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Trivium - Estudos Interdisciplinares

versión On-line ISSN 2176-4891

Trivium vol.7 no.2 Rio de Janeiro jul./dic. 2015

http://dx.doi.org/10.18379/2176-4891.2015v2p.316 

ARTIGOS LIVRES

 

Reflexões sobre a formação do músico/professor na atualidade

 

Present day reflections on the musician/teacher in training

 

 

Miriam Grosman

(Doctor of Musical Arts): The Catholic University of America em Washigton DC; Mestre em Música UFRJ. Professora do Programa de pós-graduação em Música na linha de Práticas Interpretativas -Escola de Música da UFRJ. Rua Cupertino Durão 105 apt. 302 - Leblon - Rio de Janeiro - RJ CEP 22442-030. Telefones (21) 2540-5852. E-mail: mgrosman@terra.com.br

 

 


RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo traçar um paralelo entre as concepções de Donald Schön, de renomados pianistas, e os cursos de Mestrado e Doutorado acadêmicos do Programa de Pós-graduação da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na linha de pesquisa de Práticas Interpretativas. Baseados neste estudo, consideramos que prática de performance e aquisição de repertório abrangente são requisitos básicos para a competência profissional do músico. Discutimos, ainda, as exigências dos programas acadêmicos daquela instituição e sua pertinência quanto ao perfil do músico/professor de piano na sociedade contemporânea.

Palavras-chave: PIANO; PÓS-GRADUAÇÃO; PERFORMANCE; REPERTÓRIO.


ABSTRACT

This paper aims to draw a parallel between the expertise of Donald Schön, renowned masters and the graduate programs in performance in the Masters and Doctoral Academic Programs of the Federal University of Rio de Janeiro School of Music. Based on this study, we consider skill of performance and acquisition of comprehensive repertoire as basic necessities for the professional competence of the musician. We also discuss the requirements of the academic programs of the aforementioned institution and their pertinence to the musician/piano teacher profile in contemporary society.

Keywords: PIANO; GRADUATION DEGREE; PERFORMANCE; REPERTOIRE.


 

 

O principal objetivo deste trabalho é traçar um paralelo entre as concepções do filósofo e pedagogo Donald Schön, as de consagrados mestres e pianistas, e os cursos do Programa de Pós-graduação em Música com concentração na área de piano da Escola de Música da UFRJ. Considerando que a finalidade desses cursos deve atender à formação mais completa do músico, pianista e professor, pretendemos discutir os princípios que norteiam os programas e os resultados efetivos refletidos nas atividades profissionais dos estudantes. O texto aqui apresentado é resultado parcial da pesquisa "Repertório Pianístico e Competência Profissional", através de material obtido em publicações, focalizando a relevância da aquisição de repertório e sua relação com níveis de performance.

 

 

Como referenciais teóricos, além dos documentos e regulamentos que norteiam as a estrutura dos programas de pós-graduação, as teorias sobre desempenho profissional e aprendizagem de Donald Schön servem de ponto de partida para informações iniciais sobre o tema em discussão. As obras de Dean Elder (1982), Pianists at Play, de David Dubal (1997), Reflections from the Keyboard e de Elyse Mach (1991), Great Contemporary Pianists Speak for Themselves reforçam, sob outro viés, os fundamentos de Schön.

 

Donald Schön: um Breve Olhar

Segundo Cruz (2010, p.53), "Donald Schön fundamenta seu trabalho na teoria da investigação de John Dewey, na qual é enfatizada a aprendizagem através do fazer".

Significa que os conhecimentos devem ser construídos através da prática e não da teoria. É através do fazer, ou seja, da aprendizagem através da ação, que a reflexão pode revelar-se verdadeiramente, e não o oposto.

Donald Schön (1930-1997), influenciado por John Dewey, aprofundou a temática especialmente na formação de profissionais. Além da formação filosófica, era também pianista e clarinetista, atuando como músico camerista e de jazz.

Schön tentou compreender a própria atividade profissional dentro da perspectiva de um saber fazer sólido, teórico e prático, permitindo ao profissional, segundo Isabel Alarcão (1996, p. 13), a reflexão e a atenção na sua atividade.

Observar e vivenciar a prática através da ação, de acordo com Schön (Alarcão, p.13), é o que possibilita a construção do conhecimento. É a metodologia do aprender a fazer, fazendo.

O saber fazer conduz à competência que permite ao indivíduo apossar-se de um conhecimento que nem sempre é capaz de descrever, mas está presente na atuação. É um conhecimento inerente e simultâneo às suas ações. Explora a habilidade profissional sob o prisma da reflexão sobre suas ações e considera que as escolas que formam profissionais devem incluir um forte componente de prática (Alarcão, p.27).

Na sua obra The Reflective Practitioner (1983), Schön critica os critérios de formação profissional baseados em racionalismo técnico, aplicando-se o modelo de ciência aos problemas da prática. Em outra, Educating the Reflective Practitioner (1987), defende que a formação do futuro profissional inclua um forte componente reflexivo através da prática. "É esta, segundo ele, a via possível para um profissional se sentir capaz de enfrentar situações sempre novas e diferentes com que vai se deparar na vida real e de tomar decisões apropriadas nas zonas de indefinição que a caracterizam" (Alarcão, 1996, p.12).

O professor, isto é, aquele que vai formar os futuros profissionais, deve exercer a tarefa de ajudar a aprender, de facilitar a aprendizagem. De acordo com a pedagogia deweyana, Schön afirma que não se pode ensinar ao aluno aquilo que ele vai ter necessidade de saber, mas ajudá-lo a adquirir esse conhecimento.

A competência profissional implica um conhecimento inerente à ação. Deve ser criativo, pessoal e construído. É a prática a fonte de conhecimento através da experimentação e reflexão. Aprender a fazer através do "fazer", assim como o desenvolvimento da sensibilidade criativa, são elementos fundamentais na educação e competência profissional. Schön considera que as escolas que formam profissionais deveriam rever seus currículos e o conceito de epistemologia da prática, incluindo um forte ingrediente de prática.

Aproximando, assim, os alunos do mundo real, isso lhes permitiria aprender a fazer, fazendo. Geralmente, os alunos atuam num "mundo virtual, livre de pressões e riscos" (Alarcão, p. 27), já que a simples aplicação da regra, ou seja, da teoria, é insuficiente.

Através da ação, novos raciocínios, novas maneiras de pensar, de compreender, de agir e de resolver problemas, podem ser desenvolvidos. A prática é, portanto, um campo de experimentação.

 

Relevância da Performance e da Aquisição de Repertório na Formação do Pianista/Professor: a Prática como Fonte de Conhecimento

De acordo com os critérios do grupo de trabalho denominado Polifonia Tuning1, foram identificadas três áreas principais para os graduados em música. Uma primeira categoria seria aquela, por exemplo, de atividades em que a música representa a base principal do trabalho, como o intérprete, o regente, o compositor e o professor de música. Nesta categoria, prevalece, portanto, a prática como fonte de conhecimento, utilizando-se o conceito Shon. Uma segunda categoria incluiria profissionais que têm a música apenas como seu requisito principal, e aqui poderiam estar incluídos o musicólogo, o administrador musical, o musicoterapeuta, o engenheiro de som e o editor de música. Ainda de acordo com o mesmo grupo de trabalho, a terceira categoria poderia ser composta, por exemplo, pelo crítico musical, o apresentador e o fabricante de instrumentos (Smilde, 2008).

Utilizando-nos desse critério, entendemos que o pianista de concerto, o professor de piano, o aluno de piano e futuro pianista profissional e/ou professor deveriam ter, na prática instrumental, a sua principal atividade, embora não a única. Manter uma prática instrumental significa dedicar parte de seu tempo produtivo ao desenvolvimento artístico/musical, especialmente mediante a expansão do repertório e apresentações públicas, possibilitando não apenas a incorporação de novas obras, mas conhecimento e compreensão de diferentes estilos e compositores. A experiência e vivência em performance podem ser consideradas como um campo de experimentação.

Durante meu programa de Doutorado na Benjamin T. Rome School of Music, of The Catholic University of America, em Washington DC (1995-1998), o pianista e professor Dr. Thomas Mastroianni, à época meu orientador, sempre reforçava a necessidade de um repertório abrangente para os pianistas, tanto para aqueles que aspiravam à carreira de concertista, quanto para os que planejavam a atividade docente, ou ambas as coisas, pois uma não exclui a outra, complementam-se. De fato, não há contradição entre ser um pianista de concerto e, ao mesmo tempo, um professor. Além disso, é significativo o número de pianistas de concerto que escolhem a docência em determinado período da vida, tornando-se grandes mestres e orientadores de futuros profissionais, graças ao seu conhecimento e experiência. É essa a filosofia do programa de Doctor of Musical Arts (DMA) em inúmeras instituições norte-americanas de pós-graduação em música. Na Benjamin T. Rome School of Music, além de sete modalidades de recitais públicos, é exigida a execução de uma longa lista de obras a serem estudadas durante o curso, incluindo peças para piano solo, câmara, concertos e acompanhamento. Dessa forma, considera-se que um "doutor" em artes musicais deve demonstrar competência na área para a qual se habilita: na performance e no conhecimento de vasto repertório, ou seja, do saber-fazer, fazendo.

Na linha desse pensamento, é oportuno reiterar ainda a opinião do renomado pianista chileno Claudio Arrau (1903-1991) que, ao comentar a performance de alguns músicos, declarou não acreditar em especialistas. Em sua opinião, é "muito pouco saudável e pouco produtivo, manter e tocar um pequeno repertório por longo tempo" (Elder, 1982, p. 40). Pode ser considerada uma prática pouco produtiva, impedindo o crescimento artístico do indivíduo, através da repetição do que já sabe ou aprendeu. Sem novos desafios, sequer esse material se modifica.

Em outra entrevista, o mesmo pianista ressalta que, quanto melhor tocarmos Beethoven, tanto melhor será, por exemplo, a compreensão e execução de Tchaikovsky. Devemos, como intérpretes, ter a capacidade de mergulhar em diferentes universos e ser capazes de conhecer diferentes estilos (Horowitz, 1982, p. 119-120). A condição fundamental para a competência na performance é a expansão do conhecimento musical através do enriquecimento de repertório e não a concentração no que melhor convém ou se adapta a uma circunstância (Dubal, 1997, p.4).

Referindo-se aos jovens artistas que não se permitem tempo suficiente para desenvolver-se, Claudio Arrau (Mach, 1991, p.8) afirma ainda que jamais serão grandes artistas, pois precisam de uma significativa prática deliberada para amadurecer. Tocar sempre um ou dois programas por 50 ou 60 vezes não pode ser considerado um procedimento saudável. Concertos significam atividade de extrema relevância para o pianista e nunca é uma atividade rotineira, como muitos podem julgar, pois exigem preparação em vários níveis. Além disso, cada apresentação é uma oportunidade para um diagnóstico ao nível artístico e profissional. A partir de cada experiência, o indivíduo pode analisar o resultado do seu trabalho para investir em novos procedimentos. É esse o processo de aprendizagem e crescimento: sem a performance, ele não existe.

O consagrado pianista Vladimir Horowitz (1904-1989) declarou que, mesmo após muito tempo de estudo, dedicava, pelo menos, de duas a três horas desse tempo para a música que nunca havia visto ou tocado antes (Chasins, 1990, p. 307). Um artista do quilate de Horowitz que, mesmo em idade avançada sentia a necessidade de conhecer mais, aumentando dessa forma o repertório e executando novas obras em concertos, pode ser um exemplo para todos aqueles que pretendem atuar com competência, como docente e/ou como intérprete.

Complementando o pensamento dos mencionados artistas, o pianista Youri Egorov (1954-1988) declara que "mesmo após anos de educação, treinamento, estudo e experiência, cada concerto é quase uma nova experiência, relacionada tanto ao ritual físico como psicológico" (Mach, 1991, p. 47, vol. II). Essa visão reforça a posição de que a performance é necessária para a aquisição de experiências que, independentemente de serem bem ou mal sucedidas, servem de ponto de partida para transformações e modificações de comportamento, indispensáveis ao crescimento artístico-profissional. Corroborando o mesmo pensamento, Andrew Evans recomenda que os intérpretes dediquem espaço e tempo às habilidades de apresentação, atividade necessária ao desenvolvimento profissional (Davidson, 2011, p. 122). Costumamos ouvir de músicos experientes que "é no palco que crescemos", o que não deixa de ser um fundamento consistente, pois é na performance que podemos avaliar o nosso nível de desempenho, apresentando-se ocasião para a reflexão da ação, de acordo com as concepções de Donald Schön.

Segundo Neuhaus (1973, p. 20-22), o músico necessita do trabalho intenso, profundo e apaixonado para atingir a excelência. Terá chances de maior sucesso na medida em que se desenvolver continuamente, musical, intelectual e artisticamente através do refinamento e educação do ouvido, aliado a um vasto conhecimento de literatura2. Afirma, por exemplo, que alguém que aprendeu cinco sonatas de Beethoven não é o mesmo que aquele que aprendeu mais de vinte. Complementando-o com as posições de Arrau e Neuhaus, eis que estamos diante do trinômio qualidade/'quantidade/performance, elementos indispensáveis à competência musical. A qualidade está diretamente relacionada à quantidade e quanto maior e mais variado o repertório conhecido e apresentado, maior possibilidade da qualidade artística e profissional.

Vários estudos têm demonstrado que a maneira mais eficiente para alcançar-se a excelência é a prática deliberada. Na música, de acordo com Jane Davidson (2011, p. 116-117), há uma estreita relação entre o sucesso e o número de horas investidas no estudo, o que resultaria em êxito, tanto na aquisição de habilidades técnicas, como na qualidade de interpretação. Seria necessário, segundo Hallam, desenvolver habilidades em nível de estrutura, notação, leitura, audição, técnica, motricidade, expressão e apresentação (Davidson , 2011, p. 120).

O êxito e a habilidade musical são resultado de grande acúmulo de horas de estudo e não apenas resultado de um talento inato (Reid, 2011). Para alcançar os mais altos níveis de excelência musical, o intérprete deve investir, portanto, muito tempo em seu estudo/prática. Sabe-se que a ideia da prática é essencial ao sucesso profissional, mas a quantidade de horas envolvidas é realmente inimaginável. Foi estimado que dez mil horas seriam o mínimo necessário para que o artista inicie a vida profissional. Admite-se também a necessidade de, pelo menos, dez anos de prática para que se obtenha algum resultado eficiente. Na música, segundo Krampe e Ericson, as habilidades adquiridas durante anos de trabalho, devem ser mantidas e aperfeiçoadas através da prática deliberada (Chafin & Lemieux, 2011, p.20), embora o tempo possa variar de acordo com os objetivos profissionais do músico. As investigações dirigidas por Ericsson Krampe e Tesch-Romer (Reid, 2011, p.126-127) sobre a quantidade de estudo, chegaram a algumas conclusões sobre o acúmulo aproximado de horas de trabalho no instrumento. Os resultados indicam diferenças quanto aos melhores intérpretes, aos bons intérpretes e aos futuros professores. Apesar de menos tempo, o futuro professor necessita de um investimento significativo no estudo e no desenvolvimento das práticas interpretativas. De qualquer modo, embora os números estatísticos possam não refletir a realidade de cada indivíduo, certo é que, através da prática, seja ela estimada ou não matematicamente, se alcance o crescimento artístico e profissional.

 

Os Programas de Pós-Graduação da Escola de Música da UFRJ

O Programa de Pós-graduação em Música (stricto sensu) oferecido de forma regular, contínua e gratuita, compreende os cursos acadêmicos de Mestrado e de Doutorado, em níveis independentes e terminais de ensino, qualificação e titulação.

 

 

De acordo com o 1º parágrafo do artigo 2º de seu regulamento, lê-se que "O Mestrado, oferecido pelo Programa na forma de Mestrado Acadêmico, visa à formação científica, cultural e artística ampla e aprofundada na área de Música, tendo por finalidade: I - a capacitação para a docência de graduação"....

No parágrafo 2º do artigo 2º do mesmo texto, lê-se que "O Doutorado constitui-se no mais alto nível da educação superior e é voltado à formação para a pesquisa e ao aprofundamento da formação científica, cultural, artística e profissional na área de Música, tendo por finalidade: I - a capacitação para a docência na graduação e na pós-graduação stricto sensu e lato...".

No artigo 39, lê-se que "O Programa de Pós-Graduação em Música da Escola de Música da UFRJ contemplará as 3 (três) Áreas de Concentração seguintes: I - Processos Criativos; II - Musicologia; III - Educação Musical".

No parágrafo 1º do citado artigo, lê-se que "A formação de Mestrado Acadêmico e Doutorado em Música, na área de concentração Processos Criativos, tem como objetivos desenvolver a capacidade de investigação e discussão do fenômeno musical, bem como habilidades composicionais e interpretativas aprofundadas, proporcionando o desenvolvimento da capacidade de reflexão, discussão e contextualização da produção musical original e tradicional, bem como de sua performance, através de produção artística, pesquisa e produção bibliográfica, incluindo dissertação (Mestrado) ou tese (Doutorado)".

No Artigo 40, estão especificadas as linhas de pesquisa de cada Área de Concentração. "As Práticas Interpretativas e seus Processos Reflexivos" constitui uma das linhas integrantes da área de concentração Processos Criativos.

De acordo com o Edital 2015 para o ingresso ao Mestrado na linha de pesquisa "As Práticas Interpretativas e seus Processos Reflexivos", o candidato deverá submeter-se a uma Prova Dissertativa Geral - sobre questões formuladas pela comissão de avaliação -relacionadas à bibliografia divulgada (três artigos); a uma Prova Dissertativa Específica -dissertação sobre questões formuladas pela comissão de avaliação, versando sobre trechos de artigos científicos, em língua inglesa, relacionados à linha de pesquisa a que o candidato pretende vincular-se; e Defesa de Anteprojeto de Pesquisa - apresentação oral do anteprojeto pelo candidato (até 5 minutos), seguida de arguição da comissão de avaliação (até 15 minutos).

De acordo com o Regulamento, para obtenção do grau de Mestre e/ou Doutor, o estudante deve cursar as disciplinas classificadas em obrigatórias (seminários, estágios, orientações, atividades artísticas e complementares específicas), que se caracterizam por enfocar referenciais teórico-metodológicos e produção artística relacionados a determinada área de concentração; e optativas (tópicos especiais, seminários, orientações adicionais, atividades práticas e complementares em geral), que se caracterizam por enfocar conteúdos específicos vinculados às áreas e linhas de pesquisa em questão.3

Para a linha de Práticas Interpretativas e seus Processos Criativos, não há concentração em alguma subárea, como por exemplo, piano, violino ou canto. Por esse motivo, as ementas têm um caráter geral e abrangente, de modo a contemplar todos os intérpretes [grifo nosso]. As Defesas da Dissertação de Mestrado e da Tese de Doutorado constituem o requisito final e fundamental para a obtenção do grau ao qual o estudante se candidata. É nessa produção que o indivíduo mais investe seu tempo e trabalho, tornando-se um "especialista". Os trabalhos escritos atingem, em sua grande maioria, entre 150 e 200 páginas.

 

Análise dos programas apresentados

Aspectos que chamam a atenção na análise dos programas são a estrutura dos cursos e a elaboração do regulamento. O regulamento da UFRJ é geral, abrangendo todas as áreas de concentração e linhas de pesquisa. Aqui, um pianista deverá cursar as mesmas disciplinas obrigatórias que um regente, violinista ou contrabaixista, cujas ementas são as mesmas para todos os intérpretes, sem especialização. Não se pode considerar essa condição como propulsora do desenvolvimento de habilidades interpretativas aprofundadas. O Departamento de Piano não participa do processo, embora possa haver professores que integrem o quadro docente da Pós-Graduação, existindo um hiato entre a atuação e ensino na Graduação e na Pós-Graduação. O Estágio Docente Supervisionado em um semestre, sem necessidade de conhecimentos pedagógicos prévios e com atuação em uma única e qualquer disciplina de Graduação, não supre nem substitui os conteúdos indispensáveis que o futuro mestre deve adquirir.

Na UFRJ, de acordo com o Edital do processo seletivo 2015, o candidato à linha de Práticas Interpretativas submete-se a uma prova dissertativa sobre uma bibliografia previamente anunciada (leitura de três artigos), uma prova dissertativa específica com texto em inglês e apresentação e defesa perante uma banca examinadora do anteprojeto de pesquisa. Não há necessidade de demonstrar proficiência em áreas consideradas essenciais para a competência na performance e no ensino como, por exemplo, análise musical, história da música e, especialmente, a própria performance.

Durante os cursos, os estudantes não são obrigados a cursar disciplinas de história, literatura de teclado e de piano em diferentes períodos, teoria, pedagogia e seminários específicos sobre estilos e compositores, nem aulas individuais ou em grupo do instrumento em determinado número de semestres. Não há ênfase na performance e no conhecimento de repertório. O indivíduo será pós-graduado em Práticas Interpretativas, sem nenhuma prática de interpretação.

Tomemos como princípio básico os objetivos do ensino na Escola de Música da UFRJ, uma das mais antigas instituições musicais do Brasil. Dentre os objetivos propostos, sobressaem-se a performance e a formação de professores.

A Escola de Música (EM) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é uma instituição de ensino superior mantida pelo governo federal brasileiro e localizada no Rio de Janeiro. Ministra cursos de música desde a musicalização infantil até a pós-graduação. Destina-se ao ensino e à pesquisa, visando principalmente à formação em nível superior, nas atividades de execução, interpretação, criação musical e formação de professores. (http: //pt.wikipedia.org/wiki/EscoladeMúsicadaUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro. Acesso em 2 de maio de 2014).

Entendemos que a Escola de Música da UFRJ, assim como a maioria das Escolas de Música do planeta, tem como objetivo principal a formação do músico em nível superior: execução, interpretação, criação e formação de professores. Consideramos como níveis superiores, os Cursos de Graduação e Pós-Graduação que devem, portanto, fornecer e possibilitar ao músico conhecimentos que contribuam e fortaleçam sua competência na performance e no ensino. Ao terminar o curso de Graduação e liberado das disciplinas básicas obrigatórias, o aluno deveria aprofundar seus conhecimentos musicais através da aquisição de repertório variado e complexo, sem, no entanto, desprezar uma literatura que forneça subsídios concretos à performance. Na realidade, o que ocorre é o oposto: o futuro profissional não é contemplado com a inclusão de performance significativa no curso de Mestrado Acadêmico e com poucas oportunidades desta atividade no Doutorado, embora o regulamento do programa de Pós-Graduação da Escola de Música (UFRJ) estabeleça que os cursos acadêmicos devem proporcionar "o desenvolvimento da capacidade de reflexão, discussão e contextualização da produção musical original e tradicional, bem como de sua performance, através de produção artística", algo praticamente irrelevante para os programas de pós-graduação e alguns órgãos de fomento.

Não defendemos o desprezo pela produção intelectual, mas é indispensável que o Mestre ou Doutor em performance faça jus à titulação, não somente pela qualidade bibliográfica, mas, sobretudo, pela qualidade artística. Dessa forma, o que observamos é a tendência a investir-se menos na aquisição de repertório e prática da performance. Não há tempo para a prática deliberada. O resultado inevitável é o empobrecimento de apresentações públicas, tanto do ponto de vista qualitativo como quantitativo. Exige-se que o estudante dos cursos de pós-graduação na área de Práticas Interpretativas mergulhe mais na reflexão do que na prática propriamente dita, como se fosse possível uma linha divisória entre a teoria e a prática. Concebe-se que o ralo repertório do curso de graduação seja suficiente para a obtenção do grau de Mestre ou Doutor.

 

Considerações finais

Diante do exposto, emergem conclusões que, com certeza, destoam do pensamento da maioria dos grandes mestres citados no início deste trabalho.

O desenvolvimento artístico, indispensável à formação e capacitação dos professores de piano é entendido como uma consequência natural dos processos reflexivos. A experiência dos grandes mestres, no entanto, e a filosofia de Donald Schön apontam também para outros procedimentos. A exemplo de outros programas, é perfeitamente viável e, sobretudo, indispensável, a conciliação entre performance, conhecimento específico, produção bibliográfica, pesquisa e capacitação pedagógica, desde que se estabeleça uma proporcionalidade coerente e necessária à formação do professor/artista.

Após aproximadamente seis anos de "especialização" nos cursos de Mestrado e Doutorado Acadêmicos, além de não ter tido oportunidade de cumprir exigências de um repertório mais abrangente e ampliar o leque de disciplinas que pudessem dar suporte concreto à performance, o indivíduo estará "apto" a candidatar-se a funções docentes em Instituições Superiores de Música e "apto" a formar futuros pianistas, de acordo com o modelo estabelecido. Identificamos, não obstante, uma forte contradição se confrontarmos os critérios implementados nos Cursos Acadêmicos de Pós-Graduação da Escola de Música da UFRJ com o pensamento de consagrados pianistas, professores e pedagogos.

Concluímos este trabalho com a declaração do eminente músico, pianista e pesquisador Paul Badura-Skoda (1927): "...(em) primeiro e último (lugar), eu sou um artistaperformer, e insisto que todas as outras atividades... e apenas (mesmo) a publicação de um livro enorme sobre a interpretação de Bach - tudo isso deva vir em segundo e terceiro lugar. É o meu tempo livre nos fins de semana sem performance" (Mach, 1991 , p.11, vol. II).

 

Notas

1 AEC Polifonia. Erasmus Thematic Network for Music. http: //www.polifonia-tn.org/. Acesso em 25 de outubro de 2014.

2 Literatura musical deve ser entendida como repertório.

3 Regulamento do Programa de Pós-Graduação em Música da EM da UFRJ.

4 Programa de Pós-graduação em Música da UFRJ - Normas Acadêmicas e Administrativas -

Mestrado: 360 horas Seminários I (45 horas semestrais);

Seminários II (45 horas semestrais);

Metodologia da Pesquisa em Música (45 horas semestrais);

Estágio Docente Supervisionado (30 horas semestrais);

Preparação de Exame de Qualificação (15 horas semestrais);

Orientação de Dissertação de Mestrado I (30 horas semestrais).

II- Disciplinas optativas e atividades complementares

Doutorado: Carga horária de 480 horas, seguindo critérios semelhantes aos do Mestrado.

 

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Recebido em: 07/03/2015
Aprovado em: 12/09/2015

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