SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.7 número2A questão da procriação feminina na estrutura psicóticaO Amor em psicanálise: considerações sobre o filme Tristana, de Luis Bunuel índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Trivium - Estudos Interdisciplinares

versão On-line ISSN 2176-4891

Trivium vol.7 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2015

http://dx.doi.org/10.18379/2176-4891.2015v2p.286 

ARTIGOS LIVRES

 

Reflexões sobre a prática da psicopedagogia e sua conexão com a psicanálise

 

Reflections about the practice of psycho-pedagogy and its connection with psychoanalysis

 

 

Roberta Luna da Costa Freire Russo

Psicóloga. Psicanalista. Mestrado em Educação - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Docente do Departamento de Enfermagem - Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano - Fórum Natal. Endereço: Av. Amintas Barros, 3700 Ed. Corporate Tower Center -CTC , Torre B, sala 202 - Lagoa Nova. Natal /RN CEP 59075-810. Telefone: (84) 988138336. E-mail: lunacfr@gmail.com

 

 


RESUMO

O presente artigo tem como objetivo refletir sobre a conexão entre a Psicopedagogia e a Psicanálise, sobre os modos pelos quais a primeira interpreta as aprendizagens a partir do discurso da segunda, bem como sobre os efeitos da inserção da Psicopedagogia nas escolas. O trabalho permitiu identificar distorções conceituais na articulação teórica entre Psicopedagogia e Psicanálise. Além disso, pudemos constatar que a atuação da Psicopedagogia na escola resultou na destituição do professor da sua função de educar por assumir outra, a de adentrar no interior da criança em busca de um episódio que justifique o seu fracasso na escola, na medida em que, na atuação do psicopedagogo, está implicada a "demissão" do pedagogo, que, por sua vez, dá lugar ao clínico, ao terapeuta, renunciando, assim, à educação.

Palavras-chave: PEDAGOGIA; PSICANÁLISE; PSICOPEDAGOGIA; PROBLEMAS DE APRENDIZAGEM.


ABSTRACT

This article aims to reflect on the connection between Psycho-pedagogy and Psychoanalysis, in the ways in which the former has interpreted the learning from the discourse of the latter, as well as the effects of the insertion of Psycho-pedagogy in schools. The work allowed identifying conceptual distortions in theoretical links between Psycho-pedagogy and Psychoanalysis. Furthermore, it was found that the performance of Psycho-pedagogy in school has resulted in the dismissal of the teacher to educate their function by taking on another, from entering the inside of the child in pursuit of an episode to justify their school failure, to the extent that, in the work of the psycho-pedagogy professional, it is implied the "dismissal" of the pedagogue, which in turn has given rise to the clinician, therapist; thereby renouncing to education.

Keywords: PEDAGOGY; PSYCHOANALYSIS; PSYCHO-PEDAGOGY; LEARNING PROBLEMS.


 

 

Introdução

O sujeito psicológico "escondido " no aluno é a Esfinge que

fala ao professor: decifra-me ou te devoro (Barros, 1999).

Este trabalho aborda a conexão entre duas áreas do saber: tratamos da relação entre Psicanálise e Psicopedagogia e dos efeitos dessa conexão na escola. A análise dessa articulação dá-se basicamente a partir de duas reflexões.

A primeira delas é que, como psicanalista, inquietam-nos os modos pelos quais os conceitos psicanalíticos têm sofrido deformações quando se apela para a sua aplicabilidade em outros campos, sobretudo na Educação. Nesse sentido, a vertente da Psicopedagogia que vem prevalecendo no cenário educacional brasileiro é a que tem uma fundamentação na Psicanálise.

Ela considera como fatores determinantes dos problemas de aprendizagem os aspectos subjetivos daquele que aprende, sustentando a hipótese de que ocorre uma fratura no aprender, isto é, a construção de um sintoma psíquico.

 

 

A segunda reflexão diz respeito à crescente busca de pedagogos pela especialização em Psicopedagogia, um fenômeno que demonstra um crescimento constante desde o ano 2000 até 2013, em todo Brasil, e, em especial, no estado do Rio Grande do Norte. Se, em 2000, só havia duas instituições de ensino superior ofertando curso de Psicopedagogia em nível de pós-graduação lato sensu -especialização -, atualmente, são sete as instituições: UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), UNP (Universidade Potiguar), IBRAPES (Instituto Brasil de Pesquisa e Ensino Superior), FAL (Faculdade de Natal), FACEN (Faculdade de Ciências Empresariais de Natal), FACEX (Faculdade de Ciências, Cultura e Extensão do RN), Faculdade Mauricio de Nassau.

No momento atual, observamos, em encontros com pedagogos em congressos, palestras, salas de aula em cursos de Especialização, bem como em reuniões escolares, que as pedagogas queixam-se dos dissabores advindos da prática educativa, os quais as tornam emocionalmente doentes. Do mesmo modo, chamamos a atenção para os diagnósticos, realizados por elas, na tentativa de explicar a não aprendizagem de seus alunos. Segundo esses diagnósticos, o não aprender é expressão de um adoecimento psíquico, que se apresenta para o aluno sob a forma de sintoma na aprendizagem.

Diante disso, perguntamo-nos se a Psicopedagogia se constitui como prática pertinente às demandas atuais da escola, uma vez que tem como objetivo analisar e intervir nos insucessos escolares das crianças e adolescentes. Além disso, se há clareza e pertinência na sua articulação com a Psicanálise de modo a cumprir com os objetivos citados.

Tais reflexões são ressonâncias de diálogos e entrevistas investigativas com pedagogas, por ocasião da elaboração da dissertação de Mestrado (Freire, 2004), durante a qual estudamos as conexões entre Psicopedagogia e Pedagogia. Para essa pesquisa, realizamos sete entrevistas: quatro com pedagogas que não atuavam oficialmente como psicopedagogas e as demais com pedagogas que trabalhavam como psicopedagogas em clínica e/ou na escola. Escolhemos, para tanto, a Entrevista Compreensiva, do sociólogo Jean-Claude Kaufmann (apud SILVA, 2002), que desenvolve uma metodologia baseada no pressuposto fundamental da palavra como elemento central na construção do objeto de estudo.

Ao longo da nossa experiência profissional no âmbito educacional, observamos um excesso de padecimento, cuja interpretação, sob a legenda de sintoma, assegura ao discurso psicopedagógico uma hegemonia no trato dos problemas de aprendizagem dos alunos. O sintoma, como efeito produzido por uma escola que não rende nenhuma homenagem ao professor, muito menos ao aluno, tem sido alvo da análise e da avaliação psicopedagógica.

Nas últimas décadas, têm-se enfatizado os aspectos psicológicos do aprendiz, na tentativa de se encontrar aí a tradução do mal-estar que tem povoado, cada vez mais, o ambiente educacional. Assim, o fracasso escolar foi-se transformando em dificuldades de aprendizagem e em distúrbios de aprendizagem.

 

A Psicopedagogia

O enfoque psicopedagógico, nas décadas de 1970 e 1980, apresentava um caráter eminentemente clínico, fundamentado na Medicina. Os cursos de Especialização em Psicopedagogia começaram a surgir nos anos de 1970. Segundo Bossa (2000), esses cursos surgiram para complementar a formação de psicólogos e educadores que tinham interesse em encontrar soluções para as dificuldades de aprendizagem. Nessa época, sob a influência de estudiosos argentinos desta área e com a organização de centros de estudos voltados para a formação e atualização em Psicopedagogia, inicia-se no Brasil um interesse cada vez mais crescente pela Psicopedagogia. Os centros de estudos do Rio de Janeiro tinham como referência o Centro Médico de Pesquisas de Buenos Aires, cujo quadro de referência era baseado no modelo médico de atuação. Nesses moldes, foi fundado em Porto Alegre o Centro de Estudos Médico e Psicopedagógico, pelo Doutor Nilo Fichtner, médico psiquiatra gaúcho (Bossa, 2000). O primeiro registro de um "Curso de Orientação Psicopedagógica" data de 1954. Esse curso foi patrocinado pelo Centro de Pesquisa e Orientação Educacional (CPOE), da Secretaria de Educação e Cultura, e coordenado por Aracy Tabajara e Dorothy Farati. Ao mesmo tempo, criou-se o Departamento de Educação Especial, com o fim de atender às crianças excepcionais (Bossa, 2000).

Na clínica psicopedagógica, o psicopedagogo utiliza-se de técnicas específicas para trabalhar com crianças, adolescentes e adultos que não aprendem, ou apresentam alguma dificuldade no processo ensino-aprendizagem. O modelo de tratamento adotado pela Psicopedagogia é o da Medicina: inicia-se a partir de um sinal (que logo é interpretado como sintoma), passa-se pelo diagnóstico e, por fim, inicia-se o tratamento. Esse percurso, segundo Barros (1999, p.223), esboça "o nascedouro da ilusão na possibilidade de decifrar o aluno para uma eventual 'correção' psicológica". A partir do diagnóstico, o psicopedagogo vai detectar se é um sintoma que se reflete na aprendizagem. Dessa forma, todo episódio ocorrido no interior da escola é apreendido e analisado como problema psicológico privado, ou seja, é do aluno ou da escola.

Bossa (2000) ressalta que a Psicopedagogia constitui uma prática que tem como preocupação a aprendizagem humana e suas dificuldades. Desse modo, ela cria um saber fazer tanto no reconhecimento como na prevenção e tratamento de tais problemas. Reconhecer e prevenir significam detectar o que possa vir a obstruir o processo de aprendizagem. Para isso, cria-se uma metodologia de trabalho que permita evitar qualquer comprometimento desse processo. Nesse caso, a instituição escolar também se torna objeto de análise no que se refere aos modelos didático-metodológicos e à dinâmica institucional. A escola é vista, sobretudo, como instituição doente ou "adoecedora".

Desenvolvendo esse papel, a escola, que é concebida como um lugar público de relações sociais compartilhadas por pessoas que ali estão para sistematizar os conhecimentos construídos por gerações que o antecederam, é transformada em lugar terapêutico "que apela descomedidamente à esfera privada" (Barros, 1999, p.229).

Nesse sentido, lembramos Bautheney (2002, p.220), sobre a posição paradoxal da Psicopedagogia frente ao fracasso escolar. Segundo essa autora, a Psicopedagogia "procura extirpar o fracasso escolar, mas pressupõe sua existência para se constituir". Bautheney (2002) interroga se esse paradoxo não está relacionado à falta de um campo conceitual, bem como ao mascaramento da dimensão política e de seus interesses no âmbito educacional.

Com relação à prática dos psicopedagogos, Bautheney (2002) alerta para o encaminhamento de pacientes para outros profissionais, fato que, segundo ela, aumenta a quantidade de cuidados a que o sujeito é exposto. A autora também analisa que tais cuidados constituem uma ortopedia pedagógica, que serviria para preencher as lacunas do processo educacional, o que redunda na legitimação do fracasso escolar e na transferência da responsabilidade em relação a esse fato do sistema educacional para o sujeito.

A dimensão clínica oferecida pelo curso de Psicopedagogia trouxe para as pedagogas uma nova modalidade de atuação, tanto fora da escola quanto dentro dela, bem como investimentos em novas leituras, criando um hiato cada vez maior entre a sua formação inicial, a Pedagogia, e a sua formação continuada, a Psicopedagogia. Para nós, esse fato tem ocorrido devido à disseminação e à invasão das ideias psicológicas acerca da criança, que têm tomado cada vez mais espaço no campo educacional.

Para alguns autores, tais como Fernández (1990) e Barone (1991), a Psicopedagogia trata do fracasso escolar a partir da articulação entre Psicanálise e Educação, supondo um tipo de sujeito específico, aquele que padece de certo não querer saber, cuja inteligência fica aprisionada, tornando os operadores da inteligência indisponíveis. Segundo Fernández (1990), as dificuldades em relação ao aprender são compreendidas, na Psicopedagogia, como o aprisionamento da aprendizagem por fatores inconscientes. E o resultado disso é da ordem de um acordo interno, no qual o que emerge à consciência é o seu representante, o sintoma. Esse sintoma, segundo a autora, ilude a angústia, por resolver o conflito, mas, ao mesmo, tempo se constitui uma marca dele. Assim, o sintoma alude e ilude o conflito.

Observamos que as vertentes clínicas tratam de questões que estão fora da formação em Pedagogia. O sintoma, por exemplo, diz respeito à perda do desejo de aprender. Nesse sentido, interrogamo-nos se é esta a proposta do Curso de Formação em Pedagogia, isto é, trabalhar com o desejo, tema tratado pela Psicanálise. Observamos também um certo "afrouxamento" nos referenciais teóricos, uma falta de rigor conceitual que tem provocado distorções teóricas e práticas.

 

A distorção conceitual da Psicopedagogia

A importação dos conceitos psicanalíticos para o terreno psicopedagógico ocasionou distorções conceituais e também o surgimento de novas modalidades de atuação entre os pedagogos. Conceitos como sintoma, transferência, entre outros, balizaram a análise dos problemas de aprendizagem por parte dos psicopedagogos e definiu a direção do "tratamento".

Essa observação é importante no sentido de esclarecer que essa conexão da Psicanálise com a Psicopedagogia acarreta uma deformação dos conceitos psicanalíticos, como assinala Voltolini (2002, p.268): "Nesta perspectiva, corre-se o risco de que nada de Psicanálise seja transmitido, já que os conceitos analíticos estão intrinsecamente ligados ao campo da experiência analítica e quando transportados para outro campo já não dizem mais a mesma coisa". À Psicanálise, não é mais possível reconhecê-la.

Em relação ao sintoma, conceito chave na Psicopedagogia, Fernández (apud BOSSA, 2000) afirma que os sintomas histéricos levaram Freud à descoberta do inconsciente e à construção da teoria psicanalítica, e que os sintomas na aprendizagem fizeram surgir a Psicopedagogia, por carecermos de uma psicopatologia da aprendizagem. Nesse sentido, a Psicopedagogia procura isolar o sintoma da aprendizagem e este requer uma "ação especializada". Assim, a autora especializa o sintoma, num modelo de tipologia embasado em aspectos puramente nosográficos, isto é, no modelo eminentemente médico de classificação das doenças.

No entanto, o sintoma em Psicanálise refere-se a algo que é impossível dizer. A sua formação denuncia um limite de significação à qual o sujeito não tem acesso. Um sintoma é uma formação inconsciente que se dá a escutar pela fala daquele que o produz, num espaço específico, que é o da análise, por meio daquilo a que Freud denominou de transferência. A prática atual dos psicopedagogos contraria essa posição ética, tentando, por meio da fenomenologia, por indícios, desvelar as verdades dos sujeitos com quem trabalha, bem como a dos alunos.

A articulação da Psicopedagogia com a Psicanálise traz outras distorções, por exemplo, no que se refere à atuação do psicopedagogo. Vejamos um exemplo disso: em "Fragmento da análise de um caso de histeria", Freud (1905/1998), referindo-se a mudanças no tratamento psicanalítico, assinala que "(...) o trabalho [de análise] partia dos sintomas e visava esclarecê-los um após outro (...) agora deixo que o próprio paciente determine o tema do trabalho cotidiano, e assim parto da superfície que seu inconsciente ofereça (...)".

Esse dispositivo da escuta analítica contraria aquele com o qual a Psicopedagogia conduz o seu trabalho, cuja pauta é o recorte, a priori, de um sintoma, que é identificado a fim de que se possa tratá-lo a partir de um saber, de um conhecimento do psicopedagogo. Este, tributário de um saber sobre o outro, reserva-se o direito de recortar, definir e intervir naquilo que supõe ser um impasse para a criança. Podemos assim dizer que o psicopedagogo, na escola ou na clínica, conduz o tratamento e tem como ponto de partida um saber sobre o outro; enquanto que na Psicanálise, o paciente conduz o tratamento e o psicanalista parte de um não saber sobre o outro.

Em relação aos alunos, especialmente à criança, Barone (1991, p.115) propõe que a prática do psicopedagogo crie um "espaço para revelação do sentido inconsciente das dificuldades de aprendizagem que a criança 'suporta', revelação esta possível porque alicerçada na condição pessoal do psicopedagogo".

Segundo essa autora, a prática do psicopedagogo consiste em:

(...) propor à criança a realização de diferentes tarefas e acompanhá-las na execução, tendo como foco de atenção não a tarefa em si, mas as diferentes reações, como lapsos, hesitações, bloqueios, repetições, sentimentos e angústias, presentes tanto na execução como na verbalização (Barone 1991, p. 115).

A proposta de intervenção tem como objetivo conduzir a criança a "entrar em contato com estas suas reações desconhecidas" (Barone, 1991, p.115). Nesse sentido, a autora recorre a Freud para justificar que todo discurso tem um sentido oculto, e, portanto, desconhecido.

A clínica psicanalítica funda-se, contudo, num paradoxo, conforme afirma Lacan (1972-73/1975, p. 101): "Peço-lhe que recuse o que lhe ofereço, porque não é isso!", o que significa dizer que o sintoma pelo qual um sujeito se apresenta a um outro é sempre da ordem de um enigma e de um engano.

Tal como afirmamos anteriormente, Bossa (2000) ressalta que a Psicopedagogia constitui uma prática que tem como preocupação a aprendizagem humana e suas dificuldades, criando um saber fazer tanto no reconhecimento como na prevenção e no tratamento de tais problemas.

Não se pode deixar de comentar que essa forma preventiva de atuação da Psicopedagogia, além de admitir a priori que, no processo de aprender, ocorre um impasse, como se o processo em si fosse um candidato a cair em sofrimento ou em doença, também se mostra extremamente audaciosa em sua pretensão de impedir que tal padecimento ocorra. Entende-se que o apriorismo da Psicopedagogia se expresse como uma atitude persecutória, pois, além de deixar de lado a interrogação sobre por que, nas últimas décadas, a aprendizagem se tornou uma patologia, confere-lhe ainda esse mesmo estatuto.

Vemos, assim, que se instala, no meio educacional, certo furor psicologizante, em meio ao qual os psicopedagogos se autorizam a adentrar-se no interior dos alunos para encontrar neles um suposto episódio que guarde em si as causas dos problemas que eles supostamente têm. Desse modo, adentrar-se no interior dos alunos constitui um engodo que se sustenta na crença de que se pode saber sobre o outro. Os pedagogos psis afastam-se, portanto, da pesquisa pedagógica, na qual, embasados por autores como Piaget e Vygotsky, reencontrariam o campo da construção do conhecimento, o qual se dá a partir dos conflitos cognitivos.

 

Considerações finais

Com base no exposto, a formação continuada dos professores passa por um redimensionamento que implica práticas que se desdobram no interesse pela matéria psicológica. Mediante esse contexto, o profissional pedagogo busca os programas de Especialização em Psicopedagogia, que vêm propor um entendimento acerca dos enigmas no processo de ensino-aprendizagem, bem como sobre a natureza infantil. À Psicopedagogia o professor tem demandado um saber que lhe esclareça sobre tais questões e lhe dê uma possível solução.

Percebemos, a partir das falas das pedagogas, bem como da literatura pesquisada, além da nossa formação continuada em Psicanálise, que a visão da Psicopedagogia frente aos problemas de aprendizagem apela a certo subjetivismo e a uma visão terapêutica. Em busca da elucidação dos problemas de aprendizagem, o psicopedagogo carrega um cortejo de conhecimentos advindos da Psicanálise, prometendo a compreensão e a resolução dos impasses no aprender. Nesse sentido, pudemos considerar que a Psicopedagogia constrói sua teoria a partir de conceitos psicanalíticos, como sintoma, desejo, transferência, entre outros, e que, nessa articulação teórica, tais conceitos sofrem distorções.

Desse modo, assinalamos a importância de se reverem as conexões entre Psicanálise e Psicopedagogia, pois existe a necessidade de esclarecimentos sobre as especificidades da prática dos profissionais dessas áreas. Participamos da ideia de que a escola tem-se afastado de sua especificidade, que "não é o desenvolvimento de um indivíduo, mas sim sua inserção num mundo composto de riquezas e também repleto de contradições e que apela constantemente por respostas às novas questões que a relação sujeito e meio reinstala" (Barros, 1999, p.221).

Por fim, quanto à Psicopedagogia, ela não proverá a resolução dos problemas de aprendizagem na educação, na medida em que, na atuação do psicopedagogo, está implicada a "demissão" do pedagogo. Este, por sua vez, dá lugar ao clínico, ao terapeuta, renunciando, assim, à educação. Desse modo, entendemos que a escola, instituição legitimamente outorgada pelo social para a transmissão do legado cultural, deva permanecer povoada de educadores. Ser educador está para além de um devir profissional; trata-se de uma posição de saber frente às exigências sociais e humanas de transmissão do legado cultural e de inscrição das novas gerações no mundo humano, permitindo-lhes a ascensão da condição de pertença a este.

Isso diz respeito àquilo que Paulo Freire (1996) apontou como uma experiência na qual se lida com gente, e não com coisas, na qual estão envolvidas a emoção, o desejo, o sonho, a alma. Trata-se de ser sensível ao humano, descoisificando a prática docente e a frieza imposta pela racionalidade excessiva, ao riscar das relações a emoção de estar entre os outros.

Vê-se, portanto, que a injunção da Psicopedagogia é contrária à formação do pedagogo, embora delibere o contrário no discurso. Suas boas intenções são carregadas de um engano nocivo à prática docente. A Psicopedagogia, de um lado, alimenta a dimensão subjetiva da formação e do outro, desenlaça a dimensão do social, tornando a função educativa persecutória, individualizada e sem eco social.

 

Referências Bibliográficas

Barone, L.M.C. (1991). Ramain: uma possibilidade de revelação do sentido inconsciente dos distúrbios de aprendizagem. Em SCOZ, Beatriz et. Al. (org.) Psicopedagogia: contextualização, formação e atuação profissional. (pp 113-115) Porto Alegre, RS: Artes Médicas.         [ Links ]

Barros, L. (1999). À escola o que é da escola: as (im)possibilidades da Psicologia na educação. Em Colóquio do Laboratório de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas e Educacionais sobre a Infância, vol.1, (pp 218-230) São Paulo. Anais, São Paulo,SP: LEPSI USP.         [ Links ]

Bautheney, K.C.S.F. (2002). Clínica psicopedagógica ou psicologização do cotidiano escolar? Delimitando dois campos distintos. Em Psicanálise, Infância, Educação. 2002, São Paulo. Anais (pp 220-225) São Paulo, SP: Lugar de Vida, USP.         [ Links ]

Bossa, N. A. (2000). A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.         [ Links ]

Fernández, A. (1990). A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artes Médicas.         [ Links ]

Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo,SP: Paz e Terra.         [ Links ]

Freire, R. L.(2004). Ao pedagogo o que é do pedagogo e à Educação o efeito de filiação Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFGN): Rio Grande do Norte.         [ Links ]

Freud, S. (1998). Fragmentos da análise de um caso de histeria. Em Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, (v. 7). Edição eletrônica brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro, RJ: Imago. 1 CD-ROM. (Originalmente publicado em 1905).         [ Links ]

Lacan, J. (1971-72). Le savoir du psychanalyste. Paris, Publication hors commerce. Document interne à l'A.L.I.         [ Links ]

Silva, R. de F. (2002). A Entrevista compreensiva. Texto utilizado para discursão no Curso de Procedimentos Metodológicos: objeto, contexto e técnicas de análise I. UFRN. DEPEd. Programa de Pós-Graduação em Educação; com base em tradução livre do livro de Kaufmann, Jean-Claude. L'entretien compeensif. Paris: Nathan, 1996.         [ Links ]

Voltolini, R. (2002). As vicissitudes da transmissão da psicanálise a educadores. Em Psicanálise, Infância, Educação. 2002, São Paulo. (pp 267-272) Anais São Paulo: Lugar de Vida. São Paulo: USP.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 30/09/2013
Aprovado em: 28/12/2013

Creative Commons License