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Trivium - Estudos Interdisciplinares

versão On-line ISSN 2176-4891

Trivium vol.12 no.1 Rio de Janeiro jan./un. 2020

http://dx.doi.org/10.18379/2176-4891.2020v1p.68 

ARTIGOS LIVRES

 

O retorno da poesia como resposta à contradição do sujeito da ciência: Freud, cientista do possível, poeta do impossível

 

The return of poetry as a response to the contradiction of the subject of science: Freud, scientist of the possible, poet of the impossible

 

Le retour de la poésie en réponse à la contradiction du sujet scientifique: Freud, scientifique du possible, poète de l'impossible

 

 

Eduardo Rodrigues Peyon

Docente de cursos sobre saúde mental e trabalho na Universidade Petrobras. Doutor em Psicanálise, Saúde e Sociedade, pela Universidade Veiga de Almeida. E-mail: edupeyon@gmail.com

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é, a partir de uma investigação sobre as relações entre a psicanálise e a poesia, refletir sobre o corte epistemológico empreendido por Freud ao criar a psicanálise em articulação com a retomada da questão do Ser por Heidegger, a partir do pensamento de Heráclito. A reflexão interroga as relações entre o Ser, o inconsciente freudiano e a poesia em face do sujeito da ciência.

Palavras-chave: PSICANÁLISE; POESIA; SER; HEIDEGGER; INCONSCIENTE.


ABSTRACT

The purpose of this article is, from a reflection on the relationship between psychoanalysis and poetry, reflecting on the epistemological break undertaken by Freud when he created psychoanalysis in conjunction with the resumption of the question of Being, through the thought of Heraclitus, by Heidegger. This reflection interrogates the relationship between Being, the Freudian unconscious and poetry before the subject of science.

Keywords: PSYCHOANALYSIS; POETRY; BEING; HEIDEGGER; UNCONSCIOUS.


RÉSUMÉ

L'objectif de cet article est, à partir d'une enquête sur les relations entre psychanalyse et poésie, de réfléchir à la rupture épistémologique entreprise par Freud pour créer la psychanalyse en articulation avec la reprise de la question de l'être par Heidegger à partir de la pensée d'Héraclite. La réflexion interroge les relations entre l'Être, l'inconscient freudien et la poésie face au sujet de la science.

Mots clés: PSYCHANALYSE; POESIE; ETRE; HEIDEGGER; INCONSCIENT.


 

 

I.

No século VI a.C., nasce a Filosofia como nova modalidade de busca de conhecimento sobre a Physis. Esse discurso inaugurador, que abandona as formulações míticas, encontra seu primeiro enunciado na afirmação de Tales de Mileto de que o elemento primordial (arqué) de todas as coisas é a água (hydor). Esse passo, fundamental para a constituição do pensamento ocidental, não sem claudicações e rupturas posteriores, marca a abertura de um novo campo para a descoberta da verdade, o campo do logos, o campo do discurso racional que se opõe ao campo do mito, do mágico e do poético no encontro humano com as coisas e seu mistério. Desta forma, o encontro do ser humano com o Outro, com aquilo que lhe causa perplexidade, usando o termo grego, no enfrentamento do thauma, passa a ser endereçado sob uma outra modalidade de construção de conhecimento.

Ao invés de um poeta-teólogo, que revelaria a verdade sobre as coisas da Physis ao narrar os mitos e estabelecer as cosmogonias, isto é, ao invés de um sábio, cujo saber tinha sua garantia numa relação direta desse poeta-teólogo (Aedo) com o divino, por meio das musas que o inspiravam e lhe transmitiam a verdade mítica, passamos a ter o filósofo que, amigo do saber, desejante de um saber articulado e imanente, tomado por uma pulsão epistemofílica, reconhece a sua ignorância e estabelece uma nova atitude diante do discurso, uma atitude crítica. Essa atitude crítica é visível nos diálogos platônicos (apesar de ser um pouco anterior a eles) e tem uma relação profunda com o que se passava politicamente na Grécia a partir da instauração da democracia na ágora, na praça pública da Pólis, onde os cidadãos gregos (todo homem que falasse grego) defendiam suas posições políticas; onde cada cidadão marcava, pela fala pública em condições isonômicas, suas diferenças; e sob essa isonomia da cidadania eram deliberadas as questões da cidade.

O dogma, o saber absoluto, é inflexível, isto é, ele não está aberto à crítica. O saber revelado, seja ele mítico, mágico ou religioso, apresenta-se como inquestionável. O poeta ou o profeta o recebe diretamente de fontes transcendentais. O conhecimento que a Filosofia inaugura apresenta-se como aberto ao debate, pois ele é construído no e pelo discurso que melhor se articula numa discussão. A própria palavra "dialética" significa isso: um diálogo racional no qual se busca a verdade. Este debate, contudo, estrutura-se, a partir de Platão (Sócrates), ambicioso de suturar essa abertura alcançando uma resposta definitiva sobre o real. O sistema filosófico acabado é justamente um caminho, um método lógico, para alcançar as verdades, para ultrapassar, sem recorrer ao transcendental, a dimensão da doxa, isto é, da mera opinião baseada na experiência bruta dos sentidos e, podendo assim, alcançar a essência, a forma perfeita de cada coisa existente na Physis. Da noética platônica à síntese final hegeliana, trata-se, com algumas rupturas e diversos acréscimos no percurso do pensamento ocidental, do caminho para a formação do Espírito no vocabulário de Hegel. Com Hegel, temos o sistema filosófico mais completo, capaz de alcançar o saber racional absoluto. Assim, desde a ruptura efetuada pelos Pré-Socráticos, os filósofos originários, a garantia de um saber sobre as coisas da Physis não seria mais transcendente, porém imanente, lógica, racional, histórica e, posteriormente, no mais recente giro epistemológico, científica. Os caminhos epistemológicos da ciência são os métodos e suas justificativas teóricas para um caminho de busca da verdade sobre as coisas. Podemos dizer que, após Tales de Mileto inaugurar a Filosofia, iniciou-se uma história de busca por uma verdade imanente, isto é, que não recorre ao transcendente, ou seja, que não recorre, em última instância, à Deus.

 

II.

Heidegger (1943/1998), ao analisar a obra de Heráclito, considera que os filósofos originários abordavam a questão do ser de uma forma diferente daquela que se estabeleceu na filosofia desde Platão até Hegel e Nietzsche. Segundo Heidegger, os chamados filósofos pré-socráticos trataram da questão do ser sem estabelecer uma metafísica. Ainda segundo este autor, a Modernidade, no esteio da Ciência que nasce no século XVII, marcada pela influência de Descartes e Newton, abandonou a questão do ser interessando-se apenas pelos entes. Tentando traduzir o pensamento de Heidegger, podemos dizer que, ao interessarem-se pela objetividade de cada coisa, os cientistas deixaram de refletir sobre o ser de cada coisa, o ser de cada ente. Isto é, tratou-se, na Ciência, de investigar o ente sem interrogar o fato de que tal ente "é". Nessa busca por objetividade, foi excluída a própria questão do existir e do pensar humano sobre cada ente. Restou, então, o ente em sua objetividade a ser investigada empiricamente com base numa teoria objetiva e passível de experimentação e de quantificação. Contudo, essa teoria, independentemente do seu grau de abstração, usualmente não interroga o ser do ente. É esse esquecimento da questão do ser que faz Heidegger retornar ao pensamento de Heráclito. Ele vai investigar a abordagem originária da questão do ser, anterior ao pensamento platônico e tudo que o seguiu culminando na Revolução Científica do século XVII e, posteriormente, no Iluminismo e na Revolução Industrial.

Heidegger (1943/1998) considera uma tragédia o desinteresse pela questão do ser. Afirma ainda que a metafísica de Nietzsche foi um último suspiro da questão do ser, mas aponta que, ao considerar o devir das coisas como decorrente da vontade de poder, Nietzsche encerra a questão metafísica. Ao retomar a questão do ser revisitando os primeiros filósofos, Heidegger tentar abordar essa questão e a da verdade segundo um outro modelo de pensamento, diferente daquele que se estabeleceu a partir de Platão e que seguiu desenvolvendo-se até o modelo hegeliano, o sistema da dialética racional e o fim da histórica como consecução do absoluto, e o modelo nietzschiano como vontade de poder e devir na vida:

De Platão a Nietzsche, a metafísica que se pergunta pelo ente à luz do ser vive o dia a dia. Devemos, no entanto, saber que na chamada 'questão do ser', esta em que o ser permanece nele mesmo, inquestionado e, sobretudo, inquestionável, não só não se pergunta pelo ser, como também a metafísica nunca pode se colocar a questão do ser. (...) A confusão reinante de todos os conceitos e questionamentos não decorre absolutamente de uma superficialidade do pensamento. O motivo da confusão reside na alienação frente ao ser. Ao dizer que o ser é o último sopro de uma realidade evaporante e, na sua linguagem e coragem do pensador metafísico, levada até as últimas consequências, Nietzsche exprime a verdade que vale como autoevidência para toda a metafísica: o ser é o conceito mais vazio e mais universal. É 'o mais geral'. No meio da mais completa alienação frente ao ser, é bem mais digno tomar o ser, a abstração de todas as abstrações, por simples vapor do que pretender colocar a 'questão do ser'. (Heidegger, 1943/1998, p. 111).

Ao retomar o pensamento do filósofo de Éfeso, conhecido como "o obscuro", Heidegger vai redimensionar a questão da verdade e do ser. O ser não é um imediato inapreensível, mas racional, como sustentava Hegel; não é tampouco um sopro que segue um eterno devir na vontade de poder, como afirmou Nietzsche, mas algo que, estando sempre presente, nunca se mostra, nunca se desvela totalmente, apresentando-se como enigma, como questão, como discórdia. Heidegger vai justamente aprofundar o sentido da alétheia dos primeiros filósofos como algo que se encobre mesmo estando sempre presente, isto é o ser, que se coloca como um a-se-pensar originário. Heidegger vai trabalhar a partir de um fragmento de Heráclito1, o de número 16: "Como alguém poderia manter-se encoberto face ao que nunca declina (citado em Heidegger, 1943/1998, p. 61)."

Após uma extensa exegese desse fragmento no âmbito do pensamento pré-socrático, Heidegger apresenta-nos uma visão sobre a questão do ser, que, para Heráclito, aparece como o que nunca declina. O que nunca declina é o que está sempre presente, mas sem revelar-se totalmente. Essa seria a condição da própria physis para Heráclito. Esclarece-nos Garcia-Roza:

Heidegger propõe que se traduza physis por 'emergência' (no sentido de surgimento), ainda que essa tradução pareça estranha. Ela ao menos tem a vantagem de acentuar que a physis heraclitiana designa o emergir enquanto tal e não algo que emerge. Essa emergência - 'jamais tem ocaso', jamais fica ou ficou inteiramente velada, mas também jamais se deu como desvelamento absoluto. O desvelar gosta de esconder-se. Assim como a alétheia." (Garcia-Roza, 1998, p. 43).

A verdade sobre o ser, portanto, emerge como enigma do próprio emergir. O ser de todos os entes existentes na Physis, inclusive o ser do ente ser-humano, sujeito marcado pela consciência da morte e pela questão do ser, o seu próprio ser e os demais. Existe, no pensamento originário, uma ruptura com um saber revelado e pleno, mas ainda não existe a instalação de uma metafísica, de uma nova transcendência, de uma teoria especulativa sobre o ser e o caminho para alcançá-lo. O que existe é um momento originário de uma reflexão não transcendental sobre o ser, reflexão atravessada pelo enigma e pelo que sem manter-se totalmente encoberto, nunca se revela totalmente. O que Heráclito afirma é uma impossibilidade de decifração plena do ser, o que nos confronta com o enigma da vida a partir de outra perspectiva. Assim, se o ente pode ser objetivado por meio de uma correspondência entre uma teoria abstrata e lógico-formal, e o fenômeno empírico poderá ser encontrada a partir do século XVII, aquilo que é condição para a própria reflexão e compreensão objetiva do ente permanece como enigma, apresentando-se sempre, mas sem jamais declinar, isto é, sem jamais se abrir totalmente à compreensão racional e à formalização teórico-abstrata ou à experimentação científica.

Perseguindo a objetividade e explorando os caminhos da teoria abstrata que se aplica a um determinado fato da natureza, os cientistas modernos foram abafando a questão do que nunca se revela estando sempre presente. As coisas adquiriram cada vez mais consistência objetiva com um respaldo teórico lógico-formal e isso foi cegando a questão sobre o ser e a própria existência. Não se trata de negar os ganhos da objetividade, eles estão aí e são fantásticos. Trata-se apenas de relembrar que nada disso é possível sem o enigma entorno da palavra "é", do verbo ser, o próprio enigma humano, de nossa vida como ser falante e consciente de sua morte.

Em sua extensa obra, Freud, ao explorar um campo do desconhecido, isto é, daquilo que escapa a objetivação através do cogito, adentra o campo do enigma, do que não pode ser totalmente entificado, do que presente não se oferece a uma objetivação total, mesmo que se reconheça a partir de seus efeitos uma causa inconsciente. Por não estar interessado em constituir um sistema filosófico fechado, mas sim em compreender e tratar o sofrimento cotidiano das pessoas, o pai da psicanálise aproxima sua teoria de uma reflexão sobre o ser no sentido originário, reflexão que se constrói entre o mito, a prática clínica e a teorização metafísica (Metapsicologia) e, por isso, a poesia se apresenta como um caminho para a verdade na obra freudiana, afinal, tanto como em Heidegger (1952), é a poesia que coloca em operação uma verdade, não uma verdade objetiva sobre o ente, mas sim uma verdade subjetiva sobre o ser.

 

III.

Koyré dedica sua obra aos estudos da Revolução Científica do século XVII. Tal revolução representa, segundo ele, a maior ou uma das maiores inflexões do pensamento na história da humanidade. Essa reformulação do pensamento, que busca compreender a própria existência e o universo e demais coisas nele situadas, caracterizou-se pela dissolução do Cosmos como concebido desde a Grécia Clássica e, especialmente formulado por Aristóteles, e por uma geometrização do espaço a ser estudado pela Física, o que possibilitou a sua matematização.

Ao debruçar-se sobre a figura de Galileu Galilei, Koyré (1966/1990) demonstra que este grande homem era influenciado pelo platonismo e que seu pensamento introduz o espaço geométrico em seus estudos e pesquisas, seguindo a via aberta no passado por Arquimedes, que aplicou a geometrização do espaço ao estudo da Estática. Galileu vai fazê-lo em relação à dinâmica dos corpos. Nesse importante período de transição no qual homens como Galileu e Descartes abriram o campo para que Newton pudesse formular as Leis da Física, Koyré vai mostrar que não apenas houve uma passagem de uma atitude contemplativa frente à natureza para uma ativa, mas que principalmente essa atitude ativa vai ser diferente e revolucionária, pois alarga o campo das abstrações teóricas e das experimentações que visam dar conta do real. Existe a possibilidade, através da geometrização do espaço, da construção de uma teoria prévia, que, em um segundo momento, será testada empiricamente. Assim, o cientista jamais aborda seu objeto de forma pura, mas sim a partir de uma teoria e de uma hipótese. A geometrização do espaço iniciada por Galileu abriu campo para a matematização da natureza possibilitando um novo tipo de teorização, compreensão, experimentação científica e produção tecnológica.

 

 

A interrogação metódica da natureza inaugura, portanto, o método científico, e a geometrização do espaço possibilita um estudo laboratorial/experimental ordenado a partir de uma teoria. O empirismo científico funda-se com base numa experimentação feita sob condições especiais, que aplica conceitos desenvolvidos no espaço matemático, isto é, platônico. Não se trata mais de simples observação, mas de buscar uma abstração do espaço físico, alcançada com sua geometrização, com o estudo distante das formas concretas e sua elaboração no mundo matemático das formas perfeitas.

É inegável, observando, hoje, toda evolução tecnológica, que tal mudança de atitude possibilitou, a magnitude e a importância desse processo. Contudo, para a psicologia e mais especificamente para a psicanálise, trata-se justamente de confrontar-se com aquilo que a cada instante não pode ser totalmente geometrizado, arquimedizado ou matematizado. Se, na busca científica, a verdade é fruto de uma adequação do conhecimento ao real; na psicanálise, tal adequação, se ocorre, parece acontecer nas entrelinhas do discurso e mais ainda nas falhas desse discurso, ou no que escapa ao discurso racional, ali onde o sentido claudica é que surge um enigma e a consequente busca pela verdade. Não é no plano estável da geometria que se formulam as leis da dinâmica dos afetos no aparelho psíquico, pois existe sempre um resto em cada fala, e esse resto que não declina perante o pensamento é o que garante a continuidade do processo de significação no próximo momento, a posteriori. Por mais que Freud - especialmente no seu Projeto para uma Psicologia Científica - e Lacan - na sua formulação do inconsciente estruturado como uma linguagem - tenham buscado construir e enquadrar a teoria psicanalítica no discurso dominante da Ciência, isto é, formulando uma teoria abstrata e apresentando um modelo de funcionamento psíquico baseado em parâmetros do discurso científico, com materialidade e aplicável ao fenômeno, parece-nos que para a psicanálise seguir sua práxis - e aqui evidencia-se a relevância clínica da psicanálise, isto é, sua relação com a vida e o sofrimento humanos- ela precisa estar justamente aberta aquilo que escapole e continuará escapulindo às tentativas de matematizar e teorizar a subjetividade ou de cair no perigo de reduzir a clínica a uma querela botânica dos diagnósticos, causas orgânicas e medicalização dos afetos. Parece-me que o grande mérito de Freud foi justamente evitar uma metafísica, evitar um sistema fechado e manter sua ciência sempre aberta:

A psicanálise não é, como as filosofias, um sistema que parta de alguns conceitos básicos nitidamente definidos, procurando apreender todo o universo com o auxílio deles, e, uma vez completo, não possui mais lugar para novas descobertas ou uma melhor compreensão. Pelo contrário, ela se atém aos fatos de seu campo de estudo, procura resolver os problemas imediatos da observação, sonda o caminho à frente com o auxílio da experiência, acha-se sempre incompleta e sempre pronta a corrigir ou modificar suas teorias" (Freud, 1923[1922]/1976, p. 307 - grifos meus).

Lacan (1966/1998), em A Ciência e a Verdade, afirma que Freud não rompeu com o cientificismo de sua época, herdeiro da Revolução Científica do século XVII e do Aufklärung, mas sim o continuou. Nesse mesmo texto, Lacan afirma que "há alguma coisa no status do objeto da ciência que não nos parece ter sido elucidada desde que a ciência nasceu." (1966/1998, p. 877). Se a verdade do sofrimento neurótico é ter a verdade como causa, segundo afirma Lacan, o sujeito da psicanálise não pode existir sem o sujeito da ciência, ou como resto do sujeito da ciência que formula teorias e aplica métodos sem interrogar-se sobre sua causa, a própria verdade originária.

 

 

O inconsciente como enigma apresenta-se como o ser de Heráclito, ele a cada vez que se apresenta não se revela totalmente e a cada vez que se encobre não se esconde plenamente. Contudo, ao formular o inconsciente estruturado como uma linguagem sendo a linguagem a própria condição de possibilidade dessa causação do sujeito neurótico, Lacan termina por fazer o impossível, isto é, equivale a verdade do inconsciente a um saber teórico fechado. Em outras palavras, Lacan formula de forma plena uma abstração, que como as teorias científicas, também exclui o sujeito naquilo que ele possui de não declinável, isto é, de não assimilável pelo conhecimento científico. O inconsciente transformado em ente torna-se mais um objeto da ciência deixando de ter relação com a causa, com o ser, com o que nunca declina e com o poético como elemento originário.

Concordamos, portanto, com a formulação lacaniana de que o sujeito cartesiano é o sujeito do inconsciente. Sem dúvida, sem o cogito arrogante não existe a ferida narcísica impingida por Freud à consciência e seu presunçoso pensamento que seria capaz de tudo conhecer e racionalizar. Contudo, ao transformarmos o inconsciente num ente, excluímos novamente a questão do ser e do enigma permanente da Physis. Uma psicanálise científica nos moldes clássicos do positivismo, empirismo ou racionalismo, precisa sustentar-se através de um encontro entre teoria e acontecimento. Se teoria e acontecimento se complementam plenamente quando se trata de inconsciente, a própria ferida freudiana é suturada e o sujeito novamente excluído da cena. Assim, o inconsciente parece-nos emergir, isto é, aparecer, como o ser heraclitidiano da leitura de Heidegger, como algo que nunca declina, mas também nunca se mostra totalmente. E assim, seguimos podendo esbarrar na questão do ser sem reduzi-lo ao ente.

A revolução científica do século XVII, tão fundamental para os avanços incríveis que hoje temos nos mais diferentes campos do saber, mostra-se absolutamente capenga para abordar o próprio fato do ser-humano. Na sua clínica, Freud vai justamente aproximar-se de um fato-humano que não pode ser geometrizado2 na medida em que não possuía e parece-me - apesar de todos os avanços da neurociência e da psicobiologia - ainda não possui um substrato concreto onde possamos evidenciar a tão importante3 correlação entre conhecimento e coisa. O ser dos entes não pode objetivar-se. Os filósofos originários no-lo ensinam. O inconsciente, emergência do sem sentido, do enigma, apresenta-se justamente como um retorno daquilo que o cogito pretendeu excluir na sutura perfeita entre o conhecimento racional e o acontecimento empírico. Freud, ao formular o inconsciente faz um retorno do poético como tendo valor de verdade, uma verdade que se oferece escondendo-se e, assim, exigindo uma decifração:

O que Freud faz é recuperar o valor da palavra ambígua, da palavra cujo sentido, ao mesmo tempo que revela, oculta a verdade, e faz isto sem sacrificar o rigor conceitual de sua construção teórica. Mistura de aedo e de sofista, ele redimensiona o estatuto da palavra e da verdade" (Garcia-Roza, 1998, p. 100).

 

IV.

No dizer de Châtelet (1968/1995), Hegel é o nosso Platão, isto é, se Platão estabelece pela primeira vez as condições do filosofar, Hegel, pai do sistema filosófico mais pleno da modernidade, é o pensador que estabelece os muros do pensamento moderno: "ele determina um horizonte, uma língua, um código dentro do qual ainda nos encontramos hoje. Hegel, portanto, é nosso Platão." (Châtelet, 1968/1995, p. 15). E Hegel faz equivaler real e discurso filosófico-científico, afirmando a racionalidade do ser. O ser é inapreensível na sua imediaticidade indeterminada que é um nada originário, mas é de toda forma e sempre racional. Hegel, ao percorrer a história do Espírito e ao fazer um empirismo da razão, realiza o ideal cartesiano: "O ideal cartesiano de mathesis universalis atualizou-se numa obra [a de Hegel], numa teoria, que é ao mesmo tempo uma prática, pois se constitui como teoria da prática e se constrói, assim, como prática legitimada" (Châtelet, 1968/1995, p.15).

Não existe, no campo filosófico-científico, como finalizar um saber sobre o ser sem reduzi-lo a uma racionalidade dada ou sem transformá-lo numa consequência histórica e relativa. Explicando-me melhor, o ser está presente em qualquer formulação, pois nada se sustenta sem o verbo ser. Todo ente só existe através da linguagem4 e nesta é necessário afirmar que algo é ou não é. Assim, todo ente pressupõe o ser. Abolir a questão do ser e tratar apenas dos entes é um grave equívoco da ciência que exclui a questão sobre o que causa o movimento de busca de sentido. O que causa o desejo de saber tem relação com o ser, e não se trata em absoluto de apenas matematizar o ente, isto é, o material. Toda coisa apresenta-se como irredutível exceto se tomarmos a garantia de seu ser em Deus ou instaurando a Razão nesse lugar absolutamente externo e pleno. Deus e a Razão, como modos de operar a verdade, sempre estiveram aliados a uma classe dominante, isto é, ao poder que se ancora num modelo epistemológico dominante. Já a Poesia como verdade que nunca declina, como enigma da vida, como questão do ser que não redunda em metafísica apresenta-se como não servil a um uso de dominação.5

Se negamos o ser como questão, consideramos apenas os efeitos e não as causas, consideramos apenas o objetivo e não o fato de que essa objetividade só é almejada com o uso da linguagem na sua máxima originariedade6. Assim, forcluindo a questão do ser, passamos a estabelecer a verdade conforme o interesse político-econômico e retornamos à disputa entre Platão e o Sofista. O Sofista é cínico porque parte do pressuposto de que a questão do ser é irrespondível e daí deriva uma atitude pragmático-utilitarista. Quando Garcia-Roza afirma que Freud é uma mistura de Aedo (poeta) e sofista parece-me estar afirmando que há, no fundador da Psicanálise, uma preocupação com a vida que é irredutível a uma abstração racional platônica (e por isso ele seria sofista), mas há o reconhecimento de algo que permanece, mesmo que obscuro, mesmo que como enigma, e por isso Freud precisa também ser poeta ou recorrer à Poesia para abordar seu objeto de estudo. Diz-nos Rivera:

A própria teoria psicanalítica, por outro lado, talvez se inscreva mais no campo da criação literária que no da pesquisa científica. Não é à toa que Freud recebe em 1930 o prêmio Goethe da cidade de Frankfurt pelo valor científico e literário de sua obra. (...) Por mais cientificista que Freud tente ser, a própria matéria de que se trata no campo da psicanálise talvez o obrigue a se fazer poeta. (...) Uma teoria do homem deve, portanto, retomar esse movimento de criação ficcional, fazendo-se um pouco literatura. (Rivera, 2005, p. 8).

O diferencial em relação à definição tradicional de verdade7 que um pensador da importância de Richard Rorty (1997) insere com a noção de "ciência da solidariedade" não é convincente quando vemos que as verdades boas de acreditar são, como na ágora grega, estabelecidas por quem detém o discurso político-econômico mais convincente, e não necessariamente o mais solidário. E não esqueçamos que o discurso mais convincente é o de quem produz o discurso, isto é, discurso e poder caminham juntos8. O que a psicanálise introduz com a descoberta de um inconsciente é um retorno da questão do ser, mas não como filosofia, isto é, não como questão metafísica, mas na vida cotidiana, no existir e sofrer. Toda metafísica ergueu-se atrelada à questão do ser e, ao final, esse ser permanece impossível ou garantido por um Outro que é suposto absolutamente exterior ao discurso. Ora, o inconsciente, como o ser, é a grande causa e como o ser ele também é intrínseco ao instrumento humano para conhecer, a linguagem. E também o inconsciente é justamente aquilo de mais íntimo que vai permanecer como estranho para o próprio sujeito. Contudo, afirma Lacan9, que a descoberta freudiana do inconsciente só se faz possível após o nascimento da ciência e que o sujeito da psicanálise é o sujeito da ciência. Eu diria que o sujeito da psicanálise é o sujeito da ciência naquilo que este nega e que retorna como sintoma, seja no corpo, seja no pensamento, seja no real como alucinação. O sujeito da ciência, ao se interessar pelo ente, nega a questão do ser. Deste modo, lembramos que Heidegger afirma que nada poderia ser mais catastrófico do que excluir a questão do ser. E excluir a questão do ser é o que a Ciência faz ao explicar o ente sem interrogar a questão do ser:

Imaginemos, ao menos uma vez, o instante em que o homem se visse privado de toda possibilidade de dizer e compreender a palavra "é". Imaginemos durante alguns minutos o que seria do homem. Nenhuma catástrofe no planeta seria comparável a esse acontecimento, o mais invisível de todos, ou seja, a súbita privação do relacionamento que o homem trava com o "é". Só que essa catástrofe já está aí há muito tempo, sem que ninguém se tenha dado conta ainda de sua essência. O homem histórico é aquele que esqueceu o "é" e o "ser", à medida que deixa de pensar o que se diz nessa palavra. A indiferença frente ao "ser" espraia-se pelo planeta. O homem se deixa arrastar pela maré do esquecimento do ser. Na verdade, nem mais se trata de submersão nessa maré. Pois aí ainda se faria a experiência do esquecimento do ser. O que está esquecido é justamente o esquecimento do ser, o que, sem dúvida, corresponde à própria essência do esquecimento que arrasta tudo o que na ressaca vem ao seu encontro (Heidegger, 1998/1943, p. 96).

O que nos causa, diz Freud, não é consciente. Ora, esse outro que nos habita e que habita todo ente na sua dimensão de mistério, não é o absolutamente estranho do ser? O absolutamente estranho no fato de existirmos. Se, todavia, Freud recusa veementemente que a psicanálise se constitua como um discurso filosófico, não seria justamente porque ele reconhece a todo instante essa causa como inconsciente, como desconhecida? Isto é, como enigma, como impossível de ser plenamente abarcada pelo discurso racional sobre os entes, pelo discurso científico!? Em outras palavras, o objeto da psicanálise é, para usar um aforismo lacaniano, não-todo. O que nos causa como sujeitos da ciência nada tem a ver com a racionalidade que se possa atribuir ao ser e aos entes, mas justamente com o que não pode nem será reduzido a essa racionalidade? Por isso, fazer da psicanálise uma filosofia seria retirar dela sua virtude, o paradoxo de pelas vias da palavra abordar o que resta fora dos movimentos de inclusão linguística. Isso que resta fora é para o psicanalista escutado como causa do sujeito por meio dos efeitos visíveis e audíveis nos atos humanos, excluindo a possibilidade de um saber pleno sobre a coisa, pois sempre nos remetendo ao que escapa a toda definição, ao que, na bela forma de dizer de Heráclito, emerge sem nunca declinar totalmente ante a linguagem que, no humano, se atrela a esse emergir como condição de possibilidade, como questão do ser.

A presença do ser é como a presença do inconsciente, causa de tudo, certeza de nada. Quando tentamos localizar o inconsciente no cérebro estamos tentando dar materialidade ao que não pode ser encontrado. Assim como, se tomamos o significante linguístico como matéria-prima do inconsciente, também estamos traduzindo para o campo da racionalidade aquilo que é da ordem do impossível de dizer. Essas operações de sentido também possuem um efeito de sutura como almejado pelo sujeito da ciência cartesiana. Não são os deuses que determinam minhas ações, mas sim o meu lugar na cadeia significante ou os neurotransmissores no meu cérebro. Voltamos a substancializar o que, como causa, deve permanecer encoberto, mas que, como dizia Heráclito, nunca declina, nunca deixa de oferecer-se como enigma. Voltamos, por meio desses movimentos em busca da materialidade, a reduzir o ser ao ente ou o inconsciente à sua condição de existência que é a linguagem. A linguagem como objeto do pensamento é já, contudo, um ente e não o próprio ser que a habita. Toda teoria sobre o ser como toda teoria sobre o inconsciente teria que eliminar a poesia, mas essa, em que pese seu fim previsto por Hegel (1818/2001) nas suas lições de Estética, continua necessária como último recurso do ser contra o seu esmagamento pela teoria, pela entificação, pela ciência cartesiana. A contradição epistemológica da psicanálise está na sua busca por definir algo que é considerado por ela mesma como impossível de ser plenamente definido. Estabelecer de forma material e completamente lógica os mecanismos do inconsciente é entificar o que permanece obscuro, enigmático e exigindo um esforço de significação a cada sujeito, a cada emergência e a cada momento temporal.

 

 

Se a filosofia chegou a um Fim com Hegel, nós não silenciamos. Se a psicanálise chegasse a um Fim, isso seria efetivamente sua morte e também a da poesia humana, último e primeiro recurso nosso diante do thauma, diante do Unheimlich, diante do ser. Como afirma Vico, os poetas-teólogos são os primeiros a tentarem significar, a partir de sua ignorância e perplexidade, o mundo. Assim, são os primeiros poetas e também os primeiros sábios:

In their robust ignorance, the earliest people could create only by using their imagination, which was grossly physical. Yet this very physicality made their creation wonderfully sublime, and this sublimity was so great and powerful that it exited their imaginations to ecstasy. By virtue of this imaginative creation, they were called poets, which in Greek means creators (Vico, 1725/2001, p. 145).

 

V.

Será que abrir mão da questão da objetividade e da verdade como correspondência de um discurso intelectual ao real, isto é, abrir mão de um saber universal em nome de uma verdade contextual e consensual, nos deixa aliviados em relação à questão do ser? Será possível não se questionar sobre o que se afirma como É? Seja pela afirmação cartesiana do cogito, seja pela síntese hegeliana e o absoluto alcançado pelo Espírito, não retorna em Heidegger a questão do ser? E não retorna em Freud a fenda inaugurada pelo discurso que exclui a causa do próprio discurso? A causa da própria necessidade de buscar sentido!

O grande golpe freudiano na arrogância do cogito representa, no nosso entender, uma interrogação à ciência: o que causou a própria ciência? Ora, se um sujeito apaixona-se hoje, podemos cientificamente explicar esse fenômeno como uma série de acontecimentos fisiológicos em seu corpo, especialmente em seu cérebro e sinapses. Todavia, essa explicação não responde ao desespero do sujeito apaixonado em compreender por que naquele dia, por que por aquela mulher, por que mesmo ele já sendo casado, por que mesmo sentindo-se mal e culpado, ainda assim? Mesmo que tudo isso possa ser entificado e explicado cientificamente, o preço a pagar será a exclusão do mais íntimo e mais estranho. Afinal, nenhuma teoria, mítica, religiosa ou científica, responde sobre o ser, suas paixões e sua morte. Ao reintroduzir a dimensão do enigma no seio da psicopatologia, Freud precisa dialogar com os poetas, aqueles que esbarram permanentemente no nada, na absoluta ignorância, na originariedade da questão do ser. Por isso, a poesia é fértil para os psicanalistas seguirem desbravando os caminhos em busca do que nunca declina.

Se Koyré (1966/1990) aponta como grande passagem da Revolução Científica do Século XVII a matematização da Física conseguida pela geometrização do espaço, isto é, pelo reconhecimento de que se poderia dar conta dos fenômenos físicos no plano abstrato, fica evidente que a questão do ser não é resolvida nem no plano empírico nem no plano abstrato. Designar o ser como consequência da estrutura da linguagem e associá-lo ao inconsciente, parece-me ser isso que Lacan empreende ao considerar a compulsão a repetição como devida a um lugar que o sujeito ocupa na cadeia da linguagem, ou seja, o sujeito torna-se o ser. Daí decorre uma grave consequência: a psicanálise ao tornar-se ciência deixaria de lado a questão do ser. Ora, a fissura, o divórcio, a fenda apontada por Freud no ser humano é justamente essa que coloca algo como inacessível ao pensamento, algo que como o ser, permanece obscuro, algo que a ciência não alcança. Isso só pode ser vislumbrado quando se permite uma abertura poética, isto é, um corte como o instaurado pelos primeiros filósofos, pelos grandes cientistas do século XVII e por pensadores como Freud.

Sem as suturas do mito, da religião, da magia e da ciência, resta ao sujeito o esforço poético. Não mais um esforço poético de inspiração divina, mas um esforço poético para ser, para reencontrar a questão do ser no seio de uma cultura que não cessa de objetificar os entes. Quanto mais obscurecida a questão do ser, mais alienado será o sujeito, ele mesmo sendo absolutamente entificado. A entificação do sujeito e sua tomada objetiva pela ciência exclui a poesia. Freud, ao encarnar em seu texto a contradição do sujeito da ciência, ao denunciar a arrogância desse sujeito pensante, ao nos recordar do mais íntimo e desconhecido de nós mesmos, alia-se aos poetas, ele também um poeta forte. A poesia segue seu caminho infinito para dar conta do que resta fora dos esforços do pensamento racional e científico, e o que resta atualmente é o próprio ser e a enorme angústia decorrente dessa negação tão fortemente estruturada. A ciência não toca mais na questão do ser, é neste ponto que o pensamento de Freud e a poesia se encontram, afinal, ali onde o cientista parou, ante o desconhecido do continente negro, por exemplo, foi recomendado recorrer aos poetas, os primeiros inventores do mundo. Desta forma, ali onde o sujeito busca um analista, é justamente onde seu cogito mostrou-se incapaz de suturar a verdade impossível, onde o controle pela racionalidade mostrou-se ineficaz, onde a tecnologia não curou a dor, onde aquilo que nunca declina emergiu como angústia. Diante disso, podemos enlouquecer, mas podemos também poetizar, amar e seguir construindo um sentido para o efêmero emergir ao qual estamos fadados dentro do grande, incessante e inexplicável emergir da Vida.

 

Referências

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Garcia-Roza, L.A. (1998) Palavra e Verdade: na filosofia antiga e na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. (Original publicado em 1990).         [ Links ]

Hegel, G.W.F. (2001) Cursos de Estética I. São Paulo: Ed. da USP. (Original de 1818-1829).         [ Links ]

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Heidegger, M. (1998) Heráclito. Rio de Janeiro: Relume Dumará. (Seminário proferido em 1943/1944).         [ Links ]

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Rivera, T. (2005) Guimarães Rosa e a Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.         [ Links ]

Rorty, R. (1997) Objetivismo, Relativismo e Verdade Rio de Janeiro: Relume Dumará         [ Links ].

Vico, G. (2001) New Science. Penguin Books. (Original publicado em 1744).         [ Links ]

 

 

Recebido em: 04/06/2019
Aprovado em: 08/11/2019

 

 

1 Segundo Heidegger, existem 131 fragmentos do pensamento de Heráclito que chegaram até nós.
2 Geometrizado, matematizado, estruturado, etc.
3 Para a ciência positivista.
4 Aqui existe uma visão de humano implicada na assertiva a qual concebe a vida como articulada à linguagem. Se a própria vida é anterior à linguagem, de qualquer forma, nada é sem que passe pelo uso da linguagem, ao menos no mundo ocidental. A própria pulsão como localizada entre o psíquico e o somático só é através da questão do ser. Ou seja, pulsão e ser estão no limite do a-ser-pensado como condições de possibilidade e como enigmas. É quando se esbarra com esse limite que é preciso fazer poesia, pois se fizermos ciência estaremos restringindo a nossa relação com o enigma da existência. A crítica de Heidegger é a uma Cultura que recusando o enigma da existência recusa a questão do ser, fazendo prevalecer a tentativa de entificação de todas as coisas pela via da objetividade científica. Freud, com a descoberta do inconsciente, faz retornar a dimensão do enigma, do questionamento, da busca de sentido, sem estabelecer um método fechado, sem estabelecer estruturas rígidas, justamente porque seu texto é repleto de poesia e é poético. Lembro que os autores mais citados por Freud são Goethe e Shakespeare (A Dra. Maria Alzira Perestrello, em comunicação no Instituto Cultural Freud, relatou ter feito a soma de todas essas referências não apenas nas obras completas, mas também na correspondência de Freud e que, incluindo a correspondência, Shakespeare é ainda mais citado do que Goethe).
5 A não ser, é claro, que alguém, com base dogmática, se apresente como detentor da verdade de uma poesia. Essa verdade poética, em que pese sua relação íntima com o universal, é aberta ao singular, a cada encontro, sem pleno fechamento que ultrapasse o instante da paixão pela obra de arte. Assim como a physis, a poesia nunca declina, nunca é totalmente interpretada.
6 O termo originariedade condensa os sentidos de originário e de original, ou seja, trata-se de algo que inaugura, que está no início, e que por isso é original. Essa marca de originariedade, porém, não se dá num ponto exato do fluxo temporal, mas como uma nova origem que chega, originária e original a cada poesia, como chegante inesperado, como fonte que se relança
7 Veritas est adaequatio rei et intellectus.
8 Como afirma de forma belíssima Foucault em sua aula inaugural no College de France. A Ordem do Discurso, 1970.
9 A Ciência e a Verdade, p. 871 dos Escritos.

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