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Revista Psicologia e Saúde

On-line version ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.12 no.2 Campo Grande Apr./June 2020

http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v0i0.799 

ARTIGOS

 

Revisão Integrativa sobre a Vivência de Mães de Crianças com Transtorno de Espectro Autista

 

Integrative Review on the Living of Mothers of Children with Autistic Spectrum Disorders

 

Revisión Integradora sobre la Vivencia de Madres de Niños con Trastorno del Espectro Autista

 

 

Alinne Souza Pinto; Teresinha Cid Constantinidis

Universidade Federal do Espírito Santo

Endereço de contato

 

 


RESUMO

Geralmente, é a mãe da criança com transtorno de espectro autista (TEA) que busca tratamento, dedica-se nos cuidados de seu filho, faz adaptações em seu cotidiano, podendo ter empobrecimento em sua vida social, afetiva e profissional, o que pode acarretar desgaste físico e emocional a essa mulher. O objetivo deste estudo foi identificar na literatura científica a sobrecarga das mães de crianças com TEA e as formas encontradas por elas para lidar com dificuldades cotidianas decorrentes dessa problemática. Foi realizada revisão integrativa da literatura dos últimos doze anos, em artigos científicos relacionados à temática citada. Do procedimento de busca, resultaram seis artigos para o banco final de análise. Os resultados apontam a sobrecarga emocional com o enfrentamento dessa fase, a perda do filho idealizado, confusão de sentimentos, medo, estresse, ter de lidar com o preconceito, assim como a necessidade dessa mãe em ter auxílio no cuidado com o filho.

Palavras-chave: transtorno autístico, relações mãe-filho, mães, estresse, sobrecarga emocional


ABSTRACT

Generally, it is the mother of the child with autistic spectrum disorder (TEA) who dedicates herself to the care of her child, makes adaptations in her daily life, and may have impoverishment in her social, affective, and professional life, which can lead to physical and emotional exhaustion of this woman. This study aimed to identify in the scientific literature the overload of these mothers, as well as the coping strategies of the daily difficulties. An integrative review of the literature related to the subject, in the last twelve years, was carried out. The search procedure resulted in six articles for the final analysis bank. Because of this integral dedication, one can see the emotional overload with the confrontation of this phase, the loss of the child that was idealized, stress, dealing with prejudice, as well as the need of this mother to have assistance in caring for the child.

Keywords: autism, mother-child relations, mothers, stress, emotional overload


RESUMEN

En general, la madre del niño con trastorno del espectro autista (TEA) es quien busca tratamiento, se dedica al cuidado de su hijo, adapta su cotidiano, pudiendo tener empobrecimiento en su vida social, afectiva y profesional, lo que puede acarrear desgaste físico y emocional a esa mujer. El objetivo fue identificar en la literatura científica la sobrecarga de las madres de los niños con TEA, así como las formas encontradas por ellas para lidiar con las dificultades derivadas de esa problemática. Se realizó una revisión integradora de la literatura de los últimos doce años, en artículos relacionados con la temática citada. Del procedimiento de búsqueda, resultaron seis artículos para el banco final de análisis. Los resultados apuntan la sobrecarga emocional con enfrentamiento de esa fase, pérdida del hijo que fue idealizado, estrés, tener que lidiar con el prejuicio, así como la necesidad de esa madre en tener ayuda en el cuidado con el hijo.

Palabras clave: autismo, relaciones madre-niño, madres, estrés, sobrecarga emocional


 

 

O Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais (American Psychiatric Association, 2013), também referido como DSM-V, classifica o autismo, chamado de transtorno de espectro autista (TEA), como um transtorno global do neurodesenvolvimento, que se manifesta precocemente, sendo caracterizado por deficits que prejudicam o funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional. Para critérios diagnósticos, os deficits devem ser persistentes na comunicação e interação social em diversos contextos, tendo padrões restritos e repetitivos de comportamento, de interesse ou de atividades, com sintomas presentes precocemente, e causarem prejuízo clínico significativo. Kupfer (2000) aponta que o conhecimento de um diagnóstico não garante o destino e o modo de vida de um indivíduo, pois cada diagnóstico carrega em si uma rede de significados socialmente definidos que podem aprisioná-lo dentro de determinados estereótipos e representações. A autora ressalta que essa rede de significados contribui para o processo de exclusão, marginalização e imobilismo perante a vida. O diagnóstico, no entanto, ocasiona importantes impactos no contexto familiar (Pinto et al., 2016). Diante do diagnóstico, algumas famílias podem se adaptar positivamente à realidade na adaptação com o filho com necessidade especial e outras podem vivenciar o processo de cuidado com profundo desgaste e desajuste familiar (Matsukura & Sime, 2008).

Nesse processo de cuidado, a partir de uma implicação maior no tratamento, geralmente, na nossa cultura, são as mães que identificam algum problema, buscam o tratamento e acompanham seus filhos no cotidiano. Diante disso, tornam-se responsáveis pela administração das prescrições médicas e devem enfrentar e manejar as reações da criança em seu dia a dia. Embora não seja uma regra − principalmente com as mudanças de paradigmas de nossa época, podemos ver pais e outros familiares envolvidos no cuidado da criança com necessidades especiais −, ainda é possível observar a presença constante da mãe nas escolas e instituições que o filho frequenta. A mãe é o membro da família que mais faz adaptações em seus papéis e em suas rotinas de vida, diante do tempo de dedicação e cuidado com seu filho com necessidade especial (Matsukura, Marturano, Oishi, & Borasche, 2007; Misquiatti, Brito, Ferreira, & Assumpção, 2015). Independentemente da condição de saúde da criança, diante do papel de cuidadora, a rotina de cuidados diários, adaptações e mudanças gera nas mães grande cansaço físico e desgaste emocional, tornando essa população um grande alvo, com nível elevado de estresse (Cairo & Sant'Anna, 2014).

Em face disso, essas mães têm de redimensionar as expectativas quanto ao futuro de seu filho com TEA e quanto ao próprio futuro, já que a demanda de cuidados pode gerar perdas e empobrecimento na vida social, afetiva e profissional dessas mulheres. Esse redimensionamento das atividades cotidianas por parte de familiares de pessoas com algum tipo de deficiência, o qual causa impactos econômicos, práticos e emocionais, é chamado de “sobrecarga familiar”, do inglês family burden. Para Platt (1985, como citado em Campos & Soares, 2005, p. 222), esse termo se refere à presença de problemas, a dificuldades ou eventos adversos que afetam significativamente a vida dos familiares e corresponde ao elemento de sofrimento explicitamente atribuído ao paciente.

Em relação ao impacto de ter um filho com necessidades especiais, essas mães têm seu cotidiano abalado pela sobrecarga de trabalho, reduzindo o tempo dedicado às atividades que gostam, vivenciam o preconceito, enfrentam burocracia para fazer uso de benefícios/serviços disponíveis, além de terem de lidar com o comportamento da criança (Matsukura & Sime, 2008). Schmidt e Bosa (2007) apontam que a indeterminação quanto ao futuro, especialmente em relação aos comportamentos de independência, às atividades da vida diária e à prática da vida social e escolar, suscita questionamentos de familiares dessas crianças a respeito dos cuidadores de seus filhos futuramente, quando eles não puderem provê-los.

É importante destacar que os estudos citados de sobrecarga familiar têm como objeto de análise familiares de pessoas com transtorno mental na fase adulta ou familiares de crianças com necessidades especiais, sem especificar a questão do autismo infantil (Campos & Soares, 2005; Schmidt & Bosa, 2007; Matsukura & Sime, 2008). Schmidt, Dell'aglio e Bosa (2007) apontam a importância do apoio a essas mães para que elas possam lidar com os sentimentos decorrentes dessas vivências. Najarsmeha e Cezar (2011) ressaltam a importância de criar estratégias de intervenção que possibilitem a essas mulheres amenizar suas angústias e incertezas.

A fim de contribuir para o campo de pesquisa sobre as questões que envolvem o ser mãe de criança com TEA, especialmente como fonte de informação preliminar para o desenvolvimento de pesquisas nacionais na área, o presente estudo de revisão objetivou caracterizar as pesquisas realizadas no Brasil que contemplem a identificação da sobrecarga da mãe da criança com TEA, assim como as formas encontradas por essas mulheres para lidarem com as dificuldades cotidianas decorrentes dessa problemática.

 

Método

Trata-se de uma revisão integrativa de artigos científicos frutos de pesquisas realizadas sobre as vivências de mães de crianças com TEA. A revisão integrativa sumariza pesquisas e possibilita conclusões globais de um corpo de literatura de um tópico em particular, análise ampla da literatura, discussão de métodos e resultados, assim como reflexões sobre a realização de futuras pesquisas (Scorsolini-Comin & Santos, 2010). Deste modo, visando responder aos objetivos da pesquisa, deu-se destaque para: a) vivência e/ou cotidiano das mães de crianças com TEA; b) Sobrecarga emocional, física, econômica, social e afetiva vivenciada por essas mães c) principais contribuições dos estudos e reflexões para futuras pesquisas.

Estratégias de Buscas e Análise

Estabeleceram-se os seguintes critérios de inclusão: a) ser um artigo científico fruto de pesquisa que responda ao objetivo geral da revisão; b) estar disponibilizado por completo na internet, indexado nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e no Portal de Periódicos Capes c) artigos científicos publicados nos últimos 12 anos (2007 a 2018) e revisado por pares.

Procedimentos de busca:

• Os dados foram coletados utilizando-se busca nas bases de dados especificadas, no período descrito, em todos os campos, de acordo com os seguintes termos e seus sinônimos, no singular e plural, em português, no total ou em combinações possíveis dos termos, de acordo com o tema. Os termos utilizados foram: mães, autismo, cotidiano, encargos/sobrecarga, necessidades/demandas, atenção e cuidado/tratamento, saúde mental, qualidade de vida, estresse, transtorno autístico, maternidade.

• Foram excluídos estudos em formato de tese e dissertações, assim como livros e estudos referentes a outros temas de mães de crianças autistas, que não contemplam o objetivo da pesquisa. A seleção inicial resultou em dezesseis artigos. Dez artigos não atenderam um ou mais critérios de inclusão.

• Após o resultado inicial, foi feita a leitura dos resumos e a análise da amostra, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão. A fim de assegurar os critérios de inclusão, em alguns casos, foi feita a leitura flutuante dos textos. Desse processo, restaram oito artigos para o banco final, conforme a Figura 1.

 

Resultados

A Tabela 1 apresenta a síntese dos estudos levantados, destacando-se os objetivos, as técnicas de coleta de dados e as principais questões identificadas pelo estudo e que auxiliam na elucidação sobre a vivência dessas mães.

Os artigos de Sanini, Brum e Bosa (2010) e Nunes e Santos (2010) não contemplam aspectos vivenciais das mães de crianças com TEA em seus objetivos e abordam aspectos específicos da depressão dessas mães. No entanto o desenvolvimento desses estudos traz contribuições importantes sobre a vivência dessas mães que vão ao encontro dos objetivos desta revisão.

Os estudos apresentados usam metodologia variada, mas predominantemente de cunho qualitativo, com entrevistas às mães de crianças com TEA. A exceção se faz por estudo de revisão integrativa de literatura e outro que se caracteriza por metodologia mista, qualitativa e quantitativa.

 

Discussão

Os resultados apontam que as mães das crianças com TEA percebem diferenças em seus filhos em relação às crianças com desenvolvimento típico e, a partir de suas percepções, buscam atendimento de saúde e iniciam a trajetória na busca por respostas às alterações percebidas, geralmente, na atenção primária. Nem sempre recebem respostas que elucidem o diagnóstico e passam a enfrentar uma peregrinação pelos serviços e profissionais de saúde em busca de respostas para alterações apresentadas no modo de ser do filho (Ebertb, Lorenzinic, & Silva, 2015; Constantinidis, Silva, & Ribeiro, 2018). Estudo de Sanini et al. (2010) aponta que o impacto do diagnóstico nessas mães é intenso e marcado por dúvidas, incertezas e tristezas, as quais se intensificam em decorrência de uma rede de apoio restrita.

Segundo Constantinidis et al. (2018), a necessidade do familiar de compreender essa vivência com o filho, a observação do comportamento diferente, vem formulada pelo pedido de um diagnóstico. O diagnóstico parece ser um norteador para o familiar, que, até então, pode sentir-se à deriva com suas experiências e alienado quanto às suas ações. O diagnóstico psicopatológico é um lugar que as vivências dos familiares passam a ocupar, podendo ser referido com um nome. Deixa a categoria de inominável para a concretude de um código a ser compartilhado, dando garantia de doença àquilo que vivenciam na relação com a criança. Assim, o diagnóstico não é só necessidade de profissionais, que muitas vezes se furtam da tarefa de conversar sobre o tema com a família, mas também dos familiares.

Em relação a essa necessidade de familiares em entender o comportamento diferente da criança, Ebertb et al. (2015) ressaltam a importância do preparo de profissionais da educação infantil para detectar sinais e sintomas do autismo infantil, a fim de que possam auxiliar as mães e famílias e encaminhar as crianças a outros profissionais para avaliação diagnóstica. Os autores destacam também a importância de os profissionais de saúde considerarem as percepções maternas sobre o crescimento e desenvolvimento infantil, podendo favorecer para um diagnóstico precoce.

Enfrentar essa nova e inesperada realidade causa sofrimento, confusão, frustrações e medo a essas mães (Najarsmeha, & Cezar, 2011), que podem ser bastante atingidas emocionalmente, pois se deparam com a perda do filho imaginado por elas e, por isso, correm o risco de apresentar sentimentos como tristeza, frustração, ambivalência e negação, os quais podem alterar o relacionamento mãe-criança (Sanini et al., 2010). Franco (2015) analisa a relação da mãe com o bebê imaginado sob três perspectivas. Em primeiro lugar, estaria uma componente estética: o bebê ideal tem características de perfeição física e estética, incorporando semelhanças com os pais. Em segundo, estaria uma dimensão de competência em que o bebê é esperado como intelectualmente competente, com capacidades que correspondam ao estilo de vida e aos valores dos pais. Em terceiro, estaria a perspectiva de futuro para essa criança, e os pais imaginam um futuro ideal para ela, que um dia cursará os seus estudos, será um profissional de sucesso e realizado. Para o autor, essas dimensões imaginárias e idealizadas são fundamentais para que os pais possam enfrentar as exigências colocadas pelo cuidar de um bebê. No entanto, diante de um filho com deficiência:

Dizem alguns que, perante isto, é inevitável a depressividade crônica, o luto crônico, ferida narcísica insuperável reaberta pela presença constante da criança... Um vasto conjunto de comportamentos tem a ver com a expressão emocional do sofrimento que a situação trouxe. Muitos destes movimentos estão interligados ou mascarados, como, por exemplo, a revolta, raiva, negação, culpabilização ou os sentimentos depressivos. (Franco, 2015, pp. 209-210)

Meimes, Saldanha e Bosa (2015) destacam que o sentimento de culpa quanto ao diagnóstico do filho é um dos fatores que mais dificultam a adaptação da mãe dessa criança a essa nova situação. Monteiro et al. (2008) apontam que a mãe da criança com TEA se dedica ao filho de tal forma que passa a relatar o cotidiano do filho como seu próprio cotidiano e, na intensa dedicação e prestação desses cuidados, Najarsmeha e Cezar (2011) afirmam que são as mães que mais sofrem ajustes de planos e expectativas em sua vida pessoal e apresentam maior incidência de estresse e depressão.

A autorresponsabilização recai também sob a crença de que a sintomatologia do filho é explicada pelo seu mau desempenho como mãe. Isso permite que essa mãe atribua a si todo e qualquer compromisso com o filho, inclusive o manejo com o resto da família (Sanini et al., 2010). Muitas dessas mães dedicam integralmente seu dia ao filho e, em prol dos cuidados com essa criança, não podem trabalhar fora ou exercer outra atividade, abdicando da carreira profissional, além da vida social e das relações afetivas (Monteiro et al., 2008; Nunes & Santos, 2010; Najarsmeha & Cezar, 2011, Constantinidis et al., 2018). Esse resultado confirma o estudo de Matsukura et al. (2007), que cita que é a mãe quem mais faz adaptações em sua rotina para dedicar seu tempo e cuidados à criança autista. A mãe toma para si a maior carga de responsabilidade no cuidado do filho. Em relação à imagem da mulher, esta é identificada, de forma acrítica, ao afeto, à maternidade e ao amor incondicional (Gutierrez & Minayo, 2009).

Milbrath, Cecagno, Soares, Amestoy e Siqueira (2008) apontam que, ao adotar essa atitude de se dedicar integralmente ao filho, abdicando de sua vida social, profissional e pessoal, visto que a priorização é dada ao papel de ser mãe, essa mãe pode estar, inconscientemente, exigindo de si mesma a obrigação e a responsabilidade de cuidar daquele que ela foi capaz de gerar. Assim, essa mãe considera o fato de cuidar do filho como uma necessidade intrinsecamente determinada. Segundo os autores, esse processo vivenciado pela mãe, associado à vocação feminina para o cuidado, provavelmente pode ser considerado o responsável pelo fato de a mãe ser a principal cuidadora.

No cuidado com o filho com TEA, as mães agem de forma objetiva e prática para resolver os problemas e demonstram manejo adequado diante das dificuldades, das circunstâncias estressoras surgidas no cotidiano, incluindo o convívio familiar e social mais amplo (Meimes et al., 2015). No entanto Sanini et al. (2010) ressaltam que o cotidiano com o filho com autismo não deixa de ser estressante, na medida em que existe uma sobrecarga adicional em todos os níveis: social, psicológico, financeiro e, também, nos cuidados com a criança. Os resultados desse último estudo corroboram os resultados de estudo de Piovesan, Scortegagna e Marchi (2015), que apontam que o tratamento de rotina fornecida para as crianças, muitas vezes, leva as mães a negligenciar o seu próprio cuidado, prejudicando o seu bem-estar. Ferreira e Smeha (2018) destacam que as dificuldades para essas mães podem ser agravadas pela ausência de um companheiro.

Sanini et al. (2010) apontam que, para muitas mães, a realização de atividades de lazer é difícil devido à falta de tempo, dada a necessidade de cuidados continuados e permanentes de sua criança. Essas mães procuram desenvolver atividades alternativas, como ler, conversar, ver televisão, para, assim, poder desligar-se do foco estressor. Este tipo de estratégia é semelhante à estratégia de evitação, que também foi apresentada pelas mães nessas situações, quando elas procuram evitar pensar sobre o problema (Schmidt et al., 2007). No entanto, muitas vezes, essas mães se afastam de atividades de lazer e do convívio social por causa do preconceito e dos comportamentos agressivos do filho (Sanini et al., 2010; Constantinidis et al., 2018). Segundo Rendón (2016),o comprometimento do desenvolvimento cognitivo social e comportamental da criança com TEA interfere diretamente no convívio e no estabelecimento de relações sociais com outras pessoas, dificultando sua adaptação no meio em que vive e trazendo o preconceito e estigma social. O estudo dessa autora aponta que os familiares sofrem com o preconceito e com o comportamento imprevisível de seus filhos, tornando a vida cotidiana um desafio e muitas vezes solitária.

As dificuldades enfrentadas por essas mães se devem, sobretudo, à insegurança em lidar com as demandas do filho de forma satisfatória, à dificuldade de aceitação do diagnóstico, à falta de apoio social e conjugal percebida e à possível restrita rede de saúde (Najarsmeha & Cezar, 2011). Bradford (1997) aponta, em relação aos familiares de crianças com alguma condição crônica, a interdependência de vários fatores que podem levar ao agravamento da condição da família e da criança. Esse autor relata que a falta de apoio conjugal pode contribuir para o incremento dos sentimentos de solidão e desamparo maternos. Para o autor, quando não há colaboração entre os pais no cuidado com a criança, os níveis de estresse parental tendem a aumentar e ocasionar uma consequente exacerbação dos sintomas da criança, dificultando a adaptação. No entanto o estudo de Ferreira e Smeha (2018) destaca que, na monoparentalidade de mães de crianças com autismo, a possibilidade de um novo relacionamento afetivo não está centrada na necessidade de auxílio nos cuidados com o filho, mas no apoio emocional.

O apoio social foi referenciado como um mediador e moderador do otimismo e do bem-estar materno. Os resultados de pesquisa de Meimes, Saldanha e Bosa (2015) revelaram que o apoio do cônjuge, de familiares e de amigos foi associado ao crescimento do otimismo e a maiores níveis de respostas maternas positivas em relação à criança. Assim, as mães precisam contar com o auxílio de outras pessoas ou instituições para conseguirem dar conta da sobrecarga de cuidados com a criança autista. O estudo de Najarsmeha e Cezar (2011) aponta impactos de apoio religioso, pois, segundo os resultados do referido estudo, a religião traz conforto a angústias dessas mães, facilitando a adaptação a essa situação adversa. Portanto as redes de apoio/suporte social, entre elas a religiosidade, atuam como auxílio a essas mulheres, ajudando-as a melhor viver a maternidade.

São as mães que também precisam ser cuidadas, prevenindo o adoecimento psíquico e contribuindo para que elas possam cuidar do filho e se cuidarem (Monteiro et al., 2008). É importante destacar que os níveis de depressão são elevados entre mães de crianças com TEA, conforme mostra o estudo de Sanini et al. (2010). Esse mesmo estudo aponta medidas que devem ser tomadas para auxiliar essas mães em uma situação que coloca em risco sua saúde mental e, assim, minimizar o impacto da depressão materna no desenvolvimento infantil. Ainda nessa seara, o estudo de Nunes e Santos (2010) aponta que as mães com maior nível socioeconômico e de escolaridade se mostraram significativamente menos vulneráveis aos critérios para disforia/depressão e apresentaram maiores escores nos domínios psicológico, ambiental e físico. Esses dados apontam que o baixo nível de renda familiar e a avaliação menor do domínio ambiental, diante dos demais aspectos da qualidade de vida, denotam escassez de recursos financeiros. Mães com possibilidades financeiras poderiam viabilizar o pagamento de um cuidador para a criança, permitindo dedicarem-se à profissão ou ao trabalho, ou mesmo usufruírem de lazer, relaxamento, pois se observou limitação importante na capacidade de desfrutar prazer na vida ou alcançar satisfação.

O acesso a lazer, saúde, transporte e serviços desempenha um papel importante na percepção de qualidade de vida das mães, sendo importante a implementação de políticas e estratégias que forneçam esse tipo de acesso, além da importância de um olhar cuidadoso sobre a depressão materna. Sanini et al (2010) ressaltam a importância de ampliar as oportunidades de recreação e lazer para os cuidadores de crianças com transtornos invasivos do desenvolvimento. Além disso, estratégias de intervenção são necessárias para possibilitar a essas mulheres um espaço no qual elas possam ser escutadas, trocar experiências, compartilhar sua dor e sofrimento e amenizar suas angústias e incertezas (Najarsmeha & Cezar, 2011).

Nunes e Santos (2010) e Sanini et al. (2010) ressaltam a necessidade de investir na implementação de uma rede de suporte às famílias. Nesse sentido, Minatel e Matsukura (2014) apontam que a rede de suporte, atenção e políticas direcionadas às crianças com TEA e suas famílias interfere diretamente no enfrentamento das dificuldades advindas da atenção e cuidado a essas crianças. As autoras citam a Lei n. 12.764/2012, a qual institui a Política Nacional de Proteção aos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista como marco legal, que garante a essas crianças o direito à educação, bem como a tratamentos adequados e especializados. Também destacam a ação desenvolvida pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2015), com a divulgação do documento “Linha de cuidado para a atenção integral às pessoas com transtorno do espectro do autismo e suas famílias no Sistema Único de Saúde (SUS)”, que direciona as ações junto a essa população no âmbito do SUS, articulado pela Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). A RAPS, nesse sentido, por seu caráter integrado e intersetorial nos diferentes equipamentos de saúde, da assistência social, jurídico e educacional, traz o caráter interdisciplinar necessário para responder à complexidade da realidade vivida pelas pessoas com autismo e suas famílias.

 

Considerações Finais

Esta proposta de pesquisa se torna importante para o conhecimento que vem sendo produzido na área, para reflexão sobre esse conhecimento e para proposição de práticas de intervenção com essa população. Segundo os resultados obtidos, podemos concluir que, no cotidiano dessas mães, o cuidado com as crianças com TEA vem como prioridade. Elas dedicam-se integralmente a esses cuidados, percorrendo longas trajetórias atrás de diagnósticos e tratamentos, peregrinando pelos serviços de saúde, resultando em escassez de tempo para atividades de autocuidado, profissionais, sociais e de lazer. Como consequência dessa dedicação integral, os estudos apontam a sobrecarga emocional com o enfretamento dessa fase.

Como necessidades e demandas, os estudos apontam a importância de poder dividir esse cuidado com outra(s) pessoa(s) ou ter auxílio institucional, em que a atenção esteja voltada para além da criança com autismo, mas também para o cuidado dessa mãe. Além disso, como modo de atenção e cuidado, os resultados apontam a importância das redes de apoio e suporte, com trocas com outras mães que passam pela mesma situação.

Destacamos a dificuldade em separar o cotidiano dessas mães da sobrecarga que elas têm como a principal adversidade encontrada no estudo. Por diversas vezes, esses dois tópicos se misturavam e pareciam estar interligados, indicando que a sobrecarga faz parte desse cotidiano de forma óbvia e clara.

Como limitação deste estudo, apontamos a busca de artigos nacionais como estratégia de pesquisa, impedindo a ampliação de busca em outras línguas e a ampliação para um panorama internacional da produção científica sobre o tema. No entanto destaca-se que a busca realizada trouxe a realidade brasileira, e estudos posteriores em outras línguas possibilitarão comparações com a nossa realidade.

 

Referências

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Endereço de contato:
Alinne Souza Pinto
R. Moacir Avidos, 156, apt. 1102, Praia do Canto
Vitória, ES, CEP 29055-350
E-mail: teracidc@gmail.com

Recebido em: 21/08/2018
Última Revisão: 21/05/2019
Aceite Final: 31/05/2019

 

 

Sobre as autoras:
Alinne Souza Pinto:
Terapeuta Ocupacional pela Universidade Federal do Espírito Santo. Terapeuta ocupacional do Centro de Referência de Assistência Social (CREAS-Centro), Vitória, ES.
E-mail: linnee_souza@hotmail.com
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7868-9539
Teresinha Cid Constantinidis: Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Mestre em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professora adjunta IV do Departamento de Terapia Ocupacional e professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES.
E-mail: teracidc@gmail.com
Orcid: http://orcid.org/0000-0001-9712-3362

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