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Revista Psicologia e Saúde

versão On-line ISSN 2177-093X

Rev. Psicol. Saúde vol.13 no.4 Campo Grande out./dez. 2021

http://dx.doi.org/10.20435/pssa.v13i4.1163 

ARTIGOS

 

Ansiedade social e comorbidades em professores do ensino superior

 

Social anxiety and comorbidites in higher education teachers

 

Ansiedad social y comorbilidades en profesores de enseñanza superior

 

 

Thiago Fortes Wagner; Camila Heck; Simone Nenê Portela Dalbosco; Camila Rosa de Oliveira; Marcia Fortes Wagner

Faculdade Meridional (IMED)

Endereço de contato

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: As transformações no ensino podem ocasionar prejuízos à saúde mental do professor. Este estudo objetivou avaliar a presença do transtorno de ansiedade social e comorbidades em professores de ensino superior.
MÉTODO: Estudo quantitativo, transversal e correlacional. Participaram 50 professores, sendo 58% mulheres com idade média de 35 anos. Foram utilizados os instrumentos: Questonário de Ansiedade Social para Adultos (CASO) e a Depression, Anxiety and Stress Scale (DASS-21).
RESULTADOS: Foi identificado repertório deficitário nos fatores Expressão Assertiva de Incômodo, Desagrado ou Tédio (16%), Interação com Pessoas Desconhecidas (2%), Estar em Evidência e Fazer Papel de Ridículo (2%). Evidenciaram-se sintomas moderados, severos e extremamente severos de depressão, ansiedade e estresse.
DISCUSSÃO: Foram identificadas variáveis prejudiciais ao desempenho dos professores e à interação com os alunos.
CONCLUSÕES: Estudar a saúde mental dos professores pode contribuir para o seu bem-estar e qualidade do processo ensino-aprendizagem.

Palavras-chave: ansiedade social; depressão; estresse psicológico; educação superior


ABSTRACT

INTRODUCTION: Changes in teaching can harm the teacher's mental health. This study aimed to evaluate the presence of social anxiety disorder and comorbidities in higher education teachers.
METHOD: Quantitative, cross-sectional and correlational study. Fifty teachers participated, being 58% women with an average age of 35 years. The instruments used were: Social Anxiety Questionnaire for Adults (CASO) and Depression, Anxiety and Stress Scale (DASS-21).
RESULTS: A deficient repertoire was identified in the factors Assertive Expression of Discomfort, Displeasure or Boredom (16%), Interaction with Strangers (2%), Being in Evidence and Playing Ridiculous (2%). Moderate, severe and extremely severe symptoms of depression, anxiety and stress were found.
DISCUSSION: Variables detrimental to teacher performance and student interaction were identified.
CONCLUSIONS: Studying teachers mental health can contribute to their well-being and the quality of the teaching-learning process.

Keywords: social anxiety; depression; psychological stress; college education


RESUMEN

INTRODUCCIÓN: Los cambios en la enseñanza pueden dañar la salud mental del maestro. Este estudio tuvo como objetivo evaluar la presencia de trastorno de ansiedad social y comorbilidades en los docentes de educación superior.
MÉTODO: Estudio cuantitativo, transversal y correlacional. Participaron cincuenta docentes, siendo 58% mujeres con una edad promedio de 35 años. Los instrumentos utilizados fueron: Cuestionario de Ansiedad Social para Adultos (CASO) y Depression, Anxiety and Stress Scale (DASS-21).
RESULTADOS: Se identificó un repertorio deficiente en los factores Expresión Asertiva de Incomodidad, Disgusto o Aburrimiento (16%), Interacción con Extraños (2%), Estar en Evidencia y Hacer el Ridículo (2%). Se encontraron síntomas moderados, severos y extremadamente severos de depresión, ansiedad y estrés.
DISCUSIÓN: Se identificaron variables perjudiciales para el desempeño del maestro y la interacción del alumno.
CONCLUSIONES: Estudiar la salud mental de los docentes puede contribuir a su bienestar y a la calidad del proceso de enseñanza-aprendizaje.

Palabras clave: ansiedad social; depresión; estrés psicológico; educación universitaria


 

 

Introdução

O mal-estar docente configura-se um fenômeno atual em razão da grande incidência de estresse, exaustão e insatisfação presentes nesta população. Este relaciona-se com as profundas mudanças sociais que ocorreram nas últimas décadas com implicações no comportamento dos alunos na escola e na modificação do papel do professor em sala de aula (Jesus, 2002). As transformações no ensino, ao longo do tempo, impactaram a profissão docente, ocasionando sérios prejuízos à saúde mental do professor.

A literatura aponta elevada ocorrência de sofrimento emocional em professores, incluindo diversos fatores de adoecimento, tais como: constante estado de alerta, excesso de atividades, exaustão física e mental, cobranças implícitas e explícitas, competitividade, perda de autonomia e baixos salários (Baião & Cunha 2013). Ferreira-Costa e Pedro-Silva (2019) realizaram um estudo visando avaliar os níveis de ansiedade e depressão entre professores do Ensino Infantil e Fundamental e estabeleceram um panorama dos estudos que se ocuparam de analisar a saúde mental de professores no Brasil. Dentre os principais resultados, foram encontrados grande incidência de sintomas de doenças mentais entre os professores; adoecimento psíquico relacionado à dificuldade do professor em resolver conflitos; alta ocorrência de afastamentos do trabalho; presença de insatisfação e desmotivação dos professores em relação às condições de trabalho; e poucos estudos visando investigar sintomas de ansiedade e depressão em docentes.

Em outro estudo que investigou a associação entre estresse laboral e a saúde, em uma amostra de 223 professores, constatou-se que as variáveis insatisfação com o trabalho, mudanças negativas e pressão laboral relacionaram-se com sintomas somáticos de insônia, ansiedade e depressão e correlacionaram-se negativamente com o apoio social (Matud, García, & Matud, 2002). Guevara e Domínguez (2011) buscaram identificar a percepção dos professores acerca de sua qualidade de vida e evidenciaram que a maioria referiu sentimentos de incerteza; insegurança pessoal e profissional; e insatisfação relacionada aos baixos salários e à falta de reconhecimento.

Considerando este contexto, torna-se necessária a avaliação e o planejamento de intervenções visando modificar esta realidade, a fim de minimizar os prejuízos decorrentes do adoecimento de professores no país. A literatura refere que indivíduos, entre eles também os profissionais da educação, com pouca interação social, deficits nas habilidades sociais e conflitos nos relacionamentos interpessoais, tendem a apresentar maior incidência de transtornos psicológicos (Cecconello, Batistella, Wahl, & Wagner, 2013; Del Prette & Del Prette, 2001).

Dentre os transtornos, está o Transtorno de Ansiedade Social (TAS) ou Fobia Social, que pode ser compreendido como um medo excessivo e persistente de situações sociais em que o indivíduo teme que o seu desempenho seja analisado negativamente pelas outras pessoas (American Psychiatric Association,APA, 2014). Uma das principais dificuldades no TAS é o receio da exposição social, em especial, o medo de falar em público, que pode ocasionar prejuízos à vida profissional do indivíduo (Angélico, Crippa, & Loureiro, 2012; Bolsoni-Silva & Loureiro 2014).

No caso dos docentes, cuja ferramenta de trabalho envolve a exposição e a desenvoltura social, a ansiedade elevada pode comprometer o seu desempenho em sala de aula e até mesmo dificultar o relacionamento com os alunos, por meio de comportamentos evitativos. Em um estudo realizado por Bolsoni-Silva e Loureiro (2014) com estudantes universitários, foi constatado que indivíduos ansiosos apresentaram mais dificuldades interpessoais e menos habilidades sociais, principalmente relacionadas a falar em público, além de problemas na comunicação, expressão de sentimentos positivos e negativos, manifestação de opiniões e manejo de críticas.

A ansiedade social pode acarretar no professor outras comorbidades, ou seja, a presença de outros quadros clínicos, como sintomas depressivos. Estes podem ser compreendidos por humor deprimido ou irritável acrescido de alterações somáticas e cognitivas, que podem ocasionar prejuízos à capacidade de funcionamento do indivíduo (APA, 2014). A depressão é a terceira causa de afastamento laboral no País, considerada uma das principais causas de absenteísmo no trabalho (Razzouk, Alvarez, & Mari, 2009; Razzouk, 2016). Em um estudo conduzido com 106 professores do ensino fundamental e médio de escolas públicas e estaduais, 21,7% apresentaram sintomatologia depressiva (Scandolara, Wietzikoski, Gerbasi, & Sato, 2015).

Aliado à depressão, o estresse psicológico também interfere negativamente na vida laboral do professor e corresponde a um estado de tensão excessiva e crônica, decorrente da incapacidade ou do esgotamento das estratégias de enfrentamento do indivíduo (Apóstolo, Mendes, & Azevedo, 2006; Lovibond & Lovibond, 2004; Pais-Ribeiro, Honrado, & Leal, 2004; Vignola & Tucci, 2014). Em uma revisão sistemática realizada por Menezes et al. (2019), com o objetivo de compreender a abrangência do estresse na docência, foi constatado que as fontes do estresse laboral em professores, que contribuem para o seu desempenho em relação ao trabalho, são provenientes de estressores externos e internos, como a rotina, carga horária, relações interpessoais com os colegas de trabalho e alunos. Desta forma, o estresse psicológico deve ser compreendido a partir de um padrão de reação afetiva que apresenta afinidades com os sintomas da ansiedade e depressão.

Nesse sentido, considerando o exposto acima e compreendendo o importante papel que o professor desempenha no desenvolvimento de seus alunos, com uma função de mediador entre o indivíduo e sua inserção na sociedade, torna-se relevante investigar a sua saúde mental. Assim, este estudo teve como objetivo avaliar os sintomas de TAS e as comorbidades presentes, entre elas a depressão, a ansiedade e o estresse, em docentes do ensino superior, buscando também verificar a relação entre TAS e demais sintomas emocionais.

 

Método

Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo, de levantamento, correlacional e de caráter transversal. A amostra foi composta por 50 professores do ensino superior do norte do Rio Grande do Sul, com idade média de 34,92 anos (DP = 6,96) e variação de 25 a 57 anos. Em relação ao sexo, 58% (n = 29) eram mulheres e 42% (n = 21) homens. Os critérios de inclusão foram ter vínculo empregatício com instituições privadas de ensino superior, ser docente em curso de graduação no momento da coleta e ter entre 18 e 60 anos de idade. Excluíram-se do estudo professores do ensino superior que estavam afastados da instituição de ensino ou das atividades docentes por motivos pessoais, viagem de estudos ou problemas de saúde. Os instrumentos utilizados foram:

Ficha de dados sociodemográficos: Para caracterização da amostra (idade, escolaridade e sexo, por exemplo). Ainda, foi utilizado o questionário de Classificação Econômica Brasil da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2015), composto por perguntas fechadas referentes à classificação econômica.

Questionário de Ansiedade Social para Adultos (CASO): Instrumento desenvolvido por Caballo et al. (2010) e validado para a população brasileira por Wagner, Moraes, Oliveira e Oliveira, (2017). Consiste em uma escala composta por 30 itens que avalia a presença de sintomas de ansiedade social, pontuados em escala Likert de 5 pontos, de 0 (nenhum) a 5 (muitíssimo), conforme o grau de tensão, mal-estar ou nervosismo do indivíduo em situações sociais diversificadas. Tem cinco fatores: Fator 1 - Falar em público/interação com pessoas em posição de autoridade, Fator 2 - Interação com o sexo oposto, Fator 3 - Estar em evidência/fazer papel de ridículo, Fator 4 - Interação com pessoas desconhecidas e Fator 5 - Expressão assertiva de incômodo, desagrado ou tédio. Os estudos brasileiros de validação do CASO constataram uma consistência interna altamente satisfatória, com um coeficiente de α=0,93.

Depression, Anxiety and Stress Scale (DASS-21): Instrumento desenvolvido por Lovibond e Lovibond (2004) e validado para a população brasileira por Vignola e Tucci (2014). Tem três subescalas do tipo Likert de quatro pontos, de autorresposta, e busca identificar estados emocionais de depressão, estresse e ansiedade. Cada subescala é constituída de sete itens designados para avaliar as condições emocionais de depressão, ansiedade e estresse. São ofertadas quatro alternativas de resposta de gravidade ou de frequência distribuídas numa escala de 0 a 3 pontos. Os valores do alfa de Cronbach foram, respectivamente, 0,92 para a depressão, 0,86 para a ansiedade e 0,90 para o estresse, indicando bom nível de consistência interna do instrumento (Vignola & Tucci, 2014). Os escores obtidos para cada subescala podem variar de 0 a 21 pontos.

Em relação à coleta de dados, foi utilizada amostra de conveniência por meio de contato individual com todos os professores, esclarecendo dúvidas acerca da natureza e dos propósitos da pesquisa, bem como da responsabilidade do pesquisador quanto ao sigilo da identidade dos participantes. Após, ocorreu a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), de acordo com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, e os participantes da pesquisa responderam ao protocolo de avaliação. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Meridional (IMED-RS) sob CAAE 73085617.1.0000.5319, e todos os procedimentos éticos foram adotados.

As informações obtidas na coleta de dados foram organizadas e analisadas no Banco de Dados do Programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21.0. Os dados foram analisados por meio de estatísticas descritivas (como frequência, média e desvio-padrão) e inferenciais. A distribuição dos dados foi verificada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov e a associação entre os escores do CASO e DASS-21 ocorreu por meio de correlação de Spearman. Resultados foram considerados significativos se p < 0,05.

 

Resultados

Observa-se que a maioria da amostra foi composta por mulheres, sendo o estado civil casado o mais frequente, além de maior ocorrência da titulação de Mestrado. Mais da metade dos docentes trabalhavam entre 31 e 41 horas semanais e foram classificados com nível socioeconômico B. A Tabela 1 resume as principais características sociodemográficas dos docentes do estudo.

 

 

Em relação ao DASS-21, a pontuação média obtida na subescala de depressão foi de 2,60 pontos (DP = 3,44); na de ansiedade, foi de 1,76 ponto (DP = 1,95); e, na de estresse, foi de 5,80 pontos (DP = 4,11). A classificação da intensidade dos sintomas obtidos no DASS-21 é apresentada na Tabela 2.

No escore total do CASO, a maioria da amostra (98%, n = 49) não apresentou sintomas de TAS. Entretanto, foram encontrados alguns achados em relação a fatores específicos do CASO, como no fator "Expressão Assertiva de Incômodo, Desagrado ou Tédio", seguido pelos fatores "Interação com Pessoas Desconhecidas" e "Estar em Evidência e Fazer Papel de Ridículo" (Tabela 3).

Foram encontradas associações entre os fatores do CASO e da DASS-21. Observou-se que os fatores 3, 4 e 5 do CASO, além do seu escore total, apresentaram associações significativas, positivas e moderadas com os sintomas depressivos avaliados pelo DASS-21. Além disso, o fator 5 do CASO relacionou-se positivamente com os sintomas de estresse (DASS-21). Os sintomas de ansiedade (DASS-21) não apresentaram associações significativas com o CASO. A Tabela 4 ilustra as correlações encontradas.

 

Discussão

Esse estudo teve como objetivo verificar a ocorrência do TAS, além de sintomas de depressão, ansiedade e estresse, em docentes do ensino superior. Ainda, buscou analisar a associação entre TAS e demais sintomas emocionais. Identificou-se ocorrência de TAS em apenas 2% dos docentes, conforme avaliação do CASO, enquanto a frequência de sintomas classificados entre moderado e extremamente severo para depressão, ansiedade e estresse foram, respectivamente, de 12%, 10% e 14% a partir da DASS-21. Ainda, três fatores do CASO, além do seu escore total, demonstraram associações positivas e moderadas com a subescala depressão da DASS-21, sugerindo que o aumento de sintomas do TAS está relacionado com o aumento de sintomas depressivos.

A lógica do funcionamento de produção docente reproduzida nas universidades pode influenciar no aparecimento destes sintomas. Mancebo (2007) afirma que o termômetro para avaliar a eficiência e a produtividade é obtido por meio de índices como produção de artigos, número de projetos de orientação ou de captação de recursos, provocando a intensificação da carga de trabalho e o aumento da competitividade entre docentes. Oliveira e Freitas (2008) corroboram essa visão, referindo que o docente convive com a desprofissionalização do seu trabalhado ocasionada pela perda de autonomia e sobrecarga de tarefas. Ainda, a gestão do tempo entre trabalho e vida pessoal pode ser um empecilho, pois consiste em um tempo de trabalho intenso, multifacetado, composto por diversas atividades e exigências que não cessam (Lopes, 2006).

Assim, o docente pode perceber-se em um ciclo no qual se intensificam os sintomas de ansiedade e estresse relacionados à exigência de produção científica, que pode acarretar o aparecimento de sintomas depressivos, no caso de o professor não conseguir cumprir os prazos estabelecidos. O docente pode vivenciar um processo de sofrimento silencioso e solitário que tende a ser agravado por sentimentos de culpa e autocobrança.

No presente estudo, verificou-se, principalmente, sintomas de estresse entre professores. Em um estudo realizado com professores no Rio Grande do Sul (RS), 44% apresentavam níveis significativos de estresse (Cheffer & Micaliski, 2017). Para Legal (2008), o professor vive a cultura do gerenciamento e do controle, em que administra o tempo, as pessoas, os riscos, as crises e até mesmo o estresse. Nesse sentido, ao tentar suprir o excesso de tarefas e obrigações, pode sentir-se esgotado; porém, busca gerenciar tudo o que está ao seu alcance, agravando o quadro de estresse. Estudos têm apontado relação entre as condições de trabalho de professores no Brasil e a ocorrência do quadro de estresse ocupacional (Altoé, 2010; Claro, 2009; Lima, 2011; Mendes, 2011; Neves, 2014).

Referente ao TAS, apesar de a maioria da amostra não apresentar sintomas de ansiedade social, foram encontrados alguns achados em relação a fatores específicos do CASO. O Fator 4, associado à expressão assertiva de incômodo, desagrado ou tédio, foi o que apresentou um escore maior, seguido de resultados discretos no Fator 3 - interação com pessoas desconhecidas e no Fator 5 - estar em evidência e fazer papel de ridículo. Esses dados podem ser relacionados aos achados de Angélico, Crippa e Loureiro (2012), que referem que sintomas de TAS estão associados com possíveis déficits no repertório de habilidades sociais e que ter dificuldades para expressar ao outro que está se sentindo incomodado ou entediado pode trazer prejuízo nas interações sociais.

Corroborando estas evidências, um estudo realizado por Wagner, Wahl e Cecconelo (2014) buscou avaliar sintomas de TAS em uma amostra de 87 estudantes do ensino superior e constatou que os fatores do CASO que apresentaram maior prevalência foram o F1, falar em público/interação com pessoas de autoridade, e o F4, expressão assertiva de incômodo, desagrado ou tédio, sendo que, em ambos, a incidência foi de 21,8%. De acordo com os autores, não existem estudos para explicar este fator elevado nesta população, porém, a frequência e o modo com ocorrem essas situações podem interferir na vida acadêmica do docente, à medida que este teme não ser bem-sucedido. Pode-se estabelecer outra hipótese sobre a dificuldade na expressão assertiva de incômodo, desagrado ou tédio, que está relacionada à desejabilidade social. Nesse sentido, o indivíduo deixaria de manifestar reprovação e desagrado pelo receio das críticas que poderia receber ou pela necessidade de buscar aprovação dos demais. Assim, o indivíduo evitaria expor alguma situação ou comportamento que o está perturbando.

No caso do TAS, esse sofrimento pode ser maior, visto que o professor necessita manter interação social com seus alunos, lidar com situações de conflito, demonstrar afeto, incômodo e desagrado (Araújo, Ronzani, & Lourenço, 2010). O docente com sintomas intensos de ansiedade social pode aprender a suportar tais situações com desconforto, o que não significa que terá habilidades sociais para emitir uma resposta adaptativa ao meio. Além disso, a ansiedade social pode prejudicar o professor na manutenção de relações autênticas e espontâneas com seus alunos e colegas.

O indivíduo que apresenta sintomas de ansiedade social ativa crenças centrais negativas sobre si mesmo referentes à inadequação social. Tende a avaliar de forma desfavorável o seu desempenho social, a exigir de si mesmo perfeccionismo, padrões elevados de interação social, bem como ter atenção e memória seletivas para situações de desempenho negativas (Picon & Knijnik, 2004). Dessa forma, sujeitos com TAS encontram-se mais vulneráveis a comorbidades como a depressão, não somente devido ao isolamento social, mas pelas distorções de pensamento que são características desse transtorno (Sailer & Hazlet-Steven, 2009), sendo que essa hipótese corrobora os resultados da correlação positiva entre TAS e sintomas depressivos do presente estudo. É possível que a ausência de associações significativas entre os sintomas de ansiedade e de estresse tenha ocorrido em função dos itens da DASS-21 focarem nos sintomas fisiológicos da ansiedade, os quais não estão contextualizados para situações de exposição social.

As limitações deste estudo referem-se à amostra reduzida de participantes, impossibilitando a generalização dos dados para a população geral. Sugerem-se novos estudos a respeito do tema, com professores de instituições de outras regiões do país, cuja amostra seja mais ampla. Da mesma forma, outras investigações podem ser desenvolvidas visando à comparação entre professores de instituições de ensino superior públicas e privadas, a fim de ampliar os resultados encontrados. Espera-se que este estudo possa auxiliar profissionais da saúde e da educação para a necessidade de maiores investimentos na saúde ocupacional do professor, visando a uma melhor qualidade de vida de docentes acometidos por estes agravos.

 

Referências

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Marcia Fortes Wagner
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Passo Fundo, RS, CEP 99025-003
Telefone: (54) 99934-7533
E-mail: marcia.wagner@imed.edu.br

Recebido em 12.10.2019
Última revisão: 15/04/2020
Aceito em 21.05.2020

 

 

Sobre os autores:

Thiago Fortes Wagner: Psicólogo pela Faculdade Meridional (IMED).
E-mail: thiagoforteswagner@hotmail.com
Orcid: https://orcid.org/0000-0002-4348-096X

Camila Heck: Mestra em Psicologia pela Faculdade Meridional (IMED). Bolsista CAPES/PROSUP. Psicóloga educacional na Prefeitura Municipal de Santa Rosa, RS.
E-mail: camila.heck@acad.pucrs.br
Orcid: http://orcid.org/0000-0003-1509-8760

Simone Nenê Portela Dalbosco: Doutora em Psicologia pela Universidade de São Francisco (USF) e Mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Assessoria em Desenvolvimento Organizacional e Carreira, em parceria com A Ponte Estratégias de Educação.
E-mail: snportela@yahoo.com.br
Orcid: https://orcid.org/0000-0001-7746-6931

Camila Rosa de Oliveira: Pós-Doutora em Psicologia e Doutora em Gerontologia Biomédica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Coordenadora e professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade Meridional (IMED).
E-mail: camila.oliveira@imed.edu.br
Orcid: https://orcid.org/0000-0003-2115-604X

Marcia Fortes Wagner: Doutora e Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade Meridional (IMED), Passo Fundo, RS.
E-mail: marcia.wagner@imed.edu.br
Orcid: http://orcid.org/0000-0003-0457-3773

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