SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.13 número especialA Psicanálise e o PolíticoPsicologia das massas, mais ainda: fraternidade, ódio e segregação índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Trivium - Estudos Interdisciplinares

versão On-line ISSN 2176-4891

Trivium vol.13 no.spe Rio de Janeiro mar. 2021

http://dx.doi.org/10.18379/2176-4891.2021vNSPEAp.49 

A PSICANÁLISE NA HISTÓRIA

 

Retomada da psicanálise no discurso político na contemporaneidade

 

Retaking the psychoanalysis in politics in the contemporary world

 

Reprise de la psychoanalyse au discors de la philosofie politique à la contemporaneité

 

 

Joel Birman

Professor titular do Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Universidade Sorbonne Paris Cité, Paris Diderot. Diretor de Estudos em Letras e Ciências Humanas; professor e pesquisador associado do Laboratório Psicanálise, Medicina e Sociedade, Escola Doutoral de Psicanálise, Paris, França. E-mail: joelbirman@uol.com.br

 

 


RESUMO

A intenção deste texto é o de indicar a concepção original da inscrição da psicanálise, numa perspectiva histórica, no campo da política na contemporaneidade. Neste contexto, foram considerados os conceitos teóricos de Freud e de Lacan, por Laclau, Butler e Zizek

Palavras-chave: POLÍTICA; PSICANÁLISE; FILOSOFIA.


ABSTRACT

The aim of this paper is of showing the original idea, in a historical point of view, in retaking the psychoanalysis to think the politics field in the contemporary world. For this retaking the conceptions of Freud and Lacan were highlightened by Laclau, Butler and Zizek. Impasses.

Keywords: POLITICS; PSYCHOANALYSIS; PHILOSOPHY.


RESUMÉ

L'intention de ce texte est de montrer la reprise de la psychoanalise par la philosophie politique dans la contemporaneité, par le biais de Freud et de Lacan, dans les recherches accomplies par Laclau, Butler et Zizek;

Mots-clés: POLITIQUE; PSYCHOANALYSE; PHILOSOFIE.


 

 

Existe uma novidade teórica na contemporaneidade, em oposição marcante às relações que foram estabelecidas anteriormente entre psicanálise e política, que deve ser destacada. Assim, diferentes autores do campo da filosofia política e que se inscrevem na vertente da esquerda, passaram a se valer da teoria psicanalítica para repensar o discurso da política. No discurso analítico, o que foi colocado em pauta foi o conceito de sujeito, como sujeito do inconsciente, tal como foi enunciado por Lacan.

Este foi o caso de Laclau, Butler e Zizek (2000), que publicaram a obra intitulada "Após a emancipação: três vozes para pensar a esquerda", que foi editada em inglês no ano 2000 e que foi traduzida para o francês em 2017. A obra originou-se de um debate estabelecido pelos três autores. O livro em questão se caracteriza pela densidade teórica dos seus diferentes textos, por um lado, assim como pela franqueza pela qual cada autor concordava e discordava de seus pares, pelo outro. Não obstante suas diferenças de abordagem, contudo, o que se impôs como identidade entre os autores foi a assunção do discurso analítico como instrumento teórico para enunciar outro discurso sobre política.

Estaria então na retomada da psicanálise, para pensar o discurso da política na atualidade, a novidade do debate estabelecido pelos autores em pauta. Esta novidade se destaca com eloquência quando se sabe que, ao longo do século XX, a psicanálise sempre foi concebida pelo movimento comunista internacional como um discurso conservador na melhor das hipóteses e francamente reacionário na pior das possibilidades, que sustentaria os interesses da pequena burguesia de forma marcante e se oporia assim ao projeto revolucionário centrado na classe operária e pelo partido comunista.

É claro que essa leitura enunciada do movimento comunista, de orientação stalinista, encontrava ressonância no que se passava então no movimento psicanalítico internacional, no qual pela liderança de Ernest Jones sustentava a ausência de qualquer articulação orgânica do discurso psicanalítico com as problemáticas oriundas dos campos social, cultural e político. Com efeito, na sua biografia de Freud, Jones enunciou que os textos que Freud sobre esses temas não estavam presentes na constituição da psicanálise, como também não acrescentaram nada de novo na teoria analítica, na medida em que essa já estava forjada quando Freud se voltou para a elaboração desses problemas. (Jones, 1960). As formulações de Freud sobre aqueles problemas seriam, portanto, meras opiniões de um velho sábio sobre as questões civilizatórias, mas sem nenhuma importância efetiva para a teoria psicanalítica, no sentido de sua prática clínica (Jones, 1960).

Além de ser empiricamente falsa a formulação de Jones, bastando para isso checar superficialmente as datas das publicações de Freud sobre tais temas, a proposição de Jones é ainda insustentável porque os ensaios Freud sobre tais questões tiveram efeitos significativos na construção do discurso analítico, inclusive na incidência sobre a experiência clínica. Em relação a isso é suficiente evocar o impacto teórico e clínico que tiveram as obras Totem e tabu (Freud, 1913/1921), Psicologia das massas e análise do eu (Freud,1921/1981), Mal-estar na civilização (Freud, 1930/1981) e Moisés e o monoteísmo (Freud, 1930/1980).

Não obstante as ressonâncias patentes estabelecidas entre o movimento psicanalítico e o movimento comunista, a dimensão da política começou a introduzir-se posteriormente no campo psicanalítico através do movimento Plataforma da Argentina, nos anos 1960, que começou a inserir teses políticas no discurso psicanalítico.

Além disso, desde os anos 1980, a introdução de psicólogos e de outros profissionais oriundos dos campos das ciências humanas no movimente psicanalítico implicou na desmedicalização da psicanálise. Em consequência, o campo psicanalítico inflacionou-se na oferta de analistas no mercado da clínica e que se evidenciou na redução da clientelaprivada desses. Com efeito, parcela significativa dos analistas teve que se inserir no campo da assistência pública de cuidados, sendo assim o campo psicanalítico relativamente proletarizado, perdendo os privilégios que anteriormente tivera. Enfim, por esse viés, os psicanalistas tiveram necessariamente que pensar nas relações existentes entre psicanálise e política, assim como na incidência de questões sociais e políticas na experiência analítica.

 

Conjunções

É preciso, contudo, evocar ainda que a conjunção existente entre psicanálise e política foi estabelecida anteriormente, do ponto de vista histórico, mas de forma esparsa e restrita. Essa conjunção se fez presente por vozes isoladas, oriundas do movimento psicanalítico, por um lado, e do campo da filosofia, pelo outro. Os anos 1930, do século XX, foi o contexto histórico em que tais vozes se fizeram presentes.

Assim, no campo do movimento psicanalítico, Reich indiscutivelmente promoveu os laços entre o discurso analítico e o discurso político, em algumas obras importantes. Na obra intitulada "Psicologia de massa do fascismo", com efeito, Reich procurou interpretar a impossibilidade de classe operária em realizar a revolução comunista na Alemanha, pela incidência do capitalismo na economia sexual do proletariado (Reich, 1972). Com efeito, Reich procurou estabelecer as articulações cruciais existentes entre a economia política e a economia sexual promovida pelo capitalismo, como forma de produção econômica e social específica, assim como os seus impactos sobre o corpo e as formas de subjetivação. Enfim, as regressões eróticas em questão, em direção às formas pré-genitais da sexualidade, promoveriam a homogeneização das subjetividades, que foi problematizada ao mesmo tempo por Reich no ensaio intitulado Zé ninguém (Reich, 1972).

Posteriormente, na obra intitulada O Anti-Édipo (1972), Deleuze e Guattari criticaram do discurso teórico de Reich, pela forma pela qual esse promoveu a articulação entre os registros da economia política e da economia pulsional no contexto social do modo de produção capitalista, com as formulações dos conceitos de máquina desejante, e de corpo sem órgãos, assim como enfatizando as desterritoralizações produzidas pelo capitalismo, nos corpos e nas subjetividades. Não obstante tais críticas, Deleuze e Guattari reconheceram que Reich empreendeu a primeira tentativa para constituir uma "psiquiatria materialista" (1972).

Ainda na tradição alemã, os pesquisadores do Instituto de Pesquisa Social, de Frankfurt, fizeram, contudo, diversas incursões teóricas para estabelecer as relações entre psicanálise e política, constituindo uma nova modalidade do discurso intitulado de freudo- marxista. O que estava em questão para esses autores era o campo da ideologia no capitalismo, que promoveria formas de subjetivação caracterizadas pela alienação.

 

 

Com efeito, tanto Adorno quanto Horkheimer e Marcuse foram marcados pela obra de Lukáks (1960), intitulada História e consciência de classe, na qual esse disseminou para o campo total da vida e da subjetividade o que Marx restringia ao campo da economia política, como fetichismo da mercadoria. Assim, no campo dos processos de subjetivação, o dito fetichismo da mercadoria produziria formas de alienação denominada reificação (Lukáks, 1960).

Portanto, para pesquisar a reificação como forma de alienação social, os autores citados buscaram no discurso teórico de Freud os instrumentos conceituais para pensar na sujeição. Para isso, o conceito teórico de pulsão foi considerado fundamental para esse propósito teórico, na medida em que pelo conceito de pulsão seria possível pensar a dimensão dialética da negatividade, como enunciou Adorno em Minima moralia (Adorno, 2000).

Da mesma forma, Horkheimer e Marcuse se aproximaram de Adorno na pesquisa da conjunção teórica entre os discursos psicanalítico e marxista, destacando o conceito de pulsão como fundamental para pensar a reificação no registro das subjetivações. Desta maneira, a obra tardia de Marcuse, intitulada Eros e civilização (Marcuse, 1963), foi o desdobramento de um trabalho teórico que já realizava desde os anos 30, de forma sistemática.

Além disso, foi pela mediação do conceito de pulsão que Adorno empreendeu a crítica do discurso analítico norte-americano "Cultura e personalidade", porque essa leitura impediria a psicanálise de pensar a negatividade dialética (Adorno, 2017).

A tradição marxista francesa não estava, contudo, no mesmo comprimento de onda que a tradição filosófica alemã, em decorrência do efeito crítico sobre a psicanálise exercido pelo discurso teórico de Politzer. Com efeito, após ter publicado a obra magistral intitulada "Crítica dos fundamentos da psicologia" (Politzer, 1928), que teve um impacto crucial na psicanálise francesa a começar por Lacan, ao se inscrever posteriormente no movimento comunista internacional Politzer não encarava mais a psicanálise como um discurso teórico importante para a construção da psicologia concreta e para se inserir no projeto revolucionário. Enfim, o marxismo francês assumiu uma postura crítica em relação à psicanálise.

O degelo na relação entre psicanálise e marxismo foi promovido na França posteriormente, nos anos 1960, pela mediação de Althusser. Membro do Comitê Central do Partido Comunista francês, assim como professor da Escola Normal Superior, Althusser foi o responsável pela a reabilitação da psicanálise no pensamento de esquerda na França, pela importância atribuída aos discursos psicanalíticos de Freud e Lacan.

Assim, no ensaio intitulado "Freud e Lacan", publicado em 1964, Althusser destacou a importância dos discursos teóricos de Freud e de Lacan, nos campos filosófico, científico e político. Com efeito, enfatizou então o registro do sujeito do inconsciente, ao insistir no descentramento do sujeito do campo do eu e da consciência promovido pela psicanálise (Althusser, 1964/1976). Ao lado disso, enunciou a tese da cientificidade da psicanálise, pela constituição do inconsciente como objeto teórico da psicanálise, na perspectiva epistemológica fundada na categoria de corte epistemológico (Althusser, 1964/1976), enunciado por Bachelard (1976) e Canguilhem (1968).

Em "Lênin e a filosofia", Althusser (1964/1976) voltou a problematizar a cientificidade da psicanálise, mas delineando agora uma leitura sistemática dos discursos científicos, no qual estabeleceu as especificidades epistemológicas dos registros da natureza, da história e do inconsciente. Com efeito, se a física seria a ciência destacada no registro da natureza, a economia política de Marx seria a ciência de referência no registro de história e o discurso freudiano seria a ciência crucial no registro do inconsciente (Althusser, 1978).

No ensaio sobre os aparelhos ideológicos do Estado, Althusser procurou pensar o campo da ideologia pela referência ao sujeito do inconsciente, sobre o qual incidiria a produção da ideologia. Portanto, Althusser procurou pensar a problemática marxista da alienação pela mediação da categoria de sujeito do inconsciente (Althusser, 1976).

No ensaio intitulado "Sobre Marx e Freud", Althusser sublinhou o que existia de similar nas problemáticas trabalhadas por Marx e Freud. Nesta perspectiva, o que aproximava os discursos freudiano e marxista era a problemática da conflitualidade, na qual Freud enfatizou o registro do psiquismo e Marx destacou o registro da sociedade (Althusser, 1993).

Enfim, de forma restrita a tradição marxista estabeleceu a conjunção com a psicanálise desde os anos 1930, do século XX, nos contextos do movimento psicanalítico e do discurso filosófico, constituindo a tradição freudo-marxista, de forma que foi essa que foi retomada pela filosofia contemporânea, para pensar as relações entre a política e a psicanálise.

 

Reativação

A retomada do discurso psicanalítico para pensar o campo da política na contemporaneidade implicou numa leitura outra da política, fundada na concepção da democracia radical, tal como Laclau e Mouffe (1986) enunciaram esse conceito em "Hegemony and Socialist Strategy: Towards a Radical Democratics Politics". Contudo, a concepção da democracia radical implicou na retomada preliminar do conceito de invenção democrática, que foi enunciado anteriormente por Leffort (1986), para pensar no advento da modernidade política. Portanto, a leitura de Laclau e Mouffe da democracia radical supõe a passagem da modernidade política para a pós-modernidade, no campo estrito da política.

Assim, na leitura de Leffort a modernidade política implicou na queda da soberania absoluta do Rei e a constituição da soberania popular. Se a soberania absoluta se sustentava no eixo vertical, a soberania popular, em contrapartida, se ordenaria no eixo horizontal do espaço social. Se a soberania absoluta se centrava na figura do um (Rei), a soberania popular suporia, em contrapartida, a figura da multiplicidade, na medida em que o indivíduo moderno se caracterizaria pelas múltiplas ligações que estabelece com os demais indivíduos (ibidem).

Contudo, a figura do um permanece de forma espectral no espaço social, de forma que quando os impasses se colocavam para o exercício da governabilidade democrática o desejo de restauração do poder soberano se realizou (ibidem). Seria assim que o totalitarismo se constituiria pelo retorno da soberania absoluta, como ocorreu na primeira metade do século XX, com o fascismo, o nazismo e o stalinismo (ibidem).

A democracia radical implicaria na retomada da concepção da invenção democrática no contexto social da pós-modernidade, no qual o multiculturalismo seria a matéria-prima do discurso da política (Butler, 2017). Com efeito, tanto Laclau quanto Butler colocaram de lado a hipótese de Marx da luta de classes, enfatizando assim o multiculturalismo como matéria prima do discurso da política, mas Zizek procurou ainda conjugar o registro do multiculturalismo com o registro da luta de classes (ibidem).

Na inflexão teórica que enunciaram da concepção da invenção democrática para a concepção de democracia radical, centrada no multiculturalismo, Laclau e Mouffe (2015) retomaram também, contudo, o conceito de Gramsci de hegemonia para pensar o campo da política (Gramsci, 1978).

No entanto, com essa transformação na leitura da democracia contemporânea, se a luta de classes sairia do primeiro plano da interpretação do campo da política, o mesmo ocorreria com o campo da economia, que se deslocaria do registro da infraestrutura para o da superestrutura política e ideológica da formação social capitalista, ao lado dos múltiplos registros do multiculturalismo, como os do sexo, da raça e da religião (Laclau, 2015).

Ao lado disso, no entanto, outra inflexão foi também introduzida em toda essa problematização, que se enuncia no registro do universalismo. Assim, se Marx em "Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel" formulou que a classe operária poderia ser colocada no registro do universal, na medida em que teria perdido tudo no modo de produção capitalista, apesar de ser uma classe social particular, Laclau e Mouffe enunciaram que o proletariado na contemporaneidade não poderia mais ocupar a dita posição do universal, pois não estaria mais na posição de ter perdido tudo como ocorria no século XIX. A tradição marxista, desde a segunda metade do século XIX, com efeito, já criticava tal formulação de Marx, em decorrência das mudanças econômicas e sociais apresentado pelo proletariado no capitalismo (Laclau et.al. 2017). Enfim, a formulação de Gramsci sobre a categoria de hegemonia já indicava esta inflexão existente anteriormente no marxismo.

Foi em decorrência disso que a economia simbólica do universalismo foi transformada de ponta-cabeça, pelo enunciado do conceito de universalismo contingente, sustentado por Laclau, Butler e Zizek (2017). Além disso, o universalismo contingente foi devidamente conjugado com o registro da hegemonia para formular o novo discurso sobre a política, no qual a categoria do sujeito em psicanálise passou a ocupar uma posição estratégica.

Nesta perspectiva, a hegemonia e o universalismo contingente teriam que ser forjados a partir das demandas particulares oriundas dos diferentes segmentos sociais, no que concerne aos registros da sexualidade, da religião, da raça e da economia (ibidem). Seriam tais demandas relativizadas, para que se pudesse enunciar a universalidade contingente, perdendo assim aquelas as suas particularidades específicas, de forma a constituir equivalências entre as diferentes demandas na cena do social, segundo a formulação de Laclau (ibidem). Seria nessa tangência estabelecida de maneira transversal, entre as demandas particulares, que a universalidade contingente seria construída.

Portanto, se a universalidade contingente seria constituída pela relativização das demandas particulares presentes nos diferentes segmentos sociais, isso implica dizer, que o campo da política seria regulado pelos discursos, sendo, portanto, de ordem estritamente retórica. A política, com efeito, seria constituída por jogos de linguagem, segundo formulou Wittgenstein (1961) em "Investigações filosóficas".

Foi nesse patamar de reflexão teórica e crítica que a psicanálise foi reativada para conceber o campo da política como tecido pelos discursos. Assim, se categoria de demanda já aludia ao discurso teórico de Lacan (2008) de forma frontal, da mesma forma os conceitos de objeto a e de significante seriam também oriundos do discurso psicanalítico de Lacan (ibidem).Ao lado disso, os conceitos do significante flutuante e do significante zero foram também retomados para conceber a construção da universalidade contingente, retirados também do discurso psicanalítico de Lacan (ibidem), mas oriundos da antropologia estrutural de Levi-Strauss (1948/1967), em "As formas elementares do parentesco".

Em tudo isso, o conceito de identidade foi devidamente criticado de forma sistemática em nome do conceito de identificação, que aludiria à incompletude ontológica do sujeito, por um lado, mas também para que fosse enfatizado a dimensão de multiplicidades presente na subjetividade inconsciente, pelo outro. Esse deslocamento do registro da identidade para o da identificação estaria sustentado na leitura de Freud em "Psicologia das massas e análise do eu" (Freud, 1921/1981). Seria esse, assim, outro viés para enunciar a referência ao conceito de sujeito do inconsciente, para elaborar outro discurso sobre a política.

No contexto de outro discurso teórico sobre a política, a categoria do povo foi rearticulada para diferenciar do que foi o discurso sobre o povo nas tradições do nacionalismo e do populismo do século XIX. Com efeito, o povo seria assim uma construção retórica, baseada em diferentes jogos de linguagem, que se condensaria pela articulação da universalidade contingente e da hegemonia (Laclau, 2013). Seria preciso, porém, diferenciar devidamente o populismo de extrema direita e o populismo democrático, que enunciam diferentes discursos sobre o povo.

Desta maneira, o discurso psicanalítico com Freud e Lacan ofereceram os instrumentos conceituais cruciais para a formulação de outro discurso sobre a política na contemporaneidade, no campo da esquerda, centrado na categoria de sujeito do inconsciente em conjunção íntima com os conceitos de identificação, de demanda, de significante vazio, de significante flutuante e de objeto a, com a finalidade de potencializar a construção da democracia radical. Esta, como destacamos ao longo do presente ensaio, se articula com os conceitos de universalidade contingente e de hegemonia, tendo no multiculturalismo a matéria-prima para a constituição do novo discurso retórico sobre a política na atualidade.

 

Referências

Adorno, J. W. (2017). La psychanalyse revisé. Suivi de Jacques Le Rider L'allié incommode. Paris: Olivier.         [ Links ]

Adorno, J.W. (2000). Minima moralia. São Paulo: Ática.         [ Links ]

Althusser, L. (1976). Freud et Lacan. In: Althusser, L. Positions. Volume I. Paris: Sociales. (Original publicado em 1964)        [ Links ]

Althusser, L. (1978) Lenine et la philosofie. In: Althusser, L. Positions. Volume II. Paris: Sociales.         [ Links ]

Althusser, L. (1993) Sur Marx et Freud. In : Althusser, L. Écrits sur la psychanalyse. Paris: Stock/IMEC, 1993.         [ Links ]

Bachelard, G. (1976) La formation du esprit scientifique. Paris: Vrin.         [ Links ]

Butler, J. et. al. (200) Contingency, Hegemony, Universality: Contemporary Dialogues on the Left. Londres : Series.         [ Links ]

Butler, J. et. al. (2017). Après l'emancipation: trois voix pour penser la gauche. Paris: Seuil.         [ Links ]

Canguilhem, G. (1968). Etudes d' Histoire et de Philosophie des Sciences. Paris: Vrin.         [ Links ]

Deleuze, G. et. al. (1972). L'anti-oedipe: Capitalisme et schizophrenie. Volume I. Paris: Minuit.         [ Links ]

Freud, S (1981). Psychologie des foules et analyse du moi. In: Freud, S. Essais de psychanalyse. Paris: Payot. (Original publicado em 1921)        [ Links ]

Freud, S. (1971). Malaise dans la civilisation. Paris: PUF. (Original publicado em 1930)        [ Links ]

Freud, S. (1975). Totem et Tabu. Paris: Payot. (Original publicado em 1913)        [ Links ]

Freud, S. (1986). L'homme Moïse et la religión monotheíste. Paris: Gallimard. (Original publicado em 1938).         [ Links ]

Gramsci, A. (1978) Cahiers de prison. Volumes 2 e 3. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Jones, E. (1960) La vie et l'oeuvre de Sigmund Freud. Volume III. Paris: PUF.         [ Links ]

Laclau, E. et. al. (1986). Hegemony and Socialist Strategy: Towards a radical democratics politics. London/New York: Verso.         [ Links ]

Lefort, C. (1986) Essais sur le politique - XIXe - XXe siècles. Paris: Seuil.         [ Links ]

Lukáks, G. (1960) Histoire et conscience de classe. Paris: Minuit.         [ Links ]

Marcuse, H. (1963) Eros et civilization. Paris: Minuit.         [ Links ]

Marx, K. Contribution à la critique de la philosophie du droit de Hegel. In : Marx, K, Critique du droit politique de Hegel. Paris, Sociales, 1975.         [ Links ]

Politzer, G. (1968). Critique des fondements de la psychologie. Paris: PUF. (Original publicado em 1928)        [ Links ]

Reich, W. (1972) Listen, little man! London: Condor.         [ Links ]

Reich, W. (1972). The mass psychology of fascism. London: Condor.         [ Links ]

Wittingenstein, L. (1961). Tratactus philosophicus suivi d' Investigations Philosophiques. Paris: Gallimard.         [ Links ]

Creative Commons License