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Revista Psicologia e Saúde

versión On-line ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.11 no.2 Campo Grande mayo/ago. 2019

http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v11i2.811 

DOSSIÊ: "NEUROCIÊNCIA E SAÚDE"

 

Intervenção neuropsicológica com crianças e adolescentes – uma revisão da literatura

 

Neuropsychological intervention with children and adolescents – a review of the literature

 

Intervención neuropsicológica con niños y adolescentes – una revisión de la literatura

 

 

Mônica Narciso GuimarãesI; Roberta Angelo MonteiroII

IDoutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-graduanda em Neuropsicologia pelo Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação (IBMR). Especialista em Psicanálise e Psiquiatria com Crianças e Adolescentes e graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Graduada em Psicologia pela UFF. Atua como Psicóloga clínica. Tem experiência na área de Educação, Ensino-Aprendizagem e Neurociências. E-mail: monica.guima@gmail.com, Orcid: http://orcid.org/0000-0001-9104-7135
IIPós-graduanda em Neuropsicologia pelo Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação (IBMR). Especialista em linguagem e em fonoaudiologia educacional pelo Conselho Federal de Fonoaudiologia. Fonoaudióloga e psicopedagoga da equipe multidisciplinar FonoCom no RJ. E-mail: robertaangelo.ra@gmail.com, Orcid: http://orcid.org/0000-0003-0492-3075

Endereço de contato

 

 


RESUMO

Este artigo teve como objetivo realizar uma revisão literária sobre os estudos científicos publicados nos últimos dez anos em reabilitação/intervenção neuropsicológica com crianças e adolescentes, buscando identificar como os programas com abordagens voltadas para as dificuldades acadêmicas e executivas se articulam com as demandas familiares e escolares. As principais bases de dados utilizadas foram PubMed, SciELO e Redalyc. Dentre os 89 artigos encontrados, dez foram selecionados por englobarem métodos para o ensino de estratégias que facilitassem a aprendizagem escolar e os comportamentos adaptativos. Os resultados dos estudos sugerem que a intervenção neuropsicológica em crianças e adolescentes promove o desenvolvimento de habilidades cognitivas e dos processos de aquisição de linguagem. Entretanto, em face da distância entre o contexto clínico de intervenção e o educacional, mais estudos precisam ser promovidos em busca de um olhar mais integrado sobre esses espaços de promoção de desenvolvimento.

Palavras-chave: intervenção neuropsicológica, reabilitação cognitiva, infância, adolescência


ABSTRACT

This article aimed to carry out a literary review of the scientific studies published in the last ten years in neuropsychological rehabilitation/ intervention with children and adolescents, seeking to identify how programs with approaches focused on academic and executive difficulties are articulated with family and school demands . The main databases used were PubMed, SciELO and Redalyc. Among the 89 articles found, ten were selected because they included methods for teaching strategies that facilitated school learning and adaptive behaviors. The results of the studies suggest that neuropsychological intervention in children and adolescents promotes the development of cognitive abilities and the processes of language acquisition. However, in view of the distance between the clinical context of intervention and the educational context, more studies need to be promoted in search of a more integrated view on these spaces for promoting development.

Keywords: neuropsychological intervention, cognitive rehabilitation, childhood, adolescence


RESUMEN

Este artículo tuvo como objetivo realizar una revisión literaria sobre los estudios científicos publicados en los últimos diez años en rehabilitación/ intervención neuropsicológica con niños y adolescentes, buscando identificar cómo los programas con enfoques orientados hacia las dificultades académicas y ejecutivas se articulan con las demandas familiares y escolares. Las principales bases de datos utilizadas fueron PubMed, SciELO y Redalyc. Entre los 89 artículos encontrados, diez fueron seleccionados por englobar métodos para la enseñanza de estrategias que facilitar el aprendizaje escolar y los comportamientos adaptativos. Los resultados de los estudios sugieren que la intervención neuropsicológica en niños y adolescentes promueve el desarrollo de habilidades cognitivas y de los procesos de adquisición de lenguaje. Sin embargo, en vista de la distancia entre el contexto clínico de intervención y el educativo, más estudios necesitan ser promovidos en busca de una mirada más integrada sobre estos espacios de promoción de desarrollo.

Palabras clave: intervención neuropsicológica, rehabilitación cognitiva, infancia, adolescencia


 

 

Introdução

A reabilitação neuropsicológica (RN) pode ser conceituada de várias formas, podendo ser definida como um processo ativo de educação e capacitação, focado no manejo apropriado de alterações cognitivas adquiridas (Gindri et al., 2012). Em relação aos casos pediátricos, Santos e Nascimento (2016) mencionam que os primeiros programas de reabilitação surgiram como derivações de programas de adultos e, aos poucos, foram se modificando para atender às peculiaridades inerentes ao sistema nervoso em formação.

Quando uma criança apresenta dificuldades decorrentes de ineficiência ou inabilidade para processar informações, para interagir com o meio, é fundamental que haja o acompanhamento de um neuropsicólogo para avaliar, contextualizar e reabilitar esses déficits cognitivos, propiciando condições para que a criança se desenvolva em seu ambiente e minimizando o efeito de dificuldades futuras (Santos, 2004).

Em certos casos, o termo "re-habilitação" se mostra apropriado pelo fato de que algumas crianças necessitam de uma intervenção terapêutica pois sofreram lesões cerebrais em períodos que antecederam a aquisição de determinadas funções como a linguagem ou a deambulação. Porém, em inúmeros casos, as crianças podem apresentar uma imaturidade transitória decorrente de alterações mais sutis do sistema nervoso central como, por exemplo, atraso no desenvolvimento e, para tais situações, o processo de intervenção recebe a denominação de "habilitação neuropsicológica". Portanto, essas crianças necessitariam de uma estimulação para a "habilitação" de suas capacidades, sobretudo aquelas relacionadas à aquisição e ao desenvolvimento de habilidades perceptivas, linguísticas, motoras, entre outras (Gindri et al., 2012; Santos & Nascimento, 2016). Apesar de parecerem coerentes e bem definidas por esses autores, essas definições de reabilitação e habilitação são utilizadas em diversos estudos de forma não criteriosa. Há estudos que tratam da estimulação sem lesão e ainda assim utilizam o termo reabilitação de modo indiscriminado.

Segundo Santos e Nascimento (2016), a reabilitação cognitiva (RC) é um dos componentes da reabilitação neuropsicológica (RN) e pode ser restaurativa, compensatória ou metacognitiva, sendo sua principal atividade o treino cognitivo, ou seja, a estimulação de habilidades cognitivas como atenção e memória, com o intuito de remediar processos cognitivos disfuncionais, independentemente da fase de desenvolvimento. As autoras enfatizam ainda a importância de que, nos casos pediátricos, a RC ocorra o mais cedo possível com vistas a minimizar os efeitos secundários das dificuldades de aprendizagem e prevenir complicações derivadas de experiências que tragam prejuízos à autoestima, como por exemplo o bullying (Santos & Nascimento, 2016). Observa-se, portanto, que há nomenclatura e conceituação diferenciada acerca desse tema e que ainda é recente e pouco explorado no campo de atuação clínica e educacional da infância e da adolescência.

Na década de 1990, surgiram os modelos integrados de avaliação e reabilitação pediátrica, entre eles o modelo de intervenção DNRR (Developmental Neuropsychological Remediation / Rehabilitation), que foi desenvolvido em atenção às dificuldades de aprendizagem, isto é, de linguagem falada e ou escrita, coordenação, autocontrole e atenção. O DNRR representa um marco no manejo dos déficits relacionados à alfabetização (Santos, 2005). De lá pra cá, diversos programas e modelos terapêuticos têm ampliado essa área de atuação da neuropsicologia, possibilitando maior abrangência terapêutica. Existem programas voltados para transtornos de aprendizagem, déficits atencionais, estimulação da autorregulação e também aqueles voltados a intervenções socioemocionais, como os programas Amigos do Zippy, Programa Baseado em Emoções (PBE) e Treino de Habilidades Sociais (Santos & Nascimento, 2016).

Um aspecto importante dentro da perspectiva da neuropsicologia da infância, é que, diferentemente do adulto, a reabilitação ou habilitação neuropsicológica se insere numa perspectiva evolutiva horizontal. Nesse sentido, a reavaliação neuropsicológica e a atualização dos programas de reabilitação são essenciais por dois motivos: 1) as disfunções neuropsicológicas reavaliadas após um período de seis meses ou um ano podem estar de uma maneira totalmente diversa em virtude dos vários fenômenos de plasticidade, desenvolvimento maturacional e influências ambientais, e 2) diversos problemas comportamentais e de aprendizagem surgem durante o período de escolarização da criança e precisam ser detectados (Santos, 2004).

De modo geral, programas de reabilitação cognitiva têm como objetivo o restauro funcional e o estabelecimento de estratégias compensatórias para funções cognitivas afetadas, sobretudo em relação às demandas do ambiente familiar e escolar da criança portadora da disfunção neurológica. Em especial, as dificuldades cognitivas e os problemas de autorregulação e de comportamento na escola têm lançado desafios quanto ao desenvolvimento de programas curriculares educativos específicos e/ou multidisciplinares para a promoção de funções executivas e de atitudes pró-sociais e colaborativas entre as crianças, contribuindo para o ambiente de ensino e aprendizagem (Carvalho, 2017).

Diferentes pesquisadores destacam a importância das funções executivas para diferentes aspectos da vida como saúde mental e física, qualidade de vida e sucesso acadêmico. As habilidades de funções executivas são consideradas como blocos de construção essenciais para o desenvolvimento das capacidades cognitivas e socioemocionais, constituem a base para a aprendizagem da leitura, escrita e aritmética, além disso, experiências de adversidades na infância podem alterar essas funções indicando que são mais suscetíveis a rupturas no início do desenvolvimento (Schiavon et al., 2013; Carvalho, 2017; Macsween, 2017; Jiménez-Jiménez & Marques, 2018).

Nesse sentido, diversos autores têm enfatizado a necessidade do ensino sistemático e explícito de estratégias baseadas no aporte das funções executivas e de autorregulação no contexto escolar, como o ensino de estratégias de planejamento, organização, memória, controle inibitório e regulação das emoções (Schiavon et al, 2013; Carvalho, 2017; Jiménez-Jiménez, & Marques, 2018). Esses achados dão suporte à necessidade de criação de programas curriculares para a escola que visam focar na promoção das funções executivas e de autorregulação, tais como controle da impulsividade, estratégias de resolução de problemas, e de funções cognitivas como memória operacional e flexibilidade cognitiva.

Apesar de a avaliação neuropsicológica promover uma compreensão sofisticada dos problemas cognitivos e orientar o delineamento de um programa de intervenção, os testes padronizados não conseguem responder a perguntas sobre o modo como a criança e sua família são afetados pelos problemas cognitivos, se a criança retomará seus estudos com autonomia sobre seus ganhos ou voltará para casa sem que estratégias de enfrentamento das dificuldades sejam mobilizadas.

A escola acompanha o crescimento da criança. É nela que a criança passa grande parte de seu tempo, seja realizando as tarefas de aprendizagem ou brincando, se socializando. A escola tem sido um ambiente de desenvolvimento de habilidades acadêmicas, na qual cada vez mais se percebe a importância do desenvolvimento de habilidades de funções executivas, autorregulação emocional e social, mecanismos de controle da agressividade e impulsividade, além da criação de estratégias para a resolução de problemas (Schiavon et al, 2013; Loaiza, Calderón-Delgado, & Barrera-Valencia, 2014; Carvalho, 2017; Jiménez-Jiménez, & Marques, 2018).

Em face desse panorama, este estudo teve como objetivo realizar uma revisão literária sobre os estudos científicos publicados nos últimos dez anos em intervenção/reabilitação neuropsicológica com crianças e adolescentes, buscando identificar como os programas com abordagens voltadas para as dificuldades acadêmicas e executivas se articulam com as demandas familiares e escolares.

 

Método

O presente trabalho é uma revisão sistemática na qual foram tomados como unidades de análise os artigos que fazem referência ao tratamento neuropsicológico em crianças e adolescentes. As principais bases de dados utilizadas foram PubMed, SciELO e Redalyc, incluindo publicações de 2007 a 2017. Os termos "Reabilitação Neuropsicológica, Intervenção Neuropsicológica, Treinamento Cognitivo, Estimulação Cognitiva, Estimulação Neuropsicológica e Reabilitação Cognitiva" foram incluídos como descritores principais, em português, espanhol ou inglês.

As publicações selecionadas tiveram como critérios de inclusão os seguintes aspectos: a) Artigos empíricos em que a amostra era constituída por crianças e/ou adolescentes; b) Artigos cujos programas de intervenção eram baseados em abordagens voltadas para dificuldades acadêmicas, como leitura e escrita, por exemplo, ou para funções cognitivas, tais como memória, atenção, linguagem, memória operacional e funções executivas (FE) em geral.

Foram descartados os trabalhos cujos programas de intervenção se voltavam à recuperação de lesões cerebrais adquiridas, configurando uma amostragem restrita a casos em que havia tão somente a descrição de um quadro neurológico ou neuropsicológico, previamente diagnosticado, causador de déficits cognitivos.

Para a análise, as informações foram organizadas nas seguintes categorias: título do estudo, autor e ano, método e resultados. Finalmente, as evidências encontradas em cada estudo foram classificadas em torno de sua abordagem terapêutica, o que nos permitiu traçar um panorama atual acerca das intervenções neuropsicológicas para crianças e adolescentes.

 

Resultados

Dentre os 89 artigos encontrados, dez foram selecionados e estão caracterizados na Tabela 1. A tabela 1 trata de estudos com programas de intervenção e reabilitação que englobam métodos para o ensino sistemático de estratégias que buscam facilitar a aprendizagem escolar e os comportamentos adaptativos. Tais estratégias envolvem, sobretudo, aspectos de inibição comportamental, autorregulação emocional, estratégias de memorização e uso da linguagem (oral e escrita). Em relação à produção de conhecimento entre 2007 e 2017 sobre intervenções neuropsicológicas em crianças e adolescentes em que o quadro de comprometimento cognitivo não se referia a lesões cerebrais, houve um volume reduzido de artigos nas bases de dados pesquisadas, sendo em grande parte artigos de revisão.

Os trabalhos de Jimenez-Jimenez e Marques (2018) e Gonzáles, Garcia, Solovieva, e Rojas (2014) mostram o impacto da intervenção neuropsicológica infantil em casos em que ocorre comprometimento no funcionamento executivo e problemas relacionados à linguagem, como a leitura e a escrita, e, particularmente, à organização motora sequencial. Em ambos os trabalhos, os resultados mostraram melhoria tanto no funcionamento executivo quanto em atividades como a leitura e a escrita. Tais estudos mostram que a intervenção focada na direção e organização da atividade cognitiva do sistema executivo beneficia a aprendizagem da leitura e escrita, uma vez que essas funções relacionam-se e impactam umas as outras. Mesmo na ausência de estratégias específicas para a intervenção em linguagem, houve aprimoramento dessa função.

Em estudo cujo foco inicial era a dificuldade na expressão e compreensão da linguagem, Barrera e Sánchez (2014) mostram que, a partir da análise sindrômica, os mecanismos identificados com o desenvolvimento funcional insuficiente afetaram não apenas a compreensão e a expressão da linguagem, mas também enfraqueceram a função reguladora da linguagem, afetando especificamente o desenvolvimento da atividade organizada e planejada, a atenção voluntária, a conformação de imagens mentais e a atividade gráfica. Os autores relatam que o programa de correção neuropsicológica em estudo favoreceu a estimulação de mecanismos fracos no desenvolvimento da criança e as orientações fornecidas pelo terapeuta foram gradualmente assimiladas pelo menor, chegando a usá-las em outras tarefas de maior complexidade.

Concebidos e aplicados sob a perspectiva histórico-cultural, os programas de intervenção relatados por Barrera e Sánchez (2014) e por Jimenez-Jimenez e Morales (2014), descrevem e revelam como uma função cognitiva influencia a função da linguagem, mesmo não havendo diretamente intervenção para tal habilidade ou função.

Menezes et al. (2015) e Bigorra et al. (2016) investigaram programas de reabilitação direcionados a amostras de crianças com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Em ambos os artigos, os resultados foram inconclusivos, mas promissores, mostrando que é possível promover controle inibitório, atenção seletiva e memória de trabalho em crianças e adolescentes com TDAH. Dentre as explicações para as limitações encontradas nos estudos, os autores incluem a falta de atividades com os pais e / ou professores dos participantes, o que poderia contribuir para a generalização de ganhos para outros ambientes, como casa e escola. Ainda acerca das limitações encontradas no estudo, Menezes et al. (2015) defendem o incremento de pesquisas com o objetivo de fornecer intervenções cognitivas com características mais ecológicas para uma amostra de indivíduos com TDAH. Bigorra et al. (2016) apontam em seus resultados a presença de uma relação entre memória operacional (MO) e Teoria da mente (TM), mas a falta de melhora em MO pós-treinamento e no seguimento de 6 meses parece indicar que o programa de reabilitação não produziu efeitos de transferência remota sobre TM.

A partir da neuropsicologia histórico-cultural proposta por Luria (1986), os trabalhos de Ronquillo et al. (2013) e Agundis e Sánchez (2013) propõem programas em que os procedimentos de intervenção partem necessariamente dos resultados da avaliação e são elaborados individualmente para cada paciente, considerando sua idade psicológica e seu nível de escolaridade anterior. Além disso, esses autores ressaltam que a ação é considerada a unidade de análise da teoria da atividade, tida como fundamental no desenvolvimento da clínica neuropsicológica a partir dessa abordagem. Na ação, elementos estruturais invariantes são identificados, como o motivo (objetivo), o objeto da ação, o princípio orientador da ação, as operações e seus meios de execução, controle e verificação. Portanto, durante a intervenção neuropsicológica, as razões para a ação são especialmente consideradas e explicadas aos adolescentes participantes do programa.

Os resultados das pesquisas de Ronquillo et al. (2013) e Agundis e Sánchez (2013) mostraram melhoria principalmente na capacidade para organizar a atividade escolar, nas tarefas de memória auditivo-verbal e visual, de análise e síntese de textos, de organização motora em nível gráfico e verbal, de resolução de problemas, entre outras.

Macsween (2017) e Carvalho (2017) concentraram seus estudos em programas de intervenção voltados para Funções Executivas (FE). Enquanto Macsween (2017) avaliou a eficácia de um programa de intervenção cognitiva na melhoria de autoconceitos cognitivos e sociais, FE e atenção, a pesquisa de Carvalho (2017) demonstrou que o programa de estimulação foi capaz de trazer benefícios em alguns aspectos das FE, apresentando uma diminuição entre as diferenças no desenvolvimento neuropsicológico entre um grupo exposto ao manganês e as crianças sem histórico de exposição que participaram do programa. Esse estudo foi o único que apresentou dados relevantes em termos de políticas públicas, no que diz respeito à implementação de um programa de intervenção neuropsicológica que possa ser facilmente inserido no currículo escolar, com a participação de professores.

 

Discussão

Os principais resultados dos estudos incluídos nesta revisão sugerem que a intervenção neuropsicológica em crianças e adolescentes promove o desenvolvimento de habilidades cognitivas, como a atenção, o planejamento e a efetivação de ações, assim como a melhoria dos processos de aquisição de linguagem, sendo recomendada nos casos em que haja dificuldades acadêmicas e/ou executivas.

Nos casos de distúrbios de linguagem nas crianças, o momento e a forma de sua avaliação e tratamento podem ter influência decisiva no prognóstico da correção das dificuldades presentes. É por isso que a pesquisa e a implementação de programas apropriados de correção neuropsicológica são de grande relevância para a superação desse tipo de transtorno (Barrera & Sánchez, 2014).

É evidente a interface não só entre as habilidades cognitivas, mas também sua relação com o comportamento e a condição emocional do sujeito. A estimulação de uma habilidade influencia outras habilidades cognitivas levando a uma melhora não só no alvo escolhido, no planejamento dessa intervenção, mas trazendo qualidade de vida e beneficiando as atividades, relações e produtividade do sujeito. Dessa forma, fica clara a magnitude da importância desse tipo de acompanhamento no bem-estar e qualidade de vida desses indivíduos.

Nesse sentido, é importante que mais pesquisas sejam conduzidas, pois uma consideração levantada neste trabalho é o fato de que as iniciativas de intervenção neuropsicológica tentam demonstrar a possibilidade de generalizar as estratégias de intervenção para outros contextos, como por exemplo, nos casos em que as crianças atendidas conseguiam formar suas próprias estratégias de autocorreção durante o curso da intervenção e nas ações efetivadas na escola (Agundis & Sánchez, 2013; Ronquillo et al., 2013; Barrera & Sánchez, 2014; Gonzáles et al., 2014; Jimenez-Jimenez & Morales, 2014; Jimenez-Jimenez & Marques, 2018). Entretanto não foram encontrados relatos, na perspectiva do ambiente escolar, que permitam inferir sobre uma continuidade do curso do desenvolvimento de determinada habilidade, tal como observada nas situações de intervenção clínica. Tampouco foram encontradas estratégias que pudessem ser usadas pelo professor em sala de aula, como forma de estimulação ao desenvolvimento. Esse fato sugere haver uma descontinuidade entre as intervenções de natureza clínica e as de natureza educacional, no que diz respeito à transferência dos efeitos benéficos para as atividades escolares e seu acompanhamento.

É conveniente mencionar que em um ambiente de sala de aula é difícil desenvolver o nível esperado de motivação para um caso com falha no sistema executivo (Jimenez-Jimenez & Marques, 2018). Em geral, educadores entendem o aprendizado como um processo contínuo e sequencial do desenvolvimento, tendo como ponto central a aquisição de conhecimentos. Na maioria das vezes, as atividades escolares são focadas na memorização e na expectativa de que a criança desenvolverá por conta própria a capacidade de planejar seu tempo, priorizar informações, monitorar seu progresso. Entretanto isso frequentemente não acontece. Nas condições atuais da Educação, as crianças e adolescentes não são expostos a estratégias que privilegiem o desenvolvimento de funções executivas (Fuentes & Lunardi, 2016). Dessa forma, é importante que se pense no ensino de estratégias cognitivas e metacognitivas de aprendizagem com o objetivo de favorecer efetivamente o desempenho escolar e a relação do aluno com essa aprendizagem e todos os processos intrínsecos e adjacentes que a permeiam.

Outra questão levantada pelos estudos é o fato de que programas de intervenção neuropsicológica não necessariamente fornecem generalização de um ambiente controlado para situações da vida cotidiana (Macsween, 2017). Mesmo que houvesse transferência dos efeitos benéficos para as atividades diárias, estes seriam restritos a um número limitado de tarefas. Diversas pesquisas sugerem que o objetivo de todo programa executivo de reabilitação seja melhorar ou permitir maior autonomia para os indivíduos em situações cotidianas, permitindo que resolvam problemas (dentro de suas capacidades) em vez de ficarem presos em um ciclo vicioso no qual as habilidades executivas não são utilizadas. (Miotto, Serrao, Guerra, Lúcia, & Scaffet, 2008).

Dessa forma, vale ressaltar a importância de pesquisas concentradas em intervenções mais ecológicas, sobretudo nos casos de desenvolvimento de estratégias para lidar com dificuldades executivas e que, ao mesmo tempo, incluam atividades com pais e professores, o que poderia contribuir para a generalização de ganhos para outros ambientes, como casa e escola.

O curso clínico na criança modifica-se tanto pela recuperação espontânea das funções cerebrais como resposta à terapêutica adotada quanto pela continuidade de mudanças próprias do desenvolvimento. Por essa razão, o monitoramento do progresso acadêmico, atividades diárias e ajustamento emocional devem ser feitos regularmente. Dada essa natureza dinâmica da recuperação, o programa de reabilitação precisa ser revisto e modificado com maior frequência do que em adultos (Santos, 2004).

Por fim, um aspecto relevante a ser discutido é a falta de consenso quanto à nomenclatura utilizada para intervenção neuropsicológica no campo infanto-juvenil o que gera dificuldade para a pesquisa tendo em vista que, diferente da avaliação, há diversas nomenclaturas utilizadas. Treino neuropsicológico, reabilitação neuropsicológica, intervenção neuropsicológica, intervenção cognitiva, treinamento cognitivo, reabilitação cognitiva, treino cognitivo, reabilitação neuropsicológica pediátrica, neuroreabilitação cognitiva, reeducação neuropsicológica, readaptação neuropsicológica, remediação cognitiva, habilitação neuropsicológica, correção neuropsicológica são exemplos de terminologias encontradas na literatura que fazem referência ao tratamento em neuropsicologia configurando uma barreira também ao profissional no campo da pesquisa científica. É de suma importância o consenso para que se estabeleça uma nomenclatura que possa ser utilizada tanto pelo meio científico, quanto clínico e educacional referente à intervenção neuropsicológica infantil, pois irá favorecer o diálogo multidisciplinar, o debate acerca de sua importância, além de facilitar a difusão dos conhecimentos da área.

Em face da distância entre os contextos científico, clínico e educacional de formação das crianças e adolescentes observada nas pesquisas, mais estudos precisam ser promovidos em busca de um olhar mais articulado e integrado sobre esses espaços de promoção de conhecimento, ciência e desenvolvimento.

 

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Recebido em: 31/08/2018
Última revisão: 31/01/2019
Aceite final: 11/02/2019

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