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Revista Psicologia e Saúde

On-line version ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.7 no.2 Campo Grande Dec. 2015

 

ARTIGOS

 

A psicose e saúde mental: impasses na contemporaneidade

 

Psychosis and mental health: contemporary impasses

 

La psicosis y salud mental: los impasses contemporáneos

 

 

Antonio Garcia Neto; David Victot-Emannuel Tauro

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

 

 


RESUMO

A proposta deste artigo é discutir o conceito de saúde mental, contendo os impasses das classificações psicopatológicas. A abordagem inclui suas definições sobre a organização subjetiva do sujeito. O artigo fundamenta-se numa pesquisa bibliográfica a partir da teoria da Psicanálise e suas diretrizes diante do conceito de Psicose. Para alcançar o objetivo da discussão sobre o conceito de psicose e sua relação com a saúde mental na atualidade, foi utilizado conhecimento produzido desde a Psiquiatria a Psicologia, destacando as considerações tanto do caráter etiológico quanto dos seus imbricamentos. A proposta consistiu em fomentar a reflexão sobre as definições da psicanálise sobre a praxis na saúde mental. Para executar esta tarefa recorremos às observações de Freud e as construções históricas de Psicanálise, apontando na ciência que circula das humanas ás biológicas à inserção da subjetividade, seja no modo de manifestar o sofrimento ou naquilo que escapa as tentativas de normatização.

Palavras-chaves: Psicanálise; Psiquiatria; Saúde mental; Psicose; Psicopatologia.


ABSTRACT

The purpose of this article is to discuss the concept of mental health, containing the impasses of psychopathological ratings. The approach includes your settings on the subjective organization of the subject. The article is based on a literature review on the theory of psychoanalysis and its guidelines on the concept of psychosis. To achieve the purpose of the discussion on the concept of psychosis and its relation to mental health at the present time, it used knowledge produced from psychiatry to psychology, highlighting the considerations of both the etiological as their imbricamentos. The proposal was to foster reflection on psychoanalysis the definitions of praxis in mental health. To perform this task we use the observations of Freud and the historic buildings of Psychoanalysis, pointing in science circulating human biological ace the insertion of subjectivity, either in order to express distress or what eludes attempts at standardization.

Keywords: Psychoanalysis; Psychiatry; Mental health; Psychosis; Psychopathology.


RESUMEN

El propósito de este artículo es discutir el concepto de salud mental, que contiene los impasses de clasificaciones psicopatológicas. Los incluisuas acercan a las definiciones de la organización subjetiva del sujeto. El artículo se basa en una revisión de la literatura sobre la teoría de Psicanálise e sus directrices sobre el concepto de psicosis. Para lograr el propósito de la discusión sobre el concepto de la psicosis y su relación con la salud mental en la actualidad, se utiliza el conocimiento producido a partir de la psiquiatría a la psicología, destacando as considerações tanto etiológico como sus imbricamentos. La propuesta fue fomentar reflexão sobre el psicoanálisis de las definiciones de la praxis en salud mental. Para realizar esta tarea se utilizaron las observaciones de Freud y los edificios históricos de Psicoanálisis, señalando en la ciencia que circula as biológico humano el da subjetividade inserción, ya sea con el fin de expresar la angustia o lo que elude los intentos de regulación

Palabras-clave: Psicoanálisis; Psiquiatría; Saludmental; Psicosis; Psicopatología.


 

 

Introdução

O presente artigo traz como eixo central uma questão que marca a gestação da Psicologia e que atravessa o campo da Filosofia, da Psicanálise e da Ciência, dando indícios sobre a metodologia implicada na compreensão de seu objeto de saber: o homem.

Dentro dessas áreas de compreensão, nota-se um nó que ata uma construção do que caracteriza a normalidade e a patologia psíquica, como já ressaltado no percurso da história da loucura, segundo a qual, o aspecto patológico requer um olhar além dos sintomas, colocando em pauta o sujeito como um ser "a mais" que sua inscrição nosológica.

Os problemas metodológicos com a dita loucura não datam de hoje e não cessarão por aqui, pois atravessam a história, desde a Grécia antiga a loucura era considerada uma manifestação divina, e o louco era, então, concebido em sua excentricidade necessária e supersticiosa, dotado de determinada sabedoria profética e transformadora. Não havia, portanto, a segregação dos loucos, mas aí eles já marcavam que se tratava de outra dimensão do homem. Já no século XV, na Idade Média, a loucura era vista como algo diabólico, não humano, e, também, marcada por um aspecto atraente, no sentido de que haveria um saber desconhecido dado apenas aos loucos. Portanto, não sendo concebida como doença, a Igreja propunha o salvamento de tais almas numa estreita relação com o inquietamento dessas perturbações.

Este inquietamento não cessa, haja vista que coloca em xeque o conceito do humano, aponta seus limites entre o que é visceralmente animal dentro do homem, uma linha tênue, entre instinto e regra, pulsão e norma, dicotomia que faz bordas a possibilidade de vida. Contudo, é certo que é na experiência entre os indivíduos que as caraterísticas e formas de um sujeito dotado de vida psíquica começam a tomar formas.

O artigo levanta a questão em nome de um saber sobre o conceito de saúde mental, esse que visa produzir algo além do sucateamento de respostas simplistas, por exemplo, o que leva o homem a loucura? Ou sujeito tem esquizofrenia ou é esquizofrênico? Qual o critério para a definição da loucura? Eis aí o sujeito no centro da questão.

Visando colocar uma reflexão, longe de conclusiva, mas um modo de pensar que dê possibilidade caminhar além de características psicológicas destacando a organização da psique do homem. A construção da subjetividade na organização psíquica que ocorre na psicose para além de sua condição pejorativa de surto e de episódios de delírio. Destacamos, no campo da Psicanálise, a concepção de homem e a problemática que a posição de sujeito acarreta.

 

A história

No período do Iluminismo, século XVII, com a ênfase racionalista e a predominância do modelo mercantilista, a repressão religiosa à loucura cede espaço a uma segregação de marco econômico, com a criação de abrigos àqueles sujeitos tidos como não produtivos devido a complicações psíquicas.

A loucura passa a ser entendida como desrazão, vinculada a aspectos de desqualificantes morais. Mesmo com a Revolução Francesa, já no século. XVII, que privilegiou direitos de igualdade aos excluídos ou desassistidos, os loucos ainda se mantinham à margem da sociedade, escravizados em seus estigmas, e com isso chama a atenção da ciência, na qual figurava a Psiquiatria, gestando o promissor futuro da psicopatologia.

Desde os estudos do século XVIII, com as formulações do médico Chavier Bichat, fundador da anatomia patológica, professor de Pinel, instalou-se uma noção de possibilidade de vislumbrar o funcionamento da mente abrindo o corpo, ainda que tal prática a colocasse em discordância com o discurso religioso da inviolabilidade divina do templo humano, porém sua morte precoce aos 32 anos talvez tenha deixado essa possibilidade aos discípulos vindouros. (ROUDINESCO, 1986).

A Psiquiatria tem um papel fundamental na evolução da compreensão psicopatológica o que acabou desencadeando na própria ciência dita humana dando outra roupagem à humanização e seu desenvolvimento. No século XVIII, a própria especialidade da Psiquiatria Clínica, que inaugurase com Phillipe Pinel (1745-1826) na França com influência da fenomenologia de Hurssel e em 1801 publica Traité médico-philosophique sur l'aliénation mentale ou lamanie,, de tradução Tratado médico filosófico sobe alienação mental e mania, Sintonizado com os ideais revolucionários franceses de liberdade, igualdade e fraternidade, preconizou o tratamento moral para os alienados e desacorrentou os loucos em Paris.

Sua prática médica exercida durante os anos em que chefiou os hospitais em Bicêtre e La Salpêtrière na França, aliada a sua profunda reflexão sobre a alienação mental, concorreram para inaugurar a "Escola dos Alienistas Franceses" e com seu discípulo Jean-Etienne Esquirol (1770-1842), que vivia em meio as manicômios, fortaleceu a influência da escola francesa na Psiquiatria que se deu no século XVIII.

Diante das perturbações que a loucura produzia, a produção do conhecimento não cessou. Houve a segunda fase do posicionamento da ciência que ocorreu no período de 1900 com os fundamentos dados por meio Psiquiatria Clássica, com características descritivas dos quais os principais nomes iniciou-se com Morel, FalreteBayle, que acabam dando os nomeando as principais doenças mentais.(LEADER, 2013)

Depois de uma grande movimentação no meio cientifico no final do século 18 aproxima-se o tempo das luzes, e quem dá o contorno a era clássica com forte influência da escola alemã na pessoa de Krafft-Ebing e Schule, também psiquiatrias alemãs surge Emil Kraepelin, para a sistematização e organização dos conceitos, partindo do modo descritivo ao analítico.E nesse caminhar a Era moderna da Psiquiatria foi tomando forma, vinda de um movimento investigativo do método entre bio-psíquico que conta como os nomes de Freud, Janet, Breuler até Jaspers, Basaglia apontando para condição de sujeito e sua singularidade. Foi na tentativa de buscar explicação para o adoecer da condição psicológica do homem que a Psiquiatria manteve protagonista no cenário da história. Nesse percurso, em que a Psicanálise penetra no âmago dessa discussão para jamais dali sair de mãos vazias. (ROUDINESCO, 1989)

Daí foram diversas ramificações, daquelas que partiam dos estudos do córtex com esperança de lá achar a respostas para as indagações que a loucura propunha, tal são dissidentes da linha organicista de pensamento. E, assim, a patologia em termos de "loucura" foi sendo construída na história com explicações das diversas ordens, seja uma disfunção biológica defendida por Charcot nos moldes do positivismo conteano. Entretanto, é em Freud que podemos perceber uma possibilidade de abordagem desses fenômenos para além da condição biológica. Ocorre com Freud e suas formulações teóricas o afastamento das crenças de possessão espiritual, defendidas pelo cristianismo ocidental, do qual as marcas podem ser encontradas na arte e, dessa maneira, conta um pouco da história a respeito da loucura e da nau dos loucos, pode-se dizer assim.

Através dessa dupla preposição ele renovou o gesto de Pinel: desacorrentou as "loucas" e ofereceu grilhões de uma nosologia adequada. Para consumar esse ato, convocou os grandes princípios da clínica anatomopatológica e da fisiologia e construiu uma nova neurologia sujo funcionamento inscreveu na hereditariedade, ao preço de reevocar o sexo, noção vaga e embaraçosa descoberta nos corredores de Salpêtriere. (ROUDINESCO, 1986, p 21)

Houve, nesses dados históricos, a evidência que já se anunciara nos primórdios do discurso na contemporaneidade. Por um tempo na história do homem, os loucos permaneceram calados, mas a segregação nosológica em questão, sempre presente e clara, ou seja, aquele homem ou mulher que não atendesse as normas e padrão do século VXII e XIX, eram enclausurados e tratados como animais. Segundo Foucault (1997), o louco era submetido a condições desumanas, isso na compreensão defendida pelo autora na A História da Loucura na idade Clássica, evidenciando os modos de lidar com os fenômenos do processo psicológico. Ainda, segundo Foucault (1997), houve um modo de posição diante da doença metalque consistia em endereçar os ditos "loucos" numa viagem sem volta, conhecida como a Nau dos loucos, o que foi inclusive retratado pelo artista Hieronymus Bosch(1450-1516), exposta atualmente no Museu do Louvre em Paris.

 

Psicose da psiquiatria a psicanálise

Tomando a compreensão do homem a partir do método psicanalítico, construindo o sujeito diante das patologias psíquicas, a questão pretende levantar alguns questionamentos sobre uma psicopatologia em específico, a saber, hoje dada como Psicose. Sobre o termo psicose, Roudinesco (1986, p. 621) afirma o seguinte:

(...) introduzido em 1845 pelo psiquiatra austríaco Ernst vonFeuchtersleben (1806-1849) para substituir o vocábulo loucura e definir os doentes da alma numa perspectiva psiquiátrica. As psicoses opuseram-se, portanto, às neuroses, consideradas como doenças mentais da alçada da medicina, da neurologia e, mais tarde, da psicoterapia. Por extensão, o termo psicose designou inicialmente o conjunto das chamadas doenças mentais, fossem elas orgânicas (como a paralisia geral) ou mais especificamente mentais, restringindo-se depois às três grandes formas modernas da loucura: esquizofrenia, paranóia e psicose maníaco depressiva.

No entanto, entendemos que alguns esclarecimentos se fazem ainda necessários na busca de uma compreensão do fenômeno da psicose atualmente. Por exemplo, tentar responder às seguintes questões: como o sujeito se torna um psicótico? A Psicose deve ser tratada como uma patologia ou como um tipo de personalidade? Qual a linha que separa o ser louco de ficar louco? O sujeito com uma estrutura de personalidade psicótica pode viver na normalidade"?

Desses questionamentos nasce a proposta de buscar uma direção, longe de respondê-las conclusivamente, porém, um caminho de construção. Como afirma o psicanalista grego Castoriadis (1999), resposta que decorre de uma decisão não somente "metodológica" ou "epistemológica", mas propriamente filosófica e, mais precisamente ontológica. Para dar conta desse trabalho árduo, a história da Psicanálise atravessa de cabo a rabo a trajetória da clinica psicótica até os dias atuais.

Ao final do século XIX, o termo psicose abarcava toda a gama das doenças mentais. Elas eram assim denominadas, porque atingiam a totalidade da personalidade, e eram distinguidas das neuroses ou doenças dos nervos, que só afetavam uma borda da personalidade e se caracterizavam por funcionais sem lesões neurológicas. Ainda que se reconhecesse o caráter psíquico de todas essas afecções, elas continuavam subordinadas a uma classificação organicista encravada no quadro da hereditariedade. (ROUDINESCO, 1986, p 116)

Ainda numa tentativa nosológica de classificar a Psicose, o psiquiatra Kraepelin foi quem conseguiu organizar racionalmente uma divisão da psicose de modo descritivo, na qual existe nas modalidades de: paranóia, a loucura maníaco depressiva e demência precoce, contudo não cabe aqui adentrar no conceito, exceto pelo fato desde já imprescindível de que em todos os quadros o delírio era critério para compor o quadro.

Porém nem com os avanços de Kraepelin os loucos escapavam de sua prisão seja tanto no sentido simbólico quanto da realidade, ocupando o lugar de sujeito ameaçador a sociedade e por consequência, uma necessidade ao isolamento ou também pode ser tratado como um modo de contemplar esses "doentes" em instituições competentes.

Na busca de compreensão dos fenômenos que a loucura propunha, a investigação inclinou se para o campo da linguagem, do qual possibilitaria a desmistificação, ou seja, compreender o louco era, portanto, retornar também à terra da língua, do deciframento, de um dialeto que não poderia ser capturado pela classificação de Kraepelin, e nem a brilhante atenção de Freud percebeu, em que anunciase as discussões filosóficas latentes ou não, dessa maneira:

Emil Kraepelin e muitos outros psiquiatras do fim do século XIX e inicio do século XX concederam um lugar especial a psicose: o curso da doença determinaria sua forma de classificação. A dementiapraecox, por exemplo, caminharia para o empobrecimento cognitivo e afetivo. O termo "demência" implicava uma decomposição, a intromissão mórbida, na psique, de um processo orgânico que seguia suas próprias leis irreversíveis. Senão seguisse, não seria dementiapraecox. (LEADER, 2013, p. 23)

Neste movimento a psicose ocasionou um evento não menos importante que a neurose histérica, se a histeria inaugurou a psicose revolucionou, construiu laços e decompôs outros, desde rupturas de Freud e Jung a ligações entre Freud e a Psiquiatria, como uma esfera que

Abordou o campo das psicoses a partir de uma concepção do aparelho psíquico baseada no fato inconsciente. A loucura na perspectiva freudiana escapou ao domínio da doença mental, assim como a histeria escapara ao da doença dos nervos. Recebeu então uma definição não normativa: a neurose era resultado de um conflito, a perversão era a negação da castração e a fixação na sexualidade infantil, e a psicose era a reconstrução de uma realidade alucinatória. (ROUDINESCO, 1986, p. 126).

Aqui se de aflorava os aspectos da psicose que estariam em oposição ao próprio conceito de Kraepelin de que haveria uma degeneração psíquica, o próprio autor reconheceu que a doença podia ser contida, ou a rigor, em alguns casos, curada com uma "recuperação completa e duradoura", criticas realizadas na França por Philippe Chaslin (1923)o qual afirma em alguns casos a "dementia" não piorava rapidamente, e assim como outros psiquiatras ele insistiu que o sujeito psicótico era capaz de preservar todas as suas faculdade mentais, e questiona claramente as formulações kraepelianianas. (LEADER, 2013)

A Psiquiatria compareceu efetivamente nas formulações investigativas no campo das Psicoses e aferindo status de saúde mental, seja com ênfase em seu funcionalismo biológico ou aqueles que configuram a possibilidade de um pensamento além. Os antecessores de Freud o sabiam, dentre eles faz necessário a menos citar o psiquiatra alemão Karl Jaspers, que marca a história da psicopatologia deixando sua impressão atravessada da filosofia de alguns pensadores como Kierkegaard. Jaspers (1965) apontava na direção das categorias psíquicas irredutíveis a seus sintomas, o que ficou claro em sua extensa obra de Psicopatologia Geral, que tal prática tem por essência a inserção de uma praxis reflexiva quanto ao sofrimento do homem.

Na história da Psicanálise temos achados raros, talvez nem sempre lembrados, por isso faz-se necessário recorrer ahistória para compreender a trajetória inicial antes de adentrar nas questões fenomenológicas, porque em diversos momentos podemos ver o fim anunciado no começo.

Freud (1894) começa a se distanciar da compreensão de Charcot, porém continua embaraçado com seu desejo de explicações biologistas para as manifestações da mente, endereça cartas, escreve rascunhos a Fliess, suas correspondências continham o nome da Psicose mantida ainda como refém de sua elaboração da neurose, redigindo textos como As Neuropsicoses de defesa (1894), entendida como alucinações que atuam em defesa aos conteúdos que ameaçariam a existência do ego.

Já em 1915 outras preocupações começam alarmar Freud, neste momento o espaço para a Metapsicologia começa a tomar forma e visualiza-se um período em que o autor investe seus esforços numa tentativa de estabelecer normas sobre a técnica e parâmetros para o exercício da Psicanálise. A tentativa de Freud (1911) torna-se evidente com a publicação da obra O caso Schreber e Artigos sobre a técnica e outros trabalhos, volume que revela o posicionamento do mestre diante da psicose em registro claro. Freud (1911) declarara que a Psicanálise não seria o melhor método para o tratamento da psicose, uma vez que não deveria aplicar sua escuta a ela, pelos motivos que serão tratados a posteriori, ele realizou boa parte de seu estudo teórica por meio de uma leitura do texto de 1903 de Daniel Paul Schreber intitulado Apresentação das memórias de um doente dos nervos.

Mesmo com um caminho tão sinuoso, é necessário atentar ao método freudiano para elucidar as questões primárias em relação à doença psíquica, porém tomar-se-á oconceito como modo em que o sujeito manifesta seu sofrimento. Nesse sentido, podemos destacar as observações de Freud, quando este começa a investigar o normal por meio do patológico, sendo que esta subversão permitiu um grande avanço anunciado em seus estudos sobre a histeria.

Na inauguração de Freud (1900), como o método de associação livre que surge na relação analítica com as histéricas, o que se tem é um modo de construção do conhecimento a partir de um sujeito que ouve a queixa e acolher o sintoma. O método de Freud aproxima-seda maiêutica socrática,na qual os sintomasfalavam de outra verdade, acolhe a queixa e permite a fala, e acreditou ele, inicialmente, que estes sintomas e/ ou sofrimento faziam parte de uma cena de encontro com o sexual, não em relação ao coito, mas sim de um encontro com o sexual. Freud (1905) trata da inserção da pulsãocomo o prazer e suas zonas erógenas como objeto de fixação das pulsões, que no neurótico era retirada da consciência por um mecanismo psíquico nomeado recalque, em seguida retornando com outra forma, ou seja, a do sintoma, nomeado como o retorno do recalcado.

A partir dessas formulações, Freud (1920) começa a esboçar um esquema da mente, chamado de Aparelho psíquico, no qual temos a primeira tópica configurada em inconsciente, pré-consciente e consciente. Contudo, Freud (1920) acaba por perceber que essas instâncias se tornavam insatisfatórias, quando se deparava com a força da pulsão, persistência dos sintomas e a dificuldade de seus pacientes na associação livre, pois o conteúdo psíquico não transitava tão livremente do inconsciente ao pré-consciente (FREUD, 1920)

Então, Freud formula, no início de década de 1920, o aparelho conhecido como a segunda tópica, que consiste em id, ego e superego e na qual o id é a representação do principio do prazer, a exigência da satisfação; o superego é as normas externas que passam por uma internalização e o ego é o responsável pela organização dessas forças.

Com essa sistematização do aparelho psíquico, Freud (1924) toma a psicose utilizando a neurose como referência para sua construção teórica

Por conseguinte, a diferença inicial assim se expressa no desfecho final: na neurose, um fragmento da realidade é evitado por uma espécie de fuga, ao passo que na psicose, a fuga inicial é sucedida por uma fase ativa de remodelamento; na neurose, a obediência inicial é por uma tentativa adiada da fuga. Ou ainda, expresso de outro modo: a neurose não repudia a realidade, apenas ignora; a psicose a repudia e tenta substituí-la. (FREUD, 1924, p. 207)

Nesse sentido, Freud (1924) ainda afirmava que tanto a neurose como a psicose seriam patologias que poderiam ser atravessadas pela psicanálise, a ponto de reduzi-las ao caráter de normalidade, ou seja, uma cura total. Posteriormente, o autor revisitará essa ideia, e que trata-se de estrutura, organizadas por funcionamentos diferentes na neurose, e consequentemente para a psicose, porém mantém sua visão com a organização estruturalista, marcando a experiência do sujeito como um modo de visualizar o inconsciente, é o que Freud (1920)desbravará a partir do conceito de clivagem do eu,

A experiência freudiana não e de forma alguma pré-conceitual. Não é uma experiência pura. Trata se de uma experiência realmente estruturada por algo de artificial que e a relação analítica, tal como é constituída pela confissão que o sujeito vem fazer ao médico, e pelo que o médico dela faz. É a partir desse modo operat6rio primeiro que tudo se elabora. (LACAN, 1955, p, 17) Vale considerar que o fato da escola do estruturalismo iniciada por Levi-Strauss na década de 1920, e sua relação pessoal com o psicanalista francês Jacques Lacan, toma um eixo do qual a Psicanálise fará, no ensino lacaniano, base para sustentação de seu método ao permitir a organização das partes para além da totalidade. (ROUDINESCO, 1986).

Com as formulações feitas por Lacan, após uma leitura complexa das fórmulas freudiana, organizará a compreensão da Psicose como uma estrutura psíquica na qual as relações iniciais da vida psíquica o sujeito organiza em torno de sua experiência singularmente subjetiva, no qual uma terceira função, nomeada por Lacan como Nome-do-Pai é rejeitada, este esse movimento é chamado de foraclusão.

Embora Freud (1911) deixasse muito claro durante a produção de sua obra que mantinha uma distância segura da loucura, mesmo assim a rondava vigilantemente com o inconsciente, o que lhe atraí na loucura era secundário, consiste na condição de sublimação que lhe era inerente, e chega a declarar: "saiba que na vida sou terrivelmente intolerante para com os loucos, só vendo neles o que tem de pernicioso, e sou em suma, em relação a esses artistas, exatamente isso que você estigmatiza como rótulo de filisteu e pedante" (FREUD, 1924, p. 89)

Sobretudo, uma questão permanecia a o método psicanalítico, trata-se de escuta também, e disso o psicótico não está excluído, trata-se efetivamente de um modo peculiar de se ajeitar na relação com a linguagem.

Ainda na trilha da Psicose, é imprescindível mencionar os desdobramentos que Lacan em seu ensino por meio de seminários produziu na clinica da psicose quanto à direção do tratamento, justamente por atentar-se ao campo da linguagem.

Lacan (1964) afirma que ao sujeito da psicose cabe uma missão da qual precisará se organizar, uma vez que responder fraturadamente no simbólico e, com a qual suporta, por meio dos sintomas delirantes, algo que lhe faltou na formação da psique, manifestando sua função de delírios e alucinações.

Segundo Lacan (1955), o homem é constituído da energia pulsional e em sua relação com o semelhante pode vir tornar-se sujeito, o que implica em um processo complexo nas relações com a pulsão. Entretanto, o que nos interessa na posição de Lacan (1955) em relação a saúde mental e a psicose, é que ele pontuará a questão, sobre o fato de o inconsciente ser a verdadeira doença mental do homem, e isso não pode ser reduzido a características de comportamento.

Faz-se necessário esclarecer que, em Lacan, existe uma discussão conceitual sobre o que é o sujeito, antes de discutir sua adjetivação psíquica. Já avisava a experiência de Rabinovith (2001), que retomar o estudo da constituição do sujeito, é em si, propor novas versões da função do Pai, eis o que transforma os conceitos psicanalíticos estabelecidos, ora a foraclusão não nos conduz, assim, já que a ausência de toda inscrição prévia impõe a invenção, para uma nova definição do saber?

O que a psicanalista francesa Rabinovitch descreve sobre o mecanismo nomeado de foraclusão, é que este termo que aparece na escrita alemã de Freud já em 1894, propõe neste exato momento histórico na Psicanálise uma exclusão, que deixara Freud em uma linha tênue sobre neurose e psicose. Porém em 1918, irá perceber que Verwerfung, trata-se de uma rejeição, que acontece a priore na neurose. Vejamos: na neurose é esse mecanismo que entende a inconciliação, o insuportável da energia psíquica com seus próprios conteúdos e apartir daí é substituído por outra coisa, e o que operacionaliza isso tem o nome de recalque. Sendo assim o neurótico experimenta o que seria uma exclusão, porém não-toda, já na psicose a foraclusão é radical, esta todo inserido nela, por isso uma perdição, e o que dará a Freud a noção de renegação.

O sujeito, em Lacan, pode ser entendido como uma operação em que o homem assume significações, cadeia de significante operando para outro significante, levando em consideração sua postulação axiomática o inconsciente estruturado com linguagem. O advento do sujeito torna-se possível, quando diante de um discurso, seja ele de quem for, a criança possa responder com sua subjetivação como entendeu aquilo, eis aqui o encarnação do signo, e a indispensável gênese da inscrição de linguagem no sujeito. (LACAN, 1955).

Em termos formulados por Lacan (1955), no seminário sobre as psicoses, o que apontara é justamente uma efetivação da exclusão funcional de um significante e de uma extinção de formas de representação, ou seja, é um decreto de corte, um desligamento. Mas as discussões em torno do vazio que este corte provoca, aposta que não significa a impossibilidade a oportunidade de que o sujeito se aproxime do mundo dos significantes, e assim, tocar nas vestimentas simbólicas, tecendo suas próprias costuras.

Lacan parte das leituras de Freud, porém toma como substância a linguagem sob a influência da linguística, na obra do suíço Fernand de Saussure, organiza ontogenéticamente a estrutura do inconsciente criando o axioma do inconsciente estruturado como linguagem.

Os avanços na Psicanálise foram notáveis com as ideias de Freud e suas formulações que partiram da psicopatologia do século passado. O legado de Lacan com suas afirmações sobre a estrutura da linguagem, afirmando que as crianças precisam torna-se sujeitos, foram imprescindíveis para o desenvolvimento proposto por Freud para a compreensão da psique. O processo acontece necessariamente na relação do sujeito com o outro, em que o EU deve advir, no estádio do espelho1, em que por meio do olhar do outro o sujeito constitui sua imagem e assim sua subjetividade.

Partindo do Estádio do Espelho, marcando um dos momentos iniciais de seus escritos, Lacan assume a base freudiana de inconsciente, o qual elabora a construção teórica da relação entres os sujeitos, que pode fundar o Eu. Segundo Lacan (1955), o EU advém para responder ao discurso do outro, o qual é realizado quando há a inserção no campo da linguagem tocando diretamente no cerne da Psicose. Coadunando com Lacan (1964), o sujeito psicótico, devido ao seu tipo de resposta se organiza de um modo próprio, ou seja, sua via de acesso à realidade se dá na contramão, as exigências externas da realidade lhe afere perigo de extinção por isso cria outro para refugiar-se, problemática.

Diante dessas premissas surge o eixo central deste artigo na compreensão deque a classificação psicótica não deve ser entendida apenas como a descrição de fenômenos contido nos manuais. Podemos encontrar em nível descritivo a caracterização da psicoses e suas subdivões no DMS-V e CID-10 como uma necessidade e apresentação de delírios, no qual dificulta a compreensão dos fenômenos. Deste modo não serve como esteio ou padrão para classificação do sujeito, assim como outros sintomas que, segundo a psiquiatria, definem o individuo.

Freud considerou a manifestação do delírio não apenas exclusiva da psicose já que o neurótico também pode ter fantasias reconstrutoras da realidade o que ele demonstra em Um Caso de Paranoia que contraria a teoria psicanalítica das doenças de 1915, mas ao contrário, a tentativa de reconstrução - reestruturação - empreendida pelo psicótico ocorre de outro modo.

Podemos perceber, dessa forma, que a linha tênue que existe entres as neuroses e psicoses não estão tão demarcadas assim, talvez o senso comum sabia tanto disso que gerou seu próprio saber; de médico e louco todos tem um pouco.

Retorno do avanço

Nesta dimensão teórica, o esclarecimento cabe ao que diz respeito ao fato de que não nem todo sujeito de estrutura psicótica causa danos ou revela sua impossibilidade de viver em sociedade, esta verdade não é nenhuma novidade, embora não tão circulante no meio cientifico.

Sobre isso alguns teóricos como Laplanche (1985) trará contribuições especificas sobre um modo de organização da psicose, sem efeitos patológicos, como a psicose branca, psicose lúcida, em que o delírio não caracteriza prejuízo na vida social, já alertado na Psiquiatra, das reticencias deixada na história.

As marcas da Psiquiatria com a entrada de Jaspers (1965) foram evidentes, o autor propôs um questionamento relevante e raro no campo da medicina que trata de indicar outras vias de acesso ao conceito de psicopatologia, aproximando-se das raízes do homem. Embora Jaspers (1965) se posicione na metodologia fenomenológica de Hurssel, em nada perde seu valor, ao apontar que existe um desconhecido no saber de ciência médica e que ele não detém todo os argumentos para explicar as causas desses fenômenos,

Segundo Jaspers (1965) a psicopatologia segue o psíquico até os limites da consciência, investigando os processos somáticos. Essa direção correlaciona as ideias delirantes que surgem espontaneamente com os afetos e alucinações apenas de modo descritivo.

Em inúmeros casos classificados pela psicopatologia moderna aponta o progresso do conhecimento, colocando a ênfase sobre as alterações psíquicas nas enfermidades cerebrais, mas não avança na compreensão psicodinâmica desses processos de adoecimento. Logo nenhuma alteração psíquica determinada se acha vinculada com estas enfermidades cerebrais e, ao contrário que nela ocorrem quase todas as alterações psíquicas possíveis embora a frequência varie. (JASPERS, 1965)

A partir da leitura jasperiana a questão da doença mental estreitou-se sobre o homem, uma vez que ainda não se confere esse estado no animal, isto é, existe algo fundamentalmente humano nas doenças mentais obriga a ver-se nelas não um fenômeno geral da natureza, mas um fenômeno natural especificamente humano. Onde o homem é homem, em sentido próprio, lá também não há analogia com o animal. (JASPERS, 1965).

Sendo assim, essa amostra que a Psicanálise se propõe a investigar, coloca em xeque o conceito da normalidade, na qual também é digna de investigação, Podemos verificar isso em Freud como um exemplo

Mas o ego normal dessa espécie é como a normalidade em geral, uma ficção ideal. O ego anormal, inútil para os nossos fins, infelizmente não é uma ficção. Seu ego aproxima-se do ego psicótico num lugar ou noutro e em maior ou menor extensão, e o grau de seu afastamento de determinada extremidade da serie e de sua proximidade da outra nos fornecerá uma medida provisória daquilo que tão indefinidamente denominamos alteração do ego. (FREUD, 1930, p. 251)

Ponto execrável, para a construção do conhecimento, se trata de uma coisa real, a ficção é o normal, apreendido por idealismos, ou seja, continua sendo o critério utilizado para sua definição, desde o senso comum ao meio cientifico. O normal é aquele que atende aos ideais sociais, a norma dada pela cultura, na maioria das vezes, produção dela. Porém este condição é uma ficção criada para atender ao interesse da maioria. Apontando nessa ordem que a toda cria humana é submetida a ordem da cultura, colocando-se a questão então, sobre o conceito de normalidade e sua relação com a realidade

Em seu estudo da realidade enquanto percepção psíquica Jaspers sabiamente afirma que o homem se trata de um modo subjetivo de posicionamento em suas palavras, "o homem ocupa uma posição especial" esta especialidade que na verdade comporta a complexidade da psique, irá revelar a questão cerne desta pesquisa, "a questão é saber como essa posição do homem determina também a sua enfermidade" modo sutil perceber que existe uma lacuna, aspectos fronteiriços no homem sobre "o conceito de enfermidade mental, porém recebe no homem uma dimensão inteiramente nova. O não ser acabado, o ser aberto e livre, a possibilidade ilimitada constitui para o homem fundamento de doença, (JASPERS, 1965, p. 20).

O impasse se dá nesse contexto, se a enfermidade tem suas raízes na própria organização de complexidade da mente humana, como poderia haver uma classificação do sujeito, antes que o próprio o anuncie? Ora não é esse o funcionamento dos manuais, o sujeito precisa se encaixado, moldado nas formas descritivas para que então lá no lugar onde deveria averiguar de que eu se trata, vem nesse lugar um nome, ou melhor o número da patologia. E há quem diga que esse pode ser os benefícios da ciência com avanços.

Dessa norma, o psicótico esta submetido e conhece. Neste ponto, chamamos atenção para que há uma confusão na produção do conhecimento psicológico visando o caráter cientifico deixando a dicotomia subjetividade versus objetividade em detrimento de métodos que possam alcançar a causalidade da psicopatologia abrindo mão de uma gama de variáveis indispensáveis nesse processo. Jaspers (1965) sabia dessas contradições, embora utilizasse em demasia o conceito de alma para dar conta do conteúdo que escapava a logica positivista.

Nessa construção do homem e sua relação com a enfermidade, Jaspers (1965) afirmara que o delírio provém de uma experiência primária de significação que não é acessível a terceiros, um momento de convicção que depois pode ser reconhecido pela maneira como o sujeito procura consubstanciá-lo e não por seu conteúdo.

É nesta experiência que se configura inclusive uma pista favorável a psicose, a ausência no nível da significação que se transforma numa certeza de significação. (LEADER, 2013).

Faz-se necessário distinguir inicialmente essas duas coisas. Delírio não é exclusivo da organização psíquica da psicose isto fica claro. Contudo, observase que na psicose a funcionalidade do delírio é peculiar, ora vem em suplência à ausência de condição de simbolização, o que possibilitará lidar com as exigências do mundo externo, uma vez que a fantasia dita fundamental do inconsciente que é o resultado de uma operação do recalcamento originário, não se instaura na psicose. (LACAN, 1955).

Ao adentrar na dinâmica da formação da psicose, começamos a vasculhar o que há de mais subjetivono homem, encontra-se no seu amâgo ou o que há de mais próximo de uma resposta a condição do ser. Iniciamos as investigações mediante o Estádio do espelho na qual Lacan propõe em 1936 como o alicerce para a condição de advento da organização do eu, no qual a partir do olhar do outro, e no endereçamento que este propõe. Nessa experiência vivida pela criança, acontece um convite a perceber-se incluso no campo do outro, para que depois possa trilhar o seu próprio caminho, aqui uma descrição do processo de alienação e separação que são imprescindíveis para os desdobramentos da vida psíquica. Deste processo Leader, afirmar o seguinte (2013, p. 59) compõe poeticamente isso, "a identificação com a imagem promete nos unificar, mas nunca chega a cumprir inteiramente a promessa, já que a própria coisa que nos dá unidade também a retira. Apreendemos nossa unidade através de algo que não somos nós, que está fora".

Aqui uma semelhança incontestável da neurose com a psicose, o loucura que tão de perto rodeia a suposta normalidade, no radical de todo sujeito há um processo que ocorreu na psicose.

 

CONCLUSÃO

Diante de exposição teórica da produção psicanalítica sobre a loucura, algumas considerações podem ser deixadas aqui em relevância, embora já estejam nas entrelinhas da composição gramatical.

O principal fator de utilizar a Psicanálise é apontá-la como bússola na direção de que o sujeito nomeado pelos manuais e códigos de saúde mental como esquizofrênico, paranaoico, o com outro adjetivo, não se trata apenas de um diagnóstico ou descrições de comportamento. O destaque que o artigo propõe implica no alarme de que trata-se de modos de existir do sujeito, o que significa organizar-se com sua experiência na instância psíquica diante da vida, quer mostre suas dificuldades em sintomas ou não, e isso é inerente a todo ser falante.

Ravinovitch (2001) aponta para uma condição em que o sujeito por seu endereçamento ao outro, possa se engajar de diferentes modos com o significante e, assim, arranjar-se no mundo simbólico sem tantos prejuízos ou sem delírios, talvez precise pegar outro caminho e, dessa forma, se constituir enquanto sujeito portador de uma falta.

Nos manuais encontramos algumas definições de psicose enquanto sinônimo de doença mental, que vão da Psicologia à Psiquiatria, como as descritas no CID-10 (Código Internacional de Doenças). Os manuais relacionam diferentes tipos de psicose, como os transtornos psicóticos agudos e transitórios, esquizofrenia, polimorfa, esquizo-afetivos, delirante induzido, confusão mental, retardo psicomotor, sempre acompanhados de alucinações e delírios, entre outras características que em nada contribuem para a compreensão do sujeito para além de suas manifestações sintomáticas.

A psicose ou as psicoses, abordadas dentro das classificações epistemológicas, não pode e não deve ser engessada nas rubricas instituídas Aelucidação que os desdobramentos aqui expostos, deixam em evidencia que é necessário muito mais que características para descrever o sujeito em sua próprio relação com sua constituição. O caminho teórico percorrido aponta que os impasses que circunscrevem as psicoses e a saúde mental não devem ser desconhecidos, porém recoloca os termos da complexidade que essa organização do sujeito exige. Tal reflexão torna-se um amparo a questões que não cessam de se colocar diante daquilo que foge a lógica de um ideal de eu.

A partir desta exposição torna-se imprescindível tocar no campo das psicoses. A produção científica está em voga com este aspecto, e muitos posicionamentos são encontrados desde a Psiquiatria, Neurologia, Psicologias e outros campos do saber multiplicando os manuais. Aqui registramos a posição psicanalítica, não para exercer declarações obsoletas, mas sim, para apontar o quanto ainda há de ser construído no campo do sujeito sobre suas manifestações de praz e desprazer, e abrir mão de qualquer suposto saber sobre o processo de formação da cria humana.

E, assim, finalizando apenas um contorno, podemos significar que qualquer traço ou tentativa no direcionamento do tratamento que propõe uma cura deve ser catastrófico no mínimo, pois retira a possibilidade que o sujeito tem de criar, inventar, costurar sua suportabilidade de lidar com a singularidade de suas experiências mais primitivas.

 

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Recebido: 31/03/2014
Última revisão: 23/09/2015
Aceite final: 07/10/2015

 

 

Sobre os autores:
Antonio Garcia Neto - Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário da Grande Dourados -UNIGRAN em 2010, Especializado em Avaliação Psicológica pela Faculdade Arthur Thomas em Londrina (PR) em 2013, mestrando em Psicologia no Programada de Pós-Graduação de Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. E-mail: neto_garcia_2@hotmail.com
David Victot-Emannuel Tauro - Graduado em Ciências Humanas e Economia, Mestrado e Doutorado em Sociologia pela École des Hautes en Études Sociales (França), Pós Doutorado em História e Filosofia da Educação (Unicamp), Professor Titular da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. Email: davidvetauro@gmail.com

 

 

1 Expressão criada por Jacques Lacan, em 1936, para designar um momento psíquico da evolução humana, situado entre os 6 e os 18 meses, durante o qual a criança antecipa o domínio sobre a sua unidade corporal através de uma identificação com a imagem do semelhante e da perceção da sua própria imagem num espelho.(ROUDINESCO, 1989)

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