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Trivium - Estudos Interdisciplinares

versão On-line ISSN 2176-4891

Trivium vol.7 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2015

 

RESENHAS

 

O Moisés de Sigmund Freud: Ecce homo!

 

 

Carlos Augusto Pereira VianaI; José Rogério SantanaII

IProfessor do Curso de Letras da Universidade Estadual do Ceará; Membro da Academia Cearense de Letras e das Academias de Língua Portuguesa e de Letras e Artes do Nordeste; Doutorando em Educação pela UFC. ca.viana@terra.com.br
IIPesquisador em Educação Matemática assistida por Computador. Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação com linha de pesquisa no NHIME - Núcleo de História e Memória em Educação pela FACED/ UFC. Rogerio@virtual.ufc.br

 

 

Resenha do livro O homem Moisés e a religião monoteísta - três ensaios: o desvelar de um assassinato de Betty Bernardo Fuks. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 2014, 209 pags.

A leitura de "O Homem Moisés e a Religião Monoteísta - três ensaios: o desvelar de um assassinato", de Betty Fuks, conduziu-nos, como ponto de partida, a um, dentre os inúmeros conceitos que o livro comporta: o de obra aberta, de Umberto Eco (1988); considera o ensaísta, ficcionista e poeta o princípio de que a obra literária, por natureza ambígua, não constitui um universo fechado em si mesmo, sendo, por isso, sempre passível de outras leituras, mas a partir de um sólido rigor teórico, tornando-se, assim, a atividade do crítico um processo de reinvenção da obra em análise. Desse modo, não sendo sequer aprendizes em psicanálise, palmilhamos suas mais de duzentas páginas concentrando-nos, antes, na urdidura da escrita: desta, trescalam, predominantemente, duas funções da linguagem: a metalinguísta e a poética: esta, fruto de uma deliberada elaboração; aquela, por valorizar o código (Reis, 2001).

 

 

A função metalinguísta implica, portanto, um repouso no código; isto é, o texto recai sobre si mesmo, num recorrente processo de uma sucessão de significações, de que resultam, por exemplo, axiomas: "Obra aberta, O homem Moisés não se presta à captura: múltiplos sentidos - mas não arbitrários - borbulham nas páginas dos três ensaios" (p.30); "Terreno fértil para a apreensão da alma humana, a literatura foi a ferramenta mais precisa com a qual Freud verifica, num jogo de espelhos, a própria face da construção psicanalítica" (p.37/8); "a noção de judeidade nomeia o modo como cada sujeito vive sua condição de judeu" (p.43)

A função poética, quando as palavras estabelecem entre singularíssimas alianças, faz-se, com mais vigor, no emprego das alegorias: o lugar extraterritorial que a psicanálise ocupa em nossa cultura é iluminada pela evocação ao conto "A terceira margem do rio", de Guimaraes Rosa - a terceira margem como um lugar simbólico da transmissão da cultura. Ressaltem-se, ainda, inúmeras passagens em que o prosaico, natural ao gênero ensaio, é tocado pelo poético: "Metáfora do excluído, a figura do judeu em Moisés expõe a verdade da rejeição feroz ao outro-odiado" (p.31); "Nômades como as letras aglomeradas no branco de um pergaminho ancestral, os doutores e comentadores do Torá" (p.53).

Betty Fuks, em "O homem Moisés e a religião monoteísta - três ensaios: o desvelar de um assassinato" realiza, a rigor, a biografia de um livro que gravita em torno dos acontecimentos desta e de sua contemporaneidade: o drama humano no perene da existência.

Mesclam-se, nesta empreitada, tanto os elementos que concorrem para a progressão temática quanto os que dão conta dos recursos expressivos para a construção textual. Assim, dissolvem-se as fronteiras entre os gêneros, de tal modo que expedientes narrativos, descritivos e dissertativos constituem elos de uma cadeia que não se dissolve: "Tudo começara na dinastia XVIII, certa de 1375 a.C., época de florescimento no Egito, quando Amenófis IV, filho de Amenófis III, baniu o culto do Deus Amon..." (p.86-7); "Como a morte de um inocente alcançou o poder de desculpabilizar a todos que o reconhecem como salvador?" (p.148); "Sob a proteção dos céus londrinos, o temor de tornar público o terceiro ensaio ficou restrito à validade das ideias... " (p.34).

A cena inicial anuncia o recurso construtivo da técnica do tear; uma singularíssima marca da autora: a capacidade antecipadora de desenhar cenas ou elaborar conceitos que, mais além, serão retomados. Neste sentido, a queima dos livros de Freud, aos 10 de maio de 1933, na Universidade de Berlim, representa, alegoricamente, as futuras cinzas nos campos de concentração nazista; da mesma forma, o Moisés de mármore descortinará o de carne e osso: o "Ecce homo!"

 

Referencias Bibliográficas:

ECO, Umberto. Obra aberta. Trad. Giovanni Cutolo. São Paulo: Perspectiva, 1988.         [ Links ]

REIS, Carlos. O conhecimento da literatura. Coimbra: Almedina, 2001.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 11/11/2014
Aprovado em: 30/04/2015