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Revista Psicologia e Saúde

versão On-line ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.8 no.1 Campo Grande jun. 2016

http://dx.doi.org/10.20435/2177093X2016101 

Estratégias de enfrentamento do câncer adotadas por familiares de indivíduos em tratamento oncológico

 

Cancer coping strategies adopted by families individuals for cancer treatment

 

Estrategias de enfrentamiento adoptadas por los familiares de indivíduos en tratamento oncológico

 

 

Karine MattosI; Thatiane Hilman BlomerII; Ana Carolina Brunatto Falchetti CamposIII; Maria Regina SilvérioIV

IUniversidade Federal do Mato Grosso do Sul - UFMS
IIUniversidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL
IIIUniversidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC
IVUniversidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL

Endereço

 

 


RESUMO

Trata-se este de um estudo de abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso, com o objetivo de avaliar as estratégias de enfrentamento adotadas por familiares de indivíduos em tratamento oncológico. Participaram da pesquisa dez familiares de pacientes atendidos no serviço de oncologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição, Tubarão, Santa Catarina, Brasil. Os resultados revelaram que, em sua maioria, a convivência tem sido uma experiência difícil e dolorosa. Quanto às estratégias de enfrentamento adotadas, o estudo demonstrou que procuram realizar atividades que evitem focalização na doença; utilizam drogas lícitas; e buscam suporte familiar ou religioso. Dessa forma, evidencia-se a necessidade de os profissionais da saúde prestarem suporte aos familiares, visto que estes se tornam fragilizados pelas mudanças desencadeadas no processo de adoecimento.

Palavras-chave: Câncer; Estratégia de enfrentamento; Família.


ABSTRACT

A qualitative study of the case study type, in order to assess the coping strategies adopted by families of individuals undergoing cancer treatment. The participants were ten family members of patients treated at the Hospital of oncology service Nossa Senhora da Conceição, in Tubarão city, Santa Catarina states, Brazil. The results revealed which, in most cases, living together has been a difficult and painful experience. Regarding coping strategies, the study showed that seek to carry out activities to avoid focusing on disease; use legal drugs and seek family or religious support. In this way, it highlights the need for health professionals provide support to family members, as they become weakened by the changes triggered in the disease process.

Key-words: Cancer; Coping strategy; Family.


RESUMEN

Estudio de abordaje calitativa, de tipo estudio de caso, con el objetivo de evaluar las estrategias de enfrentamiento adoptadas por familiares de individuos en tratamiento oncologico. Participaran de la pesquisa diez familiares de pacientes atendidos en el servicio de oncología del hospital Nossa Senhora da Conceição, ciudad de Tubarão, Santa Catarina, Brasil. Los resultados revelaran que para la mayoría de los familares que viven con una persona con cáncer ha sido una experiencia difícil y dolorosa. Cuanto a las estrategias de enfrentamiento, el estudio mostró que procuran realizar actividades que eviten focar la enfermedad, el uso de drogas como el tabaco y los tranquilizantes para relajarse utilizan drogas licitas; y buscan soporte familiar o religioso. De esta forma, se evidencia la necesidad de los profesionales de la salud daren soporte a los familiares, visto que estes se tornan fragilizados por los cambios desencadenados en el proceso de padecimiento por la enfermedad.

Palabras clave: Cáncer; Estrategia de enfrentamiento; Familia.


 

 

Introdução

O Câncer se constitui em um grave problema de saúde pública. Estima-se que, em 2010, houve 236.240 casos novos para o gênero masculino e 253.030 para o gênero feminino. O câncer de pele do tipo não melanoma foi o mais incidente na população brasileira (114 mil casos novos), seguido pelos tumores de próstata (52 mil), mama feminina (49 mil), cólon e reto (28 mil), pulmão (28 mil), estômago (21 mil) e colo do útero (18 mil) (INCA, 2011).

De acordo com Beltrão, Vasconcelos, Pontes e Albuquerque (2007), há que se ressaltar que a doença extrapola a dimensão individual (da pessoa acometida) e atinge outros contextos, especialmente o familiar. A família, como responsável por fornecer suporte social e psicológico, por vezes se sente sufocada pelas necessidades de seu familiar adoecido. A convivência com a doença, a preocupação com a morte e as mudanças na dinâmica e nas relações familiares são algumas das questões que a família necessita enfrentar.

Dadas as dimensões do sofrimento e das preocupações enfrentadas pela família, ocorrem situações de estresse responsáveis por desencadear mudanças comportamentais entre seus integrantes. Tais mudanças definem as estratégias de enfrentamento a serem adotadas pela família, durante o processo de adoecimento e reabilitação do familiar adoecido (Barros & Lopes, 2007).

O enfrentamento, ou estratégia de coping, é definido como "[...] o conjunto de estratégias para lidar com algo que é percebido pelo indivíduo como uma ameaça iminente, como uma sobrecarga às suas capacidades cognitivas e comportamentais do momento" (Kohlsdorf & Costa, 2008, p. 419).

O enfrentamento é compreendido a partir das estratégias focalizadas no problema e das estratégias centradas na emoção. As primeiras objetivam analisar e definir a situação vivenciada e buscar alternativas para resolvê-la, enquanto as estratégias centradas na emoção referem-se às atitudes adotadas pelos indivíduos quando percebem que os estressores não podem ser modificados e que é necessário continuar interagindo com eles. Tais estratégias são representadas por sentimentos de esperança, otimismo ou negação da situação e das consequências por ela geradas. O indivíduo tenta extrair aspectos positivos de acontecimentos negativos, com a finalidade de diminuição do transtorno emocional provocado por uma situação estressante (Tamayo & Troccoli, 2002).

As observações empíricas de diferentes contextos familiares, desenvolvidas pelas pesquisadoras, evidenciaram que as condições enfrentadas pela família diante da convivência com o paciente, a tornam extremamente fragilizada e necessitada de apoio - suporte para poder enfrentar os momentos de dificuldades e de desestruturação familiar.

Assim, buscou-se com este estudo conhecer as estratégias de enfrentamento adotadas por famílias de indivíduos com câncer, tendo em vista a aquisição de conhecimentos que, de alguma maneira, possam contribuir para a melhoria da qualidade da assistência de enfermagem e da equipe de saúde como um todo.

 

Material e Métodos

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, do tipo estudo de caso, desenvolvido no primeiro semestre do ano de 2011, na unidade de oncologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição, Tubarão, Santa Catarina, Brasil.

Como critérios de inclusão dos sujeitos foram adotados os seguintes: indivíduos de ambos os gêneros que estivessem acompanhando o processo de adoecimento de seu familiar e com ele convivendo; que se comunicassem de forma clara, apresentando condições para interpretar e responder às questões; e que aceitassem os dispositivos do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Durante o processo de desenvolvimento do estudo, foram respeitados os preceitos éticos prescritos na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que trata das Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo seres humanos (BRASIL, 1996). O Projeto de Pesquisa foi submetido ao Comitê de ética e pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina- Unisul e obteve sua aprovação conforme o Parecer nº 11.111.4.04.III.

A coleta de dados foi realizada através da técnica de entrevista semiestruturada, sendo que a análise e discussão dos dados envolveu o processo de ordenação, classificação e análise final dos dados (Minayo, 2008).

 

Resultados e Discussão

Participaram do estudo dez familiares de indivíduos em tratamento oncológico. Os participantes do estudo eram do gênero feminino, com idade entre 19 e 61 anos, prevalecendo a faixa etária entre 40 e 50 anos. A maioria era casada (seis), seguido por solteiras (três) e divorciada (uma). Em relação ao grau de parentesco com o paciente, três eram irmãs, três filhas, três eram esposas e uma era sobrinha. O grau de escolaridade das participantes variou do ensino fundamental incompleto ao ensino superior completo, sobressaindo-se o ensino médio completo. Quanto à profissão, foram encontradas as seguintes: costureira (duas), estudante (uma), artesã (uma), do lar (três), aposentada (uma), secretária (uma) e professora (uma).

Com base nas respostas obtidas para a questão norteadora do estudo, evidenciaram-se categorias e subcategorias de análise, envolvendo a convivência do familiar com o indivíduo portador de câncer e estratégias de enfrentamento do processo de adoecimento utilizadas pela família.

Convivência do familiar com o indivíduo em tratamento oncológico

A análise dos dados referentes à convivência do familiar com o paciente possibilitou a identificação das seguintes subcategorias: experiência difícil/dolorosa e experiência natural.

Experiência difícil/dolorosa

Os motivos que levaram a maioria dos participantes do estudo a denominarem a convivência com seu familiar de experiência difícil/dolorosa representam condições diversas que se constituíram de: medo do sofrimento e da perda do familiar adoecido; baixa autoestima e revolta presentes no familiar adoecido; mudança na rotina familiar e inversão de papéis; impotência frente à doença - impossibilidade de expressar sentimentos e fragilidades; impacto do diagnóstico - medo do desconhecido; comprometimento do autocuidado.

Medo do sofrimento e da perda do familiar adoecido

O câncer é uma enfermidade que geralmente inspira sentimentos de tristeza, angústia e medo, que necessitam ser enfrentados pelo indivíduo adoecido e por sua família. O processo vivido por familiares de indivíduos com câncer geralmente os fragiliza, tornando-os mais suscetíveis ao sentimento de medo das repercussões que poderão advir da doença.

Alguns familiares têm medo de perder seu ente amado, particularmente devido ao fato de a doença estar reincidindo no contexto familiar e ter sido uma experiência recente que os fragilizou profundamente. O sofrimento vivido em virtude de um familiar falecido recentemente traz à tona diversos sentimentos, incluindo um entendimento de (im)possibidade de cura.

"É muito difícil, porque tive um familiar com a mesma doença, e foi muito próxima, o que já tinha sido um choque. Tenho medo que meu pai morra como o meu tio. Tenho consciência de que não tem cura, é muito difícil e complicado" (Rosa).

"Para mim não foi a primeira experiência. Meu marido já teve. É difícil voltar tudo de novo" (Girassol).

A maioria das famílias, diante do câncer, passa a agir como se a morte fosse inevitável, o que aumenta o sofrimento. Ao vivenciar a 'experiência do câncer', a família enfrenta uma série de sentimentos angustiantes e dolorosos, lidando com o que chamamos de 'experiência de adoecer em família', um momento tão difícil tanto para os pacientes quanto para os familiares que passam juntos pelos mesmos sentimentos (Souza & Santo, 2008). Dessa forma, a perda é caracterizada como um dos principais sentimentos vivenciados pela família do indivíduo acometido de câncer, especialmente em caso de a doença se repetir no contexto familiar.

Baixa autoestima e revolta presentes no familiar adoecido

O câncer é uma enfermidade que geralmente desencadeia sofrimento físico e emocional no indivíduo adoecido, provocando, inclusive, a diminuição de sua autoestima frente às mudanças que ocorrem durante o processo de adoecimento.

A necessidade de estimular constantemente o familiar adoecido, devido à baixa autoestima que o acomete em função da doença, foi um dos aspectos evidenciados nos discursos dos participantes do estudo.

"Difícil pelo fato de ter que tentar animá-lo ao máximo. É difícil toda hora ter que tentar aumentar a autoestima dele" (Copo de Leite).

"É problemático. Tenho dificuldade em ver ela assim, pois ela relaxou, anda com astral lá em baixo. É doloroso ver uma pessoa que era ativa ficar assim" (Cravo).

A baixa autoestima do paciente merece atenção da família, pois pode desencadear alterações físicas e psíquicas. Portanto é necessário que a família compreenda a necessidade de apoio e de estímulo à autoestima do indivíduo com câncer, haja vista que, além de contribuir com a melhora do quadro em que este se encontra, contribui para o enfrentamento da doença de forma mais eficaz.

O câncer por vezes também faz emergir no indivíduo adoecido sentimentos de revolta que requerem dos familiares uma atitude de compreensão e acompanhamento constante.

"Ela está bem revoltada, o que nos preocupa. Eu não deixo ela sozinha, sempre levo ela para encontrar com as amigas" (Girassol).

A literatura aponta que o processo de adoecimento por câncer determina mudanças significativas nas relações familiares, inclusive, em sua dinâmica interna. Essa enfermidade é responsável por gerar revolta no indivíduo acometido, posto que este se sente coberto de incertezas, de preocupações com o futuro e, principalmente, com medo da morte (Beltrão et al., 2007)

Mudança na rotina familiar e inversão de papéis

A vivência do câncer é uma experiência que, além de ser dolorosa para o indivíduo adoecido e seus familiares, gera mudanças importantes no cotidiano da família como um todo. Dentre estas se evidenciam a inversão de papéis e a sobrecarga.

"Difícil, pois muda a rotina totalmente, tudo tem que ser em função dele" (Lavanda).

"Saí do serviço para cuidar dele, porque ele é meu companheiro, só quem ajuda ele sou eu" (Tulipa).

"É difícil a parte da adaptação, porque inverteram os papéis, estou sendo a mãe" (Orquídea).

As mudanças desencadeadas pelo processo de adoecimento podem gerar crises, principalmente devido ao estresse desenvolvido pela mudança na rotina familiar, aumento dos gastos financeiros, insegurança, medo da morte, inversão e divisões de papéis familiares (Luz, Vargas, Barlem, Schmitt, Ramos & Meirelles, 2016).

Impotência frente à doença - impossibilidade de expressar sentimentos e fragilidades

Nessa subcategoria, fica evidenciado que os familiares, frente ao sofrimento vivenciado pelo indivíduo em tratamento oncológico se sentem impotentes e, muitas vezes, incapazes de ajudá-lo. Ademais, têm dificuldades de expressar seus sentimentos, pois necessitam se mostrar fortes.

"Horrível... É terrível ver uma pessoa doente e não poder fazer nada. Tens que estar sempre de bom humor. Muitas vezes tenho que brigar para levantar a pessoa. Brigar quando tenho vontade de chorar, mas não podemos chorar na frente dela" (Violeta).

Os familiares do indivíduo portador de câncer sofrem desgaste emocional devido ao despreparo para suprir as demandas do paciente e, também, por precisarem esconder ou negar seus sentimentos, com o intuito de fortalecer e dar apoio psicológico ao adoecido (Albarello, Laber, Dalegrave, Franciscatto & Argenta, 2012).

O estigma culturalmente arraigado na sociedade em relação ao câncer compromete as relações familiares haja vista que ocasiona dificuldade de falar sobre essa doença de forma aberta e franca.

O sentimento de impotência pode ser identificado na expressão de insatisfação - frustração diante da incapacidade de realizar tarefas, na expressão de dúvida com relação ao desempenho do papel e na dificuldade em assumir novos papéis (Braga & Cruz, 2005).

Experiência natural

A convivência com familiar foi denominada por um dos entrevistados como uma experiência natural. Essa forma de encarar a situação pode ser atribuída ao fato de esse participante ter sido cuidador de outras pessoas.

"Sempre cuidei de pessoas doentes, para mim é normal" (Tulipa).

A reação frente à doença é também influenciada pela cultura. A cultura auxilia a dar forma às mudanças físicas e emocionais, inserindo-as em um padrão identificável para a pessoa enferma e para as pessoas que a cercam (Maruyama & Zago, 2005).

Impacto do diagnóstico - medo do desconhecido

O diagnóstico de câncer abala as pessoas e gera medo do desconhecido. É um momento de angústia e incertezas, especialmente quanto ao tratamento e aos procedimentos.

No depoimento a seguir, identifica-se que as famílias sentem-se abaladas com o diagnóstico e com os problemas que poderão advir com a doença.

"Quando ficamos sabendo, foi um grande susto, não tínhamos casos na família. Não sabíamos o que fazer. Foi um choque. Ficamos tristes, mas ela está enfrentando muito bem, o que nos deixa mais felizes" (Lírio).

Esta é uma fase tensa e estressante em que os pacientes e familiares vivem momentos de incertezas, os quais determinam mudanças no cotidiano e nas relações familiares (Beltrão et al., 2007).

Comprometimento do autocuidado

Os indivíduos acometidos por câncer, muitas vezes, se tornam dependentes de seus familiares, que passam a ocupar todo o seu tempo com atividades que envolvem o cuidado biopsicossocial do adoecido. Assim, deixam de atender suas próprias necessidades para se dedicarem inteiramente ao familiar adoecido.

"Não tenho tempo para mim, estou sempre atendendo ele" (Lavanda).

O cuidado extrapola a realização das tarefas em si, na medida em que requer que o cuidador se dedique a satisfazer necessidades de diversas naturezas apresentadas pelo indivíduo adoecido.

Tornarem-se cuidadores exige que os familiares coloquem seus desejos e necessidades em segundo plano. Além disso, durante essa fase, são necessárias várias mudanças na busca da homeostasia familiar. Essa situação pode gerar consequências negativas, pois a falta de tempo para cuidar de si pode ocasionar ressentimentos (Silva, Issi & Mota, 2012).

 

Estratégias de enfrentamento

Ao analisarem-se as respostas dos participantes referentes às estratégias adotadas por eles frente ao processo de adoecimento de seu familiar, identificaram-se as seguintes subcategorias: centrar a atenção em atividades que evitem a focalização na doença; buscar apoio; evitar conversar sobre a doença e utilizar drogas (lícitas) tranquilizantes e ansiolíticas para relaxamento e diminuição da ansiedade.

Centrar a atenção em atividades que evitem focalização na doença

Com vistas a enfrentar o processo de adoecimento do familiar e minimizar o estresse ocasionado por esse processo, alguns participantes procuram desenvolver atividades com vistas a desviar a focalização na doença, mesmo que por pouco tempo.

"O que faço para me dar força é ler o livro do Padre Marcelo Rossi, para desfocar da doença" (Rosa).

"A academia é muito desestresssante. Procuro sair e me divertir com meu namorado, para esquecer um pouco" (Orquídea).

"Para desestressar reúno a família, para fazer uma festinha nos finais de semana" (Violeta).

O estresse dos familiares-cuidadores, devido à necessidade de lidar cotidianamente com os problemas gerados pelo câncer, pode refletir negativamente em sua saúde física e mental levando-os, muitas vezes, ao adoecimento.

As atividades que realizam bem como os sentimentos envolvidos estão diretamente ligadas ao grau de estresse desenvolvido pelos indivíduos que prestam cuidado ao portador da doença (Beck & Lopes, 2007).

Portanto reservar um espaço para pensar sobre outras questões ou realizar outras atividades pode ser uma estratégia de enfrentamento viável.

Buscar apoio

As dificuldades impostas pelo câncer ao indivíduo acometido e familiares fazem com estes busquem apoio de diversas naturezas. Entre os participantes do estudo, destacou-se a busca de apoio espiritual, familiar e dos amigos.

"Eu me apego muito em Nossa Senhora Aparecida. Penso muito nela epeço muita ajuda a ela" (Tulipa).

"Em primeiro lugar, Deus, para pedir proteção. O mais importante é enfrentar de cabeça erguida, ter o apoio da família e amigos" (Copo de Leite).

Todo ser humano necessita manter relações afetivas, especialmente nos momentos mais difíceis, estressantes, a fim de que possa melhorar sua qualidade de vida e tornar as estratégias de enfrentamento mais eficazes. Relações afetivas são imprescindíveis para se manter o bem-estar físico e psicológico de qualquer pessoa (Barros & Lopes, 2007)

A religiosidade é uma das principais fontes de apoio que a família recorre. Tal estratégia de enfrentamento tem sido descrita como fonte de suporte e conforto, devido à capacidade de proporcionar serenidade durante as adversidades da doença (Oliveira, Fernandes & Galvão, 2005).

Evitar conversar sobre a doença

Com vistas a enfrentarem a doença de forma mais amena, alguns familiares procuram evitar conversar sobre ela, tanto com o doente quanto com outras pessoas.

"Eu encaro de frente. Não me iludo, olho para ela como se não tivesse nada" (Violeta).

"Tratamos como algo normal, como se fosse uma doença comum. Mas é difícil, no começo foi um choque" (Margarida).

"Não puxo muita conversa com ele para não chorar e, também, porque ele não consegue falar muito. Quando chega visita para ele, eu tento conversar sobre outros assuntos, para não falar da doença" (Rosa).

O modo de encarar a doença está diretamente ligado à experiência pessoal de cada indivíduo. Sua vivência e seu conhecimento acerca do assunto contribuem no estabelecimento de formas para encarar e enfrentar determinadas situações ou eventos em sua vida (Maruyama & Zago, 2005).

A estratégia de evitar falar sobre a doença é um recurso para manter o controle da situação e lidar com o estresse. Já a estratégia de evitar a doença, conforme Schmidt, Dell'Aglio e Bosa (2007), consiste em uma tentativa de evitar saber ou manter-se longe do estressor.

Utilizar drogas (lícitas) tranquilizantes e ansiolíticas para relaxamento e diminuição da ansiedade

Com o intuito de diminuir o estresse e tentar se acalmar ou, até mesmo, fugir da realidade imposta pela doença, alguns participantes do estudo passaram a utilizar ou aumentaram o consumo de drogas lícitas como fitoterápicos, ansiolíticos e tabaco.

"Comecei a tomar maracujina" (Lavanda).

"Comecei a fumar mais e tomar calmante" (Violeta).

Achados de outros autores confirmam que, dentre as estratégias utilizadas pela família para enfrentar a problemática vivenciada, estão episódios de choro, assistir a filmes, conversar, ler literatura em câncer e usar antidepressivos (Kohlsdorf & Costa, 2008). Muitas vezes, o familiar não considera suficientes as estratégias de enfrentamento mais habituais, sendo comum se sentirem angustiados e se isolarem, o que pode desencadear doenças psiquiátricas e o uso de drogas, sendo elas lícitas ou ilícitas (Tavares & Trad, 2009).

 

Considerações Finais

O câncer, por tratar-se de uma doença crónica que traz consigo o estigma de morte ou impossibilidade de cura, é responsável por gerar impactos significativos na vida das pessoas envolvidas com essa doença.

Os dados obtidos revelaram que, para a maioria dos familiares, a convivência com o indivíduo em tratamento oncológico constitui-se em uma experiência difícil e dolorosa. Tal atributo se deve ao medo do sofrimento e da perda do familiar adoecido, à baixa autoestima e à revolta presente no adoecido, à mudança na rotina familiar e inversão de papéis, ao sentimento de impotência frente à doença e à impossibilidade de expressar seus sentimentos e fragilidades, ao impacto do diagnóstico e medo do desconhecido e ao comprometimento do autocuidado. Todavia uma pequena parcela dos participantes considerou a convivência como uma experiência natural, posto que encara dessa forma tanto o câncer como outras enfermidades.

Verifica-se que, mesmo com a evolução do tratamento do câncer e com o aumento das chances de cura dos indivíduos acometidos, a maior parte dos sujeitos do estudo, a exemplo de grande parte da população, percebe essa enfermidade como sinónimo de morte.

A vivência dos familiares com o paciente provoca transtornos em sua saúde física e emocional, e, em razão disso, eles se utilizam de estratégias com vistas a enfrentarem o processo de adoecimento de forma menos estressante e dolorosa. Nesse sentido, desenvolvem atividades que desviem a focalização contínua na doença, procuram suporte familiar e/ou religioso e se utilizam de drogas como cigarros e ansiolíticos, com a finalidade de acalmarem-se.

Considera-se que a busca de apoio e suporte é essencial, no sentido de os envolvidos no contexto da doença contarem com parceiros para melhor enfrentarem o processo de adoecimento.

Os resultados obtidos nesta pesquisa evidenciam a necessidade de os profissionais da saúde atentarem para a necessidade de suporte aos familiares, visto que estes se tornam fragilizados devido às mudanças desencadeadas pelo processo de adoecimento.

 

Referências

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Endereço de Contato:
Karine Mattos
Departamento de Microbiología. Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Cidade Universitária
Caixa Postal: 549
CEP: 79.070-900. Campo Grande, MS

Recebido: 05/06/2012
Última revisão: 18/04/2016
Aceite final: 26/04/2016

 

 

Sobre os autores:
Karine Mattos - Especialista em Gestão em Saúde e mestranda em Doenças Infecciosas e Parasitárias pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS.
Thatiane Hilman Blomer - Enfermeira.
Ana Carolina Brunatto Falchetti Campos - Mestre em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e doutoranda em Ciências da Saúde - Neurociências pela Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC.
Maria Regina Silvério - Mestre em Educação. Professora do curso de Enfermagem da Universidade do Sul de Santa Catarina - Unisul.

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