formação de hábitos.

Nós temos o fato observado de que a criança tem ao nascer um repertório similar de atos vocais inatos – gritos, movimentos da musculatura da boca, garganta e peito, etc. Do mesmo modo nós percebemos que ocorre a organização entre essas unidades – hábitos de palavra, frase e sentença são formados.

A única 'teoria' que nós precisamos é uma hipótese físico-química razoável que considere o desaparecimento desses movimentos não essenciais para o ajustamento como um todo, dado que os elementos essenciais dos movimentos requeridos já devem ser parte do equipamento do indivíduo.

Mas quando chegamos à organização emocional parecemos precisar de uma teoria. A assim chamada teoria de James-Lange-Sergi floresceu por muitos anos. Por quê, eu nunca pude entender. Muito antes de esta teoria tornar-se o jargão psicológico costumeiro, behavioristas primitivos na Idade das Trevas falaram corretamente dos seus coração, pulmões e intestinos como os órgãos de resposta emocional. Aparentemente a única contribuição feita por este grupo de autores foi dizer que as 'sensações' originadas dessas vísceras (quando em ação) são as emoções.

Por que nós não podemos esquecer agora a 'teoria' de James e voltar para o senso comum primitivo? Temos uma grande massa de músculos lisos (negligenciando, em favor da brevidade, que alguns músculos estriados estão presentes) – no estômago, coração, pulmões, diafragma, vasos sanguíneos, glândulas e órgãos excretores e sexuais. Pareceria justo chamar o arranjo todo de vísceras. Nós não poderíamos abandonar o conceito de emoção e falar a partir de agora em comportamento visceral inato e comportamento visceral aprendido (organização visceral)? Como comportamento vísceral inato do tipo padrão nós falaríamos das batidas do coração e circulação, respiração, defecação, urinação, tumescência, peristaltismo, contração estomacal, atividade glandular exócrina (salivar, etc.), atividade glandular endócrina e quaisquer outras que a observação mostre estar presente. Do mesmo modo, em toda a massa visceral temos repostas menos altamente organizadas correspondendo à atividade 'aleatória' dos braços, pernas e tronco e da musculatura vocal.

Parece-me que a evidência está à mão para mostrar que estas respostas viscerais ('aleatórias') tornam-se organizadas em sistemas de hábito assim como é o caso das respostas nos músculos estriados. Lashley mostrou a presença de respostas condicionadas nas glândulas salivares, Pawlow e outros nas glândulas estomacais; vários outros mostraram que o sistema respiratório e o sistema cardíaco podem ser condicionados. Cason mostrou que a reação pupilar pode ser modificada. O trabalho de Watson e Rayner na assim chamada reação emocional condicionada parece cair no mesmo campo que cairia o rico campo de observação feita por Kempf. Possivelmente mesmo as glândulas sudoríparas e as glândulas endócrinas mostram estágios similares na formação de hábitos.

A observação cotidiana nos dá os melhores exemplos. Crianças podem ser treinadas nas funções excretórias quando elas têm de duas a três semanas de idade; nossos estômagos adultos são treinados para pedir comida em horas definidas e porções grandes ou pequenas de comida. Sexo possivelmente nos dá nossos melhores exemplos de formação de hábito visceral em aprendendo a atrasar o orgasmo. Estou inclinado a pensar agora, a partir de algumas observações recentes, que o ciúme é outra partícula de comportamento visceral altamente organizado integrado (aprendido).

Não tem sido suficientemente enfatizado até que ponto atos de habilidade manuais e laringianos acurados e eficientes são dependentes de organização adequada no campo visceral. Provavelmente foram perdidos tantos drives no pino14 por um escorregão do intestino, uma boca seca, um pouco de pressão gasosa quanto por um joelho torto ou por tirar o olho da bola.

Assim como nós nunca podemos falar verdadeiramente do comportamento ser completamente manual ou completamente laringiano, nós nunca podemos falar de comportamento puramente visceral. Falamos, no entanto, da organização manual tornar-se dominante, como quando o indivíduo anda graciosamente de bicicleta; ou dominantemente laringiana, quando um orador está conferenciando. Assim, podemos falar de organização visceral dominante no sexo, nas reações de medo, em exibições de ciúme, no rubor, etc. Podemos falar em ambas as organizações, visceral e manual, dominantes na luta; ou em ambas as organizações, visceral e laringiana, dominantes no flertar.

Com esta justificativa de como a organização visceral ocorre devemos estar preparados para admitir logicamente seu lugar (na forma mínima ou subjugada) na atividade que chamamos pensamento.

 

O diagrama deixa claro o ponto de vista segundo o qual o pensamento implica todos os três arranjos dos nossos sistemas organizados de reação.

Note, por favor, que RK1 pode suscitar RK2, RV2, RG2; enquanto RV1 pode evocar RK2, RV2, RG2; e RG1 tanto RK2, quanto RV2 ou RG2; e que todos eles servem respectivamente como substitutos cinestético, laringiano ou visceral para S2, o próximo objeto real na série de objetos originalmente produzindo a organização. Note que de acordo com o esquema, atividade de pensamento pode continuar por um tempo considerável sem palavras.

Se em qualquer etapa do processo a organização RV não aparece, o pensamento continua sem palavras.

Nós assumiremos que o indivíduo está em uma situação em que ele deve pensar – ele não pode 'agir' explicitamente. Em outras palavras, assumimos que a ação em todos os três reinos (RK1, RV1 e RG1) é mímina, i.e. não aparece como comportamento explícito.

Parece razoável supor que a atividade de pensamento em momentos sucessivos de tempo pode ser em grande medida cinestética, vocal ou emocional; que a organização cinestética pode se tornar dominante por um tempo e, então, ao passo que surge o conflito, a vocal; se ambas são bloqueadas, a emocional. Por hipótese, no entanto, a resposta ou ajustamento final, se tal é alcançado, deve ser verbal (subvocal).

Esta linha de argumentação mostra como a organização total de alguém é trazida para o processo de pensar. Em qualquer caso, parece ao autor ser necessário enfatizar um pouco mais claramente que a organização manual e visceral é disponível para o pensamento mesmo quando comportamento subvocal ou explícito não está acontecendo.

Nós pensamos e planejamos, portanto, com o corpo todo. Mas dado que, como eu salientei acima, a organização de palavras é, quando operativa, provavelmente usualmente dominante sobre as organizações restantes, parece, se ainda precisamos usar o termo 'pensamento,' que é afinal um uso razoável de metonímia afirmar que 'pensamento' é em grande medida fala subvocal – contanto que nos apressemos a explicar que isso pode ocorrer sem palavras.

 

 

5 Optamos por não utilizar o termo comportamentalista para behaviorist, já que behaviorista é um termo corrente no vocabulário de todo aluno de Psicologia desde os primeiros anos. [N. do T.]
6 No original, late infancy and early childhood. Grosso modo, podemos entender childhood como infância e infancy como um período no início daquela, antes do desenvolvimento da fala e da habilidade de andar. [N. do T.]
7 No original, touch word. Entendemos que Watson se refere aqui às palavras em alto relevo, por exemplo, que podem ser "lidas" a partir do tato – assim como se pode ler em Braile.
8 Watson, J. B. (1924) The Unverbalized in Human Behavior. Psychological Revuew, 31(4), 273-280. [N. do T.: 9Atualizou-se aqui a formatação da citação original.]
Os moralistas sempre tentaram afirmar os outros dois – e. g. quando eles dizem aos jovens: "Não se masturbem; mantenham-se puros, vocês ficarão loucos se vocês se masturbarem", etc. Eles poderiam ter muito mais sucesso em obter a dominação pela palavra se eles amarrassem as palavras com reações substitutivas mais poderosas – e. g. "Quando ocorrer uma ereção, pule em uma banheira gelada; levante e corra uma milha," etc. Quando moralistas se tornarem menos deístas e mais behavioristas eu tenho certeza que maiores sucessos vão recompensar seus esforços.
10 No original, subject-matter. [N. do T.]
11 N. do T.: lê-se, acima da figura: "Séries de objetos (estímulos)". Abaixo da figura: "Série de respostas cinestéticas (organização manual)"
12 N. do T.: lê-se, nas linhas diagonais: "Resposta substituta para".
13 N. do T.: lê-se, no canto superior direito: "Por hipótese apenas o objeto inicial da série está presente".
14 No original, many drives have been spoiled on the tee. O autor faz uma referência ao jogo de golfe. Tee é o pino sob o qual se coloca a bola no início do jogo ou em algumas outras ocasiões específicas. Drive é a primeira tacada do jogo, normalmente uma tacada longa. [N. do T.]