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Revista Psicologia e Saúde

On-line version ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.7 no.2 Campo Grande Dec. 2015

 

RELATO DE PESQUISA

 

Concepções sobre o modo de atenção psicossocial de profissionais da saúde mental de um CAPS

 

The conceptions of what is the psychosocial care for mental health professionals of a CAPS

 

Las concepciones acerca de la atención psicosocial de los profesionales de salud mental de un CAPS

 

 

Gelcimary Menegatti da SilvaI; Daniela Sacramento ZaniniI; Ionara Vieira Moura RabeloII; Renata Fabiana PegoraroIII

IPontifícia Universidade Católica de Goiás
IIUniversidade Federal de Goiás/Campus Cidade de Goiás
IIIPontifícia Universidade Católica de Goiás

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RESUMO

INTRODUÇÃO: No campo da prática em saúde mental coletiva no Brasil percebe-se uma mudança do paradigma asilar/psiquiátrico para o psicossocial pautado na Reforma Psiquiátrica. Este estudo investigou as concepções sobre o modo de atenção psicossocial de profissionais da saúde mental de um CAPS.
MÉTODO: Foram entrevistados 24 trabalhadores de um CAPS de Goiânia, e as respostas foram submetidas à análise de conteúdo de Bardin.
RESULTADOS: A análise das respostas apontou a compreensão de que a atenção psicossocial se embasa em ações de cunho interdisciplinar e intersetoriais, executadas a partir do conceito de integralidade.
CONCLUSÕES: O modelo é visto como um atendimento à pessoa em sofrimento psíquico, em nível de prevenção terciária, no serviço público e voltado para as classes populares. São necessárias maiores discussões entre os profissionais sobre o conceito de atenção psicossocial a fim de melhor caracterizá-lo como paradigma de práticas em saúde mental coletiva.

Palavras-chaves: Saúde mental; Serviços de saúde mental; Políticas públicas.


ABSTRACT

In the field of collective mental health practice in Brazil it is perceived a paradigm change from asylum/psychiatric model to psychosocial one, guided by the Psychiatric Reform. This study investigated the conceptions on the psychosocial care ofmental health professionals of a CAPS. We interviewed 24 workers from a CAPS, and their answers were submitted to Bardin's content analysis. This analysis indicated an understanding of the psychosocial care grounded in actions of interdisciplinary and intersectoral nature, executed from the concept of integrality. CAPS model is consideredas a treatment to the person in psychological distress, at a tertiary level, in the public health care and toward the popular classes. Further discussions are needed to understand the psychosocial care as a paradigm and practices in mental health.

Key-words: Mental health; Mental health services; Public policy.


RESUMEN

INTRODUCCIÓN: En el campo de la práctica de la salud mental en Brasil se percibe un cambio del paradigma asilar/psiquiátrico para el psicosocial con base en la Reforma Psiquiátrica. Este estudio investigó las concepciones acerca de la atención psicosocial de los profesionales de salud mental de un CAPS.
MÉTODO: Se entrevistó 24 trabajadores de un CAPS de Goiânia, y las respuestas fueron sometidas al análisis de contenido de Bardin.
RESULTADOS: El análisis de las respuestas señaló la comprensión de que la atención psicosocial se basa en acciones del tipo interdisciplinar e intersectorial ejecutadas desde el concepto de integralidad.
CONCLUSIONES: El modelo es visto como un atendimiento a la persona en sufrimiento psíquico, en el nivel de prevención terciaria, en servicio público y para las clases populares. Se necesitan más discusiones entre los profesionales sobre el concepto de atención psicosocial con el fin de mejor caracterizarle como un paradigma de las prácticas colectivas de salud mental.

Palabras-clave: Salud mental; Servicios de salud mental; Políticas públicas.


 

 

INTRODUÇÃO

Louco, representante dos deuses, possuído, alienado, com sintomas psicóticos, com sofrimento ou ausência de saúde mental são variações encontradas na literatura sobre o tema. Em diferentes épocas, a forma de tratamento dado ao louco diferiu acompanhando o paradigma entendido como conjunto de conhecimentos, crenças e práticas utilizados para compreensão da realidade (Vietta, Kodato & Furlan, 2001)

Na atualidade, ocorre uma mudança de paradigma no campo da prática em saúde mental coletiva no Brasil, com a alteração do paradigma asilar/ psiquiátrico para o psicossocial. Este é pautado na Reforma Psiquiátrica iniciada neste país entre os anos de 1978 e 1980, movimento que pode ser classificado como um processo político e social complexo, composto de atores e instituições diferentes que incidem nos governos federal, estadual, municipal e na sociedade civil para reivindicar novos espaços, práticas e relações com a loucura (Amarante, 1995).

Um importante marco para a alteração nas formas de cuidar em saúde mental no Brasil foi o ano de 1987, momento em que ocorreu o início da implantação dos serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos, denominados Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) (Amarante, 1995). Estes são compostos por uma equipe interdisciplinar que pode incluir psicólogos, médicos, fisioterapeutas, assistentes sociais, arteterapeutas, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, entre outros, e atendem pessoas com sofrimento psíquico severo e persistente. O principal objetivo é promover, por meio de atendimentos individuais, grupais, familiares e atividades comunitárias, o fortalecimento dos direitos civis, do apoio familiar e comunitário, facilitando a autonomia e a reinserção social do usuário e de sua família (Ministério da Saúde, 2004).

O expressivo aumento no número de CAPS implantados em todo país é um avanço importante da Reforma Psiquiátrica brasileira dentro do campo da saúde mental, porém não é sinônimo de mudança paradigmática da atenção em saúde mental (Pereira & Costa-Rosa, 2012). Para isso seria necessário um processo de mudança que incluiria quatro dimensões (Amarante, 2003). A primeira diz respeito ao campo epistemológico ou teórico-conceitual, por meio do questionamento de saberes e conceitos dentro da ciência e do campo da psiquiatria clássica como o isolamento, a neutralidade, o tratamento moral, a anormalidade e a doença e a cura. A segunda dimensão relaciona-se às mudanças técnico-assistenciais que tenta construir novos espaços de sociabilidade, trocas e produção de subjetividades. Na terceira estão as questões jurídico-políticas, voltadas para a discussão e redefinição das legislações que envolvem os doentes mentais e tenta instaurar a construção de novas possibilidades de ingresso social. Na quarta e última dimensão denominada sociocultural abarca-se o conjunto de ações que visam transformar a relação que a sociedade possui com a loucura e que está permeada por conceitos construídos historicamente (Azevedo & Filha, 2012).

Este conjunto de modificações alicerça um novo modelo das práticas em saúde mental coletiva denominada de Atenção ou Modo Psicossocial.

Este novo paradigma se caracteriza como oposto ao modo asilar ou psiquiátrico, pois suas características essenciais mudam radicalmente em pelo menos quatro aspectos. Primeiramente quanto à concepção do processo saúde-doença e dos meios teórico-técnicos, na atenção psicossocial há uma radicalidade que ressalta a determinação psíquica e sociocultural do sofrimento e retira de cena a determinação orgânica. Desta forma, o sintoma é visto como pertencente ao indivíduo, compreendido à sua situação, não sendo algo à parte dele e removível. Muda-se a visão de doença-cura para existência-sofrimento, compreendendo o tratamento do sujeito dentro de uma clínica ampliada e transdisciplinar (Costa-Rosa, Luzio, & Yasui, 2003).

Diferentemente do modo de atenção psicossocial, o modo asilar possui a visão orgânica dos problemas. A eficácia do tratamento está na química da medicação, existindo pouca ou nenhuma preocupação com o indivíduo ou com seus vínculos (Costa-Rosa, 2000). A formação da equipe é multiprofissional e o modelo de divisão do trabalho segue a lógica do modo capitalista de produção: cada especialidade cuidando de sua parte com pouca ou nenhuma relação entre si, o prontuário é considerado o elo de comunicação e há uma hierarquização do saber no qual o médico é enfatizado (Costa-Rosa & Yasui, 2009).

Em segundo lugar sobre a concepção da organização das relações intrainstitucionais no modo psicossocial, há participação dos usuários e da comunidade nas decisões. O serviço se torna um dispositivo de controle social no qual a sociedade/ comunidade ganha voz e participa ativamente das propostas de intervenção. Neste sentido, não existe divisão de saber e poder como existe no modo asilar (Costa-Rosa et al., 2003).

O terceiro aspecto refere-se as relações da instituição e seus agentes com a clientela e com a população em geral (Costa-Rosa et al., 2003). Neste sentido, a instituição "como ponto de fala e escuta da população será o foco onde se entrecruzam as diferentes linhas de ação presentes no território" (Costa-Rosa, 2000, p. 162). Assim, a demanda é vista em sua complexidade (integralidade) no qual cada instituição de um determinado território se responsabiliza por sua linha de ação ao mesmo tempo em que existe uma conexão entre todos os dispositivos (territorialização).

No modo asilar a instituição é vista pela clientela como depósito de seus problemas. Sua função é de retornar o individuo ao seu estado de "normalidade" para que possa ser devolvido à sociedade. Em caso de impossibilidade de tal ação, ela o mantém enclausurado a margem da sociedade produtiva. A comunicação entre loucos e sãos é distante, consequentemente o usuário se torna mudo e imóvel aos caprichos da instituição (Costa-Rosa, 2000).

O quarto aspecto trabalhado na perspectiva da atenção psicossocial ressalta uma ética da atenção psicossocial que contribua com o reposicionamento do sujeito diante de sua existência-sofrimento, e não apenas tente eliminar seus sintomas (CostaRosa et al., 2003). No modo asilar o doente era confinado, levado a cronificação pela doença e pela institucionalização quando os sintomas apresentados não eram retirados pelo tratamento medicamentoso e/ ou ele não conseguia se adaptar ao modelo de vida comum a maioria das pessoas (Costa-Rosa, 2000).

Cabe lembrar que os quatro aspectos anteriormente relatados como dimensões da Reforma Psiquiátrica e em seguida os quatro que fundamentam o paradigma da atenção psicossocial são referidos na literatura de forma ambígua e sobreposta, levandonos a questionar se realmente trata-se de conceitos diferentes. Isto pode ser percebido, por exemplo, quando Amarante (2007), Luzio e L'Abbate (2009) e Rabelo e Torres (2006) discutem os quatro eixos da Reforma Psiquiátrica para apresentar o modelo de Atenção Psicossocial. No sentido contrário, Mondoni e Costa-Rosa (2010) apresentam o modelo de Atenção Psicossocial para discutir a reforma psiquiátrica, o que nos faz questionar se diferentes autores estão utilizando diferentes nomenclaturas para designar o mesmo conceito e/ou prática.

Por outro lado, a Atenção Psicossocial apoia-se nos eixos da Reforma Psiquiátrica proposto por Amarante, no entanto a Reforma Psiquiátrica mostra-se "insuficiente para afirmar uma revolução paradigmática" (Pereira & Costa-Rosa, 2012, p.1041). O modo Psicossocial refere-se as práticas constitutivas da Reforma Psiquiátricas que ao serem feitas cotidianamente, possibilitarão a mudança do paradigma psiquiátrico para o paradigma psicossocial.

Tendo em vista que o entendimento destes conceitos e a capacidade de transposição desta discussão para a prática terapêutica é de fundamental importância, sobretudo para os trabalhadores da saúde mental, o presente trabalho tem como objetivo investigar, junto a profissionais de saúde mental, as suas concepções sobre o modo de atenção psicossocial.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório.

Participantes

Participaram deste estudo todos os 24 profissionais pertencentes a um CAPS de Goiânia selecionados segundo critério de conveniência. Os critérios de inclusão foram: ser profissional do CAPS, aceitar participar da pesquisa. Os critérios de exclusão foram: não completar a entrevista, retirar o consentimento de sua participação na mesma. Não houve nenhum participante excluído.

Materiais

Roteiro com uma pergunta única sensibilizadora: "O que é a atenção psicossocial pra você?", caneta, gravador e papel A4. A seguir, será descrito como a ação foi desenvolvida.

Procedimento

Após contato com a equipe e coordenação do CAPS, a pesquisadora apresentou a proposta de pesquisa à equipe e realizou o convite para participação a todos. Foi marcada uma entrevista individual com cada membro da equipe na própria instituição. O encontro começava com a entrega e leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) que continha informações sobre a pesquisa e sobre a participação voluntária e anônima. Após a assinatura do TCLE o gravador era ligado e a entrevista iniciada. Finalizadas as entrevistas, estas foram transcritas resguardando o sigilo dos entrevistados.

Análise de dados

Utilizou-se a análise de conteúdo para interpretar as comunicações por meio de uma descrição objetiva, sistemática e qualitativa do conteúdo descrito pelos participantes (Bardin, 2009). Para esta interpretação, as falas foram analisadas e retiradas categorias que são termos concordantes com o referencial teórico do estudo. Para que a escolha delas e o resultado sejam fidedignos, Bardin (2009) cita as seguintes regras: homogeneidade (não misturar conteúdos diferentes), exaustão (esgotar a totalidade do texto), exclusividade (permite que determinado tema não seja classificado em duas categorias diferentes), objetividade (codificadores diferentes devem trazer resultados iguais) e adequados e pertinentes (estes resultados devem estar em acordo ao conteúdo e objetivo da pesquisa).

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A análise das entrevistas apontou que a Atenção Psicossocial foi compreendida, pelos trabalhadores do CAPS, como forma de atendimento em saúde mental interdisciplinar, apoiado em ações intersetoriais, que objetivam a autonomia, reinserção laborativa e apoio social ao usuário do serviço.

A análise de conteúdo das entrevistas permitiu a formação das categorias descritas a seguir.

Atendimento prestado pelo Modelo de Atenção Psicossocial: o objetivo central da atenção psicossocial aparece nas falas de seis participantes que apontam o atendimento em saúde mental descritos por temas como atenção, atendimento, cuidado, transtorno mental, sofrimento psíquico, situação de risco, como se destaca a seguir:

S1: "...a Atenção Psicossocial é a atenção voltada para o atendimento em saúde mental..."

S2: "A Atenção Psicossocial pra mim é a possibilidade de que pessoas que tem problemas de transtorno mental ou dependência química de ser assistido."

S3: "...é um mecanismo que vislumbra um tipo de atenção ao usuário portador de sofrimento psíquico..."

Integralidade: os entrevistados apontaram a necessidade de que os usuários do CAPS sejam compreendidos pelos profissionais de saúde mental de forma mais ampla e contextualizada, com ênfase em sua história de vida, bem como por meio de equipe formada por diferentes profissionais, o que permite um tratamento mais global, com diferentes procedimentos e teorias na compreensão do sofrimento do indivíduo.

Ver o indivíduo como um todo significa acolher o sujeito, valorizando a dinâmica psicológica e sociocultural na compreensão do sofrimento. Vale ressaltar que neste estudo, alguns entrevistados não esclareceram o significado do "todo", deixando transparecer algo sem delimitação. As falas agrupadas nesta categoria remetem à noção de integralidade (Brasil, 1990) que sustenta a concepção de saúde presente no SUS. Por meio desta compreensão, o ser humano é visto como integrante de uma comunidade e cuja atenção em saúde não pode ser prestada de modo compartimentalizado, ao contrário, requer a existência de um sistema de saúde que preste atendimento integral às suas necessidades.

Nesta categoria seis comunicações relataram este tema.

S1: "Então eu acho que hoje a gente não pode olhar o indivíduo só de um lado, a gente tem que olhar por completo, buscar as raízes mesmo. E hoje a gente vê que o social está direcionado a tudo."

S2: "...atenção você vai envolver uma área bem mais ampla, ou seja, ele como um todo."

S3: "...tem toda uma dimensão de considerar a singularidade no coletivo."

Interdisciplinaridade

As entrevistas apontaram a valorização do conhecimento de diferentes categorias profissionais na atenção psicossocial para o tratamento global do usuário, permitindo que os diferentes olhares se complementem no oferecimento dos atendimentos necessários:

S1: "Seria então assim, em todas as unidades tem médicos presentes, enfermeiras e tudo mais."

S2: "...ela envolve vários procedimentos, com profissionais diferentes..."

S3: "Do ponto de vista da Atenção Psicossocial diz respeito ao tratamento global desse paciente do ponto de vista psicossocial, do ponto de vista, psicológico, terapia ocupacional e de todas as equipes e que participam do processo de re-formação, de re-formulação desse usuário que possui sofrimento psíquico..."

Intersetorialidade

Refere-se às parcerias necessárias que o CAPS estabelece com a rede de saúde, educação e assistência social ligadas ao cuidado da população. Nela encontram-se respostas que enfocam: outra instituição, outro serviço, rede, intersetorialidade. Cinco sujeitos relataram este aspecto, uma comunicação ilustra este conceito.

S3: "A comunidade de uma forma geral, mas eu vejo a criança principalmente no trabalho muito junto dentro da escola, então eu acho assim, quero dizer que é uma atenção, a Atenção Psicossocial ela exige uma, uma prática em rede né?".

A atuação do CAPS encontra-se atrelada às parcerias estabelecidas com a rede de saúde, educação e assistência social. Essa concepção remete à noção de território, essencial no funcionamento dos CAPS. O território pode ser definido como conceito central e norteador das ações desenvolvidas nos CAPS, que remete à "construção do cuidado em saúde mental, tecida como estratégia em rede sem pensar no tempo e no lugar em que este cuidado se constitui" (Yasui, 2010, p.4). Essa definição implica em compreender o território não como espaço geográfico delimitado, mas como oferta, organização, distribuição e acesso a serviços e instituições, respeitando a diversidade do ponto de vista histórico e cultural nas quais o usuário/ sujeito está inserido. Os CAPS, deste modo, tem como tarefa a construção de uma rede de cuidados, que englobe diferentes equipamentos nas áreas de saúde, educação, direitos, dentre outros, garantindo que o usuário realize trocas com seu entorno. Segundo Macedo e Dimenstein (2012), "atuar de modo territorial, sem dúvida, requer um trabalho mais integrado e articulado, para que assim se aumente o grau comunicacional e o poder de intervenção dos serviços juntamente com outros equipamentos urbanos e sociais da comunidade" (p. 187).

Desafios: reinserção e apoio social: Nesta categoria se agrupam as respostas que fazem referência a: relações, vínculo social, cidadão, autonomia. Sete participantes relataram este tema. Os participantes apontaram como desafios da atenção psicossocial a necessidade de inserção do usuário em atividades relacionadas ao mundo do trabalho e/ou com possibilidade de geração de renda, contribuindo para a construção da autonomia do usuário. Nesta categoria agrupam-se as respostas relativas a facilitação do acesso ao trabalho, lazer, escola e exercício dos direitos civis, além do fortalecimento dos laços familiares e comunitários (Ministério da Saúde, 2004) .

S1: "... uma preocupação com o indivíduo, com o cidadão em todos os níveis, tanto é emocional como assim, se essa pessoa tem possibilidade de trabalho, de renda né?... se ela tiver uma doença ela tem a quem recorrer...".

S2: "...dar a esse indivíduo a possibilidade de uma inclusão social, dar a ele a possibilidade de se ver como cidadão, um indivíduo quanto autonomia, que é capaz de estar na sociedade..."

S3: "...a socialização do ser humano de um modo geral né? Saber com quem que a pessoa ta convivendo, saber se a criança daí do campo dela, sai da família e começa a conviver numa creche, no início da fase infantil, né? Depois a socialização dentro da escola... e fora do campo formal do relacionamento dela com outros seres... "

Os CAPS são dispositivos criados para serem substitutivos às internações psiquiátricas. O público alvo são pessoas com intenso sofrimento psíquico a ponto de impossibilitá-las de viver e realizar seus projetos de vida. A promoção da saúde mental destas pessoas foi enfatizada nas entrevistas (Ministério da Saúde, 2004).

As ações dos CAPS que buscam a promoção da autonomização do usuário são destacadas como tarefas cuja execução não é simples, mas imprescindível para que o usuário retome a sua vida da forma mais independente que puder. Um cuidado a ser tomado com respeito a isso, é destacado pela literatura (Mielke, Kantorski, Olschowsky & Jardim, 2011; Souza, Guljor & Silva, 2014). O difícil e lento processo de construção da autonomia dos usuários pode ser prejudicada por equipes com postura paternalista, impedindo a reinserção social dos usuários, o que pode implicar em cronificação dentro dos CAPS.

O modo psicossocial vê que o sintoma é pertencente ao indivíduo, o que implica em ações que incluem o reposicionamento da pessoa de tal modo que ela se torne ativa nos conflitos que envolvem. Diante deste entendimento, o CAPS é visto como um "espaço indutor de novas práticas e posturas, assim como um articulador entre uma série de dispositivos responsáveis pelo tratamento da loucura" (Pinho, Hernandez & Kantorki, 2010, p.33). Sendo assim, rejeita-se o CAPS como um local de tratamento localizado na comunidade, cuja função seria apenas prover cuidados com alimentação, medicação e lazer. Para Yasui (2010) há um tênue limite entre produzir autonomia ou dependência, entre cuidar ou tutelar, que deve fazer parte das discussões dos profissionais que trabalham em CAPS. "Isto pressupõe um olhar para além da "doença". Um olhar sobre as necessidades das pessoas que ocorrem e demandam ao serviço" (Yasui, 2010, p.4).

No entanto, as características do CAPS dentro do modelo da Atenção Psicossocial também são influenciadas por outros fatores como a articulação com outros dispositivos de cuidado à saúde. A falta de apoio financeiro para as atividades, a falta de entendimento dos gestores em relação à Atenção Psicossocial e ao trabalho do CAPS, a deficiência na articulação entre este dispositivo e os demais serviços de saúde, ditam um cenário com grande dificuldade para o funcionamento do CAPS conforme dito pelo Ministério da Saúde (Martinhago & Oliveira, 2012).

 

CONCLUSÕES

Com o objetivo de compreender as concepções dos trabalhadores de um CAPS sobre atenção psicossocial, pode-se perceber, a partir das categorias extraídas, a não diferenciação entre a atenção psicossocial e as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS) que caracterizam o CAPS, a partir da noção de atendimento integral e da equidade. Este dispositivo é, dentro das políticas de saúde mental, a proposta de uma ação pautada por este novo modelo. Porém, vale ressaltar que isso não é o mesmo que dizer que o CAPS é a atenção psicossocial, pois a atenção psicossocial se traduz em um paradigma que transcende a este dispositivo. O CAPS serve como um espaço aberto para esta interlocução promovendo contatos de qualidade entre a pessoa em sofrimento psíquico e o restante da população com o objetivo de dirimir estigmas ligados ao "louco" e que embasam as ações discriminatórias (Paranhos-Passos & Aires, 2013; Souza, Guljor & Silva, 2014). Contudo, a definição de atenção psicossocial não poder ser tratada como equivalente a CAPS.

Esta não delimitação da atenção psicossocial também está ligada na conceituação de "individuo como um todo", transparecendo algo sem fim, interminável. É necessário reconhecer as características que compõem este modelo para não cair em visões e práticas sem objetivos específicos e possivelmente sem eficácia, camuflados por algo em que ao englobar o todo, acaba por não abranger nada.

Uma questão também interessante foi a associação feita entre atenção psicossocial, saúde mental, sofrimento psíquico, espaço público e classes populares. Os participantes consideraram este modelo voltado somente para a promoção de saúde do sujeito com transtorno mental, usuário do serviço público e de classes populares. Este aspecto também demonstra a dificuldade de propiciar este mesmo modelo em espaços privados assim como a baixa frequência da população das classes mais abastadas nestes dispositivos.

É interessante notar que a maioria dos sujeitos associou o termo saúde mental ao aspecto curativo, de prevenção em nível terciário. Poucos participantes consideraram o termo no sentido da promoção do bem estar psíquico, em nível de prevenção primária, procurado por pessoas que não possuem severo transtorno mental. Pode-se concluir que para o grupo analisado a atenção psicossocial ocorre como proposta de intervenção em sujeitos adoecidos e não como uma construção de redes de apoio social e promotoras de saúde.

Pelo termo atenção psicossocial ter surgido tão juntamente ao CAPS e por ainda surgirem instituições de ensino superior pautadas no aprendizado dentro do modelo asilar, talvez surja aí a dificuldade de compreender a atenção psicossocial como um paradigma. Além do mais, esta não distinção pode ser uma estratégia para a não utilização das práticas que a representam nos serviços ainda caracterizados pelo modo asilar como, por exemplo, os serviços privados. Para explicar melhor esta afirmação, pode-se utilizar um dos aspectos do modo psicossocial denominado de intersetorialidade (interligação entre instituições com diferentes linhas de ação). Este, porém, está contra a lógica dos serviços privados, pois necessitam dá má qualidade do serviço público para a sua existência, como para a venda de planos de saúde, consultas, etc.

Em suma, percebe-se que o conceito da atenção psicossocial necessita de maiores discussões entre os profissionais de saúde a fim de melhor caracterizá-la: i- como paradigma de práticas em saúde mental coletiva e ii - como prática que não se restringe a loucos e pobres, mas que pode ser ampliada para diferentes contextos da atenção a saúde do indivíduo "como um todo" e não somente ao adoecido.

 

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Recebido: 07/08/2013
Última revisão: 07/08/2015
Aceite final: 15/08/2015

 

 

Sobre os autores
Gelcimary Menegatti da Silva - Graduada em Psicologia pela PUC-GO. E-mail: gelcimary@hotmail.com
Daniela Sacramento Zanini - Doutora em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universidad de Barcelona (Espanha). E-mail: dazanini@yahoo.com
Ionara Vieira Moura Rabelo - Doutora em Psicologia pela UNIFESP. E-mail: ionavmr@gmail.com
Renata Pergoraro - Doutora em Psicologia pela USP. E-mail: renatapergoraro@gmail.com

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