SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.7 número1O Moisés de Sigmund Freud: Ecce homo! índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Trivium - Estudos Interdisciplinares

versão On-line ISSN 2176-4891

Trivium vol.7 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2015

 

ARTES

 

Três poemas filosóficos

 

 

Pedro Rego

Poeta e filósofo. Autor da coletânea de poemas Nuga (7Letras). E-mail: pedromrfs@gmail.com

 

 

I

Amor platônico

O amor, para Platão,
é o desejo da posse eterna
de alguma coisa bela.
Pode ser varão ou donzela
arte, ciência, constituição.
No fundo tanto faz.
É sempre a beleza que atrai
e ao coração apraz.
E desse fenômeno
de que somos presa
f ele tinha a certeza
de ser esta a explicação:
todo mundo está grávido
no corpo ou na alma
e num momento dado
perde-se a calma
e vêm as dores do parto.
A única saída
para a criatura aflita
é a criação
e esta não dispensa
a beleza, sua presença.
Há, além disso,
outro princípio ativo:
quem cria compartilha
da natureza imortal
e não morrer
veja
geral deseja.
Mas há quem conteste e diga
que esse amor platônico
é tirânico, egoísta
e muito pouco romântico.
A coisa amada é só uma pedra
no rio, um degrau
na escada
devendo ser descartada
logo depois de usada.
Amor mesmo, de verdade,
dizem
o que Aristóteles disse da amizade:
o desejo pelo bem do outro
por si mesmo
não pelo próprio conforto.
O mistério
do amor aristotélico
do amor-amizade
é o velho mistério
da boa vontade.
Eu dizia isso
para a namorada
que perguntava
insistente
'Por que você me ama?'
pra que ela entendesse
que a coisa é complicada
e não vai ser solucionada
assim, na cama.

 

II

Medo da morte

Eu tenho medo da morte
desde sempre,
desde que me dou por gente.
Não é medo da dor
nem da má sorte,
é diferente,
é um medo assim meio indecente
do fim
de mim.
Mas medo talvez não seja exatamente
o termo.
É uma vertigem
quente,
é um sentir presente
meu eu futuro
ausente,
é sentir que o buraco é sem fundo
e que a eternidade é real
feito esta pedra
feito este muro de cal
feito este murro.
E então a vida em mim
grita
e a noite em mim
cresce
e nenhuma estrela aparece
e nenhuma brisa se agita
e tudo de mais sólido derrete
e só a eternidade resplandece
infinitamente
inerte.
Essa queda, essa descida
é a experiência fundamental
da minha vida.
E quando eu estou assim perdido
sentindo que não mais existo
eu me acalmo fingindo
que creio em Cristo.
Eu sei, é ridículo,
esse homem tremendo sozinho
no breu.
Mas será que sou só eu?

 

III

O pessimismo

Um filósofo alemão
que todo mundo conhece
dizia que a vida é ruim
e vai ficando cada vez pior
até que o pior de tudo acontece.
A máxima é exemplar pela concisão.
Mas é verdade? Eis a questão !
Porque repare: a vida
não é escolhida
após cuidadosa deliberação.
Nós vivemos talvez
mais por essa coisa inusitada,
o medo do Nada,
do que por amor legítimo
à Criação.
Desse modo,
a despeito da nossa inclinação,
pode muito bem ser
que esse nosso esquema
não valha realmente a pena
e seja no fundo uma pecha,
a famosa conta
que não fecha.
Mas voltando, então,
à questão aventada,
esse pessimismo do alemão,
eu acho,
é uma coisa exagerada.
É bem verdade que a velhice
não é a melhor idade
como quer a companhia aérea.
A velhice
qualquer pessoa honesta admite
é uma merda.
Apesar disso,
não se assuste, pessoa,
se eu disser (e digo):
a vida é boa.
Foi assim:
o Sol é bom, a chuva é boa, todo ruído é música,
eu li um dia,
na livraria
(era domingo)
e eu fui salvo do pessimismo.
Medite, amigo leitor,
no que encerram
estas palavras rústicas,
o Sol é bom
a chuva é boa
todo ruído é música,
e diga
com sinceridade
se não é verdade que,
contrariando um outro medalhão,
a gente vive é por gosto
não por obrigação.

 

 

Recebido em: 03/01/2015
Aprovado em: 20/05/2015