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Revista Psicologia e Saúde

On-line version ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.10 no.3 Campo Grande Sept./Dec. 2018

http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v10i3.637 

ARTIGOS

 

A Dimensão do Belo no Tempo

 

The Dimension of Beauty in Time

 

La Dimensión de la Belleza en el Tiempo

 

 

José Carlos SouzaI; Luiz Henrique Bernardinelli LopesII; Vítor Cruz Rosa Pires de SouzaIII

IPsiquiatra, Professor PhD do curso de medicina da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), Campo Grande, MS. E-mail: josecarlossouza@uol.com.br
IIAcadêmico de medicina da UEMS, Campo Grande, MS. E-mail: luizhblopes@gmail.com
IIIAcadêmico de medicina da Universidade Anhanguera-UNIDERP, Campo Grande, MS. E-mail: vitorcruzz@icloud.com

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RESUMO

A busca constante da beleza nas sociedades contemporâneas exerce uma forte influência sobre os fatores que determinam o bem-estar biopsicossocial dos indivíduos. Isso, no entanto, não é uma preocupação recente. Por milhares de anos, nossa espécie tenta representar-se através da arte, em uma tentativa inconstante de encontrar a verdadeira beleza. A relação entre o conceito de saúde e beleza é confundida, pois nem sempre o que é lindo é um ser saudável e vice-versa, assim como uma visão de beleza se torna contrastante quando a individualidade e a imagem do corpo de uma pessoa são sugestivas da visão de outra pessoa, que é conhecida como "imagem em espelho". Este texto traz uma breve revisão do conceito de beleza ao longo da história da cultura ocidental, considerando as implicações atuais do corpo ideal segundo os fatores que determinam e condicionam o processo saúde-doença.

Palavras-chave: beleza, tempo, biopsicossocial, saúde-doença


ABSTRACT

The constant search for beauty in contemporary societies exerts a strong influence on the factors that determine the biopsychosocial well-being of individuals. This, however, is not a recent concern. For thousands of years our species has tried to represent itself through art, in a fickle attempt to find true beauty. The relationship between the concepts of health and beauty is confused because not always a beautiful being is healthy and vice versa. In a similar manner, a vision of beauty becomes contrasting when the individuality and body image of a person is suggestive of someone else's vision, which is known as a mirror image. This text presents a brief review of the concept of beauty throughout the history of the Western culture, considering the current implications of the ideal body in the factors that determine and condition the health-disease process.

Keywords: beauty, time, biopsychosocial, health-disease


RESUMEN

La búsqueda constante de belleza en las sociedades contemporáneas ejerce una fuerte influencia sobre los factores que determinan el bienestar biopsicosocial de los individuos. Esto, sin embargo, no es una preocupación reciente. Por miles de años, nuestra especie intenta representarse a través del arte, en una tentativa inconstante de encontrar la verdadera belleza. Se confunde la relación entre los conceptos de salud y belleza, pues lo que es hermoso no tiene porque ser siempre saludable ni viceversa. Al igual que una visión de belleza se vuelve contrastante cuando la individualidad y la imagen del cuerpo de una persona son sugestivas de la visión de otra persona, que se conoce como "imagen en espejo". Este texto trae una breve revisión del concepto de belleza a lo largo de la historia de la cultura occidental, considerando las implicaciones actuales del cuerpo ideal en los factores que determinan y condicionan el proceso salud-enfermedad.

Palabras clave: belleza, tiempo, biopsicosocial, salud-enfermedad


 

 

Introdução

O conceito de belo é dinâmico ao longo do tempo, assim como as concepções teóricas e filosóficas que o permeiam. A relação entre ele e a saúde, por vezes, é confundida, haja vista que nem sempre o que é belo vem a ser sadio, como também vice-versa. A visão da beleza torna-se contrastante quando a individualidade e a imagem corporal da pessoa são sugestionáveis à visão de outrem, o que pode ser conhecido como "imagem em espelho". Em outras palavras, o belo será visto apenas na visão dos outros e não na do indivíduo; por exemplo, o rosto e o vestido da amiga, o peitoral e o tênis do colega, são sempre mais bonitos.

Essa visão nos olhos de outrem pode ser prejudicial a qualquer pessoa desde a tenra idade, pois poderá afetar a sua autoestima e o exercício da sua individualidade e amor próprio. Há, muitas vezes, alguns estímulos à tal visão em espelho, quando, como exemplos, destacam-se nas redes sociais as meninas de pouca idade pintando a face e esbanjando "felicidade"; por outro lado, homens e mulheres narcisistas ou mesmo exibicionistas quebram paradigmas sociais quando exaltam as suas deficiências ou mesmo sobrepeso. Por fim, há certos estereótipos sociais que tentam ser quebrados quando mamães cinquentonas vestem-se como princesas e são apelidadas de vovós barbies, em referência à famosa boneca. E, ao contrário, há meninas pré-púberes que se vestem igual às mamães, desenvolvendo uma imagem social prematura de mulher, a qual nem sempre coincide com sua autoimagem.

Na relação do belo com a saúde humana, há de se considerar o histórico e o bastante contemporâneo conceito ampliado de saúde, provindo da 8ª Conferência Nacional de Saúde de 1986. Este foi um marco político-sanitário do século XX; trouxe à tona o direito de cidadania e um conceito de saúde bem mais ampliado e muito além do biologicista. Entre outros aspectos, estão envolvidos nesse amplo conceito acesso a serviços de saúde e à terra, renda familiar, educação, alimentação, meio ambiente, transporte, lazer, habitação e liberdade.

A aplicação e a vivência do conceito ampliado de saúde devem ser, ao mesmo tempo, individuais e coletivas. Porém, o capitalismo associado ao poder midiático transforma a sociedade em sujeitos subordinados ao consumismo. Tantas e tantas vezes é comum a cena de filhos insistindo com os pais para que adquiram roupas de marcas famosas, tênis novos e outros bens supérfluos, em especial nas datas festivas, em contrapartida às reais necessidades de subsistência. O estímulo a esses gastos desnecessários e não pedagógicos leva à ditadura da beleza e à imagem preponderante do ter bens, muito além do ser alguém.

O objetivo deste artigo é fazer uma reflexão cronológica sobre as concepções do belo ao longo da Antiguidade, Idade Média, modernidade e contemporaneidade, relacionando o modo como o belo é compreendido e como influencia os processos de subjetivação. Ao final, destacam-se algumas psicopatologias contemporâneas associadas à imagem corporal.

A constante busca pela beleza nas sociedades contemporâneas exerce forte influência nos fatores que determinam o bem-estar biopsicossocial dos indivíduos. Esta, porém, não é uma preocupação recente. Há milhares de anos, nossa espécie busca representar-se através da arte, em uma inconstante tentativa de encontrar o verdadeiro belo. A partir da Antiguidade, essa busca começou a se tornar racional, tendo pela primeira vez uma percepção consciente da beleza (Eco, 2015).

Com a chegada da Idade Média e ascensão do catolicismo, a religião afetou profundamente a forma de viver das sociedades ocidentais e certamente influenciou o ideal de beleza da época. Tais ideais seriam posteriormente negados durante o Renascimento, período no qual o cientificismo redundou na "Grande Teoria" (teoria segundo a qual a beleza consiste na proporção das partes).

Desta forma, evoluiu o conceito ao longo da história, em fases que por vezes conflitavam, por vezes complementavam umas às outras: com exemplo do período neoclássico, que retomou a Antiguidade e tomou-lhe emprestada características próprias à Modernidade. Todavia, foi o surgimento da burguesia a grande transformação que deu à beleza a face provocante e consumista com que hoje se apresenta (Eco, 2015).

O artigo trará um breve retrospecto do conceito de Beleza ao longo da história da cultura ocidental, visando compreender as implicações atuais do corpo ideal segundo os fatores que determinam e condicionam o processo saúde-doença. O texto levará em conta, também, o conceito ampliado de saúde, oriundo da 8ª Conferência Nacional de Saúde. Inicialmente, o conteúdo será contextualizado na Antiguidade, seguida da Idade Média, modernidade e contemporaneidade. Nessa última, destacar-se-ão algumas psicopatologias vinculadas ao processo saúde-doença entre o belo e o saudável.

 

Antiguidade

Homero, em Ilíada, ainda nos séculos VIII a VII a.C., narra "a irresistível beleza de Helena", eximindo-a da culpa de causar guerra entre povos rivais. Mas a que tipo de Beleza o poeta estaria se referindo?

Em A história da beleza, Umberto Eco analisa as obras da época e conclui: o objeto belo é um objeto que, em virtude de sua forma, deleita os sentidos e, entre estes, em particular, o olhar e a audição. Mas não somente os aspectos sensíveis exprimem a beleza do objeto; no caso do corpo humano, assumem um papel relevante também as qualidades da alma e do caráter.

Portanto, a Beleza na época não tem caráter homogêneo, sendo exprimida de diferentes formas nas artes. Na escultura, as medidas e simetrias, nos hinos, a harmonia do cosmo, e na retórica, o ritmo justo.

A imagem de Beleza grega, na verdade, era radicalmente idealizada e o corpo, treinado e produzido em função do seu aprimoramento, o que nos indica que era um artifício a ser criado numa civilização que alguns helenistas chamam de "civilização da vergonha", por oposição à judaico-cristã que será uma "civilização da culpa" (Dodds, 1988 apud Tucherman, 1999). Assim, a imagem idealizada corresponderia ao conceito de cidadão, que deveria tentar realizá-la, modelando e produzindo o seu corpo com exercícios e meditações. O corpo era visto como elemento de glorificação e de interesse do Estado (Barbosa, Matos, & Costa, 2011).

Isto, porém, era considerado apenas para os cidadãos, ou seja, os homens livres, estando excluídos tanto os escravos como as mulheres. A estas cabia cumprir funções como obediência e fidelidade aos seus pais e maridos e a reprodução. Os prazeres eram do domínio masculino.

De fato, a civilização grega não incluía as mulheres na sua concepção de corpo perfeito, que era pensado e produzido no masculino. As normas para os homens eram mais soltas, permitindo a bigamia e a homossexualidade como práticas naturais (Rosário, 2004). A base para essas concepções de diferenças de sexo está enraizada na religião grega e sua crença na continuidade da alma. Acreditava-se que apenas os homens tinham o poder de manter viva a chama de seus antepassados (Fustel de Coulanges, 2009).

 

A Idade Média

Com a ascensão do cristianismo, há uma nova percepção de corpo, que passa de expressão da beleza para fonte de pecado e torna-se "proibido". O cristianismo reprime constantemente o corpo (o "corpo é a abominável vestimenta da alma", diz o papa Gregório Magno). Por outro lado, é glorificado, nomeadamente pelo corpo sofredor de Cristo. A dor física teria um valor espiritual. A lição dada com a morte de Cristo é lidar bem com a dor do corpo, que seria mais importante do que saber lidar com os prazeres (Tucherman, 1999).

Uma boa fonte para compreender esse período da nossa história é o livro O nome da rosa, de Umberto Eco, em cujo enredo percebe-se o embate filosófico-religioso entre os dois extremos que cercavam o homem medieval: o racionalismo e o misticismo.

No que se refere à expressão do corpo feminino, ao mesmo tempo que o moralismo medieval convidava os homens a desconfiarem dos prazeres da carne, celebrando publicamente a mansuetude feminina, fora do ambiente doutrinário existiam os cantos dos goliardos (Carmina Burana): estudantes ou cavaleiros que, por meio de composições poéticas, seduziam pastoras e gozavam de suas graças. Nesses cantos é possível observar descrições amáveis da beleza das donzelas medievais.

 

Modernidade

No século XV, sob o efeito de diversas descobertas nas técnicas artísticas (a descoberta da perspectiva na Itália, por exemplo), a Beleza foi concebida segundo uma dupla orientação que para nós, hoje, parece contraditória, mas que, para os homens daquela época, era coerente. A Beleza é, de fato, entendida como uma imitação da natureza segundo regras cientificamente estabelecidas, como contemplação de um grau de perfeição sobrenatural, não perceptível com a visão (Eco, 2015).

No Renascimento, as ações humanas passaram a ser guiadas pelo método científico, havendo uma maior preocupação com a liberdade do ser humano. O avanço científico e técnico produziu, nos indivíduos do período moderno, um apreço pelo uso da razão científica como única forma de conhecimento (Pelegrini, 2004). O corpo, agora sob um olhar "científico", serviu de objeto de estudos e experiências. Passa-se do teocentrismo ao antropocentrismo. O conhecimento científico, a matemática, enfim, o ideal renascentista: o corpo investigado, descrito e analisado, o corpo anatômico e biomecânico (Gaya, 2005). A redescoberta do corpo, nessa época, aparece principalmente nas obras de arte, como nas pinturas de Da Vinci e Michelangelo, valorizando-se, deste modo, o trabalho artesão com o pensamento científico e o estudo do corpo (Rosário, 2004).

O padrão de beleza foi imposto para o corpo obeso de Mona Lisa, ou A Gioconda, famosa pintura de Leonardo da Vinci, um dos mais eminentes homens do Renascimento italiano. Hoje se trata apenas de uma vigiada e muito disputada obra exposta no Museu do Louvre, em Paris, e venerada apenas como uma bela obra de arte, cujos olhos dão a impressão de acompanharem os passos do visitante que a admira.

Do ponto de vista social, o Renascimento é, pela natureza das forças que o agitam, incapaz de aquietar-se em um equilíbrio que não seja provisório: a imagem da cidade ideal, da nova Atenas, é corroída em seu interior por fatores que levarão à catástrofe política da Itália e à sua ruína econômica (Eco, 2015). Porém, o crescimento e o aperfeiçoamento da produção agrícola e dos meios de transporte da sociedade feudal, assim como o acréscimo da produtividade agrícola aliado à expansão comercial, promovem algumas das condições necessárias ao desenvolvimento da indústria moderna.

Essas modificações, aliadas a mudanças sociais, desembocaram no surgimento do sistema capitalista. A forma de produção do sistema capitalista, a partir do século XVII, causou uma mudança drástica nas relações com os trabalhadores. Nessa lógica de produção, o corpo mostrou-se tanto oprimido como manipulável, uma vez que a evolução da sociedade industrial propiciou um elevado desenvolvimento técnico-científico. As novas possibilidades tecnológicas permitiram à sociedade moderna um crescimento de técnicas e práticas sobre o corpo (Barbosa et al., 2011).

 

Contemporaneidade

O conceito de beleza é efêmero, pois sofreu diversas transformações com o passar do tempo, de obrigação social e moral a sinal de status. Porém, o que se denota em um contexto atemporal é a importância do corpo em si, um porta-voz da alma humana com o meio exterior, tendo o poder de impactar toda a vida do ser humano.

Porém, com o advento da globalização, trazendo a lógica consumista como princípio norteador da mente humana, iniciou-se a busca pela substituição da matéria orgânica, do corpo em "carne", pela máquina humana, símbolo de vigor e eficácia, sendo altamente preconizada pela mídia através de ícones do esporte e do cinema.

Essa procura indiscriminada pelo corpo idealizado leva-nos ao fenômeno do narcisismo, em que o indivíduo volta a libido para o próprio âmago, causando, assim, imensa frustração ao não atingir seu ideal, consequentemente levando ao desenvolvimento de transtornos mais graves. Como exemplo de ícones, temos a explosão da prática do bodybuilding, em que o atleta se submete ao uso de inúmeras substâncias, como suplementos alimentares e algumas vezes esteroides, além de uma intensa rotina de atividades físicas, tudo em prol de um corpo musculoso com a ilusão de obter virilidade e poder.

No que tange à influência midiática, nota-se uma explícita mensagem de que a beleza e o corpo perfeito são sinais de felicidade e até mesmo bondade, como no caso dos desenhos animados e quadrinhos, em que o vilão geralmente é representado por uma figura de feição desagradável e o "mocinho", sempre pela beleza estereotipada. Na prática, tal representação causa um efeito negativo na realidade. Por exemplo, há os portadores de deficiências físicas, que são estigmatizadas como incapazes ou até mesmo "vilões" por não seguirem o padrão imposto de beleza.

O envelhecimento tem relação com a sabedoria, o que nem sempre acontece. Este também foi vítima do imperialismo estético. Dependendo da pessoa, a idade avançada pode ter o mesmo estigma da obesidade.

A beleza tende à efemeridade, como se pode notar com o passar do tempo e as modificações sofridas. Nos dias atuais, ocorreram drásticas mudanças em decorrência da maior exposição a culturas internacionais e à industrialização das civilizações. A mídia, em geral, por meio de jornais, revistas, rádio e cinema, é uma fonte importante de informação (D'Angelo, Lotz & Deitz, 2001, pp. 8-9).

Atualmente, a identidade corporal feminina é equivalente à harmonia presente entre a tríade beleza-juventude-saúde. Com forte influência da cultura midiática, cada dia que passa as mulheres se colocam a serviço da manutenção de seus corpos, sendo incitadas a associar beleza com juventude e, consequentemente, juventude com saúde (Del Priore, 2009).

Durante o século passado, o império midiático contribuiu para o processo de legitimação de tal tríade, reforçando o conceito de que as formas arredondadas, antigamente vistas como sinais de vigor e saúde, são agora sinônimo de feiúra. Assim, graças à hegemonia das imagens, instaurou-se a ditadura da perfeição do corpo. Hoje, todas querem ser magras, leves e turbinadas. Todas as mulheres parecem fazer parte da sinfonia do corpo impecável, praticamente atualizando as intolerantes teses estéticas nazistas (Del Priore, 2009, p. 79).

Em vista disso, é necessário questionar: por que essa obsessão pelo perfeito? A sensação ilusória provoca-nos mais frustrações que prazer? Não será esse tipo de imagem que leva milhares de mulheres a se submeterem a uma operação plástica, a continuarem frustradas, umas menos, outras mais, com seus corpos de verdade, mesmo pós-transformação? (Del Priore, 2009, p. 88).

Desta forma, diante de tais indagações, há a necessidade de uma reflexão crítica diante de tais questões que surgem e se propagam na cultura, portanto influenciam diretamente a subjetivação não só das mulheres, mas também do homem em si (Silva & Rey, 2011).

Como dito, não somente a família atual, mas a escola e a sociedade como um todo devem preservar a saúde coletiva e impedir que a busca pelo belo possa igualar a beleza ao estado de saúde humana.

Em um estudo campo-grandense sobre a autopercepção e a autoimagem corporal de educadores de uma escola de tempo integral, em que foram aplicados questionários de imagem corporal e imagens de silhuetas corporais, constatou-se que tais profissionais da educação e formadores de opinião, independentemente do sexo, apresentavam distorção na autopercepção da imagem corporal à medida que desejavam ter corpos mais magros. Na escala de silhuetas, percebeu-se que as imagens apontadas como desejáveis retratavam padrões corporais menores que os seus atuais (Machulek & Souza, 2014).

Mesmo em situações em que o corpo é a "ferramenta" de trabalho, no caso de bailarinas profissionais, modelos, manequins e fisiculturistas, o desequilíbrio entre o corpo real e o imaginário conduz à distorção da própria imagem, expondo fragilidades e desarmonias entre o indivíduo e o mundo que o cerca. É preciso levar em conta que se trata de um movimento singular de um sujeito, que pode tanto o estabilizar quanto o desestabilizar emocionalmente.

 

Psicopatologias

O sistema nervoso central (SNC) é composto de cérebro, cerebelo e medula espinhal; é formado desde o primeiro trimestre de gravidez e até por volta dos 25 anos de idade ainda adolesce neurologicamente. O psiquismo é estudado desde a idade fetal, inclusive com recomendações para que os pais/cuidadores conversem com o futuro bebê, coloquem músicas suaves próximo ao abdômen da gestante e o massageiem, entre outras recomendações do pré-natal psicológico. Sendo assim, pode-se dizer que a mente humana é formada por determinantes e condicionantes biopsicossociais desde o útero da mãe.

Após o nascimento, a criança deverá receber todos os cuidados necessários de neonatologia e puericultura, a fim de ter um desenvolvimento neuropsicomotor o mais saudável possível. Nesse período, ou até mesmo antes disso, os pais ou os cuidadores preferem, muitas vezes, seguir recomendações da vizinha leiga e não as dos agentes e outros profissionais da equipe de saúde. Não se pensa aqui em desconfirmar a cultura e o conhecimento popular, mas sim alertar sobre os perigos de condutas nem sempre salutares ao recém-nato e futuro adulto. Diferentemente de outros animais, o ser humano é dependente de cuidados de terceiros por pelo menos sete a dez anos, antes de conseguir sozinho a própria subsistência. Essa é uma perspectiva muito otimista, visto que há pessoas saudáveis, porém dependentes física, psicológica e economicamente de terceiros por toda a vida.

Neste contexto, podem surgir as primeiras psicopatologias na primeira infância, dependendo dos ritmos alimentar e circadiano impostos à criança. Não é raro encontrar meninas bulímicas e/ou anoréxicas com 7 anos de idade, em razão da tentativa de a mãe, frustrada com o próprio corpo ou seu passado, tentar transferir para a filha suas angústias e possibilidades de consertar o que não lhe pertence mais. Por outro lado, cada vez mais é comum a obesidade infantil, por desleixo ou exagero dos pais. Aqui, deve-se frisar que corpo, peso e beleza não são pré-requisitos um do outro.

A percepção corporal, a satisfação e o nível de insatisfação com o próprio corpo estão intimamente relacionados aos costumes da família (ou habitação) e da sociedade, assim como aos padrões determinados pela sociedade em um dado momento histórico. Modismos são divulgados maciçamente pelos meios de comunicação social e pelas redes sociais de relacionamento. Dietas e propagandas de cosméticos, alimentos e suplementos são sempre associadas ao belo e à felicidade. Na atualidade, esses meios assumem o papel de formadores de opiniões nem sempre sadias e saudáveis; transmitem e impõem ideias e sugestões comportamentais, gerando preocupação contínua sobre as formas corporais que porventura não se enquadrem ou se insiram no contexto padronizado.

Se a senhora obesa, pintada e chamada de Mona Lisa foi a bela cobiçada no passado, hoje se tenta impor o padrão da "barriga invertida" e dos seios grandes e eretos; já nos homens, músculos peitorais rígidos e grandes, além de rosto fino, triangular e magro. Com isto, independentemente do gênero, a procura por cirurgias estéticas é imensa, assim como de cirurgias bariátricas corretivas da obesidade nem sempre mórbida, que, teoricamente, seria a indicação preponderante. Paralelamente a isso, há um contínuo aumento da dismorfofobia, que é uma psicopatologia em que a pessoa nunca está contente com seu corpo e busca em cirurgias estéticas conquistar uma beleza imaginária (Machulek & Souza, 2014).

Ocorre também, na atualidade, aumento desenfreado do abuso de substâncias psicoativas anorexígenas, anabolizantes, despersonalizantes, cosmetológicas, entre outras, em grande parte por automedicação, tráfico ou indicação de páginas da rede internacional de computadores (internet). Muitos desses usuários acabam sendo vítimas dos estereótipos sociais do culto ao belo como o perfeito.

Por fim, constata-se com certa frequência que pessoas fisicamente atraentes têm mais facilidade de serem aceitas em ambientes sociais e profissionais, enquanto outras que não atendem a esses padrões são facilmente rejeitadas. O corpo torna-se, paulatinamente, uma moeda de troca nas relações humanas; o belo torna-se sadio, perfeito e o mais adequado. Enquanto a beleza for um adjetivo e um predicado, além de sinônimo de saúde, a humanidade terá padrões distorcidos de personalidade e de qualificação, prejudicando, em última análise, a qualidade da vida humana.

 

Referências

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Del Priore, M. (2009). Corpo a corpo com a mulher. Pequena história das transformações do corpo feminino no Brasil (2a ed.). São Paulo: SENAC.         [ Links ]

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Tucherman, I. (1999). Breve história do corpo e de seus monstros. Lisboa: Nova Vega.         [ Links ]

 

 

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Recebido: 18/11/2016
Última revisão: 21/09/2017
Aceite final: 12/10/2017

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