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TransFormações em Psicologia (Online)

On-line version ISSN 2176-106X

TransForm. Psicol. (Online) vol.2 no.2 São Paulo  2009

 

Entrevista

 

Entrevista: Licenciatura em Psicologia

 

 

A Psicologia tradicionalmente mantêm uma estreita relação com o ambiente escolar. Desde a presença das diciplinas "Psicologia e Lógica", depois, "Pedagogia e Psicologia", ineridas no currículo das escolas normais com a Reforma Benjamin Constant em 1890 até a ampla atuação do psicólogo escolar hoje, a Psicologia absorveu um território prioritário nas discussões a respeito dos processos educativos. Contudo, enquanto ganhava espaço nesses debates, a Psicologia foi progressivamente afastada do ensino escolar, até ser excluída do quadro de disciplinas do ensino médio com a Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional (LDBEN) de 1996.

Ainda assim, segundo dados do Censo do Ensino Superior, realizado pelo Ministério da Educação e da Cultura, em 2007 existiam no Brasil 18 cursos universtários de formação de professores de Psicologia, que licenciaram 480 pessoas. Sendo um tema relevante para a formação em Psicologia, a TransFormações em Psicologia procurou a Profª Draª Marie Claire Sekkel, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, que atenciosamente aceitou nosso convite para esta entrevista.

TransFormações em Psicologia: A idéia da revista é discutir a formação em Psicologia. Os textos, as práticas e as pesquisas, de certa forma, devem discutir de modo transversal a formação em Psicologia. Por isso, os textos publicados são de autoria dos estudantes, tanto da graduação quanto da pós-graduação

Marie Claire Sekkel: Isso eu não sabia.

O mesmo se pode dizer sobre o corpo editorial, é formado por estudantes.

Isso eu até sabia, mas que a orientação da revista era a formação não.

Existe uma seção especial na revista que é uma exceção à restrição de publicação aos estudantes, cujo objetivo também visa à formação em Psicologia. No primeiro número tivemos um depoimento da Prof.ª Dora Fix Ventura. Para este número pensamos em uma entrevista, e optamos pelo tema licenciatura, pois parece que está na pauta de algumas discussões.

É um tema bem interessante.

E pensamos em entrevistar você.

Eu tenho contato com esse tema a partir da comissão aqui no Instituto. Não era um tema com o qual eu estava familiarizada, mas fui aprendendo na medida em que entrei em contato com esse desafio de pensar um curso de formação de professores de Psicologia a partir da nova legislação das Licenciaturas. Diante dessa nova proposta de legislação, a USP publicou um caderno que chama Programa de Formação de Professores da USP. Foi a partir desse ponto e das discussões da comissão do IP que comecei a aprender alguma coisa sobre esse tema, e aí fui me envolvendo. Nesse caminho pude pensar e perceber uma dimensão das possibilidades dessa formação da qual eu não tinha qualquer clareza antes de ter entrado em contato com o assunto.

Essa comissão começou quando?

Comecei a participar como representante da Psicologia numa comissão da reitoria, a SIL, uma comissão interunidades das Licenciaturas. Então todos os cursos de licenciatura da USP, com um representante de cada curso, se reúnem mensalmente, e há ali um espaço de interlocução, no qual se aprende muito, interessantíssimo. Porque foi um momento de fortalecimento das licenciaturas na universidade, uma vez que sempre foram vistas como curso de segunda categoria, quero dizer, menos importante. Os mais importantes sempre foram os bacharelados. Comecei a frequentar essa comissão em 2004. Foi logo depois que prestei concurso e entrei no Instituto. Assim, eu entrei no Instituto já conversando com a licenciatura.

Perguntei quando, pois em 2007 no Estado de São Paulo tivemos a retirada do ensino de Psicologia da grade curricular do segundo grau. Qual foi o impacto dessa nova situação para essa comissão?

Para a nossa comissão interna aqui do Instituo foi um susto, porque vínhamos trabalhando numa perspectiva, nesse projeto pedagógico do curso de licenciatura de Psicologia aqui do Instituto, para uma proposta de ensino de Psicologia no Ensino Médio regular. Essa retirada é uma tendência que se expressa, da secretaria estadual de educação, uma tendência técnica, de valorizar o ensino médio técnico com a retirada de disciplinas que visam à formação humana. Então foi algo que vimos e não concordamos a respeito, mas é uma luta que está instalada. E foi também um momento em que se fortaleceu essa discussão. O próprio ato de retirada gerou uma reação no sentido contrário. Essa tendência técnica, hoje, é dominante.

Esse movimento está ocorrendo por quais meios, para de alguma maneira reverter o cenário e trazer de volta o ensino de Psicologia no Ensino Médio?

Existe um encaminhamento de um projeto que a Erundina estava representando, para que a Psicologia estivesse presente na LDB como uma disciplina regular do Ensino Médio. Há uma luta nacional para a inclusão dessa disciplina junto com a Filosofia e Sociologia no Ensino Médio. Temos as ações do CRP com a publicação daqueles oito motivos para o ensino de Psicologia no Ensino Médio. E temos a ABEP (Associação Brasileira do Ensino de Psicologia) também envolvida com o tema.

Tomando como ponto de partida o histórico da presença da Psicologia no Ensino Médio, partindo de 1962 com a regularização da profissão, passando por 1983 com sua integração ao currículo do Ensino Médio, sendo em 1996 removida das disciplinas obrigatórias, passando a ocupar uma posição eletiva, e em 2007 com sua eliminação da grade curricular no Estado de São Paulo; e considerando as dificuldades encontradas sobre o tema, partindo do ponto de que existem poucas pesquisas realizadas, os órgãos responsáveis (Secretário de Educação do Estado de São Paulo, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Associação Brasileira do Ensino de Psicologia, CRP, CFP e Sindicato dos Psicólogos no Estado de São Paulo) quando possuem informações, essas são desencontradas. Ainda entre as dificuldades, parece que por parte da categoria há uma desorganização por parte dos professores, o que inviabiliza a troca de experiências e favorece o trabalho solitário; também encontramos, quanto à função do profissional, uma confusão entre a Psicologia Escolar e o ensino de Psicologia e, por fim, não há uma definição do que se ensinar em salas de aula, visto a diversidade de linhas de conhecimento dentro da Psicologia. Partindo desse cenário, pessimista, o que se pode pensar? Das dificuldades que eu achei nesse relatório: a primeira delas é com relação à pesquisa bibliográfica, ou pesquisa em relação a essa própria área de conhecimento; o segundo que eu achei interessante, e que tem alguma relação com o que você falou sobre os movimentos: o desencontro de informação entre esses órgãos responsáveis: tem a Secretaria do Estado, tem o Instituto Nacional de Pesquisas Nacionais Aluísio Teixeira, tem a Associação Brasileira de Ensino de Psicologia, o CRP, o CFP e o Sindicato de Psicologia; todos eles se apresentando com poucas informações ou não tendo...

Nada.

...nenhuma informação a respeito.

Falta muito.

Por parte da categoria, me pareceu uma desorganização, uma desarticulação dos professores, então não tem troca de experiências, acaba ficando um trabalho solitário. Como função, me pareceu uma confusão prática entre a Psicologia Escolar e o Ensino de Psicologia no segundo grau. Então, qual o papel do professor de Psicologia no ensino médio? E ainda, o conteúdo: dentro dessa diversidade de linha dentro da psicologia, o que fazer, o que nós vamos ensinar, o que se espera transformar no aluno. Parece-me que a licenciatura está bem desestruturada, em vários sentidos: conteúdo, função organização, legislação, pesquisa e ao mesmo tempo tem um histórico, é possível fazer uma leitura pessimista a respeito. Acho que toda essa pergunta é meio pessimista assim...(risos)

A questão do pessimismo, otimismo, eu deixaria de lado. Agora eu acho que você trouxe aí todos esses pontos, que são pontos que constam no relatório e do percurso que as alunas fizeram nessa pesquisa. No primeiro ano, elas pensavam que iam levantar dados, e não havia dados, nem estatísticas, nem nada. E aí a busca diretamente nas instituições, solicitando algo que se pudesse examinar, ou um material que se pudesse ler, e aí vê que não tem. Você fala: meu Deus, a coisa está muito desamparada, está muito solta. E o que a gente percebe, assim, esse problema da desarticulação entre aqueles que estavam ministrando essa disciplina, uma disciplina já de segunda categoria também. Como eu falei, aqui na USP, onde os cursos de licenciatura são tidos também como cursos de segunda categoria também muitas vezes. A disciplina em escola, isso é relatado por uma das professoras que deu uma entrevista: você coloca a disciplina uma vez por semana, na sexta-feira, no final do dia, que é um convite para que os alunos não compareçam... já diz de alguma ma forma que é uma coisa menos importante; é a disciplina que os alunos vão matar com mais facilidade. Então, tem toda uma trama política aí, que é em relação ao valor dessa disciplina. Eu acho que isso exige que a gente crie um olhar para ações que possam valorizar essa disciplina na escola. Se isso não puder ser feito, ela vai continuar reproduzindo esse lugar de disciplina de segunda categoria, que não é importante. Então acho que esse é um problema, tem que pensar em ações na escola. O outro problema é essa confusão que existe entre a Psicologia Escolar e o Professor de Psicologia. Isso a gente percebeu na entrevista também, o professor de Psicologia, acho que por uma... não queria usar essa palavra, falha na formação, porque a formação desse professor ela precisa ser pensada ou repensada e precisa dar balizas um pouco mais claras, o que é, o que não é, por onde vamos e com o que vamos, qual é o projeto nesse curso, qual a contribuição que a Psicologia tem com o Ensino Médio. Tem alguma contribuição? Pode ter? Eu acho que esse é o ponto que precisa ficar claro. Não é só uma questão corporativa, de ter um lugar de trabalho, não é por aí. A questão é ter claro qual é a contribuição que a Psicologia pode ter. E aí a gente vê que as pessoas que estavam nesse lugar de professores do Ensino Médio, poucas estavam desenvolvendo um trabalho que fizesse sentido. E isso até justifica algumas falas: ah, então é melhor tirar.

Nesse movimento da licenciatura vir para o Instituo de Psicologia, corresponde em alguma medida a esse verificar a falha, ou tem outro motivo?

Não, veio para o Instituto de Psicologia como veio para todas as unidades. É uma mudança na legislação e a legislação agora obriga que o curso de licenciatura saia daquele formato 3 mais 1, em que o aluno terminava a graduação e depois, ou a partir do meio da graduação ele fazia como se fosse um apêndice, uma coisa a mais, que era a licenciatura. Agora a idéia não é mais essa, a idéia é que a licenciatura seja um curso de graduação plena, como eles falam, e que desde o início desse curso as questões ligadas à formação de professores venham sendo colocadas, não fique só uma coisa de apêndice mal aprofundado, mal acabado e que não converse com a área de origem, como se fosse uma coisa só da Educação, separado da Matemática, da Química, da Biologia, da História, da Psicologia, enfim, de todos esses cursos que têm a licenciatura. Então, essa necessidade de diálogo, de conversa com a área de origem, ela fica posta desde o início do curso.

Vamos chamar de uma nova licenciatura, esse resultado desse projeto. Você acha que existe uma, ou pode existir a possibilidade de vir a necessidade de reformular a Psicologia, ou o curso de Psicologia?

A graduação?

A graduação.

Reformular a graduação em Psicologia?

Se ela vai ter algum impacto.

Na formação do psicólogo. Ah... tem um pequeno impacto, eu diria, a partir do programa de formação de professores da USP, onde está sugerido, não é uma exigência, mas é uma sugestão de que todos os cursos, todas as graduações que tenham também a habilitação em licenciatura, que elas ofereçam a disciplina de Introdução aos Estudos da Educação para todos que fazem aquela graduação. Então mesmo no caso dos psicólogos que não optarem pela Licenciatura, eles teriam uma disciplina de Introdução aos Estudos da Educação. Isso eu acho que é uma sugestão de mudança interessante, acho que é um modo de ter uma idéia dessa área, que é a Educação e como ela conversa com essa área específica de formação, no caso, a Psicologia.

Como, porque acho que você teria que, pensando no curso mesmo, pensar na relação entre a formação de professores e a Psicologia Escolar. Pensar no curso: "Introdução aos estudos da educação", poderia servir para uma Psicologia Escolar...

Então, no nosso caso, porque se a gente olhar para todos os cursos de licenciatura da Universidade, cada um tem uma especificidade. No nosso caso, como a Psicologia, ela é uma ciência da Educação, ela é uma ciência que dá fundamento a muitas ações que têm a ver com a Faculdade de Educação, ela é uma disciplina, é uma ciência da Educação. Então, a gente acaba tendo isso de alguma forma. Se a gente for olhar para todos os cursos, isso não fica tão evidente. Mas também, no nosso curso, é buscar também outra forma de participação que não só dessa perspectiva do psicólogo, mas também do professor. Acho que é uma oportunidade de trabalhar isso um pouquinho, no nosso caso. Agora, eu vejo que essa questão do porquê da Psicologia no Ensino Médio, eu acho que a gente deveria internamente, aqui no Instituto, discutir mais isso: como é que podemos enxergar esse sentido, como é que podemos construir isso, não é algo que esteja posto e acabado. E o que estamos fazendo atualmente, que é interessante também fazer um levantamento de todos os cursos técnicos que oferecem disciplinas que tem a ver com a Psicologia. E percebemos que este levantamento não existe, nenhuma Secretaria da Educação tem isso. É interessante perceber que existem muitas disciplinas ligadas à Psicologia nas formações do Ensino Médio Técnico. Estamos começando a levantar isso e começando a nos colocar a questão sobre o que temos para oferecer nesses cursos técnicos, como é que podemos pensar o papel da Psicologia nesses cursos. Em geral é uma Psicologia muito instrumental. E existem cursos em que pensamos que deveria haver Psicologia como, por exemplo, técnico em Enfermagem, que é um profissional da saúde muito importante - e que há um número muito expressivo de pessoas [nesse curso] – e não há Psicologia em sua grade curricular. Deveria haver, é um profissional do cuidado.

Então acho que são todas essas discussões que precisaríamos pensar. Por que não criticamos isso, não participamos de discussões onde esses currículos estão sendo pensados e decididos. E há lugares em que fica muito evidente para nós, que seria importante haver a participação da Psicologia, ou naqueles em que nem esperaríamos, existe a Psicologia. Então, é interessante levantar esse campo para começarmos a perceber como ele é. Em outros países é freqüente a presença da Psicologia no Ensino Médio, o que também é algo interessante para a gente pensar, como essas disciplinas estão sendo ministradas, que sentido elas têm.

Com relação a esses movimentos internos para fazer essas discussões e debates críticos sobre o papel da licenciatura, como você julga a aderência a eles? É uma coisa que preocupa? Você vê as pessoas se movimentando ou é uma coisa que está solta?

Aqui no Instituto acho que é pouco o movimento. A comissão tem se preocupado em trazer o assunto e fazer alguns eventos. Já fizemos alguns, desde a apresentação do projeto pedagógico até alguma discussão sobre a Psicologia no Ensino Médio. E vem um número de pessoas, o que mostra que não é uma discussão totalmente irrelevante no Instituto, mas também não é um número tão expressivo para que se diga que existe muito interesse. Mas acho que podemos, que queremos trabalhar no sentido de fortalecer essa discussão. Acho que esse é um desafio que a comissão tem de promovê-la. Por isso é interessante a Revista estar querendo discutir esse tema, uma Revista que é dos alunos, então é importante esse movimento que vocês estão fazendo. Está em sintonia com os objetivos dessa comissão. E foi um ganho que tivemos: um professor contratado para o curso de licenciatura da Psicologia. Isso é uma força política e enorme dentro da Universidade. Quer dizer que algo concretamente mudou. Não é só falar e depois esquecer o que foi dito. Não são só promessas que o vento levou, mas algo concreto que se instituiu, e acho que as coisas vêm caminhando. Depois desse escândalo da Secretaria de Educação com os livros didáticos, as coisas esquisitíssimas que aconteceram esse ano – porque dá vergonha você ver no jornal a cada dia esses escândalos com livro didático – quem sabe alguma coisa mude também. Não podemos pensar que o que está instituído, o que está forte agora vai ser assim para sempre. A gente percebe que há um movimento e acho que temos um papel a ocupar e o que eu vejo no mais importante do porquê da Psicologia no ensino médio para todos os alunos. Acho que hoje vivemos um momento histórico em que temos alguns mitos muito presentes com relação ao indivíduo, ao que é ser pessoa hoje, o que é fazer uma escolha, a determinados modos de vida que se tornaram naturalizados, a essas questões que estão ligadas ao individualismo que está muito forte nas relações. E acho que as pessoas, em geral, não têm a oportunidade de um espaço de reflexão sobre isso. E a Psicologia, como disciplina, pode criar esse espaço. E, aí, a partir para um tipo de conteúdo específico que pode servir para isso, acho que são inúmeros. Cabe aí pensar conteúdos específicos desse currículo, mas é algo urgente de se fazer porque você vê que as pessoas têm uma idéia de si mesmas como alguém autônomo, que escolhe. A pessoa não se vê como um produto dessa sociedade, como alguém que está sendo produzido. Então acho que isso seria um espaço fundamental, pois que fala dessa produção do indivíduo hoje em dia é a mídia, o jornal. É por aí que as pessoas vão se servindo desses estereótipos todos e seu imbuindo dessas idéias.

Esse movimento em prol da licenciatura tem como outro lado apenas o governo ou existem movimentos que são contrários à presença da licenciatura?

Olha, eu não sei falar muito sobre isso, apenas ouço dizer. Mas há uma briga política entre essas três disciplinas, a Filosofia, a Sociologia e a Psicologia. Então aqui já há uma briga de interesses, quem fica, quem sai, quem ocupa o espaço. E até havia, por parte da Psicologia, uma expectativa de que pudéssemos brigar juntos por um espaço das humanidades nesse currículo. Mas, ao mesmo tempo, fica evidente uma competição por esse espaço e isso impede de seguir, porque é um querendo pegar o espaço do outro. Parece que em tava ganhando era a Filosofia...

Eu fiquei pensando no que você tava trazendo, sobre o objetivo ou qual seria a função da psicologia na licenciatura, essa repercussão, todas essas indeterminações culturais, muito ligada ao individualismo, e de certa forma é um tema recorrente na Psicologia, mas acho que ligado a uma função clínica do psicólogo....
Sim...

...pensar qual o objetivo da clínica provavelmente cairia nessa repercussão, nessas alienações, que levam o sujeito a fazer tal coisa, que a gente leu inclusive em um dos artigos que você recomendou e ele trazia que os próprios psicólogos ou os professores viam o ensino da Psicologia como uma prática de segundo plano mesmo.

Qual era o artigo?

Acho que era o da Anita, talvez...

Ah, você diz da revista, né?

É, da revista, e a gente ficou pensando até em um sentido, até pelos números que a gente tirou, que na formação de psicólogos são mais de 60000 que entram e para a formação de professores de psicologia são 2000 e pouquinho, então você tem uma disparidade muito grande entre esses números e eles levam a gente a pensar duas coisas. Uma é se os psicólogos querem ensinar Psicologia e acho que daí pensar se o ensino de Psicologia, que lugar o ensino de Psicologia como meio para se produzir esses objetivos, que de certa forma parecem objetivos da Psicologia em geral e não só do ensino de Psicologia, e pensar daí por que o ensino...

Por que o ensino, por que... Que outros espaços a Psicologia teria para poder produzir ações nesse sentido. Eu acho que ensino de Psicologia é um espaço que ficaria bem constituído nesse... Agora... Eu acho que a Psicologia da Educação, se a gente for examinar na Faculdade de Educação, ela cumpre essa função também, de pensar quem é o aluno, como é que esse aluno aprende, quem é o sujeito, enfim... Eu acho que essas discussões a Psicologia faz na formação de todos os professores, ela é uma disciplina presente na formação de todos os professores, agora... Eu acho que é um espaço diferente, não é? Um ela participar da formação de professores, e esses professores se apropriarem dessa Psicologia como um algo para pensar suas ações, mas eles vão estar vinculados a outro tipo de conteúdo. Professor de Matemática, ele vai precisar da Psicologia na sua formação como professor para pensar a relação professor-aluno, mas ele vai trabalhar com os conteúdos da Matemática.

Você acha então que haveria conteúdos que só a Psicologia poderia trazer, até pensando nessa questão do tripé, ou da Filosofia, da Sociologia...

Então, aí você faz uma pergunta difícil de responder. Eu acho que não, eu acho que outras disciplinas também poderiam trazer esses conteúdos e fazer essa discussão que é nesse eixo indivíduo-sociedade. Eu acho que um sociólogo pode fazer isso, do mesmo modo que um psicólogo pode fazer isso. Então eu acho que você pode fazer a pergunta de dois jeitos. Um dele é por que a Psicologia e outro é por que não a Psicologia, e aí quando você fala se o psicólogo quer dar aula ou não em vista de um baixo número de alunos nessa área eu também acho que isso é uma questão que não deve servir de argumento para se tomar uma decisão nesse sentido, por que acho que também os psicólogos escolhem porque também não têm nada que se apresente de uma forma melhor discutida e que faça mais sentido, porque acho que tudo isso também vem como um produto dessa licenciatura de segunda categoria. Tudo isso passa institucionalmente. Então acho que é reverter todo esse movimento e acho que essa questão é uma questão muito maior do que a Psicologia, eu acho que é uma questão do lugar da educação na nossa sociedade hoje. Ela é também muito mal vista, professor é mal visto, ele é um profissional de segunda categoria, escola é mal vista, ensino é mal visto, quer dizer, trata-se de recuperar toda essa instituição aí, que é a educação escolar, no caso. Acho que a Psicologia também... Não acho que tenha uma reserva de conteúdos que só a Psicologia pode dar, mas acho que também pode estar presente. Tem horas que eu também fico me perguntando se é ou não é, mas acho que é importante a gente manter o assunto presente porque aí as cosias vão se esclarecendo mais, porque não é uma coisa que dê para pensar sozinho, é uma coisa que a gente tem que pensar junto, tem que pensar em grupo. Isso pode ter um lugar de emancipação, da Psicologia como um conteúdo que pode ser emancipatório no Ensino Médio.

Você tem alguma coisa que você gostaria de acrescentar?

Não sei... Acho que eu tenho vontade de voltar as perguntas para vocês, mas eu vou me ater ao formato. Por que será que o psicólogo escolhe ou não escolhe? Eu vejo que a Psicologia tem uma história, uma intenção de ser uma ciência de uma certa elite, que é diferente da Educação, eu acho que vendo por aí claro que o psicólogo não iria escolher dar aula, se a gente for pensar por essa tradição, por esse, imaginário, que vem junto com a escolha da Psicologia. Já é um profissional que escolhe fazer Psicologia pensando em habitar um determinado lugar social...

Profissional da elite...

Já é um profissional da elite. Se a gente for pensar na Psicanálise, já é da super-elite, então talvez não combine mesmo. Agora, vocês vivem forcluindo o concreto, na hora que a gente se forma, vocês se formam como alunos, e aí a questão do desemprego é super-angustiante, porque é muito difícil você começar profissionalmente na Psicologia, pelo menos para mim foi. Você poder pensar a oportunidade da Educação como um jeito de se manter na profissão é bacana, porque a gente acaba saindo muitas vezes para coisas que não tem nada a ver.

Eu fiquei pensando em uma comparação, eu não sei se ela é muito válida, mas quando a gente iniciou o ato médico teve uma mobilização razoável, foi uma defesa de categoria, tem um espaço que é nosso. Eu fiquei pensando que, quando se retira a Psicologia do ensino médio, pelo menos no estado de São Paulo, isso também está afetando a categoria de uma forma tremenda, pelo menos nesse sentido de emprego. Eu fiquei pensando se a mobilização não foi extremamente inferior a que aconteceu...

De certa forma não era tão temida, porque como ela estava já como disciplina optativa...

Desde 1996...

Ela já estava assim, pequenininha, muito pequena, e antes já era pequena também porque nunca foi uma disciplina como a Matemática, que tem 4 vezes por semana, nunca foi assim, então acho que é uma fatia que já tava muito reduzida, e junto com essa coisa dos profissionais saberem, a consciência que a gente percebeu nas entrevistas, de que eu não estou sendo um bom profissional, porque já é um profissional que é produto de um isolamento, produto de um descaso, de uma desvalorização, já tem todo um peso em cima. O campo já está muito destruído, mas eu acho que não é isso que deve servir como justificativa para então tirar... Peraí, vamos pensar, vamos pensar a Educação hoje, a partir de possibilidades da gente que está dentro dessa ciência, como a gente pode olhar para o mundo e perceber o lugar que a Psicologia pode ter na Educação, não só como ciência da educação mas como conteúdo especifico a ser ministrado. Eu acho que é uma discussão que vale a pena sim, e acho que é muito menor por toda uma desvalorização que vem aí e pega a escola, pega todo esse universo e mais ainda a Psicologia, que já estava pequenininha nesse lugar. Se a escola já é desvalorizada, pense, a Psicologia é desvalorizada dentro da escola. É um lugar muito difícil, com o qual muitas vezes a gente não quer se identificar, ou se identificar em um lugar desvalorizado dentro de um lugar desvalorizado. Não, a gente vai fazer clínica, psicanálise, trabalhar na área da saúde, onde a Psicologia tem um lugar muito melhor constituído hoje. Tem um espaço, vem ganhando, vem ganhando... Acho que não vem ganhando na educação não.

Acho que as nossas perguntas eram essas. Você tem alguma pergunta, Claire? (risos)

O que vocês acham disso?

Eu acho muito interessante isso que você trouxe, de pensar a escola como um lugar que atinge muitas pessoas, da Psicologia ficar nesse individual, não é à toa também essa desarticulação. Acho que a gente não tem esse costume de trabalhar em grande escala, em rede, em coletivo. E é interessante, a gente tem um artigo, que talvez saia, que é sobre o ensino de Psicologia em um CEU, um grupo de psicólogos que abriu um curso livre...

Ah!

E é muito interessante essa experiência, um de elencar conteúdos, eles fizeram todo um trabalho antes de elencar quais seriam os temas principais, os conteúdos, e dois de uma questão que eles trazem que eu acho que permeia também o psicólogo-professor, que a diferença entre ensino de Psicologia, que muitas vezes as próprias pessoas vinham como uma expectativa de uma terapia de grupo. E todo esse limiar que eles traziam, porque ao mesmo tempo eles achavam que o ensino de Psicologia só faria sentido se trouxessem as questões das pessoas, se não fosse um ensino "ah, a gente vai explicar como é que é a relação com objetos" e sim de trazer para eles as questões que tinham a ver, mas que não caísse em uma terapia. Então ela fica em um limiar muito tênue mesmo, é bem complexo mesmo, porque você quer uma coisa, mas ao mesmo tempo você já abre as portas para um lugar que você não quer cair.

Tem que tomar cuidado com isso, porque muitas vezes isso vinha camuflado, você via que era um espaço terapêutico, de falar de mim... mas é bom deixar claro desde o início, o primeiro ponto, do primeiro encontro, tem que fazer este contrato. Porque se este contrato não estiver bem feito, você não segura depois.

Naquela pesquisa acho que tem um relato, se eu não me engano, de uma das entrevistadas indicando que a sala realmente se transformou em uma terapia em grupo, tomou proporções...

É, é um problema. Agora eu penso que a Educação, ela acaba, isso a gente vê aqui no currículo, ela não é mais aquele currículo fechado, mas ela se dá cada vez mais com a abertura do aluno, para o aluno escolher a trajetória dele dentro do curso, através das disciplinas optativas. Isso não é só no Ensino Superior, isso é também como uma possibilidade, pensável no Ensino Médio e até no Ensino Fundamental. Na educação infantil, isso é pleno. A educação infantil é muito mais livre, acho que ela, como possibilidade, é o que tem de melhor no sistema educacional. Mas eu acho que por não ter uma boa Psicologia para ser oferecida como uma disciplina optativa, tem alunos que se interessam, que possam ter acesso. E aí como direito mesmo de acesso. Pensar na Psicologia no sistema educacional como um direito. Direito de saber dessa ciência de uma forma organizada, de uma forma responsável que não seja através da revista Cláudia, que não seja através desse tipo de literatura. Então tem muita coisa pra gente pensar, e acho que essa discussão, eu acredito que ela ainda vem, que ela vai se fortalecer, eu acredito nisso. Eu tenho fé. (risos)

É uma luta também.

É uma luta, mas você tem algumas indicações que talvez permitam fazer uma leitura de que um pouco vai nessa direção, que é a direção das escolhas, de que as pessoas querem cada vez mais poder escolher. Não é isso que a gente vê vindo com esse espírito neoliberal consumista, mas que também pode abrir outras possibilidades. E vocês nos aguardem, que em breve estaremos com mais um evento. A gente quer apresentar para os alunos o que a gente está fazendo da Psicologia nos cursos técnicos, como é que isso tem aparecido. Apresentar primeiro aqui para os nossos alunos, para poder conhecer, o que tem, o que não tem, apresentar questões concretas.

Por que é um buraco: a grande maioria não deve nem saber que tem ensino técnico que tem Psicologia, fica muito abstrato também.

E a gente não tem levantamentos, não tem dados, é impressionante. Eu também fiquei tão surpresa, porque hoje em dia, esses dados estatísticos, o que acontece em cada escola, devia ser muito fácil, quase que o computador faz isso sozinho, rearranja as informações; é uma coisa eu diria simples, de você ter dado. Não tem. Você fala: uau!