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Trivium - Estudos Interdisciplinares

versión On-line ISSN 2176-4891

Trivium vol.3 no.1 Rio de Janeiro enero/jun. 2011

 

ARTIGOS

 

Visões da carne infinita

 

 

Tiago Ribeiro Nunes; Tania Rivera

Psicanalista; professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Goiás/CAC

 

 


RESUMO

Este ensaio apresenta alguns dos aspectos gerais da literatura batailliana, bem como o seu contexto de produção. Tomando a História do olho como referência principal, propõe-se discutir o sentido da crítica batailliana endereçada aos fundamentos do pensamento racional e à moral que lhe é correlativa.

Palavras-chave: História do olho; carne infinita.


ABSTRACT

This essay presents some of the general aspects of bataillian literature, including it's production context. Taking the History of the eye as our main reference, we propose to discuss the meaning of the bataillian criticism about the racional thought and its moral principles.

Key-words: History of the eye; endless flesh.


 

 

 

A carne é em nós esse excesso que se opõe à lei da decência.
Georges Bataille, O erotismo

Um pouco mais, um pouco menos, todo homem fica preso às narrativas, aos
romances que lhe revelam a verdade múltipla da vida. Apenas essas narrativas, por
vezes lidas nos transes, situam-no diante do destino. Devemos, portanto, procurar
apaixonadamente o que podem ser as
narrativas - como orientar o esforço pelo qual
o
romance se renova, ou melhor, se perpetua.

Georges Bataille, O azul do céu

A obra de Georges Bataille está longe de poder ser sistematizada em conformidade com a metodologia tradicional. Sua diversidade de formas e de temas oferece dificuldades evidentes para qualquer um que tente estabelecer a síntese desse universo, cuja amplitude abarca novelas eróticas, poesia, ensaios literários e escritos sobre história, economia e estética. Entretanto, apesar da variedade de gêneros literários produzidos e da aparente dispersão, os escritos bataillianos são percorridos, de ponta a ponta, pelo mesmo feixe de questões. São elas, aliás, nomeadamente as experiências extremas (entre as quais incluem-se o sexo, a morte e o êxtase religioso), que lhes garante uma coesão interna(1). Pretendendo o impossível de um êxtase que somente pode ser alcançado por meio dos gestos mais extremos, Bataille formaliza sua crítica em relação aos fundamentos do pensamento racional e à moral que lhe é correlativa. Na esteira do Nietzsche que opera a tresvaloração dos valores, Bataille denuncia o caráter ficcional dessa moral compartilhada ao longo da história do pensamento ocidental, moral fundada na ilusão da essência eda verdade, mas também na negação do corpo e das suas intensidades (MOSÉ, 2005): à vontade de durar indefinidamente, Bataille opõe um corpo decadente, um corpo que excreta, convulsiona e morre.

Em seu projeto, Sade figura como guia. Que fique claro, ao contrário do Dante que, ao meio do caminho de sua vida, achando-se então embrenhado em densa selva escura, foi resgatado e conduzido de volta ao justo caminho pelo poeta Virgílio, guia de sua jornada ínfera, Bataille recorre ao solitário prisioneiro da Bastilha a fim de avançar para além do bem e do mal. Por isso, ao contrário do que ocorreu ao poeta florentino (cuja jornada possui um forte apelo moralizante), a jornada batailliana, empreendida sob a mestria de Sade, nunca teve como meta qualquer tipo de redenção. Seu ponto de chegada não é a beatitude, mas a implosão dos fundamentos morais, em cujo horizonte se destaca nitidamente uma proposta: a invenção de um modo de ser minimamente viável (BATAILLE, 1928/2003).

Alguém minimamente viável (BATAILLE, 1928/2003). Era assim que ele costumava se referir em relação a si mesmo e às mudanças experimentadas por ele após o seu breve e pouco ortodoxo tratamento com o psicanalista Adrian Borel. Curiosamente, o ponto final de seu tratamento coincide com a publicação de sua novela de estreia, a História do olho (BATAILLE, 1928/2003), cuja produção fora muitíssimo incentivada por Borel. Assim, se o tratamento com Borel pôde ser considerado tanto pelos amigos quanto pelos biógrafos como sendo pouco convencional, o fim de sua Psicanálise não é nem um pouco menos extravagante: a invenção, seguida da publicação, de um escrito literário marcado sobretudo pelo teor obsceno e pelos explícitos traços autobiográficos. Na batalha combatida sob a regência de Sade, encorajado por seu psicanalista a lançar mão do arsenal sadiano em seu combate, a preparação do romance exigia que as suas questões pessoais fossem revestidas do sentido mais radicalmente obsceno. Essa parece ter sido a única e verdadeira via de acesso ao que, para ele, significava sua mínima viabilidade.

 

1 -A vida pelo avesso

A História do olho (BATAILLE, 1928/2003) é uma obra estranha. Publicada clandestinamente em 1928, sua primeira versão trazia a assinatura de um tal Lord Auch. O título anuncia literalmente uma das suas principais características: em sua forma exata ou em suas muitas variações metafóricas, o olho figura enquanto elemento organizador do seu sistema imagético. Instituído enquanto tal, como o centro de gravidade da narrativa, ele é tomado para além daquela que é a sua função mais fundamental: ver. Subtraída a visão, nós o vemos transfigurar-se no prato de leite do gato, no olho-do-cu, nos ovos crus ou cozidos (que por sua vez se ligam, pela coincidência entre as suas formas, aos testículos), no olho-solar, no olho-lua etc. Recusando o bom e o belo ideais, a História do olho (BATAILLE, 1928/2003) apresenta um horrível espetáculo que atrai paradoxalmente pelo que nele existe de mais repugnante: o olho desfigurado e opaco, imagem horrenda a partir da qual se alicerça uma relação amorosa intensa e, ao mesmo tempo, muda.

 

 

No universo à parte dos jovens amantes que protagonizam a narrativa, a regra é um gozo que somente pode ser alcançado por meio dos procedimentos mais extremos. Fora da jurisdição da lei, entregues à urgência desesperada dos seus jogos amorosos, eles pretendem nada menos do que o impossível. Entretanto, se, a rigor, os imperativos da moral adulta não conseguem alcançá-los, coagi-los ou puni-los, isso não significa que não haja nenhuma lei em seu horizonte. A impotência da lei e da moral adulta prefigura, na História do olho, a existência de uma outra lei, ou, mais apropriadamente, de uma lei às avessas: imperativo implacável que exige empenho integral nas mais variadas e extremas formas de transgressão.

Realizando seus desejos com um ímpeto cuja intensidade anuncia parentesco com as grandes convulsões naturais, o narrador, sua cúmplice Simone e todos as outras personagens que eles acabam enredando em sua história renunciam, voluntária ou forçadamente, à integridade de seus corpos. No ponto extremo ao qual eles se deixam levar pela experiência erótica, excedem-se todos os limites individuais. Entregando-se sem reservas a um processo de dissolução que ameaça terminar em sua aniquilação definitiva, os jovens dissolutos experimentam o êxtase da consubstanciação, tão terrível quanto desejada.

Integrados entre si, eles são devolvidos à sua intimidade perdida com os elementos da natureza. Para eles, a vida representa apenas um estado transitório entre o que foram no princípio e o que voltarão a ser um dia: tal como a substância orgânica que se entregasse intencionalmente à decomposição simplesmente para poder regressar ao seu estado mais original, completamente reintegrada à natureza(2).

O ápice desse movimento de desintegração, que visa, paradoxalmente, à integração plena, pressupõe o transbordamento de todos os limites do corpo: ruptura, por meio de uma violência elementar, da existência em sua forma descontínua(3). Referindo-se ao primeiro encontro entre ele, Simone e Marcela, o narrador descreve uma cena brutal na qual os corpos, invadidos pelo êxtaseerótico, comunicam a implosão dos limites individuais. É nessa paisagem dominada pela fúria da natureza e dos corpos, que o narrador e Simone introduzem Marcela na devassidão dos seus jogos amorosos:

[...] o céu ameaçava uma tempestade e, com a noite, grossos pingos de chuva haviam começado a cair, aliviando a tensão de um dia tórrido e sem ar. O mar fazia um barulho enorme, dominado pelos fortes estrondos dos trovões, e os relâmpagos permitiam ver, como à luz do dia, os dois cus excitados das meninas então emudecidas. Um frenesi brutal agitava nossos três corpos. Duas bocas juvenis disputavam meu cu, meus colhões e meu pau, e eu não parava de abrir pernas úmidas de saliva e porra. Era como se eu quisesse escapar do abraço de um monstro, e esse monstro era a violência dos meus movimentos. A chuva quente caía torrencialmente e encharcava nossos corpos. A violência dos trovões nos assustava e aumentava a nossa fúria, arrancando-nos gritos que ficavam mais fortes a cada relâmpago, ante a visão de nossos sexos. Simone havia encontrado uma poça de lama e se chafurdava nela: masturbava-se com a terra e gozava, açoitada pelo aguaceiro, minha cabeça espremida entre suas pernas enlameadas, o rosto mergulhado na poça onde ela esfregava o cu de Marcela, a quem abraçava por trás, a mão puxando as coxas e abrindo-as com força. (BATAILLE, 1928/2003, p. 26-27)

Nesse episódio que toma parte ao final do primeiro capítulo da novela, é possível identificar a presença de uma total reversibilidade entre os personagens e os elementos da natureza. Assim, ao mesmo tempo em que o arrebatamento sexual ao qual eles se entregaram parece ter sido desencadeado pela tempestade que então se anunciava, é possível que toda essa excitação que transtorna os elementos naturais tenha sido induzida justamente pela fúria dos amantes: o erotismo dos corpos excita a natureza, e é por ela inflamado.

Separada do mundo adulto e governada pelas restrições morais culturalmente instituídas sobre o território da sexualidade, a narrativa se desenrola em uma atmosfera sufocante que captura e entorpece as personagens. A clareza da linguagem empregada pelo narrador intensifica consideravelmente aquilo que a história tem de mais perturbador: tensão sustentada pela violência e pelo desregramento que caracterizam a conduta sexual dos jovens devassos, convite à constatação de uma ligação indestrutível entre o erotismo que transtorna os corpos e o tormento da morte. Isso porque, tal como nos revela seu autor, "o que significa o erotismo dos corpos senão a violação do ser dos parceiros? Uma violação limítrofe ao limiar da morte? Limítrofe ao ato de matar?" (BATAILLE, 1957, p. 28). Imersos em uma obscena fantasia desprovida de qualquer freio moral, o narrador e sua cúmplice Simone pretendem o impensável.

Nesse universo delirante e dominado pelo êxtase e também pela necessidade de transgredir os imperativos morais, a sexualidade comparece em seus aspectos mais terríveis e grotescos. A narrativa exibe um variado repertório daquilo que no início do século XX foi denominado como aberrações sexuais. Nenhuma semelhança com o texto freudiano sobre as teorias sexuais infantis parece ser mera coincidência: para além da crença em uma pretendida relação com a realidade objetiva, destaca-se ao longo da narrativa a importância das fantasias e o papel desempenhado por elas na vida das personagens; para além de qualquer estabilidade supostamente engendrada pela organização genital (que deveria figurar enquanto dominante no registro da sexualidade ao final do desenvolvimento psicossexual), celebra-se ali o primado da pulsão parcial.

Entretanto, seria um equívoco grosseiro acusar de gratuito o caráter anômalo da sexualidade tal como ela é descrita ao longo da narrativa. Menos do que pretender chocar o leitor pela simples descrição de certas condutas sexuais popularmente designadas como perversas, a intenção que determina a escolha deste tema parece ser a seguinte: construir uma crítica vigorosa contra qualquer naturalidade suposta no que diz respeito à sexualidade humana. Recusando tudo aquilo que poderia ser chamado de normal (ou mesmo convencional), as práticas sexuais que proliferam ao longo da história são as mais perversas e abjetas. Assim degradada, a sexualidade se afirma enquanto dispêndio improdutivo, gasto excessivo e totalmente estéril. Elogio do esgotamento completo das forças vitais, o erotismo revelado pela conduta dos jovens amantes é portador de uma agressividade permanente e excessiva. Por esse motivo, em nenhum momento da narrativa o sexo se apresenta como fonte de alívio ou saciedade, mas mantém-se, do princípio até o final da história, enquanto uma tensão que desafia permanentemente as possibilidades físicas e psicológicas desses adolescentes cujo desejo encontra-se ligado, de modo indissociável, à angústia.

Em um capítulo que sucede ao desfecho da história, o autor revela o seu Plano para uma continuação da História do olho (BATAILLE, 1928/2003). Nesse pequeno esboço de continuação, conhecemos o destino imaginado por ele para sua jovem devassa: após quinze anos de excessos, ela entra, por engano, em um campo de concentração: aos trinta e cinco anos, numa exaltação que ultrapassa tudo o que pode ser imaginado, completamente indiferente às pancadas infligidas a ela pelo carrasco e às súplicas de uma interna devota que pretendia convertê-la, Simone "[...] morre como quem faz amor [...]" (BATAILLE, 1928/2003, p. 93).

Nenhum final poderia ser mais coerente e verossímil do que esse: Simone, a heroína às avessas da História do olho, morre experimentando a mesma exaltação perseguida com persistência durante toda a sua trajetória de vida. Sua ousadia, reafirmada a cada sequência narrada, aliada à sua profunda devoção pelas suas angústias mais fundamentais, faz dela alguém que se entrega ao carrasco como quem o faz por um gesto livre da própria vontade. É como se, por meio desse ato irreversível, ela vislumbrasse a possibilidade de atingir o ponto derradeiro, o efêmero instante de materialização deste impossível para o qual toda a sua vida fora endereçada. Seus quinze anos de luxúria e devassidão serviram-lhe apenas como preparação para uma realização ainda maior: se ela se entrega ao verdugo, é menos por covardia do que pelo reconhecimento de que ele desempenha aquilo que para ela constitui o mais sagrado de todos os ofícios. Se, por outro lado, ela recusa converter-se, mesmo na iminência de sua morte, ao deus cristão evocado pela fiel que insiste em tentar convencê-la (e também convertê-la), é porque não enxerga nenhuma oposição entre aquilo que ela entende ser a verdade sobre o sagrado e o êxtase no qual toda a sua conduta devassa encontra-se ancorada.

 

2 -A letra e a vida

Noutro capítulo, espécie de curto epílogo localizado ao final da história, o autor examina as conexões que ligam suas lembranças aos episódios que integram a história narrada. Procedimento inusitado por meio do qual "o suposto 'eu' do narrador se duplica abertamente em um 'eu' real" (LEIRIS, 2003, p. 195) que vasculha sua memória destacando os eventos de sua infância e juventude que o marcaram mais profundamente. Por meio dessa exegese autobiográfica, ele identifica certas imagens fundamentais que subsistiram na qualidade de testemunho inscrito de um passado que insiste em resistir ao desgaste imposto pelo tempo e se fazer presente. Tão presente que foi inevitável vê-lo despertar, reanimado no exato momento em que, trabalhando na elaboração da narrativa do olho, o autor procurava justamente pela "[...] maior das obscenidades" (BATAILLE, 1928/2003, p. 88).

Na primeira edição do livro, em 1928 (cuja tiragem foi de apenas cento e trinta e quatro exemplares) esse curto epílogo apareceu com o título de Coincidências. Nas edições seguintes, entretanto, ele passou a figurar intitulado de Reminiscências. A mudança, por sua vez, não atingiu somente o título do capítulo, mas foi acompanhada de uma profunda reestruturação do texto que o compunha. O resultado desse procedimento de reformulação foi o estabelecimento de um texto muito mais conciso e ainda mais bem acabado formalmente, além de mais rigorosamente adequado ao conjunto formal do pensamento de seu autor. Entretanto, sobre esse ponto, Michel Leiris apresenta a seguinte opinião:

De uma versão à outra, o fosso que se abriu entre as duas partes e, com isso, entre o "eu" real e o "eu" do narrador mostra que se exerceu uma autocrítica precisa: ora engajado a fundo na reflexão propriamente filosófica, Bataille parece, por um lado, julgar mais severamente seu ensaio de exegese e, por outro, recusar-se a admitir que sua empresa tenha tido um caráter essencialmente gratuito. Se pensasse diferentemente, qual razão teria, não apenas de encurtar e diminuir tipograficamente a exegese, mas ainda de amputá-la [...] e, no âmbito de sua busca geral por uma redação mais cerrada, de expurgar a ficção de alguns detalhes de escrita ou de invenção que justamente acusavam (por vezes com ironia) sua natureza romanesca? Assim emendada, a obra ganha em rigor, sem nada perder de sua força corrosiva; mas, para quem a leu primeiro em sua forma mais original, é difícil - por ínfima que seja a diferença global - desligar-se da primeira versão, a mais espontânea e correlativamente a mais provocante. (LEIRIS, 2003, p. 106-107)

A substituição de um título por outro parece ter servido, entre outras coisas, para realçar a intenção do autor de apresentar certos fragmentos de sua história pessoal que, por menos presentes que aparentassem estar, permaneceram parasitando sua memória e produzindo efeitos em sua vida. Assim procedendo, menos do que simplesmente apontar para uma identidade total e completa entre o vivido e o narrado, o autor reafirma sua necessidade pessoal de reescrever o passado, necessidade particular de deformá-lo até que, acrescentado do sentido mais obsceno, ele pudesse ganhar vida autônoma na forma de literatura.

Sem dúvida, a presença explícita das reminiscências atesta, literariamente, o mútuo pertencimento entre a vida e a escrita de Georges Bataille: todavia, se a vida é sempre o motor e a matéria da obra artística, transformá-la em arte requer necessariamente de seu artífice um rigoroso trabalho de composição, trabalho esse menos interessado em transcrever integralmente os acontecimentos vividos por ele ou por outrem do que em imaginar, de modo verossímil, como eles poderiam ter sido. Isso precisamente porque, para o sujeito em questão, "uma visão imediata da vida é pobre, comparada àquela que a reflexão e a arte do historiador elaboram" (BATAILLE, 1989, p. 91).

O fato de haver, ao final da narrativa do olho, um capítulo destinado explicitamente a apresentar ao leitor as conexões existentes entre a vida do autor e a sua obra, certamente soaria estranho àquela parte da crítica literária que, herdeira de um "esteticismo mal compreendido" (CANDIDO, 1975, p. 29), defende a necessidade de uma crítica literária livre de qualquer contaminação relativa à biografia do autor ou a dados exteriores à obra. Entretanto, a escolha feita pelo autor da narrativa do olho, nesse caso particular, por uma análise baseada na comparação e no estabelecimento de pontos de conexão entre o literário e o não literário, pressupõe que, em sua opinião, o texto não anula os elementos não literários "ao transfigurá-los e, sendo um resultado, só pode ganhar pelo esclarecimento da realidade que serviu de base à sua realidade própria" (CANDIDO, 1975, p. 34, grifo do autor).

Mas, o ponto mais decisivo desse pequeno capítulo acrescentado ao final da novela do olho parece ser mesmo o seguinte: a surpresa do autor ao se reconhecer em sua história narrada. Mais do que a simples apresentação daquilo que liga os acontecimento de sua vida à sua obra, nesse apêndice da História do olho, somos informados sobre o aparecimento totalmente inconsciente e nada intencional de tais conexões. Na verdade, é o próprio autor quem afirma que seu projeto nunca foi, conscientemente, escrever uma autobiografia. Não por acaso ele se surpreende ao final da elaboração da história ao encontrar tantos pontos de contato entre o narrado e o vivido. Paradoxalmente, pretendendo alcançar, na escrita e pela escrita, o esquecimento completo de si e o apagamento do seu nome(4), escrevendo ele se vê irremediavelmente confrontado com a seguinte evidência: o resultado atingido foi precisamente o contrário do que se pretendia inicialmente.

Ainda que sua intenção inicial e confessa fosse outra, sua ficção não parou de dizer sobre ele e sobre as suas mais perturbadoras questões pessoais: apagar o nome de família, combater contra sua identidade e contra a herança que lhe foi transmitida pelo pai serviu-lhe para que fosse possível reinventar, forjado por meio do artifício da imaginação, não apenas o passado (que serviu de lastro para a composição de sua História e que ressurgiu posteriormente na forma das Coincidências/ Reminiscências), mas inclusive o próprio nome, acrescentando a ele um sentido obsceno, afinal, Lord Auch é Deus se aliviando (BATAILLE, 1928/2003).

No limite, e fazendo um caminho tão arriscado quanto pouco usual, poderíamos inclusive supor que, no que diz respeito a esse caso específico, é o texto que ajuda a compreender a biografia de seu autor. Ou seja, é somente de modo retroativo, a partir da conclusão da narrativa, logo depois de ter inventado um sentido para sua experiência pessoal e uma forma particular de narrá-lo que ele se dá conta das conexões entre sua invenção literária e os intensos episódios de sua infância e adolescência. Avançando pelo caminho da ficção, Bataille reencontra o passado: efeito da linguagem sobre a qual se estruturam tanto a ficção pessoal quanto a realidade compartilhada. Entretanto, o passado não é apenas reencontrado, mas reelaborado por meio da literatura: suas narrativas lhe revelaram "[...] a verdade múltipla da vida" (BATAILLE, 1986, p. 09), a verdade múltipla sobre a sua vida e sobre o seu passado. Em sua pena, "[...] a verdade e a fantasia se conjugam [...]" (BATAILLE, 2001, p. 267).

A linguagem entrega aqui o seu segredo: toda fala se volta inevitavelmente sobre si mesma. Disso resulta a impossibilidade de que o discurso, seja ele qual for, escape de ser, até certo ponto, metalinguagem. Por isso mesmo, no lugar do esquecimento pretendido, surgem as tais coincidências que conectam, de modo assombroso, a ficção à realidade:

Enquanto escrevia este relato, em parte imaginário, me assombraram algumas coincidências; me parece que mostram indiretamente o sentido do que escrevi e, por isso, me interessa apresentá-las:

Comecei a escrever sem nenhuma ideia precisa, incitado sobretudo pelo desejo de esquecer, pelo menos provisoriamente, minha identidade pessoal. Ao princípio acreditei que o personagem que narrava em primeira pessoa não tinha nenhuma conexão comigo. [...] Me surpreendeu sobremaneira haver substituído, em perfeita inconsciência, uma imagem totalmente obscena com uma visão desprovida de toda significação sexual. Contudo, logo teria maiores motivos de assombro.

Já havia imaginado com todos os detalhes a cena da sacristia de Sevilha, e em particular a incisão praticada na órbita ocular do sacerdote ao que se arranca o olho. Pensando encontrar uma relação entre o relato e minha própria vida, me diverti descrevendo uma corrida trágica à qual em realidade assisti. Coisa curiosa, não relacionei os dois episódios antes de descrever com precisão a ferida que o touro causou a Manuel Granero (personagem real), mas no momento mesmo em que chegava à cena da morte caí em grande estupor. A extração do olho do sacerdote não era, como eu havia acreditado, pura invenção, senão a transposição a outro personagem de uma imagem que sem dúvida havia conservado uma vida muito profunda. Se havia inventado que se o arrancava o olho ao sacerdote morto, era porque havia visto que uma chifrada de touro havia arrancado o olho do matador. Do mais obscuro de minha memória surgiam as duas imagens mais chamativas que maior marca deixaram em mim, desfigurando-se quando me punha a imaginar obscenidades. (BATAILLE, 1995/1928, p. 107-109)(5)

Sua imaginação literária está totalmente infectada de seu passado. Se, por um lado, o sentido da narrativa é ampliado pela conexão com a vida do autor, por outra parte, é a própria narrativa que (res) significa o passado do mesmo. Assim, ainda que de modo inconsciente, as imagens formuladas por ele em sua ficção tanto são lastreadas por aquelas que o marcaram mais profunda e obscuramente como as lastreiam. Em alguns momentos, como por exemplo no episódio da tourada, a proximidade entre o vivido e o narrado é tanta que ambos os campos parecem coincidir completamente. Entretanto, esse episódio ganha na narrativa, assim como todos os demais, uma conotação extremamente obscena. Esse acréscimo é absolutamente decisivo: pintar o quadro do passado acrescentando a ele os traços da máxima obscenidade.

Elaborada, a narrativa tornou possível identificar o sentido que os episódios da história pessoal do autor produziram sobre ele. O tom acentuadamente obsceno serviu-lhe para afirmar o sentido de sua experiência pessoal: é exatamente sua obsessão pela ascese sexual que toma forma transportada para a sua literatura. Segundo ele nos informa, suas recordações somente puderam recobrar vida deformadas até o ponto de adquirirem "[...] um sentido obsceno" (BATAILLE, 1928/2003, p. 91). Revisitado, o passado do autor revela uma ligação essencial entre os acontecimentos mais decisivos de sua infância e um erotismo que surge no limite do horror. Entre esses acontecimentos, aqueles que dizem respeito ao seu pai figuram certamente entre os mais significativos:

Nasci de um pai sifilítico, que me concebeu quando já era cego, e que pouco tempo depois de meu nascimento ficou paralisado por sua sinistra enfermidade. Ao contrário da maioria dos meninos que se apaixonam por sua mãe, eu estava apaixonado por meu pai. À sua cegueira e sua paralisia estava ligado outro fato: não podia urinar como os demais no reservado, urinava em seu assento, em um pequeno recipiente e, devido à frequente urgência, não se importava de fazê-lo em minha frente, debaixo de uma colcha: como era cego, a colocava, quase sempre, ao contrário. O mais estranho, sem dúvida, era certamente sua forma de "olhar" quando urinava. Como não via nada, sua pupila perdia-se no vazio, sob sua pálpebra, e isso acontecia, em particular, quando mijava. Tinha olhos muito grandes, sempre muito abertos, em um rosto aquilino, e seus grandes olhos se punham quase brancos quando urinava, com uma expressão idiota de abandono e fuga frente a um mundo que só ele podia ver e que e que lhe produzia um riso ausente (gostaria de recordar também, por exemplo, o caráter errático do riso desolado de um cego). Em todo caso, é a imagem desses olhos brancos nesses momentos precisos, que para mim se vincula diretamente à dos ovos, explicando a aparição, quase regular, da urina cada vez que aparecem os ovos ou os olhos no relato.

Depois de haver descoberto esta relação entre dois elementos distintos, pude descobrir uma nova, não menos essencial, entre o caráter geral do meu relato e um fato particular.

Tinha quatorze anos quando meu afeto pelo meu pai se transformou em um ódio profundo e inconsciente. Comecei então a gozar secretamente com os gritos que arrancavam dele as dores contínuas e fulminantes da tabes, classificados entre os mais terríveis. O estado de imundície hedionda a que o reduzia sua doença (às vezes cagava nas calças), não me produzia o desagrado que se pode imaginar. Além do mais, adotava frente a todas as coisas, atitudes e crenças radicalmente opostas às desse ser nauseabundo por natureza. (BATAILLE, 1928/1995, p. 111-112)

No limite, as lembranças trazidas à tona revelam-se intimamente dependentes dessa experiência pessoal do escritor com o olhar vazio de seu pai real: o ideal fixado por esse olhar paterno é menos moral do que pulsional(6). Um olhar-objeto-pulsional, desvinculado de qualquer função orgânica ligada à percepção imediata. Não por acaso, elas estão sempre remetidas ao olho portador desse olhar que, apesar de sabidamente cego, ainda assim fora capaz de marcá-lo tão profundamente.

Se esse é o seu ponto de partida, o ponto de chegada implica na apropriação do sentido dessa experiência: realizar subjetivamente que era por seu estado de ser cego e branco, que, juntamente com os gritos de loucura, o olhar-objeto do pai fora capaz de afetá-lo, na exata medida em que corporificava, para ele, uma experiência no limite do possível, experiência na própria carne de um êxtase sem nome. Elaborada a experiência pessoal com o pai, seu olhar cego se converte em princípio fundador a cujo sentido somos apresentados ao longo da História do olho (BATAILLE, 1928/2003). Repleta de elementos que figuram como variações desse objeto, cuja importância faz com que ele receba destaque desde o título da narrativa, essa é uma história que se constrói em torno de sucessivas mutações do olho e do olhar.

Como bem observou Roland Barthes, "a História do olho é, na verdade, a história de um objeto" (BARTHES, 2003, p.119, grifos do autor), a história das mutações desse objeto, uma história que começa no instante em que o narrador vê pela primeira vez a "carne rosa e negra" de Simone "banhada em leite branco" (BATAILLE, 1928/2003, p. 24), e termina quando ele tem a sensação de estar sendo visto pelo olho que, arrancado do padre Dom Aminado e enfiado na vulva de Simone, projeta para ele a imagem alucinada do olho azul-pálido de Marcela, "chorando lágrimas de urina" (BATAILLE, 1928/2003, p. 85).

Essa inversão de perspectiva entre sujeito e objeto está na base da própria matriz do que Freud (1905/1975) designou ser a pulsão-escópica: reversibilidade entre o ver e o ser visto. Cabe salientar que as metamorfoses do olho e do olhar ao longo da História do olho revelam ainda um outro ponto fundamental: tanto o olho quanto o olhar encontram-se totalmente desvinculados do que experiência empírica ensina sobre cada um deles. Conforme já dissemos anteriormente, seu valor no interior da narrativa não apenas é autônomo em relação à sua função orgânica como se opõe vigorosamente a ela. Por isso, podemos aproximá-los da série dos objetos da pulsão, cujo arranjo prescinde de qualquer acordo com a funcionalidade orgânica.

 

3 -A vida e a letra

Oculto sob o pseudônimo Lord Auch está Georges Bataille. Nascido no ano de 1897 no Puyde-Dôme, Bataille trabalhou durante grande parte de sua vida como arquivista e bibliotecário. Funcionário da Biblioteca Nacional da França, em 1943, ele assina a publicação de A experiência interior (BATAILLE, 1943/1992). Entretanto, sua produção já estava ativa havia mais de uma década. Circulando clandestinamente e mediante a adoção dos pseudônimos Lord Auch, Pierre Angélique e Louis Trente estavam sua História do olho (1928), Madame Edwarda (1937) e Le petit (1943). Incompatíveis com as exigências de seu cargo público pelo seu teor obsceno e pelas inúmeras referências biográficas que nelas constavam, mas também pelo fato de circularem na completa clandestinidade, suas novelas impunham como condição indispensável para a publicação o apagamento do seu nome de família. Apagar seu nome e forjar para si um outro: Lord Auch, cuja significação nos é fornecida pelo próprio Bataille:

O nome de Lord Auch faz referência ao hábito de um dos meus amigos: quando irritado, em vez de dizer "aux chiottes!" [à latrina], ele abreviava dizendo "aux ch". Em inglês, Lord significa Deus (nas escrituras): Lord Auch é Deus se aliviando. (BATAILLE, 1928/2003, p. 96, grifos do autor)

O procedimento estilístico adotado na História do olho (BATAILLE, 1928/2003) revela uma importante característica do programa filosófico-literário de seu autor: "[...] apagar o nome transmitido pelo pai, sem contudo deixar de reconhecer sua marca" (MORAES, 2003, p. 12). Ao mesmo tempo em que vela seu nome de família, o pseudônimo revela uma de suas intenções mais fundamentais: a transgressão. Assim, trazer à tona a herança paterna serve-lhe apenas para melhor subvertê-la. Referindo-se a Sade, Bataille afirma o que parece aplicável também a ele: "É que a essência de suas obras é destruir: não somente os objetos, as vítimas, cenário (que existem apenas para responder ao furor de negar), mas o autor e a própria obra" (BATAILLE, 1957/1989, p. 97).

A invenção do pseudônimo Lord Auch permitiu-lhe, em um período ainda embrionário de sua produção, elevar os componentes fundamentais de sua biografia ao patamar de obra. Valendo-se dele em sua novela primeira, Bataille realiza na escrita o caminho que vai do particular ao universal: do pai real a Deus. Escrevendo, ele elabora o horror de sua história familiar dominada pela figura do pai cego, paralítico e louco, abandonado por ele e por sua mãe durante o avanço militar alemão em agosto de 1914. Interrogando-se sobre o Pai e, consequentemente, sobre os fundamentos da moral, Bataille escolhe assumir para si a herança maldita de Sade pelo convite ao deslimite e à subversão dos modos de vida convencionais. Por outro lado, a adoção de pseudônimos realiza em ato a crítica batailliana à crença na identidade enquanto centro da gravidade do ser.

Para Michel Leiris (2003), o objetivo último dessa obra inaugural(7) de Georges Bataille está contido de modo performativo no pseudônimo adotado por ele: Lord Auch. Além disso, é possível identificar nessa novela de estreia, retroativamente, os princípios formadores da estética batailliana da transgressão. Assim,

Se o Lord Auch da História do olho, poema em forma de romance cujo poder tenaz de enfeitiçar deve muito à constante osmose que se opera entre o "eu" estranhamente lírico (misturando dejetos de abatedouros, azul celeste e sujeira) e o "eu" friamente autobiográfico (tentando introduzir, graças a alguns pontos de referência, um pouco de ordem nesse apocalipse), se esse Auch, cujo nome é uma maneira abreviada de mandar tudo aquilo que em linguagem menos baixa se chama de latrina e que, com seu prefixo nobiliárquico, tem um quê de alcunha de dândi, se esse produto do humor negro já dissimula o Georges Bataille que, na sequência, elaborará uma teoria apologética da transgressão, arremetendo contra o muro dos lugares-comuns, retesando todo o seu intelecto para impedir que outros muros ideais venham tolhê-lo, então seria o caso de se dizer que este primeiro livro - culpado em si mesmo, uma vez que editado às escondidas e votado ao inferno das bibliotecas - não tem outro fim que o de transgredir, sacudir e nivelar, como por brincadeira. (LEIRIS, 2003, p. 117)

À parte suas características estilísticas, a História do olho (BATAILLE, 1928/2003) chama a atenção pelo possível motivo desencadeador de sua produção: permanentemente atormentado por suas questões pessoais, Bataille passa a frequentar o consultório do psicanalista Adrien Borel(8), em 1926. Conhecido no meio intelectual francês por sua pouca ortodoxia, durante o tratamento que durou aproximadamente um ano, Borel o incentivou a "[...] colocar no papel suas fantasias sexuais e obsessões da infância" (MORAES, 2003, p. 08).

Apesar da pouca duração, o tratamento psicanalítico repercutiu intensamente na vida e na obra de Georges Bataille. Em entrevista concedida a Madeleine Chapsal pouco tempo antes de sua morte, Bataille revela a opinião de que sua Psicanálise, apesar de breve e pouco ortodoxa, foi capaz de transformá-lo de um "[...] ser completamente doentio em alguém relativamente viável" (CHAPSAL, 1986, p. 200). O produto de sua análise ganha, então, a forma literária de uma novela intitulada História do olho (Bataille, 1928/2003), que representa, de acordo com Eliane Robert Moraes (2003), o relato pessoal de sua cura:

Prova disso são as páginas finais do livro, que se oferecem, na qualidade de epílogo, como um equivalente textual do fim do tratamento: trata-se de uma autobiografia, que propõe uma interpretação da narrativa, estabelecendo pontos de contato entre o imaginário mobilizado na novela e certas circunstâncias da vida do autor. O sujeito que fala nessas "Reminiscências" [...] já não é mais o narrador e sim uma pessoa que vasculha a infância, povoada de fantasias obscenas e marcadas pela figura de um pai cego e paralítico, o que corresponde perfeitamente à biografia de Bataille. (MORAES, 2003, p. 09)

Entretanto, o que quer que tenha sido essa cura, ela não o fez um homem menos obcecado pelos temas do sexo e da morte: ter levado sua Psicanálise até o fim nunca fez dele um homem mais bem adaptado socialmente ou disposto a aderir pacificamente às formas de vida convencionais. O final do seu tratamento não coincide, tampouco, com o desaparecimento de suas obscenas fantasias. Em lugar de eliminar definitivamente os seus fantasmas e as suas obsessões, sua análise parece ter permitido, pelo contrário, que ambos fossem promovidos ao primeiro plano de sua produção estética e filosófica.

Tornar-se um homem relativamente viável, isso é tudo o que Bataille afirma ter conseguido com a sua Psicanálise: um homem relativamente viável e em plenas condições de se afirmar impossível. Entendendo que o paradoxo é verdadeira casa do homem, Bataille se empenha em construir, de modo performático, uma economia baseada no gasto improdutivo, uma teoria da religião desprovida de Deus, um erotismo que somente se realiza plenamente pela violência mortal.

 

4 -Amor, exercício de crueldade

Recorrendo ao potencial revelador do erotismo, do êxtase religioso e dos espetáculos violentos, Bataille reconstitui uma imagem da qual o homem deliberadamente buscou se esquecer. Imagem que a realidade cotidiana se esforça em eclipsar, como parte de uma estratégia que parece ser indispensável à sua manutenção e estabilidade. Não por acaso, é exatamente esta vida, amputada da dor (seja no agora ou no porvir) e liberada dos efeitos da contingência, o valor perseguido pelas metafísicas religiosas ocidentais. A negação da instabilidade da contingência é um recurso tão indispensável que Maurice Blanchot chega inclusive a afirmar que: "[...] o desastre arruína tudo, ao mesmo tempo deixando tudo intacto. Ele não toca a ninguém em particular; 'eu' não sou ameaçado por ele, mas poupado, deixado ao lado" (BLANCHOT, 2010, p. 01). Assim, o desastre nunca é experimentado como encarnação da contingência, como evidência do desamparo do homem frente ao mundo e a si mesmo: o eu está sempre resguardado, protegido da catástrofe em um abrigo metafísico edificado ao preço da negação de todo acontecimento imprevisto.

Ao seu modo, a produção filosófico-literária batailliana assimila a morte e a contingência por meio da composição de uma beleza convulsiva e perturbadora. Sua técnica apoia-se na degradação da beleza ideal, na destruição da sua harmonia, na introdução de uma falha que corrompe a perfeição do belo assim como qualquer pretendida garantia ou certeza.

Se o efeito da vida ordinária é promover o apagamento da morte (índice máximo da contingência), o objetivo da produção batailliana pode ser assim definido: "incorporar a morte à vida, torná-la de certa maneira voluptuosa (como o gesto do torero conduzindo suavemente o touro nas dobras de sua capa ou de sua muleta)" (LEIRIS, 1938/2001, p. 75, grifos do autor). Assim, são tecidos em sua obra os nexos entre o amor e a destruição: mútuo pertencimento entre a atividade sexual e a morte. Definido como sendo a "[...] aprovação da vida até na morte" (BATAILLE, 1957/2004, p. 19), em si o erotismo, tal como ele é pensado por Bataille, comporta uma violência tão extrema quanto aquela do ato sacrificial.

Ao amor, tradicionalmente marcado pelo signo da falta e da carência, Bataille acrescenta a máxima devassidão: o resultado desse procedimento é a promoção do amor ao status de afeto afirmativo, tanto da vontade quanto da vida, por meio do qual o indivíduo pode forjar sua emancipação em relação às suas "[...] indesejáveis dependências" (MORAES, 2000, p. 17). Menos do que durar indefinidamente, importa desfazer-se em um gesto soberano: associado à crueldade do suplício, menos do que qualquer harmonia ou completude pretendida com vistas à felicidade plena, o amor assume na obra batailliana o aspecto de um afeto capaz de inscrever, à força, no corpo vivo, as intermitências da morte.

Na História do olho (BATAILLE, 1928/2003), é desde essa perspectiva que se constitui a experiência dos jovens amantes: recusando os preceitos da moral tradicional que visa instituir o prazer como o sumo Bem, a relação amorosa construída na novela comporta obrigatoriamente a imposição da violência ao próximo. Assim, o amor e o erotismo não são um Bem cuja via de acesso encontra-se garantida pelo prazer, mas agressividade insondável que culmina invariavelmente na destruição do outro: para além do prazer, importa arruinar tudo aquilo que se opõe à ruína (Bataille, 1928/2003). Diante da constatação da morte de Marcela, encontrada enforcada dentro do armário normando, segue-se a seguinte cena:

Cortei a corda, ela estava bem morta. Nós a colocamos em cima do tapete. Simone me viu de pau duro e me bateu uma punheta; deitamos no chão e eu a fodi ao lado do cadáver.

Simone era virgem e aquilo nos machucou, mas estávamos felizes por nos machucar. Quando Simone se levantou e olhou para o corpo, Marcela já era uma estranha e até Simone o era para mim. Não amava Simone nem Marcela, e se me tivessem dito que eu mesmo acabara de morrer, não teria ficado surpreso. Aqueles acontecimentos me eram vedados. Olhei para Simone, e o que me agradou, lembro-me claramente, foi que ela começou a se comportar mal. O cadáver excitou-a. Não podia suportar que aquele ser, com forma igual à sua, já não a sentisse mais. Os olhos abertos, sobretudo, deixavam-na crispada. Ela inundou aquele rosto calmo, parecia surpreendente que os olhos não se fechassem. Nós três estávamos calmos, era o mais angustiante. (BATAILLE, 1928/2003, p. 59-60)

O Mal abre um caminho inusitado para a felicidade. A dupla profanação do cadáver de Marcela está em estreita harmonia com o entendimento de que "[...] a morte aparentemente é a verdade do amor" (BATAILLE, 1957/1989, p. 12). Narrando os excessos dos jovens dissolutos, Bataille apresenta um modelo surpreendente: o amor é revelado enquanto puro exercício de crueldade, comparável a um arrebatamento mortal. De sua relação com Simone, o narrador recorda que ela se assemelha ao horror e ao desespero que exalam as carnes de um cadáver (BATAILLE, 1928/2003). Decorre disso que, entre eles, o amor se manifeste sempre como expressão da máximaviolência. É nesse limiar que a história transcorre. É pela total entrega ao desmedido que os jovens libertinos perfazem seu itinerário de destruição. Um após outro se sucedem os objetos aniquilados: a ciclista, Marcela, a jovem prostituta de Madri, Don Aminado. Em comum, eles guardam um traço: a beleza que terminará arruinada pelo vício.

Para Bataille (1957/2004), é na morte que reside o sentido último do erotismo. Nela se conclui o movimento de passagem no qual a existência descontínua (desagregada pelo excesso característico dos estados extáticos) terminará por fornecer a substância que alimentará o surgimento de novas modalidades descontínuas. Assim, a morte individual consiste apenas em "[...] um aspecto do excesso proliferador" (BATAILLE, 1957/1989, p. 13). Nos seres sexuados e descontínuos, a crise desencadeada pela união sexual instala uma experiência de abertura para a continuidade:

No momento da união o casal animal não é formado por dois seres descontínuos que se aproximam, unindo-se por uma corrente de continuidade momentânea: propriamente falando, não existe união, dois indivíduos sob o império da violência, associados por reflexos ordenados da conexão sexual, compartilham um estado de crise em que tanto um quanto outro estão fora de si. Os dois seres estão ao mesmo tempo abertos à continuidade. (BATAILLE, 1957/2004, p. 161)

Na violência do erotismo, os amantes são projetados para fora da descontinuidade a partir da qual são estabelecidos os limites de sua individualidade. Aberto à continuidade e agindo sob o império da agressividade extrema, eles percorrem o caminho que vai do dilaceramento de sua existência individual à vida inaugurada pela reprodução. Se a morte guarda a verdade sobre o erotismo, isso se deve fundamentalmente ao seguinte paradoxo: aquilo que dela se instala nos organismos sexuados durante o ato sexual, esse algo que termina por aniquilar a individualidade dos seres, é também a condição básica para a manutenção da vida.

Tal como ocorreu a Sade, a Nietzsche e a Freud, Bataille constata que a existência se sustenta unicamente pelo constante movimento de alternância entre a vida e a morte. Deste modo, o apelo à mobilização das forças extáticas da vida pulsional na obra batailliana deriva da suposição de que, para além da existência ordenada pelo cálculo do prazer ou da utilidade, tudo aquilo que é vivo tende irrevogavelmente à degradação a partir da qual a vida tornará a acontecer: a vida, mesmo em seu paroxismo, na doença e na morte, afirma-se soberana em relação a todo e qualquer artifício da razão. Atendendo do seu modo à convocação dos seus predecessores, o programa estético-filosófico de Georges Bataille questiona os imperativos morais que regem a vida convencional, bem como o empenho da civilização na recusa e no cerceamento dos estados pulsionais. De modo performático, sua escrita privilegia o deslimite e convida à transgressão. Em sua ficção, o erotismo dilacerador das aberrações sexuais comunica aquilo que o misticismo não pôde comunicar: "Deus não é nada se ele não é a superação de Deus em todos os sentidos; no sentido do ser vulgar, no do horror e da impureza; finalmente, no sentido de nada..." (BATAILLE, 1957/2004, p. 423-424). O ultrapassamento de Deus enquanto referência absoluta, substrato de toda Lei e de toda garantia, é índice da subversão de valores que toma parte no programa batailliano.

Seguindo a via aberta por Freud (FREUD, 1930/1980), Bataille demonstra que aquilo que no homem há de mais expressamente recusado anima até mesmo os seus gestos considerados os mais sublimes e valorizados pela moral. Desse modo, o amor revela-se sustentado pela mesma violência que impulsiona o sacrifício, "como se o Mal fosse o meio mais forte de expor a paixão" (BATAILLE, 1957/1989, p. 14). Em sua obra, as leis morais são tão radicalmente dilaceradoras quanto os atos mais licenciosos: ambos comportam o potencial destrutivo da pulsão de morte.

Para ele (BATAILLE, 1957/2004), o erotismo significa a violação do ser dos parceiros, violação limítrofe ao limiar da morte, limítrofe ao ato de matar: "o que o ato de amor e o sacrifício revelam é a carne" (BATAILLE, 1957/2004, p. 143). Nessa perspectiva, se inscreve um gozo que, opondo-se à homeostase do princípio de prazer, compromete substancialmente a integridade do corpo. O êxtase evocado por Bataille é atingido apenas por meio dos procedimentos mais radicalmente sádicos, somente se revela por meio da violenta fragmentação do corpo do parceiro, cujo resultado será, inevitavelmente, a sua destruição.

Em sua História do olho (BATAILLE, 1928/2003), Bataille demonstra a indissociabilidade própria entre a palavra e aquilo que há de mais material e corpóreo: carne, sangue e som entranhados como revelação de um êxtase sem-nome. À medida que nos apresenta as aventuras dos jovens degenerados, ele nos revela uma escrita disposta a assumir a inesperada textura da carne. Por esse motivo, os personagens que habitam sua ficção encontram-se invariavelmente condenados a experimentar na pele a dor e o sofrimento em seus aspectos mais extremos.

A imagem que surge ao final da história (a do globo ocular arrancado do cadáver de Don Aminado e inserido na genitália de Simone) é provavelmente uma das mais brutais de toda a narrativa. Nesse momento que sucede à degeneração total, no instante seguinte ao êxtase que conduziu à violação e à aniquilação do jovem padre de olhos azuis, o narrador reconhece entre as coxas da parceira exaurida, em meio a esperma e urina, o olho azul-pálido de Marcela:

Levantando-me, afastei as coxas de Simone: ela jazia no chão, de lado; encontrei-me então diante daquilo que - imagino - eu sempre esperara: assim como a guilhotina espera a cabeça que vai decepar. Meus olhos pareciam estacados de tanto horror; vi, na vulva peluda de Simone, o olho azul-pálido de Marcela a me olhar, chorando lágrimas de urina. Rastros de porra no pêlo fumegante conferiam a esse espetáculo um aspecto de dolorosa tristeza. Mantive afastadas as coxas de Simone: a urina ardente escorria por baixo do olho, sobre a coxa estendida no chão. (BATAILLE, 1928/2003, p. 85)

No interior do templo santo, diante das estátuas e das imagens dos santos, bem em frente ao portentoso altar, Simone, o narrador e o indecoroso Sir Edmond celebram uma espécie de missa negra do erotismo. Tal como ocorria nos antigos rituais pagãos, um corpo é imolado diante do olhar atento dos deuses: o aterrorizado padre de olhos azuis vive a sua via crucis, ele é martirizado, "[...] mas trepando." (BATAILLE, 1928/2003, p. 82).

A História do olho (BATAILLE, 1928/2003) coloca em cena um corpo descontrolado, cujas partes são destituídas de suas funções convencionais em nome da ampliação ilimitada do movimento erótico. Menos do que uma sexualidade baseada exclusivamente na relação entre os genitais, o corpo evocado por Bataille é todo ele uma zona erógena. Para além de tudo aquilo que ela tem de repugnante, sua novela de estreia revela-se fundamentalmente uma história de amor: amor que comporta a obscenidade levada ao seu paroxismo. Quando não há mais qualquer limite ou possibilidade de controle, quando o movimento dos parceiros não teme a aniquilação definitiva e o ser amado (tal como ocorre à vítima imolada no ato sacrificial) se deixa atingir por uma violência que recusa qualquer cálculo, os amantes são arrebatados por um êxtase sobre-humano que os aproxima momentaneamente do impossível.

No universo particular e retirado do mundo adulto em que a narrativa se desenvolve, o Mal é exercitado como um fim em si mesmo. Narrando uma história de amor nada convencional, Bataille consegue provocar um efeito de reconhecimento verdadeiramente surpreendente: o mútuo pertencimento entre vida e morte no cerne do fenômeno humano. Com seu gesto estético, ele confere visibilidade àquilo que a realidade recusa terminantemente. Se a vida ditada pela convenção somente se sustenta às expensas da anulação das exigências do corpo vivo, é na tentativa de vencer essa degradação que Bataille recorre à violência da experiência erótica. Na obra batailliana, o amor celebra a felicidade no Mal. Assim como ele nos apresenta em sua novela de estreia, o ponto mais alto do movimento erótico supõe a corrupção da beleza pelo exercício impiedoso da crueldade: o amor é, sobretudo, um apelo à morte.

Se a literatura batailliana exige a corrupção da beleza dos corpos, é simplesmente para falar sobre o que pulsa debaixo da pele. Para falar de um corpo cuja unidade é arrancada à força pelo meticuloso trabalho do carrasco: falar do corpo enquanto sede das pulsões e território de suas metástases. Por meio desse procedimento estético, por meio de uma escrita que inclui as intensidades de um corpo irremediavelmente pulsional, a exemplo do que ocorre na História do olho (BATAILLE, 1928/2003), a obra batailliana engendra sua crítica contra o esforço racional de conferir forma e unidade à substância amorfa pela negação do real estatuto do corpo e das pulsões que o devastam. Por meio da confecção de uma visão impossível, seu pensamento ataca os fundamentos de uma outra ficção, subproduto da ilusão que advém da negação do caos da contingência, ilusão de um universo organizado e estável cuja segurança aparece sob a forma das garantias: o pensamento batailliano critica vigorosamente a esperança de uma carne que dure eternamente, posto que, ainda que ela pereça, terá resgatada sua dignidade primeira ao ser chamada para a ressurreição e para a vida eterna; Bataille quer nada menos do que o excesso e a loucura extática que tem a carne infinita(9).

 

Notas:

1. A arbitrariedade da organização do Dictionnaire critique (seção introduzida no segundo número publicado da revista Documents, em 1929) não serviu apenas para criticar um certo esteticismo formalista que vigorou durante os anos 1920 (JACQUES DE MORAES, 2005), mas sobretudo para afirmar, no cerne do programa batailliano, a inclusão da contingência e do acaso como formas privilegiadas da transgressão.

2. Em um trecho de Minha mãe (BATAILLE, 1985), Bataille recoloca essa questão a partir dos seguintes termos: "Pierre! você não é filho dele, mas o fruto da angústia que eu sentia nos bosques. Você vem do terror que experimentava quando estava nua nos bosques, nua como os animais e, trêmula, gozava. Pierre, eu gozava durante horas, espojando-me na podridão das folhas: você nasceu desse gozo. Eu nunca me rebaixarei com você, mas você precisava saber; Pierre, se quiser, deteste seu pai, mas se não fosse eu, que mãe teria podido falar-lhe da raiva inumana de que você vem?" (BATAILLE, 1985, p. 72). Aqui, Pierre toma conhecimento do que está em sua origem: o êxtase erótico da consubstanciação revela o paradoxo de um gozo que engendra o humano a partir do inumano: fusão dos contrários, irresistível atração de antípodas.

3. Para Bataille (1957), a descontinuidade representa uma consequência da reprodução sexuada. Isso porque "os seres que se reproduzem são distintos uns dos outros, e os seres reproduzidos são distintos entre si como são distintos daqueles dos quais eles se originaram. Cada ser é distinto de todos os outros. Seu nascimento, sua morte e os acontecimentos de sua vida podem ter um interesse para os outros, mas ele é o único interessado. Ele nasce só. Ele morre só. Entre um ser e outro há um abismo, uma descontinuidade." (BATAILLE, 1957, p. 21). Assim, se Bataille fala de ruptura da descontinuidade, ele refere-se a dois movimentos fundamentais: o sexo e a morte. Isso na medida em que a reprodução, segredo do erotismo, condena, desde o princípio, esse novo ser descontínuo (produto da reprodução) à morte.

4. A esse respeito, Michel Surya destaca o seguinte: "não é suficiente para nós compreender apenas o que o foi o trabalho de Bataille, é preciso também, esclarecer de que modo, por mais de uma vez, o trabalho se sobrepôs à sua vida. Explico: não há um homem, nascido em 1897, chamado Georges Bataille e autor de alguns dos mais belos e terríveis livros da literatura francesa de todo o século XX. Ou não apenas um. Não há um Georges Bataille, mas muitos, diversamente chamado Lord Auch, Louis Trente, Pierre Angélique. Georges Bataille serviu-se de pseudônimos (ele não foi o único mas devemos observar o que há nisso de particular) e, do mesmo modo, antes de chegarmos a compreender seu trabalho, teremos que descobrir sob que signos ele o inscreveu, com que nomes (e talvez porque) ele os assinou quando não usou seu próprio nome" (Surya, 2002, p. 88). Para Surya (2002), mesmo que a adoção dos pseudônimos possa ser vista inicialmente como atendendo a uma exigência de seu cargo público, é impossível não relacioná-la a uma estratégia deliberada para apagar o nome próprio: apagar o nome próprio transmitido pelo pai, transgredi-lo, acrescentar a ele um sentido obsceno. Por outro lado, a crítica endereçada pelo pensamento batailliano à fixidez mortificadora das identidades e dos conceitos parece encontrar aqui um modo de ser transposta ao ato: evidência de um tal processo de despersonalização que já não há necessidade de pressupor um Eu.

5. Utilizaremos aqui, conforme a necessidade, as duas versões: Coincidências (BATAILLE, 1928/1995) e Reminiscências (BATAILLE, 1928/2003). Todas as citações relativas às Coincidências, se baseiam em uma tradução livre da versão mexicana da História do olho (BATAILLE, 1928/1995).

6. O olhar transmitido pelo pai revela uma lei cujo fundamento é pulsional. Nisso pode-se ler alguma semelhança em relação àquilo que Freud designou como sendo o supereu.

7. Em 1918, tendo passado um ano no seminário, Bataille escreveu Notre-Dame de Rheims. Sobre ele, Surya apresenta a seguinte opinião: "Deve-se incluir Notre-Dame de Rheims entre os livros escritos por Bataille? Talvez não. Ele tem apenas um interesse anedótico, sem qualquer valor literário [...]. Ele é anedótico e, essencialmente, biográfico: o mais preciso e certo dos possíveis testemunhos sobre a juventude de Georges Bataille, e a força [...] das suas convicções cristãs." (SURYA, 2002, p. 25). Para Surya, trata-se de um livro menos importante pelo que diz do que pelo que cala, já que foi precisamente em Rheims que Joseph-Aristide Bataille, seu pai, foi abandonado por ele e por sua mãe durante o avanço do exército alemão em 1914. Sobre isso, nem sequer uma palavra: "O livro, totalmente devotado a Rheims e às suas edificações mais grandiosas e dignas de orgulho, obstinadamente não diz nada sobre isso. Nenhuma palavra. Sobre esse homem amado, despido de sua dignidade, sobre seu 'deus' devastado, sobre esse 'louco', que, além disso, restou sozinho, nada." (SURYA, 2002, p. 25-26).

8. Membro fundador da Sociedade Psicanalítica de Paris, Adrien Borel era também especialista em drogadicção e bastante ligado aos surrealistas (SURYA, 2002).

9. "[...] a visão de uma carne infinita é a visão dos loucos, mas se eu cortar a carne em pedaços e distribuí-los pelos dias e pelas fomes - então ela não será mais a perdição e a loucura: será de novo a vida humanizada" (LISPECTOR, 1964/1998, p. 14).

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 06 de fevereiro de 2011.
Aprovado em: 08 de março de 2011.

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