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Revista Psicologia e Saúde

versão On-line ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.7 no.2 Campo Grande dez. 2015

 

ARTIGOS

 

Genograma e atenção básica à saúde: em busca da integralidade

 

Genogram and primary health care: in search of integrality

 

Genograma y atención primaria de la salud: em busca de la integralidad

 

 

Claudia Daiana Borges; Maira Maria da Costa; Jeovane Gomes de Faria

Faculdade Metropolitana de Guaramirim - FAMEG/UNIASSELVI

Endereço 1

 

 


RESUMO

O genograma é utilizado como instrumento auxiliar na prática dos profissionais da Estratégia Saúde da Família (ESF), permitindo uma visão ampliada dos padrões e relações familiares que envolvem o processo saúde-doença. Este trabalho teve como objetivo compreender as contribuições do uso do genograma na Atenção Básica à Saúde no processo de avaliação em saúde mental. Trata-se de um estudo exploratório-descritivo, com delineamento de estudo de caso. Participaram da pesquisa onze profissionais de uma ESF localizada em uma cidade de médio porte do estado de Santa Catarina. Para a coleta de dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada, na análise dos dados utilizou-se a metodologia qualitativa de análise de conteúdo. Das respostas emergiram quatro categorias relacionadas às contribuições, funções, conhecimento e utilização do genograma em saúde mental. Os resultados apontam contribuições do instrumento na avaliação em saúde mental, mas por outro lado apresentam seu conhecimento e utilização ainda centralizado em alguns profissionais.

Palavras-chave: Psicologia; Atenção Básica à Saúde; Genograma; Avaliação em Saúde.


ABSTRACT

The genogram is used by professionals as an aid for Family Health Strategy (FHS), allowing a broad view of standards and family relations involved in the health-disease process. The aim of this work was to understand genogram's contributions for Primary Health Care in the mental health evaluation. For this exploratory study, eleven professionals from FHS in a midsize city of Santa Catarina were interviewed. Data were obtained by semi-structured interviews and analysed qualitatively in a content analysis technique. Four categories related to contributions, functions, knowledge and the use of genograms in mental health emerged from the interviews. The results suggest genogram contributions in mental health evaluation. We have noticed that the use and knowledge of genogram is focused only in some professionals.

Keywords: Psychology; Primary health care; Genogram; Health evaluation.


RESUMEN

El genograma es utilizado como instrumento auxiliar en la actuación de los profesionales de la Estrategia en Salud de la Familia (ESF), lo que permite una visión más amplia de los patrones y relaciones familiares vinculadas al proceso salud-enfermedad. El objetivo del estudio consistió en comprender las contribuciones del empleo del genograma en la Atención Primaria de Salud en el proceso de evaluación en salud mental. Para esto se realizó un estudio descriptivo-exploratorio con una delimitación de estudio de caso. Participaron de la investigación once profesionales de un ESF localizado en una ciudad de porte mediano del estado de Santa Catarina. Los datos fueron obtenidos a través de entrevistas semi-estructuradas y analizados cualitativamente en una técnica de análisis de contenido. Cuatro categorías relacionadas con las contribuciones, las funciones, el conocimiento y el uso de genogramas en salud mental surgieron de las entrevistas. Los resultados indican contribuciones del instrumento en la evaluación en salud mental, no obstante sus conocimientos y utilización siguen centrados en algunos profesionales.

Palabras-clave: Psicología; Atención básica de salud; Genograma; Evaluación en salud.


 

 

INTRODUÇÃO

As políticas de atenção à saúde passaram por significativas mudanças nas últimas décadas e com elas constituíram-se também novas formas de pensar em saúde, refletindo alterações nas práticas de atenção e nas intervenções que envolvem o processo saúde-doença. A saúde pública tem seus eixos norteadores embasados no conceito de saúde integral, a busca de práticas que contemplem a integralidade da assistência, o estabelecimento de vínculos entre profissionais, pacientes e familiares, que promovam alianças de compromisso e responsabilidade e propiciem a adesão ao tratamento direcionam-se às mudanças na atenção à saúde. Isto implica também em novas direções na formação e capacitação dos profissionais (Muniz & Eisenstein, 2009).

Tendo em vista o atual modelo de atenção à saúde e considerando o genograma como um instrumento auxiliar na avaliação em saúde, a presente pesquisa buscou compreender quais as contribuições do uso do genograma na Atenção Básica à Saúde no processo de avaliação em saúde mental. A Atenção Básica à Saúde compreende uma série de ações que envolvem aspectos de promoção, proteção, prevenção, intervenção e manutenção da saúde sendo estes os princípios básicos do Sistema Único de Saúde (SUS). Entende-se que, a Estratégia Saúde da Família (ESF) é a porta de entrada para os serviços de saúde pública, ela visa garantir o acesso universal e permanente aos serviços de saúde (Brasil, 2009).

No município onde a pesquisa foi realizada notou-se que o trabalho com o genograma na saúde pública está em processo de implantação e há necessidade de estudos sobre o tema. A presente pesquisa demonstra sua relevância científica diante de sua proposta de preencher uma lacuna nos estudos em saúde do município ao buscar compreender quais são as contribuições do uso do genograma na Atenção Básica à Saúde no processo de avaliação em saúde mental, colaborando para a reflexão das práticas em saúde e possibilitando o desenvolvimento de novas estratégias para a promoção da saúde. A relevância social se caracteriza no sentido em que ao pesquisar e conhecer a realidade dos sujeitos inseridos em um território específico possibilita-se um questionamento acerca do trabalho que vem sendo realizado pela ESF e de sua efetividade, contribuindo assim para que os serviços oferecidos sejam compatíveis com as necessidades da população.

 

Saúde e políticas públicas em saúde

A saúde é compreendida a partir de três diferentes modelos, o biomédico, biopsicossocial e integral. Este trabalho será delineado com base no modelo de saúde integral. Para Da Ros (2006), o modelo de saúde integral apresenta simultaneamente a proposta de promover e prevenir a saúde e atender doenças. A saúde entendida de forma integral implica compreendê-la em todos seus aspectos envolvidos, e no que se refere à saúde mental e a políticas públicas de saúde, o Brasil tem como desafio garantir a acessibilidade e a qualificação da atenção em saúde mental aos usuários dos serviços, tendo como referencial a atenção de base comunitária e territorial, visando diminuir o número de leitos hospitalares e aumentar a rede de serviços substitutivos, trabalhando para a promoção de saúde (Brasil, 2009).

A promoção da saúde envolve uma mediação entre as pessoas e o ambiente onde se inserem, combina as escolhas individuais e as políticas públicas de saúde, estando a população numa posição de efetiva participação desde a formulação até a implementação das estratégias de promoção da saúde. O enfoque da promoção da saúde é de identificar e enfrentar determinantes do processo saúde-doença e utilizá-los a favor da saúde (Buss, 2009). Porto e Pivetta (2009) salientam que para promover saúde é necessário entender e interferir nos processos que tornam as comunidades e territórios vulneráveis no âmbito social e ambiental. Dentre as ações em saúde que devem ser desenvolvidas em um determinado território destaca-se a avaliação em saúde.

O processo de avaliação em saúde propõe o desenvolvimento de autonomia dos sujeitos, a partir de um método de avaliação que priorize a participação e inserção do usuário nas atividades relativas ao próprio processo de avaliar, entendido como dialogal e emancipatório. Para isso, é preciso superar propostas isoladas e descontextualizadas, que não consideram a realidade dos territórios e dos sujeitos que dele fazem parte. Coletar e ter informações a respeito dos usuários não é suficiente, é preciso utilizar estas informações e transformá-las a favor da melhoria das condições de vida (Costa, 2008). Na Atenção Básica à Saúde prioriza-se uma avaliação em saúde promotora de autonomia e emancipatória.

A Atenção Básica à Saúde é definida por uma série de ações de saúde tanto em nível individual como coletivo, é guiada pelos princípios da universalidade, acessibilidade, integralidade, humanização, equidade e da participação social (Brasil, 2009). O principal dispositivo da Atenção Básica à Saúde é a ESF, Amarante (2007) destaca que a ESF é instrumento para promoção da saúde e defesa da vida. Pereira, Teixeira, Bressan e Martini (2009) destacam que a ESF prioriza a assistência à família em seu ambiente sociocultural possibilitando uma atenção integral e individualizada. Uma atuação que preconiza a família e a realidade que a cerca tem o trabalho direcionado por uma perspectiva sistêmica.

 

Sistema familiar e o Genograma

O sistema familiar caracteriza-se pela interação entre todos os membros. Este sistema oferece resistência a mudanças, mantendo o quanto for possível os seus padrões de interação. Por mais que existem padrões alternativos no sistema, há mecanismos que são acionados restabelecendo o padrão usual sempre que houver qualquer desvio dos padrões familiares que ultrapasse o limite de tolerância (Calil, 1987; Cerveny, 2011). As interações familiares compõem a realidade atual da família e os padrões interacionais familiares podem também atuarem nas gerações futuras.

O sistema familiar, incluindo gerações passadas, é o contexto no qual se dá a transmissão de padrões interacionais, que por muitas vezes podem até pular gerações. A repetição de padrões interacionais entre gerações não coloca a família e seus membros numa posição de que o passado determina o sistema atual e sim de que o sistema atual seleciona do passado o padrão repetitivo que fará parte de sua história (Cerveny, 2011). Um instrumento que contribui para a compreensão deste processo é o genograma, com ele é possível ter uma visão dos sistemas familiares no decorrer do tempo.

O genograma apresenta-se como uma estrutura prática para a compreensão da dinâmica familiar. Nele são registradas informações sobre os sujeitos de uma família e suas relações, abrangendo pelo menos três gerações. O genograma possibilita a compreensão dos problemas clínicos familiares e o seu percurso ao longo do tempo e das gerações (McGoldrick; Gerson & Petry, 2012). Por esta razão, Wendt e Crepaldi (2008) destacam a importância de elaborar o genograma em diferentes fases da vida da família, com o intuito de demonstrar as mudanças que ocorrem na família com o passar do tempo.

A construção do genograma requer a participação da família o que contribui para a criação do vínculo entre ela e o profissional de saúde, configurando-se assim com um dos instrumentos auxiliares na prática dos profissionais da ESF. Com o uso do genograma pode-se ampliar o conhecimento acerca da família e propiciar uma intervenção que contemple a integralidade da família (Mello, Viera, Simpionato, Biasoli-Alves & Nascimento, 2005; Muniz & Eisenstein, 2009). Para Athayde e Gil (2005), o uso do genograma possibilita aos profissionais da equipe de saúde da família perceber os padrões e relações familiares que se reproduzem no decorrer das gerações e que influenciam o processo saúde-doença.

Com os dados trazidos pelo genograma acerca da dinâmica familiar, os profissionais da saúde podem direcionar suas ações segundo os riscos identificados, buscando medidas e programas que visam a prevenção, considerando as necessidades, os recursos, a família e as redes de apoio. O genograma possibilita que os membros da família consigam se ver como integrantes de um todo maior, esse todo é a família, espaço ativo na construção do processo saúde-doença (Machado et al., 2005).

 

Tabela 1

 

MÉTODO

A presente pesquisa caracterizou-se como um estudo qualitativo exploratório-descritivo, com delineamento de estudo de caso. Ela propôs a compreender, por meio da análise do conteúdo das respostas dos entrevistados, de que forma o uso do genograma contribui na avaliação em saúde mental. A pesquisa foi realizada em uma unidade da Estratégia Saúde da Família de uma cidade de médio porte do estado de Santa Catarina. Participaram da pesquisa onze profissionais da equipe da ESF, estes receberam orientações acerca do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Como instrumento de coleta de dados foi utilizada a entrevista semi-estruturada, construída pelos próprios pesquisadores a partir de estudos bibliográficos que ofereceram subsídios para a elaboração das perguntas. Para a análise dos dados foi utilizada a metodologia fenomenológica da análise de conteúdo, conforme modelo proposto por Olabuénaga (1999). As entrevistas foram gravadas com gravador de áudio e posteriormente transcritas na íntegra. As respostas foram agrupadas em categorias e subcategorias, de acordo com suas características e similaridades e em conformidade com os eixos norteadores deste trabalho, assim como com os seus objetivos.

 

RESULTADOS

Apresentação das categorias de análise

Com base nos resultados da análise de conteúdo das entrevistas emergiram quatro (04) categorias que descrevem as contribuições, funções, como se dá a construção e o uso do genograma e o conhecimento deste instrumento pela equipe de saúde. Abaixo são apresentadas as tabelas com cada uma das categorias e suas respectivas subcategorias.

Descrição dos resultados

Função do genograma

Nesta categoria é apresentada e discutida a função de investigação do genograma e as possibilidades de intervenção decorrentes do seu uso.

Função investigativa do genograma

Para McGoldrick, Gerson e Petry (2012), o genograma permite melhor compreensão da família e de seu desenvolvimento no passar do tempo. Dentre os aspectos observados nas respostas dos participantes, todos reconheceram a função investigativa desse instrumento.

O elemento de análise referente a conhecer a estrutura e a dinâmica familiar foi apontado por sete (07) participantes, conhecer a rede social de apoio da família foi mencionado por um (01) participante. As redes sociais e a saúde estão intrinsecamente relacionadas. A análise da saúde compreende a dimensão de produção social, resultante de condições concretas de vida, tais como alimentação, moradia e renda. Ela é construída socialmente na interação entre os sujeitos e é mediada por contextos sociopolíticos e condições materiais. Na perspectiva do sistema público brasileiro, a saúde é decorrente da combinação e interação de diversos planos de intervenção da sociedade como um todo e da capacidade de ação e intervenção dos serviços de saúde (Akerman, Righi, Pasche, Trufelli & Lopes, 2009).

Todos os participantes apontaram que o genograma permite mapear o histórico de doenças da família e quatro (04) relatos indicam que ele permite também determinar a causa das doenças, auxiliar a diagnosticar doenças foi apontado por quatro (04) participantes. Dois (02) participantes afirmaram que é possível também avaliar as condições de higiene da família. De acordo com Muniz e Eisenstein (2009), o genograma possibilita a identificação de doenças ou transtornos existentes no decorrer das gerações familiares e ainda permite conhecer as condutas dos membros da família ao longo do tempo.

 

Tabela 2

 

 

Tabela 3

 

Essa perspectiva do genograma como mapeador de doenças da família faz-se importante no que tange a elaboração de estratégias de prevenção e organização da atenção ao território, mas ressalta-se a ausência de respostas no que se refere ao reconhecimento do instrumento como mapeador de aspectos positivos da rede familiar, visando à promoção da saúde.

 

Função interventiva do genograma

A partir das informações que o genograma permite obter na investigação dos padrões familiares e intergeracionais é possível delinear estratégias de intervenção com a família. O genograma como instrumento auxiliar na elaboração de um plano de prevenção de doenças foi citado por sete (07) participantes, neste aspecto, a função de melhorar a saúde da família também foi mencionada por dois (02) participantes.

Verificou-se que os dados levantados estão de acordo com o que apresenta o estudo de Machado et al. (2005), que relata que o levantamento de informações da história de vida da família propicia aos profissionais de saúde a adoção de estratégias de atuação que, ao considerar os riscos identificados, os recursos disponíveis, as famílias e as redes de apoio, proponham medidas de prevenção.

Com a ampliação das estratégias de atuação da equipe da ESF é possível a elaboração de um plano terapêutico que seja mais adequado à singularidade de cada sujeito e família inserida no território correspondente à unidade de saúde. Isto por sua vez, facilita o tratamento da doença objetivando que ele seja o mais efetivo possível. Conhecer a história da pessoa e de sua família contribui para uma melhor relação entre o usuário e a equipe de saúde, todos estes fatores contribuem para aumentar a adesão ao tratamento na ESF. Estes aspectos foram identificados nas falas dos participantes, sendo que dez (10) deles relataram que o genograma auxilia no tratamento e dois (02) relacionaram o uso do genograma ao aumento da adesão ao tratamento. Uma (01) resposta também indica que o genograma facilita a visualização das informações da família.

Estes resultados vão ao encontro dos dados obtidos na pesquisa realizada por Athayde e Gil (2005) na qual se observou como benefícios do uso do genogroma a melhora no relacionamento profissionais-usuário, a elaboração de ações preventivas a partir das informações obtidas e como forma de obter mais informações das referências familiares dos usuários.

Conhecimento do genograma

Nesta categoria serão apresentados e discutidos os resultados referentes ao domínio do conhecimento sobre o uso do genograma e da utilização deste instrumento.

Domínio do conhecimento do genograma

A respeito do domínio do conhecimento, os dados obtidos indicam que são os profissionais com cargo de nível superior que dominam o conhecimento acerca do instrumento, conforme relato de três (03) participantes. Um (01) participante relatou não ter muito conhecimento sobre o genograma, e outro que tem contato com ele por meio das informações passadas pelo médico, dentista e enfermeira durante as reuniões de equipe. As respostas indicam que os Agentes comunitários de Saúde (ACS) possuem conhecimento limitado sobre o genograma para utilizá-lo tanto quanto poderiam em seus trabalhos.

Corroboram estes resultados os dados do estudo de Athayde e Gil (2005) sobre as possibilidades do uso do genograma no trabalho cotidiano dos médicos das equipes de saúde da família de Londrina, no qual se constatou que apesar de ser considerado um bom instrumento, os participantes avaliaram que para a implantação do uso do genograma nas atividades de rotina da ESF seria preciso que ele fosse utilizado e incorporado por todos os profissionais da equipe e para isto, seria preciso uma mudança que englobasse investimentos em recursos materiais e humanos.

Utilização do genograma

No que tange a utilização do genograma na atuação dos profissionais da equipe de saúde, identificou-se que ele é considerado um importante instrumento no acompanhamento em saúde das famílias, como foi citado por cinco (05) participantes. Conforme relato de um (01) participante, ele começou a ser utilizado na ESF há aproximadamente um ano, um (01) agente comunitário de saúde relatou que utiliza pouco o instrumento em seu trabalho. Nas falas dos participantes, notou-se que a falta de conhecimento acerca do genograma se dá principalmente pelo pouco tempo em que ele está sendo utilizado e pela grande demanda da área de cobertura da ESF.

 

Tabela 4

 

Em relação do uso do genograma na prática dos profissionais da ESF, Mello et al. (2005) discorrem que o instrumento complementa a prática da equipe de saúde, pois oferece possibilidades de conhecimento e intervenção específicos de cada família, bem como permite à equipe abordar a família de modo que ela participe ativamente do processo de coleta de informações e não somente como um respondente das perguntas feitas pelo profissional. Os autores destacam a importância da participação da família como forma de promoção de autonomia, porém neste estudo não houve nenhum relato que correspondesse a esta afirmação.

Construção do genograma

Nesta categoria emergiram três subcategorias, que são os critérios para a escolha da família, a participação na construção do genograma e as estratégias para a construção do genograma.

- Critérios para escolha da família

As respostas de cinco (05) participantes apontam que o genograma deveria ser feito com todas as famílias da área da ESF, mas devido à extensão de sua abrangência teriam dificuldades na construção dos genogramas.

Os dados obtidos identificam-se com os resultados obtidos na pesquisa de Athayde e Gil (2005), que apontam a falta de tempo como principal dificuldade para a implantação do genograma na ESF, em função do aumento crescente de atendimentos na unidade de saúde.

Visto que não é possível a construção do genograma de todas as famílias, a enfermeira, o médico e o dentista, decidem sobre a necessidade de construção de um genograma, conforme a fala de dois (02) participantes. Dez (10) participantes relataram que as famílias com histórico de doenças e/ ou vulnerabilidade têm prioridade, ao encontro desta informação, dois (02) participantes citaram ainda que são escolhidas também as famílias que utilizam a unidade de saúde com muita frequência.

O genograma contribui para o acompanhamento das famílias com histórico de doenças e/ou vulnerabilidade, pois facilita a visão do contexto psicossocial e das situações estressoras para o sujeito e sua família. Ao mesmo tempo amplia as formas de detectar situações conflituosas que possam estar relacionadas a problemas e doenças na família. Por isso, o genograma se torna um instrumento que contribui na promoção da assistência à família (Muniz & Eisenstein, 2009).

- Participação na construção do genograma

Sobre a construção do genograma, cinco (05) dos entrevistados disseram participar da entrevista com a família e da elaboração da representação gráfica do genograma e outros cinco (05) relataram não participar destes procedimentos.

A participação das ACS ocorre principalmente na indicação de famílias para a construção do genograma, conforme quatro (04) relatos, assim como no estudo de Pereira et al. (2009), que utilizou o genograma como instrumento de coleta de dados, no qual as famílias foram selecionadas por indicação dos agentes comunitários de saúde.

De acordo com a resposta de quatro (04) entrevistados, a participação dos ACS e da equipe técnica caracteriza-se também pelo repasse das informações da família para o médico, dentista e enfermeira.

Embora os ACS participem da construção indicando as famílias e repassando informações, quem faz as visitas domiciliares para realização da entrevista e elaboração da representação gráfica do genograma são os profissionais com cargo de nível superior, médico, dentista e enfermeira, conforme mencionado por quatro (04) entrevistados. Apareceu nos relatos que algumas vezes o agente comunitário de saúde e/ou os profissionais técnicos também estão presentes na visita, porém não participam ativamente da construção do genograma na visita domiciliar.

Estes dados relacionam-se com os apresentados por Mello et al. (2005) que mencionam que o genograma deve ser utilizado por profissionais de saúde graduados e seu uso implica conhecimentos técnico-científicos e habilidades de observação e comunicação. Em contrapartida, Athayde e Gil (2005) com base nos resultados de sua pesquisa, apontam que o uso do genograma somente pelos profissionais graduados não é suficiente para atender as necessidades da ESF. É preciso que os demais membros da equipe de saúde também sejam capacitados para utilizar o genograma, pois desta forma sua implantação se torna mais fácil. Para os autores, o trabalho em saúde é uma tarefa coletiva que precisa ser compartilhada, quando o trabalho é realizado em equipe o cuidado prestado às famílias é mais integral.

Estratégias para a construção do genograma

No processo de construção do genograma, a equipe de saúde faz as visitas domiciliares. Antes de começar a entrevista, a equipe faz uma explanação para a família sobre os objetivos, as funções e os procedimentos de construção do genograma, como relatado por um (01) participante, isto possibilita que a família tenha conhecimento da intervenção que está sendo proposta e realizada com ela, o que contribui para que a família sinta-se participante do processo e também parte responsável por sua saúde. Três (03) respostas indicam que durante estas visitas é elaborado um esboço do genograma, que é finalizado na unidade de saúde.

A qualidade da entrevista está relacionada ao resultado final do genograma, conforme apontado por um (01) dos participantes. A condução da entrevista do genograma, diferente de outras entrevistas, não deve seguir uma ordem pré-estabelecida e sim, deve ser adaptada de acordo com cada família. Isto evita mudanças repentinas nos assuntos e oferece uma escuta mais empática aos entrevistados. A complexidade da entrevista com a família exige que ela seja realizada por profissionais com formação para o trabalho com a família, os entrevistados precisam expor a si mesmos, seus problemas, dificuldades, conflitos, doenças, a sua realidade de vida (Wendt & Crepaldi, 2008).

Uso do genograma em saúde mental

Neste tópico serão apresentadas e discutidas as contribuições do uso do genograma para a saúde mental.

- Contribuições do uso do genograma

As respostas obtidas apontaram que as informações coletadas por meio do genograma auxiliam na identificação de aspectos relacionados a transtornos mentais, a partir das respostas de sete (07) participantes.

Diante dos relatos obtidos é possível perceber que alguns profissionais da equipe de saúde não demonstram conhecimento a respeito dos aspectos que envolvem a saúde mental. Três (03) participantes afirmaram que de acordo com o relatado por outros profissionais, o genograma contribui para identificar aspectos de saúde mental, porém não souberam citar quais aspectos.

Outro fato observado é que ainda perpetua em alguns profissionais a concepção de saúde mental restrita a diagnósticos psicopatológicos, considerando que sete (07) participantes relacionaram a saúde mental à doença e somente dois (02) associaram os fatores psicossociais à saúde mental.

Constatou-se na resposta de um (01) dos participantes que a partir da construção do genograma tem-se a possibilidade de uma visão ampliada do sujeito, identificando-se assim aspectos de saúde mental, e quando necessário, encaminhar o usuário para serviços de saúde especializados.

O uso do genograma precisa ir além da doença, é necessário estabelecer correlações hipotéticas entre os fatores psicossociais presentes nas relações familiares e de seus membros. O genograma proporciona dinamicidade na avaliação das questões psicossociais, colaborando para a análise de fatores que interferem no indivíduo, na doença, no tratamento e nas consequências destes processos na família (Muniz & Eisenstein, 2009). Os aspectos apontados se apresentam como contribuições do uso do genograma na avaliação em saúde mental, indo ao encontro da perspectiva de saúde integral e das práticas que envolvem o cuidado em saúde mental.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Política Nacional de Atenção Básica à Saúde instituída pelo SUS apresenta-se como a porta de entrada para a população aos serviços, promovendo ações e práticas em saúde que compreendem o indivíduo e a coletividade. Para tanto, preconiza-se o trabalho no território dos sujeitos. Com esta política de atenção o objetivo é que grande parte da demanda seja acompanhada pela ESF, reduzindo a necessidade de encaminhamentos para os serviços especializados.

A ESF caracteriza-se por sua atuação na comunidade, considerando o trabalho com a família e as relações sociais, econômicas e políticas que permeiam a realidade dos sujeitos. Desta forma, as práticas de saúde da ESF devem estar voltadas para a comunidade específica na qual ela está inserida, descartando práticas universais pré-estabelecidas e priorizando a singularidade do território. Um dos instrumentos que contribui para a compreensão da realidade das famílias é o genograma. Seu uso na Atenção Básica à Saúde permite que a equipe de saúde da ESF tenha maior acesso às informações pertinentes às famílias e possibilita que elas participem ativamente do seu acompanhamento em saúde.

Compreendendo a saúde mental a partir da perspectiva de saúde integral, é possível afirmar que as informações obtidas por meio do uso do genograma facilitam a avaliação em saúde mental, pois fornecem dados que envolvem diversos aspectos de vida do sujeito e da família. Estes dados permitem identificar as demandas existentes e agir sobre elas tanto de forma interventiva quanto preventiva, bem como visualizar as vulnerabilidades da família de modo a elaborar estratégias para fortalecê-la, visando à promoção da saúde.

Embora todos os participantes da pesquisa afirmaram que o genograma é um importante instrumento de auxilio em seu trabalho, alguns demonstram conhecimento limitado acerca do mesmo, sendo sua utilização e conhecimento priorizado pelos profissionais com cargo de nível superior de formação. Percebeu-se que alguns profissionais tinham dificuldades para relacionar as informações obtidas com as práticas de atenção possíveis a partir delas, com o mesmo ocorrendo em relação aos aspectos que envolvem a saúde mental. Identificou-se em alguns profissionais a dificuldade de ter uma visão sistêmica do sujeito em sua relação com o meio, uma vez que demonstram compreender a saúde mental somente a partir de seus aspectos psicopatológicos.

Com vistas aos aspectos apresentados, nota-se a necessidade de uma formação complementar para a equipe da ESF, que seja direcionada a uma formação continuada que contemple a apreensão do conceito de saúde integral e que suas práticas sejam produzidas e reproduzidas no âmbito da Atenção Básica à Saúde. No entanto, percebe-se que a equipe está caminhando ao encontro desta proposta, com o suporte de alguns profissionais que trabalham nesta perspectiva, sendo a implantação do genograma um passo à frente na busca de melhorias das práticas em saúde e um incentivo à participação das famílias neste processo.

 

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Endereço 1: Claudia Daiana Borges
Rua Marina Frutuoso, n. 586, ap. 301 – Centro
CEP 89251-500, Jaraguá do Sul – SC, Brasil

Recebido: 03/09/2013
Última revisão: 25/05/2015
Aceite final: 17/06/2015

 

 

Sobre os autores
Claudia Daiana Borges- Psicóloga, Pós-Graduanda em Psicopedagogia pela Uniasselvi/Fameg. E-mail: claudia.daiana@gmail.com
Maira Maria da Costa- Psicóloga pela Uniasselvi/Fameg. E-mail: mairadacosta@hotmail.com
Jeovane Gomes de Faria- Psicólogo, Mestre em Psicologia (UFSC), Doutorando em Psicologia (UFSC), Especialista em Atenção Psicossocial em Saúde Mental (FURB/SC) e Psicologia da Saúde (FAMERP/SP). Professor do Curso de Psicologia Uniasselvi/Fameg. E-mail: psijeo@yahoo.com.br

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