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Trivium - Estudos Interdisciplinares

versão On-line ISSN 2176-4891

Trivium vol.5 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2013

 

ARTIGOS TEMÁTICOS

 

Entre a palavra e a coisa: a música e a origem da significação na estrutura da verdade

 

Between the word and the thing: the music and the origins of significance in the structure of truth

 

 

José Eduardo Costa Silva

Doutor em música pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Professor do Curso de Música da Universidade Federal do Espírito Santo. Compositor e intérprete na da Cia de Teatro Inconsciente em Cena (RJ), dedicada às pesquisas em arte/psicanálise e à criação e montagem de espetáculos teatrais. E-mail: zed2004@gmail.com

 

 


RESUMO

Uma reflexão sobre a música na filosofia de Martin Heidegger, em suas articulações com a verdade e o ser. A caracterização da verdade como um fenômeno da linguagem e da arte. A caracterização da música como um fenômeno que traz a condição genérica da verdade e da arte. A música como um fenômeno originário da significação.

Palavras-chave: música; verdade; ser; significação; Heidegger.


ABSTRACT

A reflection regarding music in the philosophy of Martin Heidegger, in his articulations with the truth and being. The characterization of truth as a phenomenon of language and art. The characterization of music as a phenomenon that brings the generic condition of truth and art. Music as phenomenon originating of signification.

Keywords: music, truth, being, meaning, Heidegger.


 

 

Introdução

O presente artigo consta de uma reflexão sobre as articulações que o filósofo Martin Heidegger estabelece entre verdade, ser e música, tendo como principais referências o ensaio A Origem da Obra de Arte e os textos que, em língua portuguesa, estão compilados sob o nome A Caminho da Linguagem. Por meio desta reflexão, espero ter alcançado o objetivo de delimitar um campo de compreensão conceitual para a música, próprio à especificidade e singularidade da hermenêutica desenvolvida pelo referido filósofo.

Inicialmente, retomo as principais proposições e teses que sustentam a caracterização heideggeriana da verdade como um fenômeno de abertura da linguagem para o ser que nela reside, tal é o caso da verdade concebida como Lichtung. A seguir, exponho os principais pontos que, na interpretação que elaboro sobre a hermenêutica de Heidegger, caracterizam a música como lógos, exercitando a hipótese por mim aventada de que a música, assim concebida, é um fenômeno que traz a condição genérica da verdade. Por fim, apresento pontualmente algumas proposições pelas quais poderíamos dar continuidade à reflexão ora iniciada, sobretudo as que encaminham para o exercício de um pensamento poético, entenda-se, musical, que considera a musica como origem da significação.

 

I- Verdade, linguagem e arte.

Retomo a reflexão sobre o conceito de verdade, tal como Heidegger o concebe: Lichtung. Esta palavra encampa, primeiramente, o sentido de alétheia (ajlhvqeia) que, na tradução de Heidegger, significa desvelamento (1). Lichtung significa também clareira, isto é, a região de abertura, em que o ser pode uma primeira vez, e, imediatamente, doar o nome e o significado ao ente (PINHEIRO, 1997, p.7/8). Assim, a Lichtung está profundamente articulada ao par conceitual que estrutura o pensamento heideggeriano, qual seja: ser e ente. Definidos a grosso modo: o ente é todo o existente, as coisas em geral, os seres vivos ou não, a realidade, ficção e até mesmo a linguagem. O ente é o que se oferece à linguagem. Em contrapartida, o ser é o que possibilita a apreensão e nomeação do ente, sem que, no entanto, possa ser determinado pela linguagem (HEIDEGGER , 1988, v.1, pr. 3 e 4) (2).

 

 

A Litchtung, concebida como a região em que o ser nomeia o ente, sustenta o contato imediato entre linguagem, pensamento e coisa, doando-nos os esquemas subjetivos pelos quais determinamos o que é verdadeiro no âmbito da linguagem. O esquema subjetivo que se notabilizou como verdade no desenvolvimento da metafísica e, posteriormente, na ciência se resume na sentença: adaequatio res et intelectus. Trata-se da verdade concebida como adequação, ou , nos termos da hermenêutica heideggeriana: a verdade ôntica.

Assim encaminhada, a reflexão sobre a verdade é uma reflexão sobre a sustentabilidade da linguagem, no que concerne à possibilidade de o homem, por meio dela, apreender o mundo. Porém, sob esse mesmo aspecto, Heidegger situa-nos no âmbito da discussão desenvolvida por Platão no Crátilo. Não se trata somente de determinar uma relação de adequação entre nome e coisa, mas, fundamentalmente, compreender como o homem apreende a physis, submetendo-a em sua diversidade e mobilidade à unicidade e imobilidade do conceito (3). Portanto, a reflexão sobre a verdade é uma reflexão sobre as relações entre linguagem e physis (PINHEIRO, 1997, p.8-9).

Porém, eis um dos temas centrais do pensamento heideggeriano, na história da filosofia, está implícita uma história da ocultação do sentido originário da verdade, que teve como marco inicial a noção de que a verdade diz respeito estritamente à lógica proposicional. Sobretudo a partir das traduções medievais dos textos de Aristóteles, a reflexão sobre a verdade deixou de ser uma reflexão sobre a apreensão dos movimentos da physis, para converter-se em uma reflexão sobre a adequação da linguagem.

Desde então, este modo da verdade, ao qual Heidegger denomina verdade ôntica, adquire um papel fundamental para a validação do saber que deriva da lógica proposicional, qual seja, o saber da metafísica e, por extensão, da ciência. Heidegger argumenta que, na tradição metafísica, a verdade expressa uma relação de adequação entre a proposição e a coisa referida. Dizer que S é P implica em admitir que determinada substância S define-se como tal porque agrega qualidades inerentes a P. A veracidade ou a falsidade dessa proposição será atestada por operações mentais que abrangem a acessibilidade do que é determinável, permitindo, inclusive, a comprovação empírica dos fatos (STEIN, 1993, p.163).

Destarte, a verdade ôntica expressa a substancialidade do ente nos termos da proposição S é P. Afirmada exclusivamente na substancialidade, a verdade abrange somente a dimensão da presença do ente (ser-em-presença), que, por sua vez, é a dimensão caracterizadora do tempo ôntico. Heidegger compreende o tempo ôntico como aquele que se expressa em uma sucessão de agoras. No tempo ôntico, passado e futuro ficam reduzidos, respectivamente, ao esquecimento e à expectativa. Por isso, a intuição do tempo ôntico permite o estabelecimento de datas e, consequentemente, cadeias de conexões significativas, próprias da linguagem cotidiana (proposicional) (HEIDEGGER, 1988, p. 53).

Em contrapartida, há o tempo ontológico, que se manifesta na articulação ekstática de suas próprias dimensões: futuro, passado, presente, nesta ordem. Ele concerne à abertura do ser que como não-dito sustenta o horizonte projetivo de compreensão do homem sobre si mesmo e sobre os entes circundantes. O tempo ontológico permite ao homem antecipar-se em relação ao presente e intuir a pluralidade de sentidos do ente. Portanto, o tempo ontológico é o tempo da dimensão poética da linguagem, a dimensão em que o significado do ente não se fixa, mas, ao contrário, está em constante abertura polissêmica (IBID., p. 53).

Por concernir ao ser determinado como substância, a verdade ôntica coaduna-se à inclinação natural do homem em manter-se no âmbito existencial do ente. Atendendo a esta inclinação, o homem tende a situar-se no âmbito da linguagem e da temporalidade cotidiana, sem arriscar-se no horizonte de angústia, próprio da abertura da linguagem. Nesse estado de ser no mundo, o homem considera a si mesmo e ao mundo circundante como um conjunto de entes que se estruturam segundo uma lógica finalista. Não por acaso, assim pensa Heidegger, as clássicas determinações do ser, quais foram a platônica e a aristotélica, estão estruturadas segundo esta lógica (IBID., p. 35).

Portanto, na dimensão proposicional da linguagem ocorre o eclipse da verdade ontológica, em função da preponderância da verdade ôntica. Esse fato provoca o obscurecimento do sentido da partícula é, que passa a referir-se exclusivamente ao que permanece, deixando de também referir-se ao que se realiza no âmbito da temporalidade ontológica. Todavia, a partícula é significa o refúgio da verdade ontológica dentro da proposição. É por sua mediação que podemos efetivamente dizer S é P. A partícula é, mesmo que não apareça objetivamente, está implícita no dizer propositivo, sendo que por intermédio dela determinamos o ente através de suas atribuições (IBID., 1988, p. 44).

Para dar continuidade a sua investigação sobre o ser, objetivo principal de sua filosofia, Heidegger reflete sobre a linguagem poética, justamente por entender que esta linguagem não está condicionada pelo obscurecimento da verdade (do ser). Esta reflexão desdobra-se em dois eixos: um primeiro que se dirige para as artes plásticas, onde a caracterização da verdade como um estado de apreensão dos movimentos da physis é explicitada; um segundo que se dirige à literatura, onde se busca apreender a verdade como elemento constituinte da linguagem.

É no ensaio A Origem da Obra de Arte que Heidegger defende a tese de que a verdade é um acontecimento anterior aos esquemas subjetivos que mediam a relação entre homem (Dasein) e mundo. Este acontecimento é produzido pelo jogo dialógico que se estabelece entre a Terra (Die Erde) e um mundo (eine Welt), no qual a Terra é compreendida como physis, isto é, como a matéria em suas múltiplas possibilidades de determinação significadora, e, concomitantemente, um mundo é compreendido como a pluralidade de significados históricos que revestem o ente. Com o intuito de observar este jogo, sem que o mesmo esteja mediado pela visão utilitarista cotidiana, Heidegger descreve as obras de arte, tomando-as como um posto privilegiado de observação da verdade e do ser. Aqui, refiro-me especificamente às descrições fenomenológicas do quadro de Van Gogh (Sapatos de Camponês) e do templo grego (Paestum).

 

 

O que fundamentalmente se vê no quadro de Van Gogh é que o camponês retratado não pensa na utilidade dos sapatos (ser-instrumento) que usa, posto que os concebe como um ser-de-confiança (die Verlãsslichkeit). O camponês simplesmente confia nos sapatos, na medida em que intui (antecipa) a adequação da matéria (Terra / physis) para o fim que lhe é determinado. Assim caracterizado, o ser-de-confiança refere-se diretamente à intuição que temos da matéria em seu vir-a-ser. Trata-se, tal como estatuído em Ser e Tempo, do ser apreendido em sua dimensão ekstática, ou seja, do ser cujo sentido se dá como antecipação do futuro na constituição do presente e do passado. Por conseguinte, o quadro de Van Gogh representa e revela ao mesmo tempo e imediatamente um modo fundamental de apreensão da physis, a saber: o ser no sentido da abertura antecipadora do ente, que permite a apresentação de um mundo de significados do camponês:

Observemos as sombra de abertura de seu interior já gasto, onde se esboça a fadiga do andar laborioso, e eis que percebemos os passos rudes, pesados e fatigados do camponês que, sob um vento avassalador, imprime, com sua marcha lenta, grandes e monótonos sulcos na terra lavrada... No couro engordurado pela terra fértil e negra e nas duas solas imóveis, desliza a solidão dos vastos espaços das tardes do campo. No par de sapatos, eclode o secreto apelo da Terra, o cuidado pelo pão de cada dia na promessa do trigo, as auroras glaciais, as tardes enigmáticas à espreita do inverno. Através desse instrumento, o camponês experimenta o exercício pela sobrevivência, a doce espera do filho que retorna à casa, a alegria de sentir a vida, o cuidado de temer a morte. Se o par de sapatos é propriedade da Terra, em sua dignidade, tranquilidade e segurança, o mundo do camponês o resguarda. É o próprio ser do instrumento que emerge dessa propriedade resguardada, pois sob esse gesto de proteção, ele repousa em si mesmo (HEIDEGGER, 1986, p.205).

Contudo, é justamente na descrição de uma obra não figurativa (Templo de Paestum) e certamente por isso menos passível de remetermo-nos às referências cotidianas, que Heidegger descreve os eventos que permitem compreender o modo como a obra revela o ente em sua primeira acepção e o mecanismo de produção do acontecimento da verdade. Na descrição do templo, o que primeiramente se vê é sua matéria (physis) retraindo-se na própria recusa de algo significar. Esse movimento de velamento tem como contrapartida a antecipação reveladora do significado do deus que nele habita:

Uma obra de arquitetura - um templo grego - nada reproduz, erguendo-se simplesmente do interior do vale. A construção resguarda a forma do deus, deixando-a em seu lugar sagrado, velada pelo pórtico. O deus se torna presente no templo através do templo, e é essa presença que determina os limites do seu lugar e o faz sagrado. O lugar do templo e os seus limites não se diluem no indeterminado: a obra-templo reúne em torno de si mesma, pela primeira vez e simultaneamente, a harmonia das relações nos quais o nascimento e a morte, a ventura e a desgraça, a vitória e a ruína, a perseverança e a decadência tomam a forma do destino da humanidade. A poderosa extensão dessas relações significa o mundo desse povo histórico. A partir dela e através dela, o povo se volta para si mesmo para cumprir o seu destino (IBID., p.228).

Instituindo em sua diferença (estranhamento) em relação ao mundo dos úteis, a obra possibilita que a Terra se mostre como o ente em sua primeira acepção, ou seja, como categoria; por exemplo: a obra revela o aspecto da rocha e da tempestade. Ressalto o entendimento que Heidegger tem palavra categoria; trata-se a categoria do mostrar-se do ente como ele é, ou seja, da physis apreendida no primeiro grau de sua aparência, configurando-se assim como condição de interpelação discursiva do próprio ente (HEIDEGGER, 2007, p.23). Em decorrência do fato de desvelar o ente como categoria, a obra adquire um caráter relacional; a partir da visão que ela oferece de si mesma, ela renova a concepção que temos das coisas circundantes:

A obra construída repousa sobre a rocha, de onde retira a obscuridade daquilo que a suporta, mas que por si mesmo não pode lançá-la para o exterior. A obra erguida enfrenta a fúria da tempestade, demonstrando assim a própria violência da tempestade. O esplendor e a luminosidade da pedra - aparentemente doados pelo sol - fazem aparecer a luz do dia, a amplitude do céu e as sombras da noite. A firme postura torna visível o espaço invisível do ar. A rigidez e a quietude da obra contrastam com o agitar das ondas do mar deixando perceber, por sua calma, o barulho das águas. A árvore e a erva, a águia e o touro, a serpente e a cigarra alcançam, pela vez primeira, a sua configuração e aparecem como são. A esse nascer e a esse surgir em sua totalidade, os gregos há muito tempo nomearam physis. Este nome esclarece ao mesmo tempo, aquilo no qual e sobre o qual o homem funda a sua morada. A esse fundamento, chamamos a Terra (die Erde). O significado desta palavra está muito distante da representação de uma massa de matéria disposta em camadas como a massa atômica de um planeta. A Terra é o seio no qual o desabrochar das coisas se faz em sua própria ocultação. Em tudo o que desabrocha, a Terra se torna presente como aquilo que se retrai (HEIDEGGER, 1986, p.229).

Adiante, como um ente que comporta o combate (der Streit) entre a Terra e um mundo, a obra de arte dá lugar a apresentação de um mundo, graças ao ser que o antecipa e, ao mesmo tempo, produz o desvelamento da Terra, que se mostra como o ente em sua primeira acepção (categoria). Anota-se que esse combate não produz a supressão de um elemento em função de outro e, muito menos, uma síntese, pela qual as partes combatentes desaparecem em função de um terceiro. O combate, ao contrário, permite a afirmação das partes, isto é, permite que um mundo e a Terra sejam e se mostrem como são. As duas partes combatentes se afirmam porque uma não pode se tornar visível sem a outra; a visibilidade do mundo se apoia na materialidade (ser-de-confiança) da Terra, a visibilidade da Terra é dada por seu retraimento em relação à forma assumida pelo mundo (HEIDEGGER, 1986, p.238).

Aqui é oportuno mencionar o diálogo entre Heidegger e Aristóteles. Evidentemente Heidegger compreendeu que a obra de arte contraria a definição aristotélica do ente, qual seja, a que determina o ente como um composto sintético de matéria e forma que cumpre uma finalidade. Para Heidegger, a definição aristotélica diz respeito aos entes cotidianos, porém, não às obras de arte, que escapam a própria concepção utilitarista do mundo, justamente por não operarem necessariamente uma síntese finalista. Ao contrário desses entes, a obra de arte é portadora de uma não síntese entre matéria e forma, da qual provém a verdade (Lichtung), ou seja, a obra de arte é portadora da própria condição genérica da verdade. A seguir, reflito sobre a repercussão desta proposição em uma conceituação da literatura e, mais fundamentalmente, da música.

 

II- Verdade e Música.

Pode parecer estranha a opinião de que a música ocupe um lugar central no sistema filosófico de Heidegger, a ponto de ele considera-la hierarquicamente mais elevada do que as outras artes. Afinal, ele mesmo sentenciou, no ensaio A Origem da Obra de Arte, ser a poesia (die Dichtung) a mais poética das artes, uma vez que sua matéria é a linguagem, entenda-se, a residência do poético (ser) HEIDEGGER (1977, p.59). Entretanto, especificamente nesse ensaio, a argumentação em torno da predominância da poesia sobre as outras artes estanca no raciocínio mencionado, para se completar em A Caminho da Linguagem; em uma palavra: a poesia é a mais eminente dentre as artes porque está ontologicamente sustentada pela música, esta concebida como lógos (mousiké) (4).

Por outro lado, a concepção de que a música é lógos (mousiké) traz certo embaraço. Convenhamos, embora esta seja uma concepção de música bastante ampla, ela parece não coadunar-se aos juízos que determinam algumas obras como obras de arte e outras não. É de se aventar, porém, que Heidegger, fiel ao mais genuíno pensamento grego, não coloca a música no patamar das artes em geral. Parece-nos que, para ele, a música possui status ontológico diferente das artes. Se Platão concebeu a música como a imagem das relações cósmicas, vide a clássica descrição da harmonia das esferas no Timeu, Heidegger, dá mostras de compreender a música como a mais imediata expressão da categoria tempo, mostrando-nos, nesse aspecto, o seu alinhamento à tradição filosófica alemã, que, sobretudo a partir de Kant, situa as categorias de tempo e espaço no mais alto grau hierárquico (5).

Expressão imediata da categoria tempo, a música situa-se entre a palavra e a coisa, estabelecendo, a partir do ritmo, o sentido e o significado na linguagem. Em uma palavra, como expressão imediata da categoria tempo, a música é lógos (mousiké). É preciso escutar o ser! Eis o comando que norteia os textos de Heidegger sobre a linguagem. Permito-me desdobrar seu raciocínio; escutar o ser possui sentido correlato ao comando que norteia as reflexões de A Origem da Obra de Arte, qual seja: deixar que as coisas falem por si mesmas. E como poderíamos melhor escutar o ser? Não seria justamente na escuta do ente que expressa imediatamente o seu sentido? Qualquer músico sabe que a música ganha estatura no tempo. James Tenney pergunta: a música é deduzida do tempo? Ou o tempo é deduzido da música? (TENNEY, 1985, p.199). Dúvida análoga a de Heidegger; este, ao estatuir, em Ser e Tempo, que o tempo resguarda o sentido do ser, pressente o círculo hermenêutico primordial: o tempo é o sentido do ser, assim como o ser é o sentido do tempo.

vínculo com o pensamento e a linguagem; o que possibilita esse vínculo é justamente o tempo, seja ele percebido em sua dimensão ôntica, seja ele percebido em sua dimensão ontológica. Portanto, a música, ela mesma colocada em obra, há de ser pensamento. Não um pensamento que se move segundo as referências que evoca, mas o pensamento concebido como mera forma, que se desenvolve essencialmente pelo sentido do tempo.

Entendida como um pensamento que se constitui do próprio tempo, a música está essencialmente identificada ao ser que, a partir de sua indeterminação, concede a abertura para a experiência do nomear polissêmico. Assim, não é de se estranhar que até então foram pronunciados um número incontável de determinações conceituais sobre a música, a tal ponto de o relativismo cultural negar categoricamente a possibilidade de se determinar o que é música (VOLPE, 2004, p.111-134). Entretanto, é preciso deslocar a questão colocada pelo relativismo; não se trata de determinamos o que é a música em um sentido ôntico. Trata-se sim de reconhecer que a música dá a própria linguagem o caráter do dizer polissêmico.

Reflito sobre a proposição de que a música é lógos (mousiké). A argumentação que permite sustentá-la participa do conjunto de articulações conceituais que estruturam o pensamento de Heidegger sobre a linguagem. Como mencionado, tomo como referência os textos que, em edição portuguesa, estão compilados sob o título A Caminho da Linguagem. Inicialmente, Heidegger estabelece a questão diretriz: o que é a linguagem em si? A resposta provém da pré-compreensão que orienta o senso comum: linguagem é fala. Eis então os sentidos corriqueiros da fala: 1) fala é expressão; 2) fala é uma atividade do homem; 3) fala é apresentação e representação da realidade. Em resumo, nessa concepção, a fala está definida como um ente que possui função comunicativa (HEIDEGGER, 2003, p.8-10).

Indagando sobre a linguagem em si mesma na obra de arte, onde, presumivelmente, sua aparência não está obstruída pelo caráter instrumental de que se reveste o ente, Heidegger descreve o poema Tarde de Inverno de Georg Trakl e estatui a sentença: a essência da linguagem é a fala; a linguagem fala, não o homem. A linguagem fala nos seguintes modos: 1) a linguagem nomeia, ou seja, traz à presença o ente; 2) a linguagem apresenta um mundo de significados coisificando as coisas; 3) a linguagem traz a diferença entre mundo (significado) e coisa. Assim caracterizada, a fala possui exatamente as mesmas propriedades imputadas ao ser. Em outros termos, a fala é o ser que habita essencialmente a linguagem (HEIDEGGER 2003, p.13-15).

Saliento o sentido da palavra diferença, situando-o, no âmbito que envolve a compreensão sobre a palavra em geral. Em princípio, a diferença assinala o posicionamento do ser em relação ao ente. O ser tangencia o ente, abrindo-lhe parcialmente para o nome e a significação. O ser, não de todo apreensível pela linguagem, deixa-se insinuar entre o ente e o nome. Assim, o que se diz agora sobre a palavra convertida em obra de arte é correlato ao que está dito sobre as obras de arte em geral. O acontecimento da verdade no poema decorre do estabelecimento de uma não-síntese entre palavra e a coisa nomeada, que revela um ficar entre a coisa e o significado da coisa. A esse estado de tensão/suspensão (não-síntese) que deixa-nos inferir a diferença entre ser e ente, Heidegger denomina: consonância do quieto (6).

A consonância do quieto é o modo como a linguagem mostra o seu vigor (Wesen); o seu modo de ser essencial. Sendo ela o modo de apreensão da essência da linguagem, o sentido mais apropriado para o seu estabelecimento é a escuta, do que Heidegger estatui: o homem fala na medida em que escuta a linguagem. Eis um aspecto pelo qual Heidegger difere sua filosofia da metafísica: o compromisso do pensamento não é, segundo Heidegger, primariamente com a visão (teoria). O compromisso do pensamento se estabelece primariamente na escuta da linguagem, mais precisamente, na escuta do ser que habita a linguagem (HEIDEGGER, 2003, p.26).

Consonância do quieto; o chamar recolhedor que evoca mundo (significado) e coisa. Chamar recolhedor: lógos! Repercute o pensamento de Heráclito sobre o de Heidegger: auscultando não a mim, mas o lógos é sábio concordar que tudo é um (Fragmento 50 de Heráclito, 1999). Heráclito propõe estar atento ao que diz o lógos. Estar atento é pertencer, participar, obedecer ao apelo da fala, escutar o lógos! Somente o cuidado em obedecer à invocação do lógos proporciona a ausculta da unidade entre pensamento e coisa na linguagem (HEIDEGGER, 2003, p.24).

O lógos apresenta o sentido de falar como reunião de tudo o que é na linguagem. Apresenta: mostra, torna presente! Quando Heráclito propõe uma ausculta do lógos, sugere a disposição do auscultador em estar atento ao que é mostrado, participando do que é trazido à presença pela fala do lógos. O lógos torna presente a unidade entre palavra e coisa. No dizer e mostrar desencadeia o fenômeno (phainómenon): o fazer brilhar, o trazer à luz o que se mostra em si mesmo. O fenômeno instaura-se como movimento incessante de velamento e desvelamento do ser. Na medida em que o lógos permite ao fenômeno vir à tona, ele corresponde à presença essencial do ser, como velamento e desvelamento no ente. Heidegger sentencia: a consonância do quieto é o chamar recolhedor! Ela é lógos no sentido de legen.

É do Legen depreendemos o que é lógos. O que significa Legen? Todo mundo que conhece a língua grega sabe a resposta: Legen significa dizer e falar; lógos significa: Legen [...] Todavia, igualmente cedo e de modo ainda mais originário e por isso mesmo sempre, portanto, no significado de dizer e falar já mencionado, Legen diz o mesmo que a palavra alemã legein, a saber: de-por, no sentido de estender e prostrar, pro-por, no sentido de adiantar e apresentar. Em legen vive colher, recolher, escolher, o latim legere, no sentido de apanhar e juntar (HEIDEGGER, 2002, p.45).

Dizer e falar, apresentar em conjunto, no sentido acolhedor/recolhedor da fala é também escutar. Destaca a proximidade etimológica dos termos: dizer (legein/legen), escutar (homolegein/ovmologein). O escutar (auscultar) não se reduz ao escutar passivo, disposto a apenas perceber os estímulos sonoros através do ouvido fisiológico, da fala fonética (phoné). Ele é uma postura acolhedora, que permite que a fala complete o seu sentido de ser linguagem (HEIDEGGER, 2002, p.45).

Mas em que consiste a escuta definida como postura acolhedora? Interpreto esta expressão a partir de uma frase que Heidegger profere no ensaio A linguagem: escutar a linguagem é antecipar reservando. Ora, antecipar reservando refere-se a um modo de estar, justamente, a uma postura em relação à categoria tempo. Prontamente, retomo a tese principal de Ser e Tempo, qual seja, de que o sentido do ser é a ekstásis do tempo: o futuro (antecipar) reúne o passado no presente (reservando). Por conseguinte, Heidegger estabelece uma articulação essencial entre escuta e ser. É no exercício da escuta que o homem se apropria da diferença entre significado e coisa e passa a morar na linguagem (HEIDEGGER, 2003, p.26).

A postura acolhedora da escuta é, portanto, um modo de se comportar diante da categoria tempo, um modo que, segundo Heidegger, é fundador do pensamento. Antecipar reservando: um comportamento de escuta que convém a qualquer ouvinte de uma obra musical. É justamente por intermédio do antecipar reservando que podemos apreender uma obra musical, um transcurso evanescente de sons no tempo, como unidade. Desse modo, não parece casual que Heidegger tenha dedicado o seu texto A serenidade, um texto em que convida-nos a refletir sobre a essência do pensar, ao compositor Conradin Kreutzer.

Delineia-se assim um co-pertencimento originário entre música, linguagem e pensamento. E o que une originariamente esses fenômenos é a categoria tempo, doadora do sentido do ser. Em outros termos, em uma primeira acepção, a música é mousiké, isto é, o lógos que imediatamente colhe o sentido do ser (o tempo). Sendo mousiké, a música é em si mesma o estar entre: uma não síntese entre palavra e significado. Por conseguinte, diferentemente das outras artes, a música possui em si mesma a condição para o acontecimento da verdade. Concebida genericamente como lógos, a música dispensa a condição de se transubstanciar em obra de arte para que nela a verdade aconteça!

A caracterização da música como local do acontecimento da verdade prossegue na descrição (fenomenológica) de outros poemas. Ao descrever Algo de Estranho, A Alma na Terra de Georg Trakl, Heidegger reapresenta o sentido do estranhamento, próprio das obras de arte. Primeiramente, o estranho (ser-em-si-mesmo), doado pela música, concerne à tonalidade afetiva do poema; em seu recolhimento, o poema permite escutar a linguagem para além de sua função comunicativa. Concomitantemente, o estranho expressa a separação delirante do poeta em relação aos sentidos cotidianos que estão aderidos às palavras, a separação que identifica o poeta a um estrangeiro. Assim, reedita-se, na interpretação deste poema, o argumento de que o estranhamento da obra de arte descola-nos da visão utilitarista (cotidiana) do mundo.

O estranho é a quebra da familiaridade que, na imagem poética de Georg Trakl, provoca dor. Porém, o que possibilita o movimento do poeta em direção ao estranho é o entusiasmo (Geist). Justamente o entusiasmo decorrente da escuta, que alimenta a alma do poeta, sustentando-o em sua experiência radical com a linguagem. O entusiasmo faz com que o poeta se desprenda do conforto das referências cotidianas e aceite a dor de saber que palavra é o devir de uma polifonia polissêmica. Ele provém de uma condição física da música, ou seja, daquela que se refere a seu movimento espacial que, comumente, denominamos melos. Por possuir o caráter de melos, a música se constitui como o solo afetivo que sustenta os múltiplos sentidos da palavra (HEIDEGGER, 2003, p.163-165).

Por outro lado, Heidegger salienta a dificuldade de se falar da linguagem estando, nós mesmos, circunscritos em seu uso. O fato é que a própria linguagem parece repousar na distinção metafísica entre o sensível e o não-sensível: de um lado fonemas e grafemas, de outro significado e sentido, como se tais estruturas existissem estritamente em função do uso comunicativo. Por isso, o acesso à essência da linguagem, isto é, o acesso ao ser que nela habita, articulando as estruturas sonoras da língua aos significados e sentidos, não pertence, propriamente, ao campo que teoriza a dimensão ôntica da linguagem. Para Heidegger, tal acesso é permitido na medida em que lidamos com a dimensão ontológica (poética/musical) da linguagem, justamente porque nessa dimensão a linguagem não existe estritamente para cumprir a função de comunicar (HEIDEGGER, 2003, p.91).

Diante dessas constatações, Heidegger afirma o sentido de sua hermenêutica: interpretar não é meramente elucidar o significado referencial do que se faz representar na presença da linguagem. Interpretar é trazer a mensagem do ser que reside na linguagem na plenitude de seu caráter de indeterminação. O perigo de toda interpretação é o perigo da própria linguagem: deterse exclusivamente na representação que está fundamentada pela tradicional distinção entre sujeito e objeto, tornando a tudo objeto, inclusive a linguagem, na medida em que falamos dela. Assim, Heidegger introduz o conceito de saga: o dizer o dito (ente) e o não-dito (ser) da linguagem (HEIDEGGER, 2003, p.115).

A saga caracteriza-se como uma experiência de percorrer o caminho que leva o poeta a situar-se entre o dito e o não-dito da linguagem. Nesse lugar, o poeta reconhece que está na dependência de a linguagem conceder ou não a palavra apropriada para designar a coisa, sabendo que onde o signo falha, não há a coisa significada. Em outros termos, fazer a experiência da linguagem é situar-se na consonância do quieto, onde a música instaura a verdade (HEIDEGGER, 2003, p.124).

De sua leitura do poema Palavra de Stefan George, Heidegger estatui o gesto poético que está essencialmente implícito na saga: o poeta renuncia à relação entre palavra e coisa. Esta renúncia decorre do reconhecimento de que a relação entre palavra e coisa não é a mera separação entre coisa de um lado e palavra de outro. A palavra é a relação que a cada vez envolve de tal maneira a coisa dentro de si, que a coisa só é propriamente dentro dela. Portanto, é na saga que o poeta descobre-se como protagonista do nomear que inaugura o sentido e o significado do ente, que se dá segundo o consentimento do ser (música) que habita a linguagem como sua essência. Por consentimento entenda-se: a abertura de um campo (wegen) de possibilidades do nomear oferecidas pelo ser (HEIDEGGER, 2003, p.137).

Percorrendo o caminho do campo, o pensamento se atém ao campo (IBID., p.138). Nessa sentença, a palavra campo refere-se ao próprio do pensamento, isto é, ao que o pensamento consente em sua conexão essencial com a linguagem e o ser. Assim, a poesia, compreendida como saga, ou ainda, como um percorrer auditivo do caminho do campo, é situada por Heidegger no patamar do pensamento sobre a linguagem. Mas nesse patamar, a poesia está no lugar da vizinhança do ser que se diz como não-dito. Na condição de vizinhança, a poesia caracteriza o pensamento originariamente como escuta (IBID., p.139).

Por conseguinte, a experiência da linguagem é a Andenken: o pensamento que se deixa tomar pela escuta; o pensamento que não questiona, mas se mantém no campo de possibilidades de significação que é aberto pelo ser que habita essencialmente a linguagem. A experiência da linguagem é essencialmente poesia conceitualmente articulada à música:

É no entoar que ela começa a ser a canção que ela é. O poeta da canção é o cantador. Poesia é canto. O canto é a festa da chegada dos deuses, a chegada quando tudo se aquieta. O canto não é o contrário da conversa, mas o seu vizinho mais próximo; pois também canto é linguagem (IBID., 2003, p.141).

Demoro-me na sentença: O canto é a festa da chegada dos deuses, a chegada quando tudo se aquieta. Nela, Heidegger retoma o conceito de quietude (consonância do quieto), deixando-nos inferir que o canto (a música) situa-se justamente na região da linguagem onde não ocorreu a síntese significadora entre palavra e coisa. Nessa região, o canto se estabelece como o solo afetivo (melos) que determina o modo de percorrer o caminho do campo e, sobretudo, como expressão originária do sentido do ser que é dado pela ekstásis do tempo. Portanto, assim entendo, Heidegger fornece um conceito de música, a saber: a música é o que estabelece e situa-se na consonância do quieto, isto é, o instante ekstático que propicia originariamente o início de toda atividade de sentido e de significação; poeticamente falando: a festa da chegada dos deuses. Sendo assim, a música é a essência da linguagem. Onde a linguagem falha na estabilização de um significado ôntico, a música acede imediatamente ao ser em seu máximo vigor; a música acede ao ser no modo da indeterminação (não-dito).

Referindo-se ao Zaratustra de Nietzsche, Heidegger estatui:

A renúncia do poeta não diz respeito à palavra mas à relação entre palavra e coisa ou, mais precisamente, ao mistério dessa relação, que justamente se oferece como mistério quando o poeta quer nomear a joia que tem em sua mão. (... ) O poeta não oculta nomes. Ele não sabe os nomes. Isso ele confessa num verso que soa como o baixo continuo de todas as canções: Onde te aténs - isso não sabes (HEIDEGGER, 2003, p.142).

Ora, o poeta não sabe os nomes, posto que converteu-se em músico. E como músico ele trabalha com um tipo de signo que falha no cumprimento da função nomeadora. Em contrapartida, como músico, o poeta sabe que o baixo contínuo resguarda e dá suporte ao sentido de desenvolvimento e percurso significativo da canção. Em outros termos, o poeta sabe que a música é lógos, a experiência essencial da linguagem (IBID., p.144).

Sendo a música a essência da linguagem, a recusa que lhe é própria, também é um componente essencial da linguagem. Por recusa, entenda-se: a falha do signo na função de determinar a coisa com um nome. Por isso, o poeta-músico existe na vizinhança do pensamento, onde a linguagem ainda não pode falar por imagens determinadas. A palavra, como signo da linguagem, conduz a coisa para o ente. O signo da música conduz a coisa para a indeterminação do ser. Nesse sentido, Heidegger parece reeditar inequivocamente a distinção nietzschiana entre o apolíneo e o dionisíaco, pela qual a palavra conduz à individuação imagética e à música ao estágio originário das formas dissolutas (IBID., 2003, p.147).

A concepção de que a linguagem possui o caráter de mera vocalização sonora coaduna-se à concepção de que a linguagem é estabelecida por convenção. Esta última é estratégica para o que concerne ao estabelecimento do primado absoluto do sujeito na filosofia. Afinal, sendo a linguagem exclusivamente produto de uma decisão arbitrária do sujeito (convenção), tudo o que dela provém, a saber, as visões de mundo e o conhecimento, se reduz à condição de constructo do sujeito. Contrariando a esta visão subjetivista, Heidegger esforça-se em demonstrar que há um vínculo objetivo entre linguagem e coisa. Para tanto, ele evoca a noção pré-socrática de que a linguagem possui uma conexão originária com a Terra (Physis), noção que levou o próprio Aristóteles a caracterizar os dialetos como os modos da boca. Todavia, Heidegger reinterpreta esta caracterização, relacionando-a aos modos tradicionais que estruturam as canções dos povos, para, por fim, recorrer à paráfrase do poeta Novalis: A linguagem é a flor da boca (IBID., p.162).

Em sua caracterização da música como essência da linguagem, Heidegger atenta-nos, sobretudo, para o caráter ontológico do ritmo. É o ritmo, justamente a expressão mais genuína da categoria tempo, que confere o estranhamento do poema, tornando-o estranho em relação à linguagem cotidiana e ao mesmo tempo corporalmente relacionado ao percurso do pensamento: O ritmo é o repouso que articula o movimento do caminho da dança e do canto, permitindo-lhe pousar e repousar em si mesmo. O ritmo confere repouso (IBID., p.182). Evidentemente, Heidegger não se refere apenas ao ritmo compreendido como mera disposição temporal dos sons em um dado limite. O ritmo que confere caráter ontológico ao poema é o que nos permite reconhecê-lo como uma unidade significada, isto é, como obra que repousa em si mesma. É na condição de obra que o poema torna-se estranho à totalidade da linguagem.

Por se deixar guiar pelo que lhe é essencial, a saber, a música, a linguagem poética é a linguagem em sua feição mais ampla. Assim, ela realiza o pensamento do ser que pensa a si mesmo. Nesse pensamento, o lógos, imbuído essencialmente de seu caráter musical, promove o nexo entre o dizer e o ser. Reforça-se assim a noção de que a música acede imediatamente ao ser que se oferece na escuta: escutar a linguagem é escutar o ser que nela habita, sua música essencial (lógos), inscrevendo-se no pensamento do ser. E tal só é possível no poema, onde a linguagem não está restrita à função comunicativa e pode revelar seu co-pertencimento ao pensamento (IBID., p.188).

Escutar a música da linguagem é o horizonte da Andenken: o pensamento rememorativo que pretende liberar o pensamento de seu aprisionamento à concepção de que o ser se dá exclusivamente na dimensão temporal da presença (ente) e, sobretudo, de que o ser possa ser apreendido na linguagem comunicativa (proposicional) (VATTIMO, 1980, p.75). Para que esse pensamento aconteça, ele cumpre um caminho cuja meta é estabelecer-se no silêncio. O silêncio é a expressão da música do ser. Ele é a ausência precedente da atividade significadora, o não-dito da linguagem, que permite ao homem significar e estabelecer o seu domínio sobre o ente, e, sobretudo, permanecer no âmbito inesgotável da linguagem (HEIDEGGER, 2003, p.204).

Referindo-se ao pensamento silenciado, Heidegger diz: O homem não é o senhor do ente, o homem é o pastor do ser (HEIDEGGER, 1973, p.51). Esse pensamento se dá no campo da escuta. Ele é a Andenken, cujo sentido essencial consiste em ser o pensamento estruturado como música. A propósito, Benedito Nunes salienta a distinção entre escutar e ouvir no contexto da filosofia de Heidegger. Escutar, como um ato que precede o ouvir, pressupõe um silenciar. No silêncio percebe-se compreendendo, dentro do campo afetivo (afinação) estabelecido pela música (NUNES, 2000, p.109).

Em resumo, de acordo com Heidegger, a poesia é superior às outras artes pelo fato de ela, enquanto obra da palavra, ter um vínculo essencial com a música. Nesse sentido, Heidegger assume uma posição clara em relação à antiga querela filosófica de se decidir qual veio primeiro, a música ou a linguagem. Para Heidegger, a música é anterior à linguagem. Todavia, Heidegger não pensa que esta anterioridade seja cronológica, no sentido corrente que se dá ao tempo (passado, presente, futuro). Essa anterioridade é compreendida como sustentação constante. A música instaura a disposição afetiva (Stimmung) da palavra, abrindo-a para o sentido e o significado. Porém, Heidegger não se contenta em constatar que a música é anterior à linguagem. Como observa Benedito Nunes, a Andenken possui um caráter transacional; ela efetivamente quer promover o diálogo entre poesia (música) e filosofia, demonstrando que se tratam de elementos indissociáveis no pensamento (NUNES, 2000, p.9).

O diálogo entre poesia (música) e filosofia (linguagem) implica em uma postura ética, que consiste no estar entre os quatro, ou seja, no habitar a quadratura (Geviert) que se forma entre céu, terra, deuses e homens. Habitar a quadratura é abster-se da relação mediadora do signo, permanecendo no traço que separa a voz do deus de sua decodificação subjetiva, deixando, assim, que as coisas se mostrem como são, como aléthein:

O ser das coisas não é o ser da metafísica, o ser da presença, o ser da instrumentalidade. As coisas fazem morar junto de si a quadratura dos quatro: a terra, o céu, os mortais e os divinos (palavras poéticas familiares a Hölderlin); direções, pontos cardiais. Não são entes intra-mundanos. (...)Estas palavras poéticas furtam-se a uma plena clarificação conceitual, mas o fato de serem palavras poéticas já não pode agora significar um menor peso teórico, visto que é na poesia que acontece a verdade no seu sentido radical (VATTIMO, 1996, p.138).

Habitar a quadratura é uma tentativa de expandir a linguagem em direção ao inesgotável e indecidível, ou seja, o espaço da poeticidade que concerne à linguagem em sentido lato. Segundo Heidegger, habitar a quadratura é a mais perigosa das ocupações (HEIDEGGER, 1979, p.24), posto que corresponde ao jogar-se no abismo (Abgrund) da linguagem, onde estão as possibilidades de abertura e velamento do ser. É decidir sobre a própria possibilidade existencial no espaço indecidível da palavra, isto é, na música que constitui o pensamento. Portanto, habitar a quadratura é sair do conforto das situações cotidianas e da visão de mundo que reduz homem e coisas à condição de instrumento (VATTIMO, 1980, p.115).

 

III- Entre a palavra e a coisa.

Apresento algumas proposições inferidas da reflexão precedente:

1) a música é uma não-síntese entre o som (physis), que, genericamente, pode ser matéria potencial da música ou da linguagem, e os significados que podem ser associados ao som. Como não-síntese entre som e significado, a música traz em si mesma a condição para o acontecimento da verdade, abrindo-nos para a dimensão ontológica da linguagem. Esta proposição permite a concepção de que a música é lógos (mousiké);

2) compreender a música como um ente que traz a condição genérica para o acontecimento da verdade, entenda-se, o estar entre palavra e coisa como não-síntese entre som e significado, obriga-nos a situar a própria verdade no âmbito em que o sujeito não estabeleceu o domínio de suas operações. Assim se expressa a histórica oposição de Heidegger ao subjetivismo neokantista. Não obstante, efetivamente, seja a verdade denominada Lichtung ou alétheia, ela deverá necessariamente ser compreendida como a abertura (imediata) do homem para o fenômeno com o qual ele depara. Em uma palavra, a verdade é a máxima abertura para a interpretação e a garantia de que esta possui lastro ontológico, não obstante não se refira necessariamente a um ente determinado;

3) concebida como lógos (mousiké), a música permite a experiência imediata com a categoria tempo, doadora do sentido do ser. Por isso, a música é constituidora essencial do pensamento e, em decorrência disso, uma obra musical pode ser tomada como o pensamento em si, que se estabelece no movimento puro do sentido, próprio da abertura polissêmica do ser na verdade. Como pensamento, a música transcorre o campo da possibilidade de significação. Destarte, a música pode prescindir das referências simbólicas, das imagens determinadas e da palavra. Esses elementos, por sua vez, quando dispostos na aderência da música são potencialmente acrescidos de significação;

4) estatuindo haver uma conexão imediata entre música e tempo, pode-se inferir que o ritmo seja o elemento determinante da experiência da significação, que encampa a música em si mesma, os fenômenos que a circunscrevem, e a própria linguagem. Evidentemente não me refiro apenas ao ritmo que é comumente entendido como a organização de determinados eventos sonoros em um espaço de tempo, mas, sobretudo, ao ritmo entendido como a disposição temporal dos eventos sonoros significados. A forma primária doada pelo ritmo é o melos, o movimento essencial que permite, inclusive, o reconhecimento afetivo de uma sequência sonora como melodia;

5) compreendida como lógos (mousiké) na forma do melos, a música estabelece a disposição afetiva que sustenta as possibilidades polissêmicas de significação de si mesma e da linguagem. Em outros termos, a música possui conexão necessária com a linguagem, do que se conclui que toda experiência musical envolva uma produção de linguagem e de suas imagens correlatas. Porém, o contrário há de ser verdadeiro. Mesmo em uma experiência aparentemente não musical, a música sustenta a linguagem;

6) compreendida como lógos, a música há de ter conexão imediata com a linguagem. Mesmo que entre nós e a música existam símbolos e significados culturalmente estabelecidos, ainda, mesmo que entre nós e a música haja uma visão de mundo, a música, a partir da conexão que estabelece entre a linguagem e as coisas, interage com esta visão de mundo, renovando-a no âmbito da linguagem.

Tais proposições corroboram a opinião corrente entre os comentadores de Heidegger, qual seja, de que sua filosofia promove um deslocamento metodológico ao subtrair das discussões sobre linguagem, arte e música a noção paradigmática de finalidade. Nesse sentido, os textos de Heidegger sobre a arte e a linguagem são tentativas de projetar o pensamento para uma região onde não vigora esta noção. Não obstante, no contexto das ciências humanas, muito se questiona sobre as possibilidades de desdobramento da filosofia heideggeriana. Afinal, estando a linguagem sustentada pela música, entenda-se, pelo ser indeterminado que desta última faz veículo, caracterizando-a como lógos, é de se indagar se não estariam lançadas as bases para um pragmatismo absoluto, uma vez que o próprio ser confere à linguagem a máxima abertura para a interpretação (7).

Por outro lado, há os problemas que envolvem a generalidade da proposição de que a música é lógos, ainda que esta proposição seja compreendida estritamente no âmbito metodológico de Heidegger. Se a música é lógos e, como tal, traz em si a condição para o acontecimento da verdade, é de se concluir que o próprio conceito de obra de arte se perde na generalidade do conceito de música. Cabe recordar, o acontecimento da verdade é a condição estatuída por Heidegger para se determinar o que é uma obra de arte. Em contrapartida, sendo a música condição genérica do acontecimento da verdade, por que algumas obras musicais são reconhecidas como arte e outras não?

Penso no modo pelo qual esta questão tem sido historicamente enfrentada. Os manuais de história da música são pródigos em referências que permitem concluir que a distinção entre música artística e música não artística repousa em meros julgamentos ideológicos. Outrossim, em que se fundam as qualificações contidas em expressões do tipo música séria, canção popular, música POP, música artística? Mesmo a filosofia de Heidegger, que propõe pensar a arte como um fenômeno ontológico, abriga as polêmicas noções de uma Grande Arte e de uma hierarquia entre as artes. Parece evidente que o critério apontado por Heidegger para sustentar tais noções, qual seja, o critério do acontecimento da verdade, falha quando aplicado à reflexão sobre a música.

Além disso, a música, ainda que concebida como um ente que sustenta e solicita a linguagem, se expressa inevitavelmente como uma música em particular que qualificamos ou não como obra de arte. A música possui uma identidade que corresponde à sua própria composição (techné/poiesis). Isto é tanto válido para uma suíte de Bach ou para uma canção anônima. Destarte, falar sobre a música implica também em tentar apreender as relações que a configuram como um ente, situando o pensamento na dimensão ôntica da linguagem. Esse parece ser o problema que se coloca para quem deseja falar sobre a música, segundo o referencial teórico oferecido pela filosofia de Heidegger. Talvez seja por assim entender, que Heidegger tenha evitado descrever as obras musicais singularizadas.

Afora essas questões, permanece como um convite a escutar o não dito, o antigo jargão que fora mais de uma vez pronunciado pelos músicos barrocos: a música diz o que as palavras não dizem. E é justamente na escuta que parece residir a possibilidade de desdobramento de um pensamento que, segundo Heidegger, não foi experimentado (Andenken), algo que, para muitos, soa místico. Particularmente, permito-me conjecturar que Heidegger reclamasse algo bem mais trivial do que a suposta dádiva de um ser divinizado, a saber: a primariedade da relação entre homem e physis. Em defesa desta conjectura permito-me alguns breves comentários sobre a criação musical, justamente quando o músico parece ater-se ao âmbito estrito da música, ou, como o quer Heidegger, quando o músico está entre a palavra e a coisa.

Entre a palavra e a coisa, dirá o músico, há o mero movimento em seus diversos modos. Há o movimento trivial e o complexo, o aparente e o escondido. O movimento se mostra em sua relação com a matéria potencialmente significável, ou seja, a matéria substanciada que pode ser o som, o silêncio, a cor e até a luz. E a matéria substanciada se mostra na forma desenhada pelo movimento; assim é o mecanismo de constituição do melos, a configuração mais trivial da música. Mas a palavra não é suficiente para descrever a força que é origem do movimento e da matéria substanciada. Resta, por conseguinte, o que a música diz de si mesma enquanto representação. A música representa a força originária de seu movimento e matéria, trazendo à presença sua carga afetiva e significadora; em uma palavra: a música é essencialmente metáfora da força que lhe concerne. Contudo, a experiência mostra que a música pode metaforizar as coisas do mundo, ampliando o gesto que há em sua essência.

Por exemplo,

Esse pequeno fragmento de partitura (Fig.1) representa o motivo (8) da música principal do filme Laurence das Arábias (9). Não é necessário sequer que o leitor leia a partitura para perceber o movimento que constitui o motivo, basta observar no desenho em linha preta, abaixo das notas. O que se vê? Coincidentemente ou não, o desenho do movimento do som segue o desenho do percurso de um herói que vagueia entre as dunas de um deserto; o movimento ondular do som é análogo ao movimento ondular das dunas. Não bastasse tal semelhança, o salto (10) de quarta descendente (ré/lá: notas em vermelho), seguido por um movimento de sexta ascendente (fá#/ré: contando da nota verde, até a segunda preta), impulsionado pelas figuras em quiálteras (11) (sol/dó#: notas em azul) é suficiente para provocar uma experiência com a categoria de extensão, que resulta na sensação de amplidão, própria de um deserto. Em resumo, a metáfora musical do herói no deserto não apenas contribuiu para a descrição da cena assim como nos forneceu uma experiência sensorial (auditiva) correspondente, ampliando os significados em questão na medida em que, através da música, nos aproximamos dos mesmos.

 

 

A figura 2 é um fragmento da partitura que representa o inicio da canção Erlkònig, cuja música foi composta por Schubert sobre o texto de Goethe (12).

 

 

Como se sabe, o texto de Goethe relata a história de um pai que, desesperado, cavalga com seu filho no colo, tentando salvá-lo do deus dos Elfos, na versão do escritor, um deus pedófilo. O trecho assinalado em vermelho representa um movimento de ataques contínuos e nervosos dos dedos da mão direita no piano, metáfora do coração disparado do pai. O trecho assinalado em azul representa o galopar apressado do cavalo, que alterna passos disparados (as quiálteras) com passos marcados (as semínimas) (13). Assim Schubert estabelece o estado afetivo da história mencionada. E o ouvinte não apenas entende o que se passa, assim como experimenta auditivamente o movimento do desespero do pai.

A figura 3 representa o motivo que compus para a última cena da peça "Abram-se os histéricos" de Antonio Quinet (14).

 

 

Na cena, as histéricas se rebelam no hospital, alegorizando, em um âmbito mais amplo, uma possível rebelião da histeria contra os preconceitos que a cercearam como modo de expressão ao longo dos séculos. Na expressão de Breton, trazida por Antonio Quinet, a histeria seria a expressão de uma beleza convulsiva. Ora, o que seria mais imediato na histeria senão os sinais que ela desenha no corpo; as irrupções espasmódicas em movimentos crescentes. É justamente o que busco representar com a alternância de sons (sinais em preto) e pausas (sinais em vermelho), em um movimento ascendente. Desse modo elaboro auditivamente a ideia de dificuldade de respiração e espasmo.

Certamente o patrimônio musical de todas as culturas está repleto de exemplos de como a música lança a sua luz descobridora sobre si mesma e sobre os fenômenos aos quais ela se associa. Nesse contexto, há exemplos de metáforas musicais muito mais complexas, que poderiam ser explicadas em um texto cujo propósito fosse veicular um conhecimento técnico aprofundado de música. Não obstante, entendo que os exemplos dados são suficientes para a argumentação que desenvolvo, justamente por eles serem extremamente triviais. E talvez na trivialidade resida o sucesso dos mesmos, posto que na trivialidade a intuição flui mais livremente. A opinião que agora compartilho corrobora uma ideia que perpassa a obra de Heidegger: a ideia de que deveríamos fazer dialogar a experiência da metafísica, calcada na complexidade da razão, com a experiência poética do ser, calcada na trivialidade da intuição. Algo como simplesmente cantar uma canção.

 

Notas

(1) Alétheia (ajlhvqeia): composição entre o prefixo a, compreendido em sentido privativo e o radical lhJ, compreendido como a parte do ente originariamente velada, de onde se infere que verdade signifique desvelamento.

(2) Doravante, em respeito à terminologia empregada nos textos de Heidegger, quando empregar o termo ôntico estarei me referindo ao ente, quando empregar o termo ontológico, estarei me referindo ao ser.

(3) No sentido empregado por Platão a physis tem o conceito muito próximo ao conceito de ente. Trata-se do todo "material" (existente) do qual se fala. A physis é qualquer matéria que poderá assumir múltiplas formas e significados. A physis apresenta-se diversa aos sentidos, por exemplo, o mundo é composto de inúmeras coisas (pedras, árvores, água etc) e essas coisas são móveis, por exemplo, alguém hoje não é o mesmo de ontem. A diversidade e a mobilidade comparece à unicidade do conceito. Por exemplo, as árvores diversas e móveis são referidas pelo conceito de árvore.

(4) Ao referir-se a uma hierarquia entre as artes, Heidegger não intenta acrescentar elementos novos às polêmicas que habitam a estética tradicional. Pensando a arte em sua relação com o ser, Heidegger está metodologicamente posicionado fora de tais polêmicas, no sentido de que interroga o que para ele é a própria condição sustentadora do pensamento sobre a obra de arte.

(5) Tradicionalmente, as categorias são objetos de hierarquização. Sabemos, por exemplo, que, na filosofia de Aristóteles, a categoria de substância é identificada ao próprio ser. Sabemos, ainda, do valor dado por Kant às categorias de tempo e espaço, as quais, em sua epistemologia, foram classificadas como intuições a priori do conhecimento. Tratando-se de Heidegger, evoco os seus primeiros escritos de inspiração neo-kantiana e, sobretudo, Ser e Tempo; não é difícil concluir que ele tenha considerado a categoria tempo como a mais valorosa, haja vista a tese de que o tempo resguarda o sentido do ser. Destarte, o valor de uma experiência artística tanto maior será, na medida em que ela conduzir a percepção para a região em que as categorias mais claramente revelam sua relação com o sentido do ser; nesta região, em que as categorias são imediatamente apreendidas, o pensamento realiza-se como unidade entre sujeito e objeto no lógos.

(6) Como vimos anteriormente, Heidegger concebe a verdade como uma não síntese entre matéria e forma que possibilita a apreensão imediata da physis em dois modos: no primeiro, a physis é apreendida como categoria, isto é, como o ente em sua primeira acepção; no segundo, a physis é apreendida como antecipação, revelando o sentido temporal ekstático do ser. Desse modo, o acontecimento da verdade como um duplo modo de apreensão imediata da physis se converte em um critério para a caracterização da obra de arte.

(7) Esta questão é corroborada e discutida por Richard Rorty. (RORTY, 1991, p 27-49)

(8) Motivo: trata-se da menor ideia geradora de uma obra musical. Por exemplo, o famoso motivo da 5ª Sinfonia de Beethoven.

(9) Ver o vídeo mencionado em: JARRE, M. Cena do Material Promocional do filme Lawrence das Arábias. Publicado em 1 de Janeiro de 2012. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=ZxBFRfYiDNE . Data do acesso: 23 de Março de 2013.

(10) Salto: percurso de uma nota a outra, que corresponde a um intervalo. Por exemplo, descendo na escala, entre ré e lá há quatro notas (ré, dó, si, lá) que constituem um intervalo de quarta descendente. O mesmo raciocínio se aplica aos intervalos ascendentes.

(11) Quiálteras: grupetos de três, seis (etc) notas tocadas no tempo correspondente a duas, quatro (etc) notas. Tem o efeito de acelerar o andamento da música.

(12) Ver o vídeo mencionado em : http://www.youtube.com/watch?v=8noeFpdfWcQ.

(13) Semínima: no contexto trata-se de uma nota que vale uma quiáltera de três colcheias.

(14) "Abram-se os Histéricos", espetáculo teatral de Antonio Quinet, com a direção de Regina Miranda e trilha sonora por mim composta e dirigida. O espetáculo é encenado pela Cia Teatral Inconsciente em Cena e sua história retrata um importante passo da descoberta do inconsciente por Freud, quando este assistia os "espetáculos cênicos" das histéricas estudas por Charcot em Paris, no século XIX. QUINET, Antonio. Abram-se os Histéricos. 07 de Abril de 2012. Disponível em http://vimeo.com/39950219 e http://vimeo.com/39947215 (senha: charcot).

 

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Recebido em: 22/05/2013
Aprovado em: 28/10/2013