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Trivium - Estudos Interdisciplinares

versão On-line ISSN 2176-4891

Trivium vol.12 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2020

http://dx.doi.org/10.18379/2176-4891.2020v2p.3 

ARTIGOS TEMÁTICOS

 

O que é a virada linguística?

 

What is the linguistic turn?

 

Qu'est-ce que le tournant linguistique?

 

 

Flávio Fernandes Fontes

Psicólogo, Doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Professor Adjunto do Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi (FACISA), Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-mail: flaviofontes@outlook.com

 

 


RESUMO

A "virada linguística" é uma expressão/metáfora de grande importância na filosofia da linguagem. Realizamos aqui um estudo teórico conceituai, que investiga sua origem e distingue diferentes sentidos que lhe foram atribuídos. Defendemos que esses diferentes sentidos podem ser articulados entre si através de uma narrativa da busca da linguagem perfeita. O fracasso dessa busca gera uma mudança paradigmática importante na medida em que ocasiona o abandono de uma concepção idealizada de razão em favor de uma razão necessariamente histórica, bem como questiona a separação entre pensamento e linguagem, linguagem científica e ordinária.

Palavras-chave: Filosofia da linguagem; Filosofia Analítica; Análise Conceitual


ABSTRACT

The "linguistic turn" is an important expression and metaphor in the philosophy of language. Here, a theoretical and conceptual study is provided, that investigates its origin and distinguishes different meanings given to the expression. It is argued that these different meanings can be articulated through a narrative about the quest for the perfect language. The failure of this pursuit generates an important paradigmatic change, that leads to the abandonment of an idealized conception of reason in favor of a necessarily historical reason, as well as questions the separation between thought and language, ordinary and scientific language.

Keywords: Philosophy of language; Analytic philosophy; Conceptual analysis.


RÉSUMÉ

Le «tournant linguistique» est une expression / métaphore d'une grande importance dans la philosophie du langage. Nous réalisons ici une étude théorique conceptuelle, qui cherche son origine et distingue différentes significations qui lui ont été attribuées. Nous soutenons que ces différentes significations peuvent être articulées ensemble à travers un récit de la recherche du langage parfait. L'échec de cette recherche engendre un changement paradigmatique important, dans la mesure ou il conduit à l'abandon d'une conception idéalisée de la raison au profit d'une raison nécessairement historique, ainsi qu'à la remise en question de la séparation entre pensée et langage, entre langage scientifique et langage ordinaire.

Mots-clés : Philosophie du langage; Philosophie analytique; Analyse conceptuelle.


 

 

Talvez a melhor maneira de começar a abordar a questão presente no título deste texto seja colocando a virada linguística1 dentro de um contexto histórico maior que ajude a torná-la compreensível. Para isso faremos, na primeira parte, um pequeno resumo de uma obra de Umberto Eco que nos permitirá encarar a virada linguística dentro do quadro de referência da "busca da língua perfeita na cultura europeia" (Eco, 2001). Veremos que assim será mais fácil interpretar seus possíveis significados. Na segunda parte, intitulada "Virada linguística e filosofia analítica", o foco recairá na busca pela origem dessa expressão, o que, por sua vez, implica adentrar na tradição da filosofia analítica e recuperar o modo como a virada linguística adquire aí o seu significado. Na terceira parte, "Diferentes sentidos da virada linguística", examinamos o modo como alguns autores contemporâneos se referem à expressão, procurando distinguir algumas de suas principais conotações. Por fim, na quarta e última parte, esboçamos uma articulação entre os sentidos discriminados na seção anterior, realizando uma "narrativa integrada da Virada Linguística como uma mudança paradigmática".

Trata-se de um estudo teórico conceitual, cuja contribuição é a sistematização e a construção de conexões entre os diferentes sentidos de uma expressão/metáfora de grande importância na filosofia da linguagem. Não escapará ao leitor psicanaliticamente orientado a percepção de que esta é a história da falência de um ideal, e que reconhecimento do vazio deixado por sua ausência impulsiona o desenvolvimento da filosofia contemporânea.

 

A Busca da Língua Perfeita na Cultura Europeia

O livro de Umberto Eco faz parte de uma coleção organizada por Jacques Le Goff denominada "The making of Europe" (na tradução em português, "Fazer a Europa") e, portanto, é também uma reflexão sobre a identidade europeia. Eco localiza o momento em que surgiu, em sua opinião, a noção de Europa:

A Europa inicia-se com o nascimento das suas línguas vernáculas, e pela reação, às vezes alarmada, a sua irrupção inicia a cultura crítica da Europa, que enfrenta o drama da fragmentação das línguas e começa a refletir em torno do próprio destino de civilização multilíngue. Embora sofrendo com o impacto, procura encontrar um remédio: quer refazendo o seu caminho para trás, em busca da língua falada por Adão, quer para frente, tentando construir uma língua da razão que possua a perfeição perdida da língua de Adão (Eco, 2001, p. 38).

Para um cidadão do império romano, cujo vasto domínio político e militar impunha também a dominação incontestável do latim como língua universal, o problema da confusio linguarum2 era menos proeminente. Com o progressivo esquecimento do latim, no entanto, e a diferenciação de línguas nacionais, a multiplicidade das línguas passa a ser uma questão mais premente. Questão que poderia ser resolvida através da construção de uma língua ideal ou através da recuperação de uma língua perfeita que existiu em um passado remoto.

Inspirados pelo mito da torre de Babel, no qual há o relato de que, em determinado momento, toda a humanidade supostamente falava a mesma língua, muitos autores julgaram ser possível reconstituir essa língua primordial, e assim conseguir um estado de concórdia universal entre todos os povos. A chamada hipótese monogenética inspira diversas especulações religiosas, filosóficas e científicas que procuram restaurar tal língua primeva. A crença de que o hebraico seria tal língua ou, pelo menos, que seria uma versão imperfeita dessa língua primeira chegou a ser considerada como verdadeira por um grande número de intelectuais.

A descoberta de civilizações mais antigas que os hebreus, no entanto, abala essa crença e leva alguns, por sua vez, a falarem sobre o caráter superior e sagrado dos hieróglifos egípcios ou da língua chinesa, novos candidatos à posição de língua mais antiga e perfeita. Em um período de formação de identidades nacionais europeias, Eco analisa o fato de uma grande quantidade de autores defenderem a língua da sua pátria como exemplar, perfeita e mais antiga do que todas as outras. Nesse momento, vemos desfilar a defesa do holandês, do alemão e de várias outras candidatas ao posto de língua primordial, sendo provas e justificativas para tais afirmações algumas etimologias absurdas e arbitrárias, capazes de fazer qualquer palavra ser derivada de qualquer outra.

Para Eco (2001), "a história das línguas perfeitas é a história de uma utopia, e de uma série de fracassos" (p. 38). No entanto, "veremos como a cada fracasso seguiu-se um 'efeito colateral'; de fato, se por um lado os vários projetos não vingaram, por outro, deixaram um rastro de consequências benéficas" (p. 39). Assim, a busca pela língua primordial acabou tendo como consequência um avanço do saber - tais trabalhos estimularam a pesquisa da linguística comparada, que se desenvolveu bastante e chegou a várias descobertas importantes sobre a história das línguas, formulando, por exemplo, a hipótese do indoeuropeu como idioma que teria dado origem a uma família de línguas. Hipóteses poligenéticas foram propostas como alternativa, levantando a possibilidade de que diversas línguas tenham surgido de forma independente uma das outras, não havendo uma origem comum a todas as línguas existentes.

 

 

Apesar do desenvolvimento das pesquisas de linguística comparada o problema da origem da linguagem se manteve resistente dada a "impossibilidade de discussão científica de um assunto cujos documentos se perdem na noite dos tempos" (Eco, 2001, p. 148). No século XVIII, alguns levantaram a possibilidade de que a língua original seria extremamente simplória e arcaica e voltar atrás seria não somente impossível como indesejável. Afastando ainda mais o ideal de uma língua primitiva que pudesse ser ideal e universal, ao longo dos séculos XVIII e XIX, surge em autores como Jacourt, Condillac, Herder e Humboldt a ideia de que as diversas línguas nascem dos gênios dos povos - seus diferentes hábitos, educação, governo, clima e geografia fazem com que cada língua seja incomparável e exprima uma visão de mundo diferente.

A outra vertente de pesquisa que visa à superação da confusio linguarum é a da construção de uma nova linguagem que ocupe o papel de língua universal3. Se dentro de um contexto de maior influência religiosa a busca havia se voltado para a recuperação da língua adâmica, com o desenvolvimento da era moderna será cada vez mais comum o projeto de fabricação de tal língua ideal, agora como um empreendimento da razão. "É preciso identificar e organizar uma espécie de 'gramática das ideias' que seja independente das línguas naturais e que, portanto, seja postulada apriori" (Eco, 2001, p. 269). Só assim tal língua poderia ser construída ao abrigo das preferências e contingências individuais, sendo construída de forma sólida e inequívoca para toda a humanidade.

Jorge Dalgarno (1616-1687) é citado como um dos primeiros a procurar realizar um projeto como esse, mas o trabalho mais elaborado, sem dúvida, é o do seu contemporâneo John Wilkins (1614-1672). Wilkins procura "detectar as noções elementares comuns a cada ser racional" (Eco, 2001, p. 292), mas a representação do universo que ele propõe é a imagem de um universo conforme o saber oxoniense [de Oxford] de sua época, por isso, ele não se coloca de modo algum, o problema que povos de outra cultura (que também deveriam usar a sua língua universal) possam ter organizado o mesmo universo de outra forma (Eco, 2001, p. 292).

a representação do universo que ele propõe é a imagem de um universo conforme o saber oxoniense [de Oxford] de sua época, por isso, ele não se coloca de modo algum, o problema que povos de outra cultura (que também deveriam usar a sua língua universal) possam ter organizado o mesmo universo de outra forma (Eco, 2001, p. 292).

A linguagem de Wilkins, apesar de todo o seu esforço de universalidade, era extremamente limitada em suas categorias. A invenção de novas palavras também resultava problemática, já que a língua era um sistema fechado de categorias preestabelecidas - o que fazer diante de fenômenos novos, não previstos?

O escritor argentino Jorge Luís Borges divertiu-se em notar o caráter prosaico das categorias de Wilkins, como a divisão das pedras em "comuns (pederneira, cascalho, piçarra), módicas (mármore, âmbar, coral), preciosas (pérola, opala), transparentes (ametista, safira) e insolúveis (hulha, greda e arsênico)" (Borges, 1999, p. 94). Com uma boa dose de ironia, Borges o compara então com certa enciclopédia chinesa segundo a qual:

os animais se dividem em (a) pertencentes ao Imperador, (b) embalsamados, (c) amestrados, (d) leitões, (e) sereias, (f) fabulosos, (g) cães soltos, (h) incluídos nesta classificação, (i) que se agitam como loucos, (j) inumeráveis, (k) desenhados com um finíssimo pincel de pelo de camelo, (l) et cetera, (m) que acabam de quebrar o vaso, (n) que de longe parecem moscas (Borges, 1999, p. 94).4

Apesar do tom obviamente jocoso, Borges faz em seguida uma consideração mais séria: "notoriamente, não há classificação do universo que não seja arbitrária e conjetural. A razão é muito simples: não sabemos o que é o universo" (Borges, 1999, p. 94). A impossibilidade de realizar a linguagem perfeita repousaria na impossibilidade de saber de antemão o que é o universo e, portanto, construir a linguagem que poderia tudo abarcar. Para se construir tal linguagem seria necessário um saber absoluto.

Aqui temos o entrelaçamento de dois temas - a busca da linguagem ideal e a busca da certeza no conhecimento. Eco (2001) seguirá somente a pista do primeiro tema. Depois de citar os nomes de Frege, Russell, Wittgenstein e Carnap, afirma: "Os autores que acabamos de mencionar procuram construir uma língua da ciência, perfeita dentro do próprio âmbito, e de uso universal, sem, contudo, pretender que ela venha a substituir uma língua natural" (Eco, 2001, p. 376). O foco de Eco ficará somente nas línguas que pretendem substituir uma língua natural, e por isso ele discutirá em seguida projetos de línguas internacionais auxiliares (LIA) como o Volapuk e o Esperanto.

Eco (2001) cita Destutt de Tracy, que sugere a seguinte reflexão: se um belo dia todos os homens da terra acordassem falando a mesma língua, isso de nada adiantaria, pois ela logo passaria a ser alterada nas diferentes localidades em que é falada e seria somente uma questão de tempo para que a diferenciação nos levasse de volta à confusão de línguas. Para Eco (2001), hoje em dia, "a fragmentação linguística não é mais sentida como um acidente a ser consertado, mas como um instrumento de identidade étnica e um direito político" (p. 401). Na conclusão do seu livro, o célebre linguista italiano convida-nos a pensar a diversidade das línguas não como uma maldição, mas como uma fonte de riqueza, já que tal variedade significa uma pluralidade de pontos de vista sobre o mundo - diferentes línguas, diferentes verdades.

Embora não fosse sua intenção entrar na discussão de uma língua perfeita para a ciência, o que vamos sugerir aqui é que a trajetória da busca de tal língua é basicamente a mesma da busca de línguas universais em geral, e que as críticas feitas às línguas perfeitas/universais, especialmente àquelas que ele chama de línguas filosóficas a priori, também se aplicam à pretensão de uma língua científica perfeita. A virada linguística poderá ser vista então como um capítulo da busca da língua perfeita que segue o mesmo padrão apontado por Eco (2001): um fracasso; mas um fracasso pleno de consequências que alteram a configuração do saber.

 

Virada Linguística e Filosofia Analítica

Dummett (1993) e Weiner (2004) consideram que o primeiro autor a efetuar a chamada virada linguística foi Gottlob Frege (1848-1925). O programa de Frege era o chamado Logicismo, que consistia na tentativa de reduzir a matemática a princípios básicos de lógica. Para realizar esse feito, Frege procurou elaborar uma linguagem ideal, a Begriffsschrift, que serviria para a expressão dos axiomas e das provas rigorosas dos teoremas aritméticos a partir dos princípios da lógica (Jacquette, 2007).

Bertrard Russell encontrou, no entanto, um paradoxo que poderia ser formulado dentro da suposta linguagem ideal de Frege, o chamado Paradoxo de Russell: um conjunto de todos os conjuntos que não são membros deles mesmos. Se tal conjunto não possuir a ele mesmo enquanto membro então ele é um conjunto que não é membro dele mesmo e, portanto, deveria estar incluído. Por outro lado, se ele estiver incluído dentro dele mesmo ele passa a ser um conjunto que é membro dele mesmo e, portanto, não deveria ser incluído. Frege modificou o seu sistema para tentar dar conta desse problema, mas mais uma vez não obteve sucesso; o programa do logicismo falhou (Jacquette, 2007).

Apesar do grande objetivo de sua obra não ter sido atingido, a importância de Frege é enorme. Jacquette (2007) o chama de bisavô da filosofia analítica, dado que ele teria inspirado a concepção de filosofia enquanto ciência, e estabelecido o programa de pesquisa para os principais temas da filosofia da lógica, filosofia linguística e filosofia matemática de orientação científica. Para Jacquette (2007), seu legado foi deixar um paradigma de como proceder metodicamente na classificação de conceitos - mais importante do que qualquer conteúdo específico, sua contribuição foi dar o tom para um novo modo de fazer filosofia.

Para Dummett (1993), o que distingue a filosofia analítica, em suas diversas manifestações, de outras escolas é a ideia de que uma explicação filosófica do pensamento só pode ser efetuada de maneira abrangente através de uma explicação da linguagem. Por isso, a filosofia analítica teria nascido quando foi tomada a virada linguística, e o primeiro exemplo claro disso teria acontecido em "Die Grundlagen der Arithmetik", de Frege (1884/2007). Segundo Dummett (1993), Frege foi o avô da filosofia analítica, e aqueles que se voltaram para a análise do pensamento através da análise da linguagem construíram sobre as fundações que ele estabeleceu.

Dummett (1993), no entanto, também diz que:

Se nós identificamos a virada linguística como o ponto inicial da filosofia analítica propriamente dita, não pode haver dúvida que, por mais que Frege, Moore e Russell tenham preparado o terreno, o passo crucial foi dado por Wittgenstein no Tratado Lógico-Filosófico (p. 127).

Há, portanto, certa ambiguidade por parte de Dummett quanto ao momento escolhido como sendo o da virada linguística: em um trecho ele confere a Frege o privilégio de ser o primeiro a realizar a virada (p. 5), já no trecho citado acima Dummett reconhece que Frege teria preparado o terreno para o passo crucial dado por Wittgenstein.

 

 

Prosseguindo na tentativa de localizar mais precisamente a virada linguística, vejamos então qual o significado da expressão para quem a inventou e como ela seria localizada na história da filosofia. Na compilação de textos organizada por Richard Rorty e que tem como título "The linguistic turn: essays in philosophical methods" o próprio Rorty (1992a) explica que quem cunhou a expressão virada linguística (em inglês, linguistic turn) foi Gustav Bergmann (1906-1987)5. Rorty não esclarece em qual obra ela teria aparecido pela primeira vez, mas o texto de Bergmann escolhido por Rorty para figurar no livro em questão data de 1953, e nele já vemos Bergmann utilizando a expressão.

Nesse artigo, Bergmann (1953/1992) inicia falando sobre o movimento do positivismo lógico, e, sobre a virada linguística em si, afirma: "O que precisamente a virada linguística é, ou, para manter a metáfora, como executá-la propriamente é controverso" (p. 64). No entanto, mesmo sem uma definição mais precisa do que a virada linguística seja, Bergmann localiza o início dela no Tratado lógico-filosófico de Wittgenstein (1922/2002), afirmando que os filósofos que trabalham nessa tradição interpretaram e desenvolveram de diferentes maneiras tal virada, mas todos estão sob seu encanto (under its spell), e por isso possuem um estilo semelhante.

Assim, em sua origem, a expressão virada linguística é uma metáfora inventada por Bergmann para descrever aquilo que Wittgenstein teria realizado em seu Tratado Lógico-Filosófico. A metáfora não é precisa, e Bergmann não procurou elucidar exatamente o que entendia por ela, mantendo-a como uma referência vaga e reconhecendo que existiam várias interpretações dela, afinal várias interpretações são possíveis do Tratado.

Precisamos olhar mais de perto, portanto, o Tratado Lógico-Filosófico. O livro de Wittgenstein é "escrito à maneira das suras do Alcorão ou dos livros da Bíblia, com divisão em versículos" (Oliveira, 2002, p. XI). Nele, Wittgenstein defende que os problemas da filosofia estão baseados em uma má compreensão da lógica da linguagem. O modo como tais problemas têm sido formulados está errado, a maior parte das proposições e das questões não são falsas, mas sem sentido, por não se fundamentarem em uma devida compreensão da linguagem.

Propõe então, no item 3.325, que

para evitar estes erros temos que utilizar uma linguagem simbólica que os exclua, por não utilizar o mesmo sinal em símbolos diferentes, nem por usar de maneira aparentemente idêntica sinais que designam de maneira diferente. Logo, uma linguagem simbólica, que obedece à gramática lógica - à sintaxe lógica (Wittgenstein, 1922/2002, p. 47).

Em outras palavras, estamos aqui na questão da formulação da linguagem ideal, temática que ele herda de Frege e de Russell, na qual toda palavra teria um único sentido e correspondente na realidade, sendo o estado ideal buscado aquele em que nenhuma palavra se referiria a mais de um objeto e nenhum objeto seria referido por mais de uma palavra.

Assim, "toda filosofia é crítica da linguagem" (p. 53) e "o objetivo da Filosofia é a clarificação lógica dos pensamentos. A filosofia não é uma doutrina, mas uma atividade. Um trabalho filosófico consiste essencialmente em elucidações. O resultado da Filosofia não são proposições filosóficas, mas o esclarecimento de proposições" (Wittgenstein, 1922/2002, p. 62).

O Tratado é um livro rico, em que várias ideias diferentes são lançadas em formulações bastante concisas, e, portanto, especialmente abertas à interpretação. Wittgenstein mais tarde fará diversas críticas ao seu modo de conceber a linguagem no Tratado (Wittgenstein, 1996, especialmente os números 23, 91, 98,106-108), e defenderá não uma linguagem lógica e ideal, mas sim uma visão pragmática da linguagem. Essa mudança corresponde à separação frequentemente feita entre o chamado primeiro Wittgenstein, que seria aquele do Tratado, e o segundo Wittgenstein, correspondente às obras posteriores. O segundo Wittgenstein formula a concepção de jogos de linguagem, que significam justamente os diversos contextos reais onde uma linguagem é utilizada e enuncia que "a significação de uma palavra é seu uso na linguagem" (Wittgenstein, 1996, p. 43).

Para acompanhar o desenvolvimento posterior dado por outros autores às ideias de Wittgenstein, será útil utilizarmos o longo ensaio de Rorty (1967/1992b), que introduz a coletânea "The linguistic turn". Nele, Rorty define a filosofia linguística como "a visão de que problemas filosóficos são problemas que podem ser solucionados (ou dissolvidos) seja reformando a linguagem ou entendendo mais sobre a linguagem que usamos" (Rorty, 1967/1992b, p. 3).

Como o próprio Rorty reconhece, "filosofia linguística e filosofia analítica são frequentemente usados de forma intercambiável" (Rorty, 1967/1992b, p. 27). Rorty divide a filosofia linguística em dois grandes grupos, o dos filósofos da linguagem ideal (FLI) e o dos filósofos da linguagem ordinária (FLO). Para os primeiros, seria necessária a construção de uma nova linguagem lógica que pudesse servir como comunicação sem nenhuma ambiguidade. Para os defensores da linguagem ordinária, isso não seria preciso, já que uma reforma ou um uso adequado da linguagem comum seria suficiente.

Ambos estariam, no entanto, de acordo na crítica à filosofia tradicional, que falharia por colocar questões impossíveis de serem respondidas. Para os defensores da filosofia linguística, só devemos propor questões se pudermos ao mesmo tempo oferecer critérios para respostas satisfatórias a essas questões. Assim, ao analisar a linguagem na qual os problemas filosóficos tradicionais são formulados veríamos que, ou esses critérios não existem, ou podem ser reformulados de maneira a fornecerem uma resposta clara (Rorty, 1967/1992b).

A importância e centralidade de Wittgenstein para essa tradição filosófica ficam evidentes quando nos damos conta de que ele expressou com força singular as ideias centrais da filosofia linguística, tanto em sua concepção de linguagem ideal quanto na sua concepção de linguagem ordinária. O desenvolvimento posterior em ambas as direções é influenciado por ele, como podemos ver no círculo de Viena e no positivismo lógico por um lado, e no estudo dos atos de fala por outro (Austin, 1962/1990; Searle, 1969/1981).

O otimismo de uma concepção de filosofia revolucionária que viria a solucionar todos os problemas logo cede lugar, no entanto, a considerações mais céticas - Rorty observa como as discussões sobre a linguagem ideal, assim como as discussões sobre a linguagem ordinárias vão se assemelhando às discussões metafísicas, e coloca que "a linguagem não é menos controversa que a metafísica" (Rorty, 1977/1992c, p. 362).

Aparentemente, a tentativa de driblar os problemas da filosofia tradicional levou a um mar de discussões técnicas e conceituais tão elaboradas e sofisticadas quanto as que eram criticadas como infrutíferas e devidas a uma não compreensão do papel da linguagem na formulação dos problemas. Alinhamo-nos aqui com autores que consideram que a busca da resolução total da filosofia pelo viés da linguagem resultou em um fracasso: "O interessante é que o desenvolvimento das discussões mostrou que as discussões ditas metafísicas, consideradas eliminadas, retornam como questões intranscendíveis da reflexão humana" (Oliveira, 2001, p. 91).

Com efeito, foi ficando claro que (...) os enunciados empíricos não eram propriamente 'resultados de observações', que a superação da metafísica não podia ser obtida com base na doutrina do Círculo de Viena e que o grande sonho de uma linguagem 'ideal', válida para todas as ciências, era inviável (Gracia, 2004, p. 31).

Aparentemente, Jorge Luís Borges tocou no ponto central: não é possível fazer uma língua perfeita sem um conhecimento perfeito do universo, e como não temos esse último, tampouco temos a primeira. A torre de babel das linguagens científicas, metodológicas e filosóficas é uma diversidade que, tal como as línguas naturais, parece ser incontornável, e que talvez possamos começar a apreciar, como sugere Umberto Eco, não como maldição, mas como sinal de riqueza cultural.

 

Diferentes Sentidos da Virada Linguística

O primeiro sentido da virada linguística, ou o que poderíamos chamar de seu sentido original é o dado por Bergmann, como sendo aquilo que Wittgenstein realizou no Tractatus. Como vimos, o tema da linguagem perfeita está fortemente presente nesta obra. A lógica é vista pelo primeiro Wittgenstein como um espelho do mundo, que tudo abrange.

Algo que está implícito, mas que é fundamental no Tractatus, é que o entendimento da filosofia enquanto crítica da linguagem só faz sentido porque pensamento e linguagem não são dois compartimentos separados, eles possuem uma relação de determinação mútua. Linguagem confusa implica confusão de conteúdo do pensamento. Se a filosofia está em estado de confusão é porque não há a reflexão apropriada sobre sua linguagem, algo que Wittgenstein pretende superar: "Dar a essência da proposição quer dizer dar a essência de toda a descrição, logo, a essência do Mundo" (Wittgenstein,1922/2002, p. 98).

Assim, em um dos seus sentidos possíveis, a virada linguística é mais uma tentativa de defender uma linguagem filosófica perfeita; nesse caso, a lógica enquanto sistema de proposições que descreve o mundo, e que Wittgenstein identifica com o conjunto das ciências naturais. "A totalidade das proposições verdadeiras é toda a ciência natural (ou a totalidade das ciências da natureza)" (Wittgenstein,1922/2002, p. 62).

A popularização da expressão "virada linguística", no entanto, bem como seu caráter reconhecidamente vago, parece ter favorecido sua utilização com uma conotação bem mais abrangente. Em uma passagem bastante interessante, Wittgenstein questiona: "Uma fotografia pouco nítida é realmente a imagem de uma pessoa? Sim, pode-se substituir com vantagem uma imagem pouco nítida por uma nítida? Não é a imagem pouco nítida justamente aquela de que, com frequência, precisamos?" (Wittgenstein, 1996, p. 54) Assim, a expressão "virada linguística" parece ter-se transformado justamente na fotografia pouco nítida de que se precisava para falar sobre a forte presença do tema da linguagem na cultura de uma época.

Em sentido estrito, a virada linguística é o que Wittgenstein realiza no Tratado Lógico-Filosófico. Como metáfora e fotografia pouco nítida, ela tem, no entanto, um apelo bem maior e mais universal - podemos compreender que o seu sucesso e difusão aconteceram na medida mesma em que essa expressão saiu de seu contexto de origem e se transformou em um conceito extremamente geral e, por isso mesmo, capaz de abarcar muita coisa.

A virada linguística ficaria definida não como um fenômeno localizado e pertencente à obra de um filósofo (Wittgenstein), ou a uma escola filosófica (a da Filosofia Analítica), mas serviria como uma denominação geral da ascendência da importância da linguagem, uma forma de indicar que a análise da linguagem passa ao primeiro plano. A virada linguística poderia ser entendida então como um momento difuso e impreciso, em que a atenção do homem se volta de forma privilegiada para o estudo da linguagem, com uma intensidade e abrangência que não haviam ocorrido antes na história.

"Nesses últimos anos, os problemas fundamentais da filosofia da linguagem adquiriram uma acuidade e uma importância excepcionais. Pode-se dizer que a filosofia burguesa contemporânea está se desenvolvendo sob o signo da palavra" (Bakhtin, 1929/2010, p. 26). É significativo que Bakhtin chegue a esse diagnóstico sem citar um só representante da tradição da filosofia analítica, o que parece mostrar que o tema da linguagem estava de fato em forte evidência na época, independentemente da escola em que era abordado.

Nogueira (2008) fala que a "virada linguística" se tornou uma moda e passou a caracterizar não somente uma preocupação da filosofia analítica com a linguagem, mas sim o clima geral de opinião da filosofia do século XX. Para esta autora, a linguagem deixou de ser um mero instrumento neutro para expressão dos pensamentos e passou a ser vista como determinante para a fabricação das ideias, que não poderiam mais ser separadas do modo como eram expressas.

A ideia de que a linguagem não é um instrumento neutro não é original do século XX - Eco (2001) a considera suficientemente estabelecida no século XVIII, já presente nas reflexões de Hobbes e Bacon. Mas o que parece estar em questão aqui, ao falar da virada linguística nesse sentido mais amplo, não parece ser a determinação da origem de uma ideia, mas sim a declaração de que é aproximadamente na virada do século XIX para o XX que há a disseminação do insight da não neutralidade da linguagem; a impressão de que a partir daí a não neutralidade da linguagem passa a fazer parte do Zeitgeist: o assunto da linguagem passa a estar na ordem do dia e a fazer parte do espírito da época.

Assim, modificando o conceito/metáfora de virada linguística do seu contexto original e relativo a Wittgenstein, podemos obter um novo conceito, mais abrangente e, consequentemente, menos preciso. Como "movimento em direção à linguagem", a virada linguística serve como uma descrição geral do florescimento de estudos sobre a linguagem no final do século XIX e início do século XX. Como disseminação da ideia de não neutralidade da linguagem, temos uma versão um pouco mais elaborada, mas também bastante geral.

Habermas (2004), por sua vez, também pinta um quadro abrangente, ao propor a virada linguística como uma mudança do paradigma do sujeito para o paradigma da linguagem. Para ele, a história da filosofia ocidental pode ser contada a partir da dominância sucessiva de três grandes temas: Ser, Consciência e Linguagem. O paradigma do Ser é o da metafísica, que começa com Parmênides, e segue por Platão, passando por Agostinho, São Tomás, Descartes, Espinosa, Leibniz até Kant e Hegel. O paradigma da Consciência é chamado também de Filosofia do Sujeito e é caracterizado pelo dualismo corpo x alma e pela divisão sujeito x objeto na qual o sujeito é tido como transcendental e capaz de conhecer o mundo.

Então, Habermas (2004) afirma que a virada linguística é o que torna impossível que esses dois paradigmas se mantenham de pé. Não é mais possível um discurso que se pretenda final sobre o Ser absoluto: toda expressão do Ser é dada em uma determinada época e em uma determinada linguagem. Tampouco o sujeito pode ser esse parâmetro imutável e universal a partir do qual se pode erigir o conhecimento seguro - o conhecimento é sempre tributário da linguagem na qual se expressa e o sujeito é uma construção (social e linguística), e não um ideal imutável e a-histórico.

Já Iñiguez (2002) afirma que a virada linguística foi o debate na filosofia da ciência sobre a suficiência ou não da linguagem cotidiana para a utilização científica ou se seria preciso construir uma linguagem formal. A conclusão desse debate foi que as linguagens formais não são linguagens ideais, perfeitas, neutras. Assim, tais linguagens não são fundamentalmente diferentes de outras linguagens em circulação na sociedade. Todas se igualam no que diz respeito ao fracasso na capacidade de realizar uma descrição perfeita e neutra da realidade, o que é "uma maneira de igualar o conhecimento ou o saber cotidiano e popular ao científico" (Iñiguez, 2002, p. 159). Assim, a ciência passa a ser vista como uma prática social dentre outras, e a linguagem científica não passa da linguagem de um grupo social particular, o que leva Iñiguez a dizer que a sociologia do conhecimento científico é um desenvolvimento diretamente relacionado à virada linguística.

Gracia (2004) fornece uma boa apresentação geral da virada linguística, chamada por ele de giro linguístico. Para Gracia, o giro é um processo com várias fases de desenvolvimento e não um movimento único e brusco. Para este autor, o giro linguístico é simultaneamente: A) "uma atenção maior ao papel desempenhado pela linguagem" (p. 19); B) uma mudança na "própria concepção da natureza da linguagem" (p. 19); C) todas as repercussões desses dois fatores.

Para Gracia, a maior atenção dada à linguagem reflete-se em dois campos diferentes: na Linguística, com Saussure, e na Filosofia, com Gottlob Frege. Saussure representa uma ruptura com a tradição filológica, ruptura que institui a Linguística moderna. O desenvolvimento da linguística é pouco explorado por Gracia, que apenas assinala sua enorme influência dentro das ciências humanas, através do estruturalismo francês, com autores importantes como Lévi-Strauss e Foucault.

É na ruptura filosófica representada por Frege que Gracia centra o seu relato, tal como fizemos acima. Essa ruptura é com a filosofia da consciência, que Frege abandona ao voltar suas reflexões para a linguagem. O giro linguístico começa como uma tentativa de formular uma linguagem lógica ideal e perfeita, sendo Frege, Bertrand Russell e o primeiro Wittgenstein exemplos desse empreendimento.

Para Gracia (2004), todos os desenvolvimentos do positivismo lógico e da pesquisa com linguagem ordinária fazem parte da virada linguística, conforme ela se foi desenvolvendo ao longo do século XX. O fracasso do empirismo lógico abriu as portas para o pluralismo teórico e metodológico que observamos hoje. Já a filosofia da linguagem cotidiana provocou um questionamento da concepção representacionalista da linguagem, ao demonstrar que toda linguagem é também uma atividade: a partir da teoria dos atos de fala, a linguagem não só representa, mas também faz coisas.

Como vimos até aqui, a expressão "virada linguística" tem sido abordada de muitas maneiras diferentes por diferentes autores e, dependendo do sentido considerado, temos uma caracterização diferente. A virada linguística (VL) pode ser entendida como:

1) Aquilo que Wittgenstein fez no Tractatus, ou seja, alçar a análise da linguagem ao primeiro plano, nesse momento ainda com a intenção idealista de resolver os problemas filosóficos de uma vez por todas através de uma linguagem perfeitamente clara (Bergmann 1953/1992);
2) Movimento geral em direção à linguagem no século XX (virada linguística como expressão que captura algo do Zeitgeist, Gracia, 2004; Nogueira, 2008)
3) Mudança na concepção de linguagem, que inclui:

3.1) a disseminação da não neutralidade da linguagem - a linguagem como atividade que está imbricada na fundação do conhecimento e não somente como invólucro do pensamento (Gracia, 2004; Nogueira, 2008);
3.2) a exploração da linguagem como ação, seu aspecto não representativo (Gracia, 2004);
4) Mudança de paradigma, que desloca o foco do sujeito para a linguagem, leva a um questionamento de universais e essências, enfatizando a construção linguística e histórica (Habermas, 2004);
5) Debate que leva ao abandono da tentativa de elaborar uma linguagem ideal e neutra para a ciência. No que diz respeito à neutralidade, a linguagem científica não pode ser diferenciada da linguagem ordinária, na verdade ela é uma especialização ou um desenvolvimento da linguagem ordinária por um determinado grupo social (Iñiguez, 2002).

 

Conclusão: Narrativa Integrada da Virada Linguística Como Uma Mudança Paradigmática

Tentaremos agora articular esses diferentes sentidos em uma narrativa que antecipamos como sendo a da virada linguística, como um capítulo da história da busca da linguagem ideal e como um fracasso que teve consequências importantes. Não há pretensão alguma de que a leitura aqui proposta seja a única, mas apenas uma organização possível.

Articulando os cinco sentidos enumerados no final da seção passada, podemos dizer que: dentro de um contexto de grande atenção voltada ao tema da linguagem (VL n° 2) a tentativa de Wittgenstein, de encontrar uma linguagem ideal (VL n°1), foi bastante influente e desencadeou um debate (VL n°5) que teve como consequência uma mudança de grande porte na concepção de linguagem - conscientização disseminada de que a linguagem não era um meio neutro, bem como a disseminação de que a linguagem é sempre uma forma de ação, não se esgotando na sua função de representação (VL n°3). Esse debate (VL n°5) teve como desfecho a conclusão de que não era possível a construção de uma linguagem ideal que pudesse isolar totalmente o conteúdo da forma; essa conclusão, por sua vez, provocou uma mudança paradigmática importante (VL n°4).

Se é assim, então, não se pode mais sustentar a hipótese racionalista de uma gramática do pensamento, universal e estável, que as várias linguagens refletem de alguma forma. Nenhum sistema de ideias, postulado com base em uma razão abstrata, pode se tornar parâmetro e critério para a construção de uma língua perfeita: a língua não reflete um universo conceitual conhecido previamente, mas concorre para formá-lo (Eco, 2001, p. 349).

A neutralidade da linguagem era necessária para manter a crença na razão universal, atributo do sujeito transcendental, esse herói do conhecimento, considerado por Lyotard (1998) como um dos grandes relatos de legitimação da modernidade. Se não é possível dominar a linguagem como instrumento neutro desta razão incorpórea universal, isso significa que toda razão passa a ser uma expressão histórica, podendo inclusive ser entendida como imanência, corpo, entrelaçada com a linguagem da qual não se pode nunca despir totalmente.

Última tentativa de salvar a razão moderna (em sua versão absoluta, idealizada), a virada linguística, ao tentar construir a linguagem ideal e falhar, parece assinalar a passagem do paradigma do sujeito para o paradigma da linguagem.

 

Referências

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Recebido em: 24/01/2019
Aprovado em: 23/05/2019

 

 

1 Outras versões são "viragem linguística" (Nogueira, 2008) e "giro linguístico" (Gracia, 2004), que me parecem equivalentes à virada linguística, refletindo apenas uma escolha de tradução. Já a "reviravolta linguístico-pragmática" (Oliveira, 2001) enfatiza o desdobramento da virada linguística rumo à teoria dos atos de fala. É interessante assinalar a variedade de expressões que tomam o "linguistic turn" como modelo. Hoje se fala em virada narrativa, virada heliocêntrica, virada cultural, virada pós-moderna, virada semiótica, virada visual, virada pluralista, virada pragmática, virada discursiva e narrativa, giro discursivo, giro platônico, giro pragmatista. Esses são apenas alguns exemplos da variedade de expressões que são forjadas a todo instante, sendo todas retiradas da literatura acadêmica em português. Não incluímos as referências aqui para não tornar esta nota ilegível.
2 A fragmentação das línguas como castigo divino para a humanidade orgulhosa que ousou construir a torre de Babel.
3 Se a consequência benéfica da busca da linguagem primitiva foi o desenvolvimento da linguística comparada, a consequência benéfica da pesquisa da linguagem construída será o desenvolvimento da lógica e de linguagens formalmente perfeitas, a partir de Leibniz, passando por Boole e chegando até as modernas linguagens de computação (Eco, 2001). Chaitin (2009) também aborda o mesmo tema, mostrando como a tentativa de construção de linguagens perfeitas levou à elaboração das linguagens de programação para computador.
4 O fato de Borges citar Franz Kuhn como fonte fez com que alguns considerassem a possibilidade de que a referência fosse real, já que Kuhn de fato existiu e traduziu clássicos da literatura chinesa para o alemão. Mais provável, no entanto, é que a enciclopédia chinesa em questão nunca tenha existido de fato e não passe de uma brincadeira de Borges (Cseresnyesi, 1996). Além do caráter demasiado aleatório e fantástico, outro dado que parece corroborar que a lista é mesmo uma invenção de Borges é o item (h), que parece ser uma alusão ao paradoxo de Russell.
5 Iñiguez (2002) diz em uma palestra que "A virada linguística é uma etiqueta criada por Rorty" (p. 158), no entanto, isso não é exato. Como o termo de fato parece ter-se popularizado a partir de Rorty, ele de certa forma o criou como etiqueta (para usar o termo de Iñiguez), mas é preciso dar o crédito a Bergmann por ter cunhado a expressão. Embora não tenha criado a expressão exata em discussão, Moritz Schlick já havia lançado essa ideia e falado sobre uma virada na filosofia em um texto originalmente publicado em 1930, e também atribui o ponto decisivo da virada à Wittgenstein. É possível acessar o artigo de Schlick pela internet no original em alemão (Schlick, 1930a) e em uma tradução para o inglês (Schlick, 1930b).

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