SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.11 número2Homem moderno e mal-estar na Era da informação: um ensaio à luz da psicanáliseEm trânsito pelo simbólico: o adolescente e a subjetividade em rede índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Trivium - Estudos Interdisciplinares

versão On-line ISSN 2176-4891

Trivium vol.11 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2019

http://dx.doi.org/10.18379/2176-4891.2019v2p.186 

ARTIGOS TEMÁTICOS

 

“Elas não querem ser mães”: algumas reflexões sobre a escolha pela não maternidade na atualidade

 

“They don't want to be mothers”: some reflections on the choice for non-maternity in the present

 

“No quieren ser madres”: algunas reflexiones sobre la elección de la no maternidad hoy

 

 

Thassia Souza Emídio; Thaís Gigek

IProfessora Assistente do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho- UNESP. Doutora em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho- UNESP / E-mail: thassia@assis.unesp.br
IIPsicóloga Graduada pela Unesp, atua no Instituto Sedes Sapientiae. / E-mail: thais.gigek@gmail.com

 

 


RESUMO

Objetivou-se, neste estudo, refletir sobre a experiência da não maternidade como nova possibilidade de escolha para as mulheres na atualidade. A investigação dessas dimensões deu-se a partir de uma pesquisa qualitativa que se utilizou de entrevista semidirigida como instrumento de coleta de dados. Pretendeu-se compreender como essas mulheres percebem a escolha pela não maternidade, como se deu o processo de tomada de decisão, como foi apresentar a escolha para suas famílias e amigos e como pensam em suas perspectivas futuras diante da escolha.

Palavras-chave: NÃO MATERNIDADE; FEMININO; MULHERES.


ABSTRACT

This research aimed to reflect on the experience of non-maternity as a new possibility of choice. The investigation of these dimensions was based on a qualitative research that used semi-directional interview as the instrument of data collection. It was intended to understand how these women perceive the choice for non-maternity, how the decision-making process took place, how to present this choice to their families and friends and how their future prospects think about this choice.

Keywords: NON-MATERNITY; FEMININE; WOMAN.


RESUMEN

El objetivo de este estudio fue reflexionar sobre la experiencia de la no maternidad como una nueva opción para las mujeres de hoy. La investigación de estas dimensiones se basó en una investigación cualitativa que utilizó la entrevista semidirigida como instrumento de recopilación de datos. Se pretendía comprender cómo estas mujeres perciben la elección de la no maternidad, cómo se llevó a cabo el proceso de toma de decisiones, cómo fue presentar esta elección a sus familiares y amigos y cómo sus perspectivas futuras piensan sobre esta elección.

Palabras clave: NO MATERNIDAD; HEMBRA; MUJER.


 

 

Introdução

O cenário atual é marcado por uma diversidade de possibilidades para a vida da mulher, com a inserção desta no mercado de trabalho e uma participação mais ativa na vida pública. Distintos movimentos de mulheres têm levado pesquisadores à reflexão sobre os posicionamentos do feminino na atualidade. Dentre esses posicionamentos, a escolha por não ter filhos vem questionar um lugar socialmente construído para a mulher, o vinculado à maternidade.

Barbosa e Rocha-Coutinho (2012) afirmam que, ao longo do tempo, a conexão estabelecida pela cultura e pela história social entre as características femininas e a função materna levou a uma discriminação de outros percursos femininos. O lugar social e natural da mulher foi totalmente vinculado à experiência da maternidade, o que se relacionava diretamente à vida conjugal e à manutenção do casamento, e afastava as mulheres do mundo do trabalho e da vida pública. Aquelas que, tanto na história quanto na atualidade, buscaram fugir ou rebelar-se ante as normas naturalizadas sobre seus percursos, foram e continuam sendo olhadas com suspeita, caracterizadas como mulheres incompletas, tristes, solitárias e menos femininas.

A partir do movimento feminista e das ideias de liberdade feminina, tem-se uma busca para desvencilhar a identidade da mulher da experiência da maternidade. Para Meyer (2005), foi possível, a partir desse momento histórico e das reflexões trazidas por ele, discutir acerca da visão romanceada que se tinha acerca da maternidade na vida das mulheres, identificando os laços de opressão que se faziam. De modo geral, o feminismo permitiu que se refletisse acerca da mulher e da maternidade em relação às suas implicações sociais e políticas e trouxe ganhos importantes, a saber, possibilitou às mulheres um maior contato com as ambiguidades da maternidade, pois, na medida em que esta foi por muito tempo valorizada e exaltada, não havia espaço nem possibilidades para a reflexão acerca de seus aspectos mais penosos, e trouxe, assim, a possibilidade de uma escolha reflexiva da maternidade.

 

 

Para Badinter (2010), essas mudanças e conquistas vivenciadas a partir do movimento feminista relacionam-se diretamente com a invenção dos métodos contraceptivos, que possibilitaram às mulheres o controle sobre o próprio corpo e a sexualidade, e abriram para elas a possibilidade de escolha de diferentes percursos de vida. A maternidade que exigia da mulher dedicação em tempo integral e que regulava a vida sexual feminina, pode ser repensada em termos do melhor momento em que pode vir a acontecer ou não. A opção pelo controle sobre a fecundidade desvinculou a mulher da obrigação de procriar, estabelecendo assim um diálogo com o desejo pela maternidade e com outros possíveis desejos femininos.

A partir do século XX, as mulheres tiveram a oportunidade de romper com a identidade feminina totalmente vinculada à maternidade, tendo segundo Mansur (2003) acesso à modernidade. Fez-se possível que elas ocupassem um lugar de sujeito de desejo, de forma inteira, e se tornassem atrizes políticas, protagonistas de suas próprias histórias. Apesar dessas conquistas, porém, a autora aponta para as dificuldades enfrentadas pelas mulheres em seus percursos, uma vez que, mesmo com um universo de possibilidades aberto a elas, existia e ainda existe no imaginário social uma idealização da maternidade como um valor pessoal e social.

Nunes (2011) discute que ainda que diversas mudanças no cenário histórico-social tenham sido vividas, o questionamento sobre o desejo feminino e sobre suas relações com a maternidade ainda persiste e continua a cobrar-se, mesmo que silenciosamente, a maternidade como destino intrínseco e natural ao percurso feminino. Nesse sentido, percebe-se que, nas últimas décadas, os valores e as representações acerca da mulher e da maternidade apresentaram grandes mudanças, ao mesmo tempo que questões tradicionais ainda persistem. Badinter (2010) e Barbosa e Rocha-Coutinho (2007) apontam que, na atualidade, há uma expectativa com relação à mulher em que não só se espera que elas trabalhem e tenham percursos individuais, mas que também continuem a ter filhos e dediquem a eles cuidados desmedidos, o que as leva a um cenário de contradições, pois, para elas, cada vez mais o trabalho, os estudos e a vida social representam ideais de realização, desenvolvimento e autonomia.

Badinter (2010, p. 154) expõe que, nesse cenário, a maternidade passa a ser vista também como um problema: "A criança é sinônimo de sacrifícios, de obrigações frustrantes, ou mesmo repugnantes, e talvez de ameaça à estabilidade e felicidade do casal." Os filhos passam então a ser planejados para nascer somente após a conquista das ambições próprias dos adultos, sendo cada vez mais adiados e após seu nascimento terão que dividir seu lugar na vida dos pais com diversos outros planos pessoais deles, uma vez que vivemos em tempos de um ideal individualista exacerbado em que a criança passou a segundo plano e a maternidade se torna cada vez mais adiada ou deixada de lado.

Barbosa e Rocha-Coutinho (2007) colocam que o adiamento da maternidade tem sido uma atitude comum entre as mulheres com carreira profissional uma vez que os melhores anos para a consolidação da carreira profissional coincidem com os melhores anos para que elas tenham filhos, o potencial de trabalho e o potencial biológico tem seu ápice no mesmo período e muitas mulheres são colocadas diante do dilema da escolha. As autoras ainda apontam que alguns projetos de maternidade são abandonados por conta de um adiamento de longo prazo, segundo o qual, quando a carreira se consolida e o desejo de ser mãe passa a ser levantado, esses projetos não coincidem mais com o tempo biológico da mulher e ela não pode mais ter filhos, por conta da menopausa ou mesmo de dificuldades para engravidar, por conta da idade.

Fidelis e Mosmann (2013), ao se debruçarem sobre o fenômeno da não maternidade apontam que o número de casais com filho sofreu uma redução no Brasil. As autoras colocam que, nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE (2011), o número de casais com filhos em 10 anos sofreu uma queda de 7,7%, passando de 55% da população, para 47,3%. A taxa de natalidade também sofreu alterações, segundo os dados. Em 2009, a média nacional era de 15,8 nascimentos para cada 100 mil habitantes. A taxa de fecundidade da mulher brasileira é 2,3 filhos por mulher, abaixo da média mundial, que é 2,6, de acordo com indicadores do IBGE de 2011. Esses dados, se comparados à década de 1960, apresentam um evidente descenso, uma vez que, naquele então, a taxa de fecundidade era de 6,3 filhos por mulher. Pensando nos dados demográficos apresentados e na discussão desenvolvida pelas referidas autoras, pode-se considerar que o número de mulheres sem filhos tem crescido, o que nos aponta para um aumento da escolha pela não maternidade, apresentando a relevância do desenvolvimento de estudos sobre o tema.

Segundo autores como Mansur (2003), Badinter (2010) e Scavone (2001), a maior parte dos estudos desenvolvidos sobre o tema, baseia suas reflexões em um olhar individual sobre a mulher, considerando a escolha pela não maternidade algo que se dá individualmente, ligado a problemas pessoais, traumas relacionados à maternagem recebida, sendo quase sempre atrelados a perturbações psicológicas, e o repertório de investigação baseado em uma análise das relações com as figuras maternas, da negação da feminilidade, da baixa autoestima, de posturas narcísicas e depressivas. Não se atenta a quanto esse movimento se liga a um posicionamento das mulheres na atualidade, diante das transformações do feminino, do olhar para a maternidade e de como estas se relacionam com os imperativos sociais que ao longo do tempo sempre influenciaram as vivências do feminino e da maternidade.

Nesse sentido, as referidas autoras afirmam a importância de, ao se debruçar sobre essa temática, atentar aos atravessamentos dos imperativos sociais, uma vez que a compreensão da escolha pela não maternidade requer a reflexão acerca dos papéis femininos tradicionalmente construídos e dos atuais ideais femininos e de maternidade, como a revisão do mito do instinto e do amor materno.

Nesse sentido, o presente estudo objetivou debruçar-se sobre o movimento de mulheres que escolhem não ter filhos, em busca de compreender o que as levou a essa escolha, como a vivenciam na atualidade e quais são suas perspectivas para o futuro a partir dessa experiência, buscando ouvir os diversos sentidos que a escolha apresenta e como esta dialoga com os ideais construídos sobre o ser mulher/mãe na atualidade.

 

Método

Participantes

Trata-se de uma pesquisa qualitativa descritivo-explicativa em que se buscou compreender o movimento de mulheres que optaram pela não maternidade. Foram realizadas entrevistas com seis mulheres, na faixa etária dos 30 aos 55 anos, que colocavam a não maternidade como uma escolha assumida. Nesse sentido, trabalhou-se com mulheres que afirmaram ter optado por uma vida sem filhos e não com aquelas que apresentaram problemas de fertilidade, dificuldades para engravidar ou qualquer outra questão impeditiva da maternidade, que as levassem a não ter filhos. Os critérios de exclusão foram a idade e a impossibilidade de vivenciar a maternidade por algum problema biológico. A delimitação da faixa etária considerou o tempo biológico relacionado à possibilidade de ter filhos e também a compreensão de que a opção pela não maternidade é um fenômeno mais fortemente apresentado por mulheres a partir dos 30 anos (Mansur,2003). As entrevistadas foram nomeadas com nomes fictícios, escolhidos por elas após a entrevista. São elas: Rosa tem 35 anos, possui segundo grau completo e trabalha como cabeleireira; ela é casada e seu marido já possui filhos e netos a partir de um casamento anterior. Iara tem 43 anos, possui ensino superior completo e é administradora de um salão de cabeleireiro; já foi casada e relata que esta união aconteceu de modo tradicional, mas que essa não era sua vontade, assim, após pouco tempo de casamento ela se divorciou. Cristal tem 36 anos e é professora universitária, tem ensino superior completo; ela relata ter tido alguns namorados e que, no momento, tem uma união estável. Maria Cecília relata já ter sido casada e ter-se separado, ela tem 50 anos, segundo grau completo e trabalhava como telefonista. Maria tem 52 anos, possui pós-graduação e trabalha como assessora de departamento em uma universidade pública. Joana é psicóloga e possui duas graduações, em psicologia e em pedagogia, ela tem 50 anos e vive com um companheiro.

 

Instrumentos e procedimentos

Como instrumento de coleta de dados utilizou-se a entrevista semidirigida. Foi elaborado um roteiro prévio com questões sobre como estas mulheres percebem a escolha pela não maternidade, como foi tomar essa decisão e realizar essa escolha, como pensam em ser mulher para além da maternidade, como foi apresentar sua escolha para seus familiares, amigos e colegas de trabalho, como elas sentiram a reação dessas pessoas próximas e, por fim, sobre as perspectivas futuras diante da escolha. O contato com as entrevistadas deu-se a partir de indicação e conveniência em participar da pesquisa. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências e Letras de Assis (CAAE:42633315.4.0000.5401) e, antes da realização das entrevistas, foi apresentado às entrevistadas o Termo de Consentimento Livre-Esclarecido. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas de forma fidedigna.

Análise dos Dados

A análise dos dados buscou articular o material colhido com o material científico disponível. Pretendeu-se traçar uma interlocução entre a fala das entrevistadas e as discussões sobre as transformações do feminino e da maternidade na sociedade com a escolha pela não maternidade. Segundo Minayo e Gomes (2008), a análise dos dados em pesquisa qualitativa vai além da mera classificação dos dados obtidos nas entrevistas, é preciso buscar, através de uma escuta atenta dos símbolos, o que a fala dos entrevistados apresenta e os códigos sociais contidos nos relatos. Dessa forma, investigou-se nos relatos dessas mulheres o sentido dessa escolha e buscou-se articular com as discussões e reflexões teóricas sobre as transformações históricas sobre o papel da mulher e seus atuais posicionamentos sociais.

Os relatos das entrevistas foram lidos de forma atenta, buscando-se evidenciar os sentidos trazidos pelas mulheres que traziam uma contribuição original para a compreensão desse movimento de mulheres que escolhem pela não maternidade. Investigaram-se nos relatos os sentidos atribuídos a esta escolha, articulando-os às discussões e reflexões desenvolvidas sobre as transformações sociais do papel da mulher e do lugar da maternidade na atualidade. Para melhor organização da pesquisa e da análise dos dados, a partir dos conteúdos que foram salientados pelas entrevistadas, foram construídas quatro categorias de análise: 1) O feminino e a maternidade: confrontos de uma escolha de uma escolha; 2)A família e suas ressonâncias na não maternidade; 3) O processo de tomada de decisão: acontecimento ou escolha? 4) O futuro pensado por não mães.

 

Resultados e Discussões

1) O feminino e a maternidade: confrontamentos de uma escolha

Ao serem realizados os primeiros contatos com mulheres a fim de que fossem entrevistadas para a pesquisa, algo relevante chamou a atenção. Algumas, quando da realização do contato, recusaram de imediato, outras titubeavam em participar ou, após algum tempo de contato, desistiram ou não compareceram a entrevista. Algumas mulheres tiveram, ainda, dificuldades em expressar-se no momento da entrevista, de modo que os contatos iniciais, nesses casos, mostraram-se mais ricos para a pesquisa do que a própria entrevista. Em relação às mulheres que compareceram, percebe-se que o momento da entrevista foi muitas vezes angustiante para elas. Tanto nas que se recusaram, como nas que participaram das entrevistas, percebeu-se uma dificuldade relacionada a se falar de algo que não segue os padrões estabelecidos em nossa sociedade.

Ao serem questionadas sobre a escolha pela não maternidade, pode-se perceber que dita escolha possui diferentes dimensões na vida das mulheres e que é permeada por ambivalências e angústias, mesmo nas mulheres que se dizem convictas de suas escolhas. Algumas mulheres fizeram essa escolha como um posicionamento próprio a que dão sentido e significado, ainda que tenham relatado que a decisão aconteceu mais como um processo, e outras fizeram a escolha de forma passiva, como uma escolha que nunca foi "feita". Assim, os sentidos dados a essas trajetórias de vida são singulares e múltiplos para cada mulher, assim como falam todas de algo comum entre elas.

Para Rosa, Iara e Cristal, a maternidade nunca foi parte de seus planos e sonhos. Maria relata que não pensava nisso e que acabou ficando tarde demais para ser mãe e Maria Cecília expõe que, em dado momento, até pensou em ser mãe a partir da adoção, mas não em "dar à luz". Cristal aponta ainda que há um algo a mais a que se tem que dar atenção quando o assunto é a escolha pela não maternidade, a saber, a questão do desejo pela maternidade, algo que nunca esteve presente em sua vida.

Nesse sentido, as entrevistadas, ao falarem de sua escolha pela não maternidade, fizeram-no em oposição à maternidade. Ao serem questionadas pelo porquê de terem escolhido não ter filhos, apresentaram os lados penosos e indesejáveis da maternidade, como a insegurança e as dificuldades que acreditavam ter de enfrentar diante dos ideais e representações sobre o que é ser mãe e do lugar do filho na vida da mulher. A maternidade aparece no discurso das entrevistadas como algo que impede a autonomia e a liberdade feminina, como um empecilho para a realização da mulher, mas, ao mesmo tempo, apresentase, em todos os relatos, como a única via para que uma mulher se sinta completa.

O fato de todas as entrevistadas trazerem em seus relatos a questão de serem mulheres completas somente se se tornam mães, levou-nos a questioná-las pelo porquê dessa afirmação e de como se sentiam diante dessa escolha que implicava a negação de um lugar de completude e de reconhecimento social como tal. As entrevistadas disseram considerar que a sociedade compreende a maternidade na vida da mulher como uma obrigação e que colocam aquelas que não obedecem a essa obrigação como marginais na sociedade. Apontam também sobre um questionamento constante que se fazem sobre o ser mulher diante dessa experiência da não maternidade, fazendo ver como, nesta escolha, o feminino e a maternidade se confrontam.

Me incomoda ver a forma como a sociedade trata a questão da maternidade, porque ela vira uma obrigação social em que você, pra ser uma mulher completa, como se isso existisse, né? A completude de um ser humano... Mas, você pra ser uma pessoa completa, uma mulher completa, você precisa ter filhos e aí você tem porque todo mundo tem, porque existe uma pressão social, porque sua mãe quer ser avó, seu pai quer ser avô e tudo isso[...] (Cristal)

Então eu tinha já essa coisa, que eu queria ser todo tipo de mulher! Amante, mãe, irmã, prima, vizinha. O diabo a quatro. Completa. Queria ser a mulher completa. E hoje eu não sei o que é ser mulher completa. Eu fui semicompleta, né? Porque eu não fui mãe. Mas não me faz falta. Acho que não faz. (Maria Cecília)

Os relatos das entrevistadas coadunam com as reflexões desenvolvidas por Badinter (2010) acerca do lugar da maternidade no imaginário social. A identidade feminina foi construída atrelada à maternidade, tão enraizada no imaginário social de que todas as mulheres devem desejar ser mãe, que o não desejo pela maternidade ainda é olhado com estranhamento levando estas mulheres a viverem suas experiências de forma marginal. Tal acepção se apresenta claramente no discurso das entrevistadas, uma vez que elas concordam com a vinculação completude-maternidade e dizem sentir-se incompletas diante da escolha que fizeram.

Além das dificuldades com os filhos e o lugar da mulher na sociedade, as entrevistadas falaram da maternidade como algo que reforça a desigualdade existente entre os papéis sociais de homens e mulheres. Mencionaram quanto os cuidados com os filhos recaem sobre a mulher e quanto essa função exige muitos sacrifícios na vida das mulheres.

Ela aguenta o parto, ela aguenta os cuidados com os filhos, ela trabalha fora, ela corre pra lá, ela corre pra cá, arruma as coisas em casa, né? Quando não é ela que paga todas as contas. Que corre atrás de tudo. (Joana)

Ressalta-se, ainda, que as entrevistadas percebem a maternidade de um modo idealizado e repleto de responsabilidades, principalmente em relação à mãe, deixando transparecer os atravessamentos sociais e culturais que compõem a representação que possuem de maternidade. Assim, pode-se notar uma grande ambivalência e conflito no relato das mulheres entrevistadas em relação ao papel da mulher perante a maternidade. Em seus relatos a maternidade, aparece como algo a ser exercido por uma mulher que tenha "perfil" para essa função e parte desse perfil relaciona-se com a disponibilidade para a divisão do tempo, para a reorganização da vida, para ceder em vários de seus próprios desejos, o que não é desejado por elas, por mais que ocupem seus discursos com o que uma boa mãe deveria fazer.

Essas mulheres, apesar de se posicionarem como resistentes à associação automática socialmente construída entre ser mulher e ser mãe, cedem aos imperativos sociais onde sustentam suas afirmações no discurso do que seria uma boa mãe, no que uma boa mãe deveria fazer, afirmando, então, o que se construiu socialmente sobre a função materna e que ocupa muitos dos conflitos vivenciados por mães na experiência da maternidade. Percebe-se, portanto, que mesmo num movimento que se acredita de resistência aos imperativos sociais, um posicionamento da mulher empoderada de seu desejo, a ideia de amor materno vinculada à identidade feminina aparece de forma enraizada, imputando nessas mulheres certa culpa ou receio de falar sobre o assunto e sem permitir-lhes questionar tantas exigências sociais e familiares que se fazem à mulher na atualidade. As mulheres entrevistadas sentem-se receosas diante do assunto, colocam-se como incompletas e reafirmam os ideais sociais relacionados ao que seria uma boa mãe.

2) A família e suas ressonâncias na escolha pela não maternidade

Algumas das entrevistadas trouxeram em suas falas, mesmo sem que se lhes fizesse uma pergunta direcionada a essas questões, a influência da maternidade percebida por elas na vida de outras mulheres e da exercida pelas suas mães em suas próprias vidas. Joana conta que sua mãe teve uma vida de sacrifício pelos filhos e que esses se tornaram "ingratos" à sua dedicação. Assim, ela vê a maternidade de um modo negativo, ainda que aponte que a questão de seu não desejo pela maternidade tenha outras dimensões. Iara relata que a relação de dependência que tem com sua mãe também a angustia, ao mesmo tempo em que relata acreditar em relações como a delas. Cristal diz que a visão que teve de maternidade pela sua mãe tampouco a fez pensar em ser mãe, ainda que sua irmã tenha expressado o desejo pela maternidade. Maria Cecília acredita ter um trauma em relação ao momento em que foi gestada e possivelmente rejeitada por sua mãe biológica, ainda que tenha sido criada como uma "princesa" pelos seus pais adotivos.

Eu acho, vendo agora um pouco de longe, com mais tempo, assim, que essa opção por não ser mãe decorre de questões familiares também, né? De observar a minha mãe sendo mãe e falar não quero ser mãe. É, me incomodava muito, incomoda um pouco, das mães terem sempre aquele papel da vítima, né? (Cristal)

Evidencia-se, então, que há algo da vida familiar, da relação com a própria mãe, que engancha e compõe a representação de maternidade, de possibilidades de percurso feminino e o desejo e o não desejo por filhos. A mulher tem a mãe como primeiro objeto de amor e vivencia as primeiras experiências em relação ao "ser mulher" e "ser mãe" com ela também. Nesse sentido, percebe-se que a concepção de maternidade recebida e construída teve ressonâncias no modo como elas se posicionaram perante a maternidade.

Percebe-se que a maternidade para ser exercida, no sentido apresentado, exige que a mulher abdique de seus ideais individuais em prol dos filhos. Assim, há uma representação de maternidade que retiraria a individualidade, a liberdade e a autonomia das mulheres entrevistadas. Neste sentido, Iara, Joana, Rosa e Cristal relatam preferir seus ideais a doar-se a outro, a um filho, e expõem acreditar que esta é uma posição mais egoísta. A partir disso, Cristal traz para reflexão a diferença entre o percurso da mulher com filhos e da mulher sem filhos a partir das responsabilidades da mulher perante a função materna.

E eu acho que a mulher que não tem filho, eu acho que, ela tem talvez mais liberdade de fazer o que ela quer. Óbvio não é assim que a mãe que não tem filho, a mulher que não tem filho faz o que ela quer, também não é assim. Mas existe uma liberdade maior mesmo. Pra além da maternidade, eu acho que tem, que tem vários caminhos mesmo, os vários caminhos que pode ser percorridos por essas mulheres, né? (Cristal)

Ainda, é presente nas entrevistas que a mulher sem filhos teria mais possibilidades de conservar sua feminilidade. Para Iara "ser mãe" não possibilita à mulher a feminilidade, sendo que a maternidade aparece como uma tarefa desfeminilizante. Percebe-se que "ser mulher" e "ser mãe" são realidades separadas para ela e não há possibilidade de articulação.

É mulher e mãe, não cabem no mesmo lugar entendeu? É, apesar de feita pra isso e algumas conseguirem, eu acho que as duas juntas, que num cabe. [...] Então, é, eu acho que, a maternidade atrapalha um pouco o lado da mulher, na questão da feminilidade, do ser mulher mesmo, daquela, é, da história do se cuidar, do que a gente conhece e aí onde as coisas tomaram linhas diferentes, onde a mulher buscou, é, a, a liberdade, poder conquistar as conquistas, poder ir atrás de tudo e o lado mãe acaba sendo meio que embutido porque a mulher que era mãe teve que se esconder pra nascer a mulher cheia de objetivo de conquistas de lutas, né? Então, uma encobre a outra, é muito estranho. (Iara)

Os relatos de Cristal e Iara, apesar de também evidenciarem conflitos e ambiguidades com relação a maternidade, trazem uma discussão sobre a associação que se faz entre ser mulher e ser mãe, as duas entrevistadas apontam para uma dicotomia entre essas funções, em que o "ser mulher" implica liberdade, autonomia, autocuidado e uma ideia de "feminilidade", ao passo que o "ser mãe" se apresenta em seu oposto, como uma perda da liberdade, da autonomia e da potência de ser mulher, traduzida pela ideia de "feminilidade". As entrevistadas ainda trazem, em suas falas, a presença da valorização das conquistas femininas na sociedade e a maternidade como algo que encobriria essas conquistas, algo que despotencializasse a mulher em sua experiência de "ser mulher".

A maternidade não tem lugar na vida dessas mulheres, sendo que se relaciona a questões tradicionais e o "ser mulher" a questões individualistas e ideais contemporâneos. Essas questões aparecem ao mesmo tempo que se diz que "ser mulher" é "ser mãe", como já apontado, demonstrando a dificuldade e conflitualidade da questão.

3) O processo de tomada de decisão: acontecimento ou escolha?

Acerca do processo de tomada de decisão, há aquelas que não conseguem apontar que, em algum momento, houve uma escolha acerca da maternidade em sua vida. Elas falam da trajetória que as levou a essa experiência, de outros ideais que possuem e de dimensões religiosas, apontando para a dificuldade de assumir um desejo ou não desejo em relação à maternidade e de romper com uma norma estabelecida durante séculos e ainda enraizada no que se espera da vida da mulher. Neste sentido, a princípio, Iara também relata que a escolha não foi uma decisão e sim uma trajetória.

Foi, foi na verdade, não foi uma decisão. Não foi assim que 'eu decidi não ter filho', não, eu fui adiando e consecutivamente isso aconteceu. Então assim, eu não tinha o sonho de ser mãe. Então, a partir do momento que você não tem o sonho de ser mãe, você começa a adiar, né? É, e o tempo vai passando e ninguém exigiu de mim isso, ali não. (Iara)

Ainda, Iara expõe que decidiu mesmo depois de se divorciar e com o fim de seu período fértil. Naquele momento, relata que teve um pouco mais de pressão para ser mãe, mas que preferia não ter filhos e não "perder o controle". Cristal diz que a não maternidade nunca foi de fato uma escolha, mas que perante as escolhas e desejos que tinha, a maternidade foi deixada de lado em seus planos. Rosa diz que o marido sempre quis que eles tivessem filhos e que ela "enrolava", sendo que depois dos seus trinta anos eles conversaram e ela tomou mesmo a decisão de não ser mãe. Já Joana relata que sua decisão se tornou mais convicta quando percebeu que a maternidade é uma cobrança social na vida da mulher.

Percebe-se que há um momento em que algumas mulheres, a partir do delineamento de suas trajetórias, se posicionam em relação à escolha e ao desejo ou não desejo da maternidade. Para muitas delas, esse posicionamento está relacionado ao fim do período fértil, ao seu relacionamento com seus parceiros e às pressões familiares e sociais. Nota-se, também, que há uma dificuldade em assumir de fato esse desejo ou não desejo, como apontado, sendo que a maternidade e a escolha pela não maternidade são permeadas e atravessadas por diferentes aspectos na vida dessas mulheres que se relacionam ou não com a possibilidade de assumir esta escolha. Deste modo, a ambivalência em relação à escolha e a esse destino se torna presente, muitas vezes, tendo conotação de padecimento e sofrimento perante sua escolha e, em outras vezes, tem conotação de liberdade e autonomia, como para Joana e Cristal.

Então, eu acho que essa minha escolha de não ser mãe, me favoreceu. Me favorece como mulher e como pessoa! (Joana)

Iara e Maria relatam acreditar que não tiveram filhos porque não era o destino delas, trazendo uma conotação religiosa para a questão. Maria Cecília ainda apresenta essa questão articulada com a culpa por algo que possa ter feito em seu passado e que o não ter filhos estaria relacionado a um castigo perante seus erros.

Então assim, eu acho que... Não sei se é dom, ou 'tá escrito, sei lá, se... Esse negócio igual essa novela, Além do Tempo, né, que você resgata coisas do passado, se for verdade, pra quem acredita nessa oportunidade, então de repente eu 'tô resgatando lá atrás, tô pagando né? Eu não sou mãe hoje porque lá atrás já fiz alguma... Vai saber. (Maria Cecília)

Nesse sentido, percebe-se que a não maternidade é vivida por cada uma dessas mulheres de um modo particular, sendo percebida por algumas como destino não desejável do qual é necessária uma justificativa psicológica, biológica ou religiosa. As ideias de destino, de culpa ou de castigo coadunam com as discussões de Badinter (2010) quando aponta que mesmo que seja possível que, no cenário contemporâneo, as mulheres tracem seus próprios percursos, ainda se espera que elas ocupem o lugar da maternidade e esse lugar ainda está enraizado como lugar de reconhecimento social para as mulheres. Aquelas que escolhem não ter filhos, devem justificar-se perante a sociedade, buscando explicações para sua trajetória e por não responderem às expectativas. Nesse sentido, percebemos que a não maternidade passa a ocupar um lugar de mistério, obscuridade, dúvida, e apresenta nuances de que a livre escolha das mulheres ainda é permeada por preconceitos e estereótipos que visam controlar seus desejos e reenquadrar a mulher na função valorizada que é maternidade.

4) Futuro pensado por não mães

Uma vez que a vida da mulher na sociedade foi delimitada e regida pela maternidade, o escolher não ter filhos traz ressonâncias em relação ao modo como essas mulheres concebem suas experiências de vida no tempo. Em relação ao passado, presente e futuro, diante dessa escolha, algumas questões aparecem no discurso das entrevistadas. Sobre o passado, elas apontam constantemente para os acontecimentos que as levaram a seguir esta trajetória; o presente é vivido de maneira confortável e com satisfação em relação à escolha, ainda que dúvidas se apresentem como discutido ao longo do texto; já o futuro traz para todas elas o medo de uma possível solidão.

Em relação ao modo como percebem sua decisão no passado, elas relatam que não mudariam suas escolhas. Joana diz que no seu passado conseguiu fazer diferente do que é imposto às mulheres e que, assim, fez o que desejava. Diz sentir-se realizada com essa escolha.

Sobre o presente, Cristal acredita ter feito a melhor opção e relata ser importante para o futuro ter relações de mais companheirismo, com pessoas que tenham coisas afins. Já Rosa relata ter medo de ficar sozinha no futuro, mas que um filho não seria a promessa de uma velhice sem solidão e que, assim, seus planos de futuro estão relacionados ao trabalho e a viagens. É notável que o medo em relação ao futuro e à solidão se fazem presentes em todas as entrevistas. Cada mulher buscou compreendê-lo e posicionou-se de modos diferentes em relação a ele, todas relatam, porém, que perceberam que ter um filho em busca de uma velhice acompanhada, não significava, de fato, a consecução do almejado desfecho.

Cristal relata que vê mulheres mais velhas que fizeram essa opção e não se arrependeram da escolha, ao viverem sua vida de outras formas, para além do imposto socialmente às mulheres. Nesse sentido, ela aponta que há uma representação de mulher sem filhos como alguém infeliz e sozinha, mas que na realidade elas podem ter outras vidas.

Eu conheço várias mulheres que não quiseram ter filhos e que hoje em dia são pessoas de 50 anos e que tão aí, tão bem, tão realizadas e não ficam chorando. Isso é o mais legal, eu acho que tem uma imagem de que a mulher, de que depois ela vai se arrepender, vai se sentir sozinha e eu vejo o contrário. Essas mulheres que resolveram não ter filhos, agora com 50 e poucos anos, elas tão bem, elas não se arrependeram de não ter filho. Elas viajam, elas têm os namorados delas. Então elas, tem, elas fazem coisas. Eu não vejo assim como uma grande, um grande lamento. Entende, dá a impressão que ela vai se arrepender de fato. (Cristal)

Ao retomarem seus percursos e escolhas no tempo, as entrevistadas apresentam os temores e dificuldades vivenciadas ao longo de todo o percurso de vida e apontam para o futuro como algo que lhes apresenta o temor da solidão, mas que não faz com que se arrependam da trajetória construída. Afirmam como as dificuldades encontradas se relacionam à construção social que encarou a maternidade como um valor pessoal e social de reconhecimento de pertencimento à sociedade, o que muitas vezes impossibilita que as mulheres vivam diferentes destinos e construam trajetórias que se relacionam ao próprio desejo que vai para além a experiência da maternidade.

Joana, em seu relato, aponta para a diversidade de destinos femininos e a importância de se olhar e valorizar o desejo feminino e suas manifestações e, assim, de descontruir esse lugar da permanente associação entre "ser mulher" e "ser mãe".

Porque eu acho que ainda 'tá muito... Implícito que uma mulher vem pro mundo pra gerar. Ainda 'tá... Isso é bem assim... Em todos os aspectos isso é colocado, né? Na mídia... Que é ser mãe! Se você... [...] Passa a ser valorizada, é de uma outra forma. 'Cê é vista de uma outra forma. Como papel da mulher na sociedade é de procriar, ainda... É... É difícil pra própria mulher aceitar. Parece que sente um pouco de culpa de colocar outras coisas em primeiro lugar. Eu não sei. (Joana)

E assim, a gente não é "MULHER"! Cada uma é uma. Se respeitar quem quer ser mãe, respeitar quem não quer ser mãe. (Joana)

Assim, a partir das vozes dessas seis mulheres entrevistadas, pode-se perceber que há uma diversidade de atravessamentos que compõem a escolha singular de cada mulher e que essa escolha está permeada por uma multiplicidade de sentidos e ressonâncias próprias na vida de cada uma. Elas nos falam de um coletivo que ecoa por traz de cada entrevista, o qual nos aponta um lugar construído para a mulher na sociedade e as dificuldades de ampliar o olhar para o desejo feminino e suas manifestações.

 

Considerações Finais

Ao longo deste trabalho, pode-se perceber como a maternidade permeou e delimitou o percurso feminino e como essas questões continuam a influenciar a vida das mulheres. Assim, a possibilidade de escolha das mulheres acerca da maternidade contextualiza-se em um momento específico em que o percurso feminino possui diferentes dimensões do já vivido e que dão abertura a diferentes destinos.

Considera-se, então, que apesar de as mulheres entrevistadas terem a não maternidade como escolha assumida socialmente, a ambivalência expressa em seus discursos sobre suas escolhas demonstra que destino feminino e maternidade não são mais sinônimos, mas que os atravessamentos acerca do "dever" da mulher em relação à maternidade continuam a fazer-se presentes, inclusive entre essas mulheres.

Percebe-se que os antigos papéis de mãe e esposa fazem-se presentes na vida dessas mulheres e expressam-se de diferentes maneiras para cada uma delas. A dificuldade em assumir suas escolhas fala-nos dos atravessamentos e do enraizamento que a maternidade como um valor pessoal e social ainda possui na vida delas.

Nas entrevistas realizadas, foi possível destacar que a não maternidade é uma escolha repleta de ambiguidades e de desejos e não desejos. As diferentes possibilidades de investimento abertas às mulheres recentemente podem ou não influenciar que maternidade e o "ser mãe" figurem como algo não desejável, assim como outros destinos possam parecer mais desejáveis e incompatíveis com a maternidade em suas vidas.

Essa escolha fala-nos que há diferentes possibilidades para além da maternidade na vida das mulheres e que "ser mãe" perdeu sua centralidade no percurso feminino. A experiência da não maternidade expressa o atual conflito entre os ideais tradicionais de maternidade ainda existentes e aqueles de destino feminino, que se têm renovado, como destoantes uns dos outros, a exigir silenciosamente que as mulheres cumpram com uma infinidade de imposições sociais.

Para essas mulheres, outros ideais de vida colocaram-se de modo mais intenso do que os socialmente delineados, ainda que as dúvidas acerca dessa escolha e desse desejo ou não desejo estejam constantemente presentes. Assim, o "ser mulher" da atualidade aparece nos discursos relacionado à satisfação própria, à individualidade, à autonomia e à liberdade.

Ainda assim, é notável uma dificuldade em conceber um caminho e um destino próprio "para além da maternidade", que significa romper com a norma social que atravessou o percurso feminino durante os últimos séculos. Apresenta-se, portanto, como algo relevante, refletir sobre a importância da aceitação das diferentes escolhas femininas em suas complexidades e singularidades, sem que delas se exija o enquadramento nas normas sociais padronizadas, a fim de abrir-se a perspectiva para a diversidade que compõe o desejo humano e suas possibilidades de realização nos diferentes contextos históricos e sociais.

 

Referências

Badinter, E. (1986). Um amor conquistado: o mito do amor materno, Rio de Janeiro: Nova Fronteira.         [ Links ]

________. (2010). O conflito: a mulher e a mãe, Rio de Janeiro: Editora Record.         [ Links ]

Barbosa P. Z; Rocha-Coutinho M. L.(2007). Maternidade: Novas possibilidades, antigas visões. Psic. Clin., Rio De Janeiro, 19(1),163-185.         [ Links ]

Mansur, L. H. B. (2003). Sem filhos: a mulher singular no plural, São Paulo: Casa do Psicólogo.         [ Links ]

Minayo, M. C. S.; Gomes, S. F. D. R. (orgs.) (2008). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 27ª ed, Petrópolis: Vozes.         [ Links ]

Nunes, S. A. (2011). Afinal, o que querem as mulheres? Maternidade e mal-estar. Psic. Clin., Rio de Janeiro, 23(2),101-115        [ Links ]

Scavone, L. (2001). Maternidade: transformações na família e nas relações de gênero. Interface _ Comunic, Saúde, Educ, 5(8),47-60.         [ Links ]

Vianna, M. C. (2014). Filho, pra que te quero? In: S. L. Alonso; A. C. Gurfinkel; D. M. Breyton (org.). Figuras Clínicas no mal estar contemporâneo (p.179-185). São Paulo: Escuta.         [ Links ]

 

 

Recebido em:08/02/2018
Aprovado em: 22/06/2018

Creative Commons License