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Revista Psicologia e Saúde

versão On-line ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.7 no.1 Campo Grande jun. 2015

 

ARTIGOS

 

Jovem para sempre! publicidade em revistas femininas e suas promessas de administração do tempo

 

Forever young! advertising in women's magazines and their promises of time management

 

Por siempre joven! la publicidad en las revistas femeninas y sus promesas de administración del tiempo

 

 

Erica Vila Real Montefusco; Aluísio Ferreira de Lima

Universidade Federal do Ceará - UFC

Endereço 1

 

 


RESUMO

No presente trabalho buscou-se investigar a indústria da beleza e suas promessas de manutenção da aparência jovem, mais especificamente, a forma como elas têm sido divulgadas nas mídias direcionadas ao público feminino. A pesquisa ancorou-se na análise de reportagens e de peças publicitárias, pesquisadas durante o ano de 2011 em três revistas femininas de grande circulação nacional: Claudia, Boa Forma e Plástica e Beleza. O estudo dos enunciados tomou como perspectiva de análise a Psicologia Social Crítica, assinalando como a mídia direcionada ao público feminino tem indicado "receitas" mediante as quais as leitoras podem supostamente melhorar suas aparências e administrar a insatisfação com os efeitos do tempo. Acreditamos ter sido possível suscitar reflexões acerca da temática não apenas do corpo saudável, belo, feminino e jovem, mas também tecer crítica a visão de envelhecimento que a mídia, por meio da indústria cultural, nos fornece e como somos por ela influenciados.

Palavras-chave: Psicologia social; Corpo; Mulher; Juventude; Indústria cultural; Publicidade.


ABSTRACT

In this research, we investigate the beauty industry and the promises related to the maintenance of youthful appearance, specifically how they are disclosed in media targeted to the female audience. Our research proposal is anchored in the analysis of articles and advertisements, surveyed during the year 2011 in three women's magazines of national circulation: Claudia, Boa Forma and Plástica e Beleza. The study of the statements was based on Critical Social Psychology, showing that the media targeted to female public indicates "recipes" and products in which the readers can supposedly improve their lives, their appearances and manage the insatisfaction related to time effects. We believe it has been possible to give rise to reflections not only about the healthy, beautiful and young body, but also to ask ourselves about the aging vision that the cultural industry provides us with and how we are influenced by it.

Key-words: Social psychology; Body; Woman; Youth; Cultural industry; Advertising.


RESUMEN

En este estudio hemos tratado de investigar la industria de la belleza y sus promesas de mantener la apariencia joven, más concretamente, la forma en que se han difundido en los medios dirigidos a las mujeres. El estudio fue anclado en el análisis de la publicidad durante el año 2011 en las revistas femeninas de gran circulación nacional: Claudia, Boa Forma y Plastica e Beleza. El contenido tomó como perspectiva de análisis la Psicología Social Crítica, apuntamos cómo los medios de comunicación dirigidos a las mujeres han indicado "recetas" a través de las cuales el lector supuestamente puede mejorar su apariencia y gestionar su descontento con los efectos del tiempo. Creemos que hemos sido capaces de provocar reflexiones sobre el tema, no solamente del cuerpo sano, hermoso y joven, sino también de los medios de comunicación, que a través de la industria cultural, nos ofrece una imagen negativa del envejecimiento.

Palabras-clave: Psicología social; Administración; Mujer; Juventud; Industria cultural; Publicidad.


 

 

Introdução

O presente artigo é resultado da dissertação de mestrado intitulada "Os significados do tempo na publicidade: um estudo sobre a negação do envelhecimento e a manutenção da juventude veiculados em revistas femininas". Nossa proposta de pesquisa teve como foco principal a análise de reportagens e de peças publicitárias1, pesquisadas durante o ano de 2011 em três revistas femininas de grande circulação nacional: Claudia, Boa Forma e Plástica e Beleza.

A revista Claudia2 , criada em 1961, é publicada mensalmente pela editora Abril e traz em seu bojo temas como moda, beleza, comportamento, estética, família, vida profissional e relacionamentos. De acordo com o site da Editora Abril, "é a mais completa revista feminina, que está ao seu lado em todos os desafios e traz a maior variedade de assuntos" (retirado do site da editora).

A revista Boa Forma3, por sua vez, foi lançada pela primeira vez em maio de 1985, é publicada também pela editora Abril e traz dicas de exercícios físicos, moda, beleza, dietas e histórias de pessoas que conseguiram "manter a disciplina", levando adiante programas de dietas e exercícios físicos rumo a um corpo perfeito. O site da editora traz que a revista mostra como mulheres comuns e famosas se cuidam, aborda também opiniões, informações úteis e comparativas, testes, soluções e muito mais sobre a vida em sociedade.

A revista Plástica e Beleza4, por sua vez, foi publicada pela primeira vez em 1997 pela United Magazines e traz temas referentes ao segmento da beleza e estética, dentre eles cirurgias plásticas, novidades em produtos cosméticos, dietas, fitness, moda, dentre outros. Tem distribuição nacional e é direcionada para o público feminino. À época de nossa pesquisa, a revista tinha periodicidade bimestral. De acordo com o site da editora, "...é um veículo completo e essencial para mulheres modernas que estão em busca de saúde, beleza e bem-estar, e que desejam, acima de tudo, se manter atualizadas sobre novidades e tendências nacionais e internacionais".

A escolha por essas revistas se deu por acreditarmos que estas poderiam oferecer exemplos dos conteúdos relativos aos cuidados com a aparência no sentido de administração da juventude. Em meio às formas contemporâneas de constituição das subjetividades, pautadas no efêmero e na espetacularização (Debord, 1997), optamos por estudar os aspectos referentes ao tempo e às promessas de eterna juventude, assim como os significados a ela dados pela mídia.

Outra justificativa para o fato de termos escolhido trabalhar com a mídia impressa está no fato de que "o capitalismo globalizado da modernidade tardia se ancora nos sistemas de comunicação para divulgar suas produções e ofertas de produtos e serviços." (Prado, 2008). Afinal, como assinala Prado (2008):

A mídia deve ser entendida como um sistema ou conjunto de sistemas de expressão, constituído por uma variedade de dispositivos comunicacionais, que visam uniformizar em direções específicas, ligadas ao consumo, as diversidades semióticas e políticas dos discursos sociais. (Prado, 2008, DVD).

Acreditamos que a investigação é relevante frente à vasta gama de transtornos ligados ao corpo, o número cada vez maior de cirurgias plásticas em nosso país, o emprego de novas tecnologias para a modificação corporal e consumo de produtos de manutenção da beleza, que alteram o cotidiano e as relações dos sujeitos. Seguimos as pistas deixadas por Birman (2007) que alertou para o fato de que atualmente os sujeitos estão cada vez mais autocentrados, em um quadro que atingiu níveis significativos, a ponto de a alteridade tender ao apagamento ou ser utilizada apenas como meio para o fim último da exaltação do próprio eu.

O cuidado excessivo com o próprio eu se transforma em objeto permanente para a admiração do sujeito e dos outros, de tal forma que aquele realiza polimentos intermináveis para alcançar o brilho social. (Birman, 2007, p. 167).

Em síntese, o trabalho discute questões referentes ao tempo e a como as mulheres buscam exercer senhorio sobre ele, através do controle da ação cronológica sobre seus corpos, negando as doenças, a morte e o envelhecimento por meio do consumo e uso de produtos, serviços e do apelo a novas tecnologias.

Das peças publicitárias encontradas nas revistas criamos cinco categorias que se constituíram como nosso objeto de análise, as quais foram: I) Efetividade dos resultados/resultados científicos; II) Novas tecnologias; III) Promessas que supostamente podem ser cumpridas x possibilidades reais; IV) Segmentação de mercados; e V) Celebridades como modelos. Os dados foram, então, articulados com o referencial teórico-crítico e discutiu-se as construções feitas acerca da mulher pelas revistas femininas nas propagandas de produtos, tratamentos de beleza e cirurgias plásticas.

 

Sobre o corpo, a negação do envelhecimento e a administração da juventude

Antes de falarmos sobre a promoção da juventude e das tentativas para sua manutenção e prolongamento, acredita-se ser importante falar do corpo, da beleza e dos apelos realizados pela indústria cultural, pois estes assuntos estão inter-relacionados.

Na modernidade tardia, o corpo ocupa lugar de destaque, dentre outros, no cotidiano, nas relações sociais, no discurso da mídia. Sujeito e objeto de desejo, o corpo parece ser o depositário de muitas expectativas, especialmente daquelas que se referem à aceitação no meio social. De acordo com Le Breton (2006, p. 70), "O corpo metaforiza o social e o social metaforiza o corpo. No interior do corpo são as possibilidades sociais e culturais que se desenvolvem".

No corpo pautam-se identidades, nele são feitas marcas como tatuagens, bodyart, modificações, nele são também utilizados produtos para os fins mais diversos, principalmente para "desfazer" marcas outras, perpetradas pelo tempo, como as rugas e os sinais da idade. Características corpóreas são mudadas de acordo com a moda, com a ocasião, com a vontade de seu possuidor. Para Sant'Anna (2001a, p. 19), "(...) é preciso acrescentar a tendência atual em considerar o corpo como aquilo que é mais próximo da identidade de um ser".

Inserido na lógica capitalista, o corpo é cada vez mais investido econômica, psíquica e socialmente. Cabe ao homem a responsabilidade em construir, esculpir e moldar o próprio corpo baseando-se nas imagens do corpo ideal do consumo. Como assinala Sant'Anna (2001b, p. 108), se durante séculos, "o corpo foi considerado o espelho da alma. Agora ele é chamado a ocupar o seu lugar, mas sob a condição de se converter totalmente em boa forma". Neste escopo, o corpo passa a ser visto como objeto a ser conservado, embelezado, como instrumento para atingir diversos objetivos, como símbolo de autoestima, aceitação social e ascensão profissional.

Diante do que foi explicitado, nos parece coerente concordar que hoje se vive em meio a um contexto de "culto ao corpo", que foi definido por Castro (2007, p. 17) como "um tipo de relação dos indivíduos com seus corpos, que tem como preocupação básica o seu modelamento, a fim de aproximá-lo o máximo possível do padrão de beleza estabelecido". O culto ao corpo envolve diversos aspectos, que vão desde dietas, cirurgias plásticas, uso de cosméticos, realização de tratamentos de beleza, prática de atividade física, enfim, tudo o que responda à preocupação de ter um corpo bonito e/ou saudável, pois o corpo e o que nele é mostrado se torna cada vez mais sinônimo de individualidade, de bom ou mau gosto, meio pelo qual se pode inferir características morais ao indivíduo (Castro, 2007).

No que se refere às mulheres, particularmente, para além dos papéis de profissional, mãe e esposa, elas devem estar bem cuidadas e em forma, de modo que estes papéis sejam mais valorizados socialmente. O corpo deve ser gerenciado de modo a estar sempre belo, competitivo, tanto no mercado de trabalho quanto para a sedução (Baudrillard, 2008). Com efeito, as pressões sociais para manter uma aparência jovem, embora atingindo também os homens, caem com muito maior peso sobre a mulher. Para Le Breton (2011, p. 233), "a velhice marca desigualmente, no juízo social, a mulher e o homem". Daí o grande aparato de cirurgias, produtos, tratamentos estéticos, dentre outras "armas" destinadas a combater as imperfeições corporais.

Diante da busca de otimização do tempo verificada na chamada "modernidade líquida" (Bauman, 2001), parece contraditório tentar estacionar o tempo ou mesmo tentar reverter seus efeitos. Ao mesmo tempo em que se prega a vivência imediata dos prazeres, sacrifícios são feitos em nome de um futuro que prima pelo "envelhecimento saudável", pelo incremento da longevidade e pela evitação das marcas do tempo sobre o corpo, conclamando a humanidade a práticas ascéticas em nome de tais objetivos.

Almeida (2005), em sua tese de doutoramento em Psicologia Social, nos traz uma contribuição interessante para pensar a questão do envelhecimento na contemporaneidade: a anamorfose. Para definir anamorfose, o autor se baseia inicialmente no dicionário Houaiss da língua portuguesa:

A palavra deriva do grego anamórphosis, que significa "formado de novo". Em termos óticos, a anamorfose é uma "deformação de uma imagem obtida por um sistema ótico que permite uma variação da ampliação transversal relativamente à ampliação longitudinal". (cf. Houaiss, 2005 como citado em Almeida, 2005).

Em seguida nos ensina que tradicionalmente anamorfose é, pois, um conceito advindo da arte. Ela é uma técnica onde o artista cria uma distorção ótica de uma figura original. O telespectador que desejar saber como determinada imagem é na realidade deve, portanto, se deslocar para um ponto onde sua visão alcance a posição do artista. Ao trazer essa discussão para o campo da Psicologia Social, ele assinala como nos valemos desse mesmo processo para lidar com as identidades. Em nosso contexto de estudo, a juventude é colocada como ideal original e a imagem do velho como distorção da imagem da juventude. Neste escopo, o envelhecer torna-se um problema, já que é tido como uma anamorfose do jovem, devendo portanto aos especialistas e instituições criarem formas de retardar ou lidar com a questão.

Sendo uma anamorfose, o envelhecer é rechaçado e parece não estar mais incluído como fase natural da vida, devendo ser prevenido e combatido em seus diversos aspectos. A ele estão agregadas novas condições físicas, familiares, ocupacionais e sociais. Se a juventude está associada à energia, vitalidade e independência, tudo isso parece se perder quando do advento da velhice. Como bem assinala Almeida (2005, p. 153-154):

Os sinais de envelhecimento funcionam como acusações que nos introduzem em uma categoria social mal vista e indesejável: são signos de decrepitude e de exclusão. Ao ingressarmos na velhice, nós nos mortificamos e somos mortificados. Ela nos transforma em anamorfoses dos seres "normais", em seres com identidades degradadas e, por isso mesmo, socialmente estigmatizados, desacreditados.

Como os sinais do envelhecimento mais visíveis se dão na aparência física, eles denunciam que aquele indivíduo adentrou a categoria de idoso, o qual passa a ocupar o lugar do não consumir mais determinados produtos, de muitas vezes não ser mais independente nem ativo, de não ter mais a beleza e a vitalidade da juventude, contrapondo-se ao que a sociedade de consumo preconiza como ideais de ser e parecer.

Em uma sociedade onde o corpo assumiu lugar de onde são construídas e de onde estão pautadas identidades, as quais se intercambiam fácil e rapidamente, muitas das informações transmitidas por um indivíduo a respeito dele mesmo estão no corpo. Algumas características do envelhecimento podem levá-lo da condição de alguém "comum" a alguém "estragado e diminuído", o que gera para muitos a "necessidade" de esconder os sinais do tempo que se revelam na superfície da pele (Goffman, 1988).

 

As revistas femininas e os cuidados com o corpo

As revistas impressas se constituem como amplo meio de divulgação de produtos e serviços, mesmo em tempos de internet, e oferecem orientações as mais diversas para a leitora. Trazem também em seu bojo reportagens e propagandas que muitas vezes adquirem o caráter de conselhos direcionadores de comportamentos. As diversas propagandas inseridas nas revistas oferecem aparentes soluções para problemas da leitora, os quais muitas vezes estão relacionados ao corpo e à insatisfação com que se deparam em relação a ele. Cada vez mais, as pessoas são equiparadas a mercadorias, que podem ser mais ou menos vendáveis, e para isso é necessário cuidar do envoltório, do corpo (Haug, 1997).

As cobranças e pressões sociais em relação às mulheres não se dão apenas em relação ao suposto dever que elas têm de otimização do tempo, mas também na esfera do corpo, seja pelo dever de "estar na moda", seja pela manutenção da beleza e do "se manter sempre jovem". A sociedade é, em meio a esse contexto, chamada a refletir sobre a indústria da beleza como parte da Indústria Cultural.

Quando nos referimos à Indústria Cultural, é importante a compreendermos tal como Adorno (1977) a conceituou, de modo a excluir:

(...) a interpretação que agrada aos advogados da coisa; estes pretendem, com efeito, que se trate de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das próprias massas, em suma, da forma contemporânea da arte popular. Ora, dessa arte, a indústria cultural se distingue radicalmente. Ao juntar elementos há muito correntes, ela atribui-lhes uma nova qualidade. Em todos os seus ramos, fazem-se, mais ou menos, segundo um plano, produtos adaptados ao consumo das massas e que em grande medida determinam esse consumo. (Adorno, 1977, p. 287).

Na Indústria Cultural tudo pode ser colocado na condição de mercadoria a ser comercializada, inclusive o próprio homem (Adorno & Horkheimer, 1985). Os novos bens que dela emanam são novidade apenas na aparência, pois o novo é, na verdade, o velho travestido, a reprodução de algo antes já existente, pois se assim não o fosse, haveria o risco de não se adaptar no meio social.

Através dessa lógica, que desfila com rapidez imagens, frases e sons aos olhos dos indivíduos, somos "convidados" a experimentar as benesses e as variedades existentes no mercado. As mercadorias são também, elas mesmas, frequentemente renovadas, ainda que mudem apenas na aparência e as novas descobertas são rapidamente descartadas em favor de outras. Novas necessidades são criadas e são entrelaçadas com outras, de modo que muito do que antes era considerado "supérfluo" ou "luxo", hoje é artigo de primeira necessidade.

O consumidor atual não compra mais apenas aquilo de que precisa, mas produtos que supostamente, segundo a mídia, têm o poder de lhe agregar qualidades que deseja possuir. Ele compra também expectativas, aquilo que ele deseja. Ocorre, porém, que seus desejos são orientados pelo mercado, por aquilo que o mercado pode oferecer. Vive-se a era das marcas e da suposta diferenciação a partir do consumo. Neste ínterim, os indivíduos são qualificados por seu poder de compra ou pelo que venha a parecer ser o seu poder de compra, já que hoje a dimensão do parecer ganha mais destaque do que a do ser ou mesmo a do ter. Os produtos, voltados para diferentes tipos de público, são diversificados e supostamente personalizados, de modo a fazer com que cada um se sinta único, diferenciado.

O que une os consumidores é a lógica do consumir, permeada por diversos imperativos como "must have", compre agora etc. O que esta lógica oculta, entretanto, é que em meio à diversidade oferecida, e que é vista por muitos como positiva, todos são colocados sob a égide do consumo. O consumidor deve ser ativo, estar sempre em movimento e atento às novidades. Não é a simples compra e venda, o sujeito na contemporaneidade "devém consumidor de produtos indeterminados" (Lima, 2010, p. 196) e deve sempre estar em busca de algo, de se manter em uma permanente insatisfação.

O consumo interfere diretamente na construção das identidades e na constituição de subjetividades. Os imperativos atuais afirmam que é preciso conquistar, empreender-se no projeto de sua identidade, que ao contrário de outros momentos históricos onde se exigia a estabilidade, deve estar sempre em construção e em reformulação. Como analisa Lima (2010, p. 205), sofre-se a exigência de metamorfoses constantes, que na verdade nada mais são que modulações da mesmice.

O consumo se pauta na efemeridade e esta é verificada não apenas no tocante aos produtos e serviços, mas também no que tange às relações interpessoais ou aos vínculos trabalhistas, por exemplo. Verifica-se um crescente encurtamento da validade dos produtos, ao mesmo momento em que laços afetivos tornam-se efêmeros. Fala-se até em um obsoletismo das próprias pessoas, que na sociedade contemporânea figuram também como mercadorias a serem vendidas. Contra esse obsoletismo, busca-se o controle das marcas do tempo, seja através de dietas que prolongam os anos de vida, seja através de cirurgias estéticas, tratamentos, uso de cosméticos5 ou qualquer outra fórmula que garanta a manutenção da forma e jovialidade.

 

A análise das peças publicitárias

Como assinalado na introdução, a proposta de nosso trabalho se deu no sentido de analisar o discurso midiático acerca da mercantilização dos ideais de juventude em revistas femininas de grande circulação nacional, a partir de reportagens e peças publicitárias que remetem a produtos cosméticos, cirurgias plásticas ou a outros procedimentos que conclamem o público a tentativas de controle do tempo, considerando os ideais de beleza e o contexto da sociedade de consumo e da indústria da beleza.

Para dar conta de nossa proposta realizamos a análise de peças publicitárias presentes em três revistas femininas de grande circulação nacional, Claudia, Boa Forma e Plástica e Beleza, publicadas de janeiro a dezembro do ano de 2011. Escolhemos trabalhar com as referidas revistas femininas dada a ampla disseminação que elas possuem e também devido ao fato de que contém, dentre outros temas, aqueles relacionados com a estética do rejuvenescimento, de modo que a publicidade ganha espaço de destaque nessas publicações. Nessas peças foram investigados os significados dados ao tempo e ao culto do corpo no discurso publicitário, a partir de anúncios e reportagens referentes a produtos cosméticos, procedimentos, receitas de estilo de vida e cirurgias estéticas, considerando o contexto da indústria da beleza e suas ofertas de saúde e qualidade de vida.

 

A análise das peças publicitárias

Realizada a coleta dos exemplares, iniciamos a seleção de propagandas e reportagens sobre o uso de cosméticos e a realização de cirurgias plásticas, com vistas a compreender os significados dados à questão do tempo pelo discurso publicitário e sua relação com os espaços de fomentação dos ideais de beleza feminina nelas existentes. Elegemos, em seguida, como objeto de análise, os anúncios e reportagens que se referiam a cosméticos e procedimentos cirúrgicos, em especial aqueles que trazem em seus enunciados marcas discursivas que remetem - de forma direta ou indireta - a noções de controle e domínio do tempo.

Optou-se por realizar uma análise de conteúdo (BARDIN, 2009), baseando a discussão nas contribuições de diversos autores, tais como: Adorno e Horkheimer (1947/1985), Lipovetsky (2004), Le Breton (2003, 2006), Debord (1997), Birman (2007), Sant'Anna (2005), Bauman (2001, 2008), Sibila (2002, 2011), Baudrillard (2008, 2009) dentre outros. Os discursos mostraram-se como sofisticados instrumentos de manipulação e produção de subjetividade e de sociabilidade; uma instância pedagógica através da qual são veiculados estilos de vida e ideais de uma dada cultura. Através desta análise, foram identificadas categorias temáticas com base nos aspectos de maior destaque encontrados nas propagandas: a) Efetividade dos resultados/resultados científicos; b) Novas tecnologias; c) Promessas que supostamente podem ser cumpridas x possibilidades reais; d) Segmentação de mercados; e) Celebridades como modelos. A seguir apresentamos as categorias e alguns exemplos de peças publicitárias que originaram nossas considerações.

 

Efetividade dos resultados / resultados científicos

Essa categoria foi criada para agregar as mensagens que buscam apoio no que supostamente tem bases científicas, ressaltando esse ponto como elemento principal em diversas peças publicitárias. Aqui percebemos promessas de resultados rápidos e efetivos, mas com algumas ressalvas geralmente postas em letras pequenas que vêm no canto da página onde se encontra o anúncio, e que esclarecem aspectos acerca de como foram feitas as pesquisas que chegaram aos resultados divulgados.

Avon

"Pele mais jovem? Eu quero pele nova"

Renew Reversalist

O primeiro com a tecnologia Activinol. Ajuda a criar novas células e a reverter dramaticamente as rugas visíveis. É tão efetivo que a pele parece nova... da noite para o dia. 73% das mulheres já sentiram a diferença (*com o uso combinado da linha). Sinta você também.

Você quer? Agora você pode.

Renew - número 1 anti-idade preferido do Brasil6

(Claudia, 2011, março).

 

 

O anúncio acima, referente ao cosmético Renew, da Avon, alude ao gosto pela novidade, pela renovação, ao dizer "Eu quero pele nova", assim como também faz referência ao uso da tecnologia Activinol, que promete reverter os efeitos do tempo. Além disso, aborda a efetividade praticamente imediata do produto: "A pele parece nova... da noite para o dia". Notemos que a pele parecerá nova. Nesse contexto, relembremos Debord (1997) quando o autor fala acerca do "ser, ter e parecer". O espetáculo se pauta nas aparências, e o parecer ganha cada vez mais terreno na Hipermodernidade (Lipovetsky, 2004), pois está na seara do visível.

A promessa de resultados imediatos se mostra derivada da impossibilidade de perder tempo, propagada na Sociedade de Consumo (Baudrillard, 2007). Ao mesmo tempo em que a consumidora se depara com a impossibilidade de esperar para que um produto faça efeito, busca minimizar os efeitos da passagem do tempo sobre seu rosto ao adquirir o produto. O efeito deve ser rápido e no sentido de retardar os efeitos do tempo que denunciem os sinais do envelhecimento. Ao que nos parece, este discurso reflete uma das formas de relação da mulher contemporânea com o tempo: rapidez versus lentidão, ou ainda, a velocidade com que se deve adquirir novas mercadorias e a velocidade com que elas devem agir versus a suposta possibilidade de reverter os efeitos do tempo sobre o corpo.

Ao final do anúncio, vemos a pergunta, já seguida pela resposta: "Você quer? Você pode". A lógica do "querer é poder" é outro ponto importante que aparece como parte da propaganda do creme Renew, reafirmando a responsabilidade de cada um sobre si e sobre seu corpo. Querer é poder, desde que sejam utilizados os produtos certos, nos locais certos, em determinados horários. Se "73% das mulheres já sentiram a diferença" a leitora também pode sentir. Está ao alcance de todas as que comprarem e utilizarem o produto "combinadamente com outros produtos da linha". Aqui, temos mais um ponto a observar, que é o fato de uma compra preceder a "necessidade" de outra. Deve-se utilizar não apenas o creme Renew, mas outros produtos, de modo que a utilização de diversos produtos da linha dará o efeito desejado. Cria-se, assim, uma cadeia de necessidades de compra, de modo que, para que o tratamento seja efetivo, deve haver o uso de mais de um produto da linha Renew, e não apenas do creme.

Novas tecnologias

Nesta categoria, discutimos os avanços tecnológicos para a descoberta e produção de cosméticos e tratamentos de beleza. Desde o uso dos nutricosméticos ou aliméticos, que prometem embelezar de "dentro para fora", até novas tecnologias que prometem agir no DNA das células, passando pela fabricação de cosméticos a partir dos mais diferentes ativos e com diferentes mecanismos de ação. As tecnologias do corpo, que como bem assinalou Prado (2008, DVD), dizem respeito a "qualquer procedimento especializado que visa transformar o corpo, melhorá-lo, torná-lo cheio de saúde, local de prazer e atividade, incluindo tratamentos corporais e psíquicos, exercícios de equilíbrio mental e físico etc.".

Nos anúncios abaixo, podemos identificar o uso de novas tecnologias no sentido de aperfeiçoar as técnicas de embelezamento e de cuidados com o corpo:

O Boticário

Com 20 anos, você não achava que o futuro cairia tão bem em você, achava?

Boticário - a vida é bonita, mas pode ser linda.

O Centro de Pesquisas da Idade O Boticário apresenta Active Dermato Nanoserum Elixir. Desenvolvido com a Tripla Nanotecnologia, inédita no mundo, promove maior eficácia nos tratamentos antissinais, combatendo o envelhecimento da pele.

(Claudia, 2011, setembro).

 

 

O anúncio acima, quando diz que "A vida é bonita, mas pode ser linda", ressalta, além da eficácia das novas tecnologias, aquilo que Prado (2010) chamou de "a mais". Prado (2010) lembra que os media são convocadores e orientadores de ações no capitalismo contemporâneo. Assim sendo, as revistas funcionam como direcionadores de comportamentos e de desejos, orientando a leitora na busca do que há de melhor (para o mercado). Os melhores e mais eficazes tratamentos, os melhores e mais específicos cosméticos, as mais modernas tecnologias, as dietas mais eficientes etc., tudo deve convergir para se alcançar esse "a mais", essa eficácia a mais, esse gozo a mais. Como assinala Sibila (2002), teoricamente, sempre é possível melhorar, dar um upgrade, atingir uma melhor performance.

O produto da Boticário prima pelo uso de uma tecnologia inédita, e o anúncio afirma que ele é eficaz no combate ao envelhecimento. Aqui parece não haver uma ênfase tanto na prevenção, mas no apagamento dos sinais já existentes. Há uma alusão ao tempo, quando da pergunta: "Com 20 anos, você não achava que o futuro cairia tão bem em você, achava?". A pergunta remete a uma preparação para o envelhecimento e transmite a ideia de que a mulher a quem se dirige e que usa o referido produto está melhor do que esperava através do uso de Active Dermato da Boticário. Ou seja, esperava algo ruim juntamente com os anos a mais, porém, pelo uso do produto foi possível melhorar sua condição estética.

Segmentação de mercados (de acordo com a idade e com as "necessidades")

Em algumas peças publicitárias que foram parte de nosso estudo verificamos também a importância dada pelo enunciador ao fato de que para cada idade, para cada tipo de pele, estação do ano, para cada parte do rosto ou do corpo, há produtos específicos, com propriedades diferentes e que são considerados os mais adequados. Em meio aos apelos do culto ao corpo, verifica-se que, na cultura atual, o rosto insere-se também na lógica consumista, demandando cuidados e tratamentos especiais. Para além da lipofobia e da moda, encontra-se o culto à juventude eterna, mito que parece não ter sido esquecido, mas que ganha contornos modernos através das cirurgias plásticas, dos tratamentos estéticos e seus inúmeros produtos.

Para além dos cuidados com o corpo em academias, por exemplo, o rosto demanda também uma série de cuidados e tratamentos, e não fica de fora da lógica que permeia o culto ao corpo. Consideramos que, da mesma forma que Le Breton (2003) propôs a noção de um corpo-rascunho, observa-se o delineamento de um rosto-rascunho, cujos produtos, tratamentos e cirurgias são específicos para cada área, permitindo também moldá-lo ao bel-prazer de sua proprietária.

Chronos Natura

"Não foi o calendário que criou seu rosto. Foi a vida.

Cada rosto tem uma história. Cada história tem um Chronos".

Natura Chronos 45+

Poucos sinais - sinais leves de envelhecimento e linhas de expressão

Sinais - sinais de envelhecimento e flacidez da pele

Muitos sinais - sinais acentuados de envelhecimento

Todos os benefícios em um só produto - firmeza - redução de sinais - hidratação - proteção - bloqueio dos radicais livres

100%verdade

Chronos Natura - tem um para sua história.

(Claudia, 2011, março).

 

 

O produto acima referido tem diferentes versões, e os tratamentos são indicados às leitoras de acordo com os sinais do envelhecimento. Deste modo, a própria consumidora identifica o que ela considera ser o tipo de pele que possui e em que medida se encontra seu envelhecimento. No anúncio do creme Natura Chronos, vemos na mesma peça, a segmentação de mercado e ao mesmo tempo a polivalência, quando afirma que "Cada rosto tem uma história. Cada história tem um Chronos" e posteriormente afirma "Todos os benefícios em um só produto".

Chronos Natura

"Não foi o calendário que criou seu rosto. Foi a vida.

Cada rosto tem uma história. Cada história tem um Chronos".

Ao afirmar que não foi o calendário que criou o rosto da consumidora e sim a vida, verifica-se uma tentativa de incentivo ao gerenciamento do próprio corpo, no sentido de que ele não estaria submisso ao calendário, o que remete ao tempo, ou seja, ele não estaria submetido ao passar do tempo e sim à vida, à vontade de sua proprietária. Traz também a ideia de que cada consumidora é única, de que o produto é personalizado. Cada uma tem seu rosto, sua história, seu tipo de pele e para isso deve usar o produto que mais se adéqua para si. Há um Chronos para cada história e há um para a história da leitora também.

Desta forma, ela se sente incluída nos destinatários da mensagem do produto. Além da segmentação inicial, relativa à idade, que direciona o produto para usuárias com 45 anos ou mais, existe uma outra divisão, que é aquela relativa à quantidade de sinais da idade que a consumidora possui.

Apesar da modelo não ser uma celebridade, a foto em preto e branco aparentemente tirada de forma casual, em que ela parece estar à vontade, sem ou com pouca maquiagem (o que passa a impressão de uma transparência do produto, de que a pele não foi tratada antes da foto, mesmo que saibamos que existem os recursos de retoque digital), aproxima-a das pessoas comuns, facilitando a identificação da leitora com a garota-propaganda, que supostamente usa o produto anunciado. Ou seja, não é preciso ser uma super-modelo ou uma atriz famosa para ser bonita e nem de produtos ou tratamentos exorbitantemente caros.

Neste anúncio, percebemos como a publicidade parece se preocupar com o consumidor e oferece a ilusão de que a consumidora é "única e especial". Sobretudo quando afirma: "Chronos entende você, Natura entende você", tem-se a impressão de que o produto é algo personalizado, particular para a pele da leitora. Parece criar uma relação de ajuda e de cumplicidade com a consumidora. Curioso notar que mesmo sabendo que a luta contra os efeitos do tempo no corpo é perdida de antemão, pois apesar das diversas possibilidades de modificação do corpo há limites relativos ao corpo e à ação das substâncias e dos procedimentos, as mulheres ainda consomem avidamente tais produtos e serviços. Podemos aludir neste momento ao que Baudrillard (2009, p. 175) chamou de lógica do Papai Noel:

É a velha história do Papai Noel: as crianças não mais se interrogam sobre a sua existência e jamais a relacionam com os brinquedos que recebem como causa e efeito - a crença no Papai Noel é uma fabulação racionalizante que permite preservar na segunda infância a miraculosa relação de gratificação pelos pais (mais precisamente pela mãe) que caracteriza as relações da primeira infância.

Importante lembrar que em meio a essa lógica, o Papai Noel pouco tem importância. O que é de fato relevante é a preocupação e os cuidados que os pais têm de manter a ilusão, a fábula, o que é confirmado através dos presentes. Neste sentido, a operação publicitária funciona de maneira semelhante. Os discursos acerca dos produtos pouco influem sobre o possível comprador. O que importa para o individuo é o cuidado que a publicidade parece ter com ele.

Promessas que supostamente podem ser cumpridas x Possibilidades reais

Outros anúncios e reportagens, como veremos adiante, falam das possibilidades e ao mesmo tempo colocam suas limitações. Além disso, trazem também informações acerca de como os experimentos para o desenvolvimento dos produtos foram feitos, o que demonstra a limitação dos contratos (in vitro, produto utilizado por uma determinada quantidade de voluntárias etc.).

Para Adorno e Horkheimer (1985, p. 128) "O poder da Indústria Cultural provém de sua identificação com a necessidade produzida, não da simples oposição a ela, mesmo que se tratasse de uma oposição entre a onipotência e a impotência". A consumidora destes produtos sabe que eles não são miraculosos e que muitas vezes o efeito é bem menor do que o esperado, mas continua comprando. Neste sentido, está sempre insatisfeita com os resultados e sempre estará, pois não é possível parar por completo os efeitos do tempo sobre o corpo.

O que parece haver é um eterno jogo de possibilidades e impossibilidades, sendo que ao final das reportagens e dos anúncios de produtos e serviços sempre parece despontar uma solução para o "problema" da perda de juventude e a "prevenção" do problema do envelhecimento, mesmo que provisoriamente. Nada mais de acordo com o modo de produção capitalista, onde "as necessidades podem ser satisfeitas apenas de forma aparente" (Haug, 1997, p. 169). Não é por acaso que Safatle (2008, p.133), acredita estarmos vivendo em uma sociedade da insatisfação administrada, onde,

(...) em última instância, toda determinação se mostrará provisória e inadequada diante de um imperativo superegóico que exige o puro gozo, faz-se necessário que o sistema de mercadorias disponibilize determinações. Em última instância, isso nos faz passar de uma sociedade da satisfação administrada para uma sociedade da insatisfação administrada, na qual ninguém realmente acredita nas promessas de gozo veiculadas pelo sistema de mercadorias (já que são postas para serem descartadas), a começar pelo próprio sistema, que as apresenta de maneira cada vez mais auto-irônica e "crítica".

A leitora compra o que ela considera que precisa, o que ela acha que tem necessidade, e essa necessidade muitas vezes foi criada pela Indústria Cultural, mesmo sabendo que "A essência do consumismo são promessas quebradas e sempre renovadas." (Guiltin, 2003, pp. 108-109), e que os resultados não serão os esperados, pois não se pode evitar o envelhecimento para sempre.

Celebridades como modelos

As propagandas por vezes trazem celebridades, por vezes modelos desconhecidas, mas donas de uma pele impecável, mesmo se conseguida através do uso de programas de computador. As figuras femininas que aparecem nas propagandas são as de mulheres jovens e bonitas, mostradas como bem sucedidas profissional e afetivamente, competentes nos diversos papéis que desempenham, capazes de atrair olhares e de se manterem belas recorrendo aos produtos e tratamentos disponíveis no mercado.

Os modelos também se referem a uma mulher segura de si e que busca o prazer e o bem-estar. Busca também experimentar novas sensações, inclusive aquelas advindas do uso de produtos ou da adesão a tratamentos. Neste sentido, estar bem consigo, amar a si mesma, ter uma vida profissional e pessoal bem sucedida se fazem requisitos fundamentais para uma vida saudável e feliz, aparentemente independente da idade.

 

 

 

 

As reportagens enfatizam a beleza das celebridades e o "como fazer" para alcançar um padrão de aparência jovem semelhante das atrizes e apresentadoras. Nos moldes da indústria cultural, as reportagens apresentam essas mulheres como exemplos de visibilidade, beleza e sucesso, articulada com a falsa promessa de que caso a receita seja seguida os resultados serão garantidos, ou seja, de que as leitoras também podem fazer, caso estejam dispostas a seguir os passos das celebridades. Afinal, se por um lado utilizar modelos não conhecidas pode promover uma maior identificação, uma vez que ela é vista como uma pessoa comum, por outro lado, veicular imagens de celebridades associadas a produtos também torna os produtos atrativos, pois a eles são associadas qualidades que as celebridades possuem, como beleza, sucesso, riqueza, visibilidade.

 

Considerações finais

Nosso estudo propôs analisar os discursos midiáticos voltados para a evitação do envelhecimento veiculados em revistas femininas. Por meio deste estudo, consideramos que foi possível refletir acerca de como o envelhecimento feminino é retratado e como tais práticas repercutem nos modos de subjetivação contemporâneos. Percebemos que o consumo de produtos é divulgado atualmente como meio seguro para a realização pessoal e profissional. É também fator relevante na construção de identidades. Em meio a esse contexto, o corpo tem sido trabalhado pela indústria cultural como bem de consumo e, assim como outras mercadorias, a beleza tem se tornado uma mercadoria segmentada que segue os desígnios mercadológicos.

Como pode ser observado ao longo do texto, atualmente as novas tecnologias estão cada vez mais empregadas no sentido de prolongar a vida e de promover modificações no corpo. Homens e mulheres são conclamados constantemente a trabalhar seus corpos, e a juventude é posta também como um dos padrões a seguir. O corpo jovem é tido como o modelo do saudável, dentro de padrões de beleza que podem mudar até mesmo de acordo com a estação do ano.

Apesar da divulgação atual acerca da busca e das possibilidades de uma velhice com qualidade de vida, verificamos que muitos dos antigos estigmas acerca do envelhecimento permanecem. A juventude é cada vez mais valorizada socialmente e aquilo que a ela não corresponde é rejeitado e estigmatizado. Desta forma, o papel do envelhecimento na contemporaneidade continua gerando um mal-estar e está associado a ideias de dependência, doenças, proximidade da morte e à perda de papéis sociais. A juventude mostra-se como mais um padrão a ser obedecido, mais um requisito a ser preenchido e que pode supostamente ser administrado através da compra de produtos, da adesão a tratamentos ou da realização de cirurgias plásticas.

Nesse contexto, a publicidade mostrou-se como forte aliada na produção de desejos e necessidades, constituindo-se instrumento fundamental no direcionamento de gostos e de compras. Ela vende a ilusão de que cada consumidora é única e de que houve toda uma preocupação em criar produtos especialmente para ela. Em meio ao grande leque de mercadorias existentes e disponíveis no mercado, e que se renovam constantemente no sentido de manter seus clientes e de conquistar novos consumidores, observamos que se constitui um complexo sistema de "necessidades", em que a aquisição de um produto requer a de outro, para a maior eficiência do tratamento, por exemplo. Além disso, o consumidor atual não compra mais apenas aquilo de que precisa, mas produtos que supostamente têm o poder de lhe agregar qualidades que deseja possuir.

Em um mundo que resiste ao envelhecimento as mulheres retratadas nas revistas aparecem como bem-sucedidas, bonitas, bem vestidas, mulheres que podem gastar com a aparência, de modo a melhorar ainda mais seus corpos. Os corpos velhos não são tornados visíveis, ou quando o são, isso ocorre no sentido de prevenção e combate dos sinais da velhice.

O mercado de produtos e de tratamentos de beleza, assim como de cirurgias plásticas cresce a cada dia e oferece facilidades no sentido de tornar a beleza cada vez mais acessível e "democrática", de modo que parece não haver desculpas para não cuidar do próprio corpo. A busca incessante pela forma tida como ideal gera, muitas vezes, frustrações e conduz ao adoecimento, já que o indivíduo é responsabilizado pela beleza, juventude e visibilidade de seu corpo.

Diante da ideologia da saúde perfeita, saúde esta que mais parece estar ligada ao fitness, somos responsabilizados pela forma como nos colocamos diante do olhar do Outro, pelo que possuímos, pela maneira como parecemos e como administramos nosso envelhecimento. No caso das mulheres, a busca por fórmulas capazes de perpetuar a juventude se mostra uma conduta já esperada, mesmo antes de surgir qualquer marca denunciativa da velhice. Apesar de saber que a maioria das promessas divulgadas pelas empresas da Indústria Cosmética não podem ser cumpridas por inteiro, a leitora é levada a acreditar que sempre há algo que ela pode fazer por si mesma, sempre há alguma melhora passível de ser empregada no corpo, por mínima que seja e que vale a pena investir nessas possibilidades.

A indústria cultural promove a ideia de que cada um é responsável pela aparência que tem e que apresenta aos outros, uma aparência que é vendida como a fórmula do sucesso ou fracasso profissional e pessoal. Em meio a uma lógica que abrange liberdade de escolha e ao mesmo tempo rigidez de padrões, observamos e assinalamos como a publicidade tem direcionado o público feminino e oferecido "receitas" e produtos mediante os quais as leitoras podem supostamente melhorar suas vidas, suas aparências e administrar sua insatisfação.

Através deste estudo, acreditamos ter sido possível suscitar reflexões acerca da temática não apenas do corpo saudável, belo, feminino e jovem, mas ter oferecido elementos para a reflexão acerca da visão de envelhecimento que a indústria cultural, por meio da propaganda e marketing, tem promovido e alertado para o problema que a oferta das mercadorias, com promessas de administração do tempo, tem apresentado. Principalmente os efeitos sobre mulher contemporânea, cujo corpo experimenta uma suposta liberdade, que ao mesmo tempo envolve um aprisionamento, concretizada na ilusão da manutenção de um corpo de aparência jovial por meio do consumo.

 

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Endereço 1:
Departamento de Psicologia - Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Av. da Universidade, 2762 - Área II. Centro de Humanidades - Campus do Benfica
CEP 60020-180 Fortaleza - Ceará - Brasil

Recebido: 17/06/2014
Última revisão: 27/01/2015
Aceite final: 13/02/2015

 

 

Sobre os autores:

Erica Vila Real Montefusco - Mestranda em Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia - Universidade Federal do Ceará - UFC. E-mail: ericamontefusco@gmail.com

Aluísio Ferreira de Lima - Doutor em Psicologia Social, Professor, Programa de Pós-Graduação em Psicologia - Universidade Federal do Ceará - UFC. E-mail: aluisiolima@hotmail.com

 

 

1 Lembramos que o termo publicidade significa "tornar público um fato, uma ideia, enquanto propaganda é definida como a propagação de princípios e teorias" (Sant'Anna, Júnior, & Garcia, 2008, p. 59). Atualmente, os dois termos são usados indistintamente no Brasil e os utilizaremos indistintamente também em nosso trabalho.
2 http://www.assine.abril.com.br/portal/assinar/revista-claudia (Recuperado em 20 de outubro de 2011). http://claudia.abril.com.br/
3 http://boaforma.abril.com.br/ (Recuperado em 20 outubro de 2011)
4 http://www.unitedmagazines.com.br/revista-plastica-beleza http://www.unitedmagazines.com.br/en/revista-plastica-beleza/ (Recuperado em 20 outubro de 2011)
5 Sant'Anna (2005, pp. 122-123) nos traz que, entre 1900 e 1930, raramente se utilizava o termo cosmético, sendo o termo "remédio" o que era empregado. Nesse contexto, a falta de beleza era tida como doença, a ser curada com diferentes tipos de remédios. O saber acerca do que era adequado para curar cada "doença" cabia ao médico, e era ele quem indicava os remédios para os mais diversos males da aparência. Muitas vezes, os produtos eram polivalentes e por isso eram eficazes na cura dos mais diversos "defeitos", fossem eles manchas, rugas, feridas, cicatrizes, dentre muitos outros. Além disso, uma rígida moral católica, presente nas revistas femininas da época, pregava que o prazer do embelezamento era concernente às atrizes e às mulheres libertinas. A beleza era considerada um dom, que podia ser dado (ou não) a alguém por Deus (Sant'Anna, 2005).
6 Fonte: pesquisa quantitativa realizada pelo Instituto Millward Brown com 650 mulheres usuárias de cremes anti-idade no Brasil, no período de 8 a 23 de setembro de 2010. Renew é a marca preferida por 46% da amostra, entre as 7 marcas mais usadas, tendo a 2ª marca obtido 33% das preferências. (Claudia, 2011, março).

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