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Psicologia Ensino & Formação

versão impressa ISSN 2177-2061

Psicol. Ensino & Form. vol.1 no.1 Brasília abr. 2010

 

RELATOS DE EXPERIÊNCIA

 

Educação inclusiva: desafios do estágio curricular supervisionado em psicologia escolar/educacional

 

Inclusive education: the challenges in supervised curricular training in educational psychology

 

 

Julio SchruberI; Aliciene Fusca Machado CordeiroII

IFaculdade Guilherme Guimbala. Doutorando em gestão do conhecimento - UFSC. julios22@gmail.com
IIUniversidade da região de Joinville (UNIVILLE). Doutoraem psicologia da educação - PUC SP aliciene_machado@hotmail.com

 

 


RESUMO

Cada vez mais a temática da Educação Inclusiva tem se apresentado como uma demanda de intervenção escolar. Com base em reflexões teóricas e experiências na supervisão de estágio em psicologia escolar/educacional, o objetivo deste trabalho é problematizar a formação do psicólogo para atuar junto a essa realidade nas escolas. Entende-se como fundamental o espaço-tempo de supervisão para problematizar questões pertinentes a esta demanda e elaborar intervenções que contribuam para a compreensão dos desafios desenhados a partir dessa proposta educacional. Utilizando uma situação real de intervenção, procurou-se ilustrar o trabalho desenvolvido em uma escola pública. Tendo como base epistêmico-metodológica a psicologia sócio-histórica, o que se busca junto aos estagiários de psicologia escolar é discutir as necessidades de ampliar e modificar a formação inicial e continuada em psicologia, principalmente inserindo discussões sobre políticas públicas, direitos humanos e questões relacionadas à educação na e para a diversidade.

Palavras-chave: Formação em psicologia. Psicologia escolar/educacional. Educação Inclusiva.


ABSTRACT

The theme of Inclusive Education has been presented as a demand for school intervention. Based on theoretical reflections and experience in supervised practical training in school and educational psychology, this work aims at discussing the training of psychologists to work with this reality in schools. Space-time supervision is crucial in the discussion of issues that are relevant to this demand for professionals as well as to develop interventions that may contribute to the understanding of the challenges that rise from this educational proposal. Using a real case of intervention, we tried to illustrate the work carried in a public school. Based on the epistemology and methodology of socio-historical psychology, what is expected from the trainees of school psychology is to discuss the necessity of expanding and modifying the original and continuous education in psychology, especially inserting discussions on public policies, human rights and issues related to education under and for diversity.

Keywords: Training in psychology. School and educational psychology. Inclusive Education


 

 

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é discutir a formação e a atuação do psicólogo escolar diante das demandas de intervenção provenientes da proposta da educação inclusiva. Desperta atenção o fato de que somente nos últimos anos as problemáticas relacionadas à inclusão escolar, principalmente no que se refere ao estudante com necessidades especiais têm sido apresentadas pelos professores e pela equipe técnica das escolas com mais intensidade e frequência como algo que deve ser discutido, problematizado, foco da intervenção dos estagiários de psicologia escolar. Isto não significa que estas crianças e adolescentes não estivessem inseridos na escola regular. Pelo contrário, eles estavam lá, mas de alguma forma pareciam ser "invisíveis". Uma "invisibilidade crônica", como se esta anunciasse que a proposta de inclusão da pessoa com deficiência no ensino regular estivesse fadada ao fracasso, mero modismo. Se fosse possível traduzir essa impressão, diríamos: "Não se preocupem com eles. Logo não estarão mais aqui."

Entretanto a escola, espaço historicamente pautado pela normalização, homogeneização, classificação e elitismo, vem sendo contestada, questionada, desestruturada, a partir da proposta de uma educação de qualidade para todos. Como coloca Baptista (2009, p. 7), "além da meta de escolarização de crianças de classes populares, fenômeno típico desse recente momento da história humana, passa a ser defendida a meta de que a escola deva atender a todas as crianças, inclusive aquelas consideradas "diferentes", em função de deficiência ou desvantagens várias".

Considerando esse cenário educacional, coloca-se ao psicólogo escolar o desafio de contribuir para que a escola de fato assuma a educação dentro de uma perspectiva de inclusão social. Este compromisso da psicologia, como ciência e profissão, é reiterado pelo Sistema de Conselhos de Psicologia quando este estabeleceu que o ano de 2008 seria dedicado à Educação. O "Ano da Psicologia na Educação" consolidou-se por meio de seminários em diferentes regiões do país. Neles, além de discussões sobre a política educacional brasileira, foram debatidos trabalhos desenvolvidos por psicólogos em escolas e outras instituições de educação, visando qualificar este profissional, técnica e politicamente, não só para compreender a complexidade do sistema educacional atual, mas nele atuar. Dos quatro eixos temáticos elencados como norteadores dos debates, um foi direcionado para a "Psicologia, Políticas Públicas Intersetoriais e Educação Inclusiva", destacando a importância dessa discussão no âmbito da prática e da formação do psicólogo que atua na educação.

As considerações e o relato de experiência que se segue são elaborações emergentes da prática de supervisão de estágio em psicologia escolar/educacional, em que se busca manter constantemente a tensão entre teoria e prática com os estudantes.

 

PERCURSO METODOLÓGICO NO ESTÁGIO DE PSICOLOGIA ESCOLAR/EDUCACIONAL

Temos adotado para nosso trabalho a base epistêmica do materialismo histórico e dialético, buscando desenvolver nossas intervenções e reflexões dentro de uma abordagem crítica, fundamentada na psicologia sócio-histórica. Nessa perspectiva, o homem é compreendido como constituído nas relações históricas e sociais. Ativo, constrói seu meio ao mesmo tempo em que é transformado por ele.

Há uma relação de mediação entre ele e a sociedade: o homem contém o social, mas não se dilui nele, e vice-versa [...] O homem se constrói socialmente, a partir de suas relações com a realidade. Neste movimento ele se apropria de forma subjetiva e particular do social, transforma-o ao interiorizá-lo e, assim, se transforma e se singulariza. (ROSA; ANDRIANI, 2002, p. 272).

Baseado nessa concepção torna-se fundamental para o psicólogo escolar entender como se dão as relações sociais no espaço escolar, isto é, quais subjetivações e objetivações são produzidas e valorizadas ali. Assim, a primeira tarefa que deve ser realizada pelo estagiário é uma análise do cotidiano da escola, com o objetivo de realmente compreender a demanda de intervenção que se apresenta. Inicia-se então uma investigação que deve contemplar: a compreensão da organização da escola, seus recursos físicos, os documentos que respaldam as ações neste âmbito, a história da escola e do bairro, quem são os alunos, seus familiares e suas condições socioeconômicas, quem são os professores e como ocorre o trabalho docente na escola, como e por quem é constituída a equipe diretiva da escola. Esta compreensão é essencial se concebemos que:

Os protagonistas da escola em condições sociais, culturais e materiais específicas realizam a existência da escola singular e, ao fazê-lo, refletem todos os elementos formais e não formais do sistema fusionados com os de seu contexto social. Na experiência cotidiana dos sujeitos, transpor a porta da escola constitui ao mesmo tempo uma continuidade ñ pois apenas desloca âmbitos sociais contíguos e mantém sua própria identidade ñ e uma ruptura diante das diversas exigências institucionais e sociais e das adaptações aos papéis propostos pela escola. (SOUZA, 2000, p.153)

Estas colocações certamente são válidas para a temática da educação inclusiva e da inclusão da pessoa com deficiência na rede regular de ensino, entretanto, elas nos reportam a algumas especificidades que serão discutidas a seguir. A primeira questão refere-se ao objeto de investigação que se apresenta ao estagiário. Caberia então perguntar: o que é a inclusão/exclusão escolar?

Como nos alerta Patto (2008), este é um dos momentos históricos em que a exclusão social faz-se mais presente. Contudo, convivemos com o uso epidêmico da palavra "inclusão". Ela está na mídia, nos documentos oficiais, na produção acadêmica e nos discursos do senso comum. Nesse sentido, quando falamos em inclusão de pessoas com deficiência na escola regular é interessante estabelecer uma analogia com a discussão que Charlot (2000) faz em relação ao fracasso escolar.

Este autor defende que

[...] estritamente falando não existe o "fracasso escolar". É verdade que os fenômenos designados sob a denominação de fracasso escolar são mesmo reais. Mas não existe um objeto "fracasso escolar", analisável como tal. Para estudar o que se chama de fracasso escolar, deve-se, portanto, definir um objeto que possa ser analisado. [...] o que existe são alunos fracassados, situações de fracasso, histórias escolares que terminam mal. (CHARLOT, 2000, p. 16).

Análoga à discussão proposta acima, podemos afirmar então que, em relação a inclusão, o que de fato existe são alunos em situação de inclusão/exclusão. Desta forma, para que se possa propor uma intervenção é necessário conhecer quem está incluído/excluído e em que momentos os movimentos de inclusão/exclusão se intensificam. Outro aspecto relevante refere-se a como professores, estudantes, pais, entre outras pessoas que fazem parte desse universo escolar, compõem essas cenas de inclusão/exclusão. Além disso, também é importante investigar quais parâmetros legais e institucionais pautam a inclusão da pessoa com deficiência na escola, ou mais especificamente, naquela escola, campo de atuação dos estagiários. Almeja-se assim, compreender como são subjetivadas as diferenças e as "diferenças significativas", isto é, que tipo de identidades são forjadas nesse contexto escolar/social.

A formação do psicólogo é outro ponto que merece algumas reflexões. Para tal, algumas perguntas talvez nos auxiliem. Em que disciplinas no curso de graduação de psicologia se problematizam as questões referentes às deficiências e às pessoas com deficiência? Em que momento de sua trajetória acadêmica o estudante de psicologia discute as políticas públicas referentes às áreas de saúde e educação? É abordada a história de preconceito e discriminação em relação às pessoas com deficiência que se estende até os dias atuais? De que forma são tratadas estas questões?

A história da deficiência é uma história de exclusão, sofrimento, mas também de superação e transformação. As pessoas com deficiência, historicamente, já foram sacrificadas por causa de suas diferenças, institucionalizadas em prol de uma educação especializada, que na verdade nada mais era que uma forma de segregação, sob a argumentação de serem cuidadas, protegidas, vigiadas e, quando possível, educadas. (Amaral, 1994). Apenas recentemente as pessoas com deficiência vem sendo reconhecidas como parte da sociedade: com deveres, mas principalmente direitos. Hoje elas encontram amplo amparo nas leis que respaldam a inclusão social e escolar. Entretanto, a história de preconceito e estigmas em relação às pessoas que possuem "diferenças significativas" não pode ser negada, até mesmo porque ela interfere nas atitudes e nas relações que se estabelece entre a sociedade e essas pessoas. Assim, desconhecer essa construção histórica de direitos e conquistas, de avanços e retrocessos, dificulta o psicólogo de entender que as mudanças que se propõem neste âmbito enfrentam barreiras difíceis de remover porque fazem parte de uma elaboração coletiva e ao mesmo tempo individual.

Uma última questão que entendemos ser pertinente para esta reflexão é o processo de medicalização da educação que no caso da pessoa com deficiência encontra muitos ecos. Na fase inicial do capitalismo, as transformações políticas e econômicas demandaram novas formas de organizar a vida das pessoas, bem como de compreender e controlar socialmente essas mudanças. É neste momento que a medicina ganha força na normatização e explicação da vida cotidiana.

A normatização da vida tem por corolário a transformação dos problemas da vida em doenças, em distúrbios. Aí, surgem, como exemplos atuais, os distúrbios de comportamento, os distúrbios de aprendizagem, a doença do pânico e os diversos e crescentes transtornos. O que escapa às normas, o que não vai bem, o que não funciona como deveria. Tudo é transformado em doença, em problema biológico e individual. (MOYSÉS, 2008, p.3)

Tal concepção organicista fundamenta também as explicações para as dificuldades de aprendizagem.

[...] a medicalização é fruto do processo de transformação de questões sociais, humanas em biológicas. Aplicam-se à vida concepções que embasam o determinismo biológico, tudo sendo reduzido ao mundo da natureza. A pessoa passa a ser vista como um corpo biológico. Não o seu corpo, mas um corpo genérico e abstrato. A aprendizagem torna-se um dos elementos constitutivos desse corpo biológico, em pensamento reducionista, que pretende tomar o todo pelas partes. Se é parte de um corpo biológico, a aprendizagem será, também, olhada como algo biológico. Abstrata, genérica e biológica. (MOYSÉS, 2008, p. 3-4).

Desta forma, as dificuldades de aprendizagem passam a ser diretamente relacionadas aos aspectos biológicos, inviabilizando reflexões sobre as complexas redes relacionais, institucionais, sociais, políticas que se estabelecem nos processos de ensino e de aprendizagem. Essas impossibilidades de problematização do aprender e do não aprender intensificam-se diante das deficiências.

 

PROCURA-SE PSICÓLOGO PARA CRIANÇAS "PERVERTIDAS" E SURDAS QUE PRATICAM SEXO NO BANHEIRO

Uma das demandas que chegou ao serviço de psicologia escolar de uma faculdade privada no sul do Brasil foi de uma aluna de pedagogia. Ela relatou que na escola em que lecionava, precisavam da intervenção dos estagiários de psicologia, pois os alunos surdos estavam praticando sexo no banheiro e as professoras não sabiam como lidar com essa situação. Era final do semestre e acordamos que no próximo ano seria enviada uma equipe de estagiários àquela instituição de ensino.

No início do ano letivo fomos à escola para uma conversa inicial em que verificamos se havia interesse por parte da direção em ter uma equipe de estagiários de psicologia escolar desenvolvendo um trabalho ali. Sempre que os estagiários se encaminham para o campo de intervenção intensificam-se, junto à equipe de estudantes, algumas reflexões sobre as dificuldades de compreensão por parte daqueles que estão na escola, sobre a função do psicólogo escolar e sua forma de atuação.

Quando um psicólogo pisa no território escolar (e em outras instituições educativas), intensifica as expectativas e olhares classificatórios e comparativos dos indivíduos tomados isoladamente. Educadores querem saber "o que as crianças têm", psicólogos querem descobrir "porque elas agem da forma como agem". Essas indagações, em muitos trabalhos, têm motivado uma busca por explicações que, na maioria das vezes, tornam as características presentes nas queixas meros atributos individuais dos sujeitos. (MACHADO, 2003, p.63-64).

De fato, nesta escola, havia questões relacionadas à sexualidade das crianças surdas. Alguns estudantes se masturbavam em sala; uma menina surda que ia embora para casa com outros meninos estava sendo influenciada a entrar em uma casa abandonada junto com eles (neste caso a diretora não tinha claro o que estava acontecendo no local ou não quis relatar); uma das meninas surdas relatou à professora um comportamento com conotação sexual do padrasto em relação a ela.

Discutindo com a direção e professoras, em diferentes momentos do estágio, pois acompanhamos os estagiários em diferentes ocasiões durante o processo de intervenção, percebemos que não se falava sobre sexualidade com essas crianças, que nada era discutido nem em casa e nem na escola.

A maioria dos pais, bem como a equipe diretiva, não dominava a língua de sinais. As professoras bilíngues, isto é, que tinham esse domínio, não se sentiam preparadas para abordar essa temática. Enfim, os pais eram chamados na escola, os estudantes eram punidos, mas nada se modificava, pois eles não compreendiam completamente o que estava acontecendo. Em verdade, o que se tinha ali não eram crianças "pervertidas", nem com "a sexualidade aflorada". Era uma questão de dificuldade de comunicação, de abordagem educacional.

Problematizar essa situação, pensar em uma intervenção exige, neste caso, um aprofundamento teórico-prático específico na área da surdez. Os estagiários que foram responsáveis por essa atuação foram escolhidos justamente porque a maioria da equipe já tinha conhecimento da língua brasileira de sinais ñ Libras - mesmo que parcialmente (pois para se ter um domínio completo é necessário usá-la com frequência).

Nas supervisões semanais, com duração de 90 minutos, as leituras indicadas eram no sentido de discutir a visão socioantropológica da surdez em contraposição ao modelo clínico-terapêutico. Como coloca Skliar (2004, p.79), renomado pesquisador desta área:

O modelo clínico-terapêutico [da surdez] impôs uma visão estritamente relacionada com a patologia, com o déficit biológico, com a surdez do ouvido, e se traduziu educativamente em estratégias e recursos de índole reparadora e corretiva. A partir desta visão, a surdez afetaria de um modo direto a competência linguística das crianças surdas, estabelecendo assim uma equivocada identidade entre a linguagem e a língua oral.

Deriva-se dessa ideia a noção de que o desenvolvimento cognitivo da criança surda estaria correlacionado ao seu conhecimento da língua oral. Assim, o oralismo seria a melhor alternativa para educação de surdos. Haveria, então, algo para ser corrigido, aprimorado. Prevalece uma leitura biologicista da deficiência, um olhar para a "falta".

E qual seria o papel do psicólogo escolar/educacional neste cenário? Entendemos que sua função seja contribuir para repensar as generalizações e homogeneizações referentes às crianças surdas; buscar romper e prevenir os isolamentos comunicativos entre surdos e ouvintes sejam eles familiares, professores, colegas de classe ou outros membros da escola; desmistificar os estereótipos que se tem das pessoas surdas associando-as muitas vezes a pessoas com um déficit cognitivo ou mesmo como sendo mais agressiva que os ouvintes. De fato, a função do psicólogo deveria ser colaborar para que o maior número de pessoas compreendesse que

os surdos formam uma comunidade linguística minoritária caracterizada por compartilhar um língua de sinais e valores culturais, hábitos e modos de socialização próprios. A língua de sinais constitui o elemento identitário dos surdos, e o fato de constituir-se em comunidade significa que compartilham e conhecem outros usos e normas de uso da mesma língua já que interagem cotidianamente em um processo comunicativo eficaz e eficiente. Isto é, desenvolveram as competências linguística e comunicativa ñ e cognitiva por meio do uso da língua de sinais própria de cada comunidade de surdos. (SKLIAR, 2004, p.102)

Entretanto, antes de trabalhar tais questões junto à comunidade escolar, o estagiário em psicologia escolar/educacional precisa debatê-las e compreendê-las; e isso ocorre no espaço de supervisão. As formas de levar essa discussão para a escola variam e estas escolhas também são uma construção conjunta entre estagiários e supervisor. Para intervenção, podemos utilizar várias técnicas, desde dinâmica de grupo, encontro com pais, professores, filmes, produções com materiais diferenciados como argila, sucata, fotografia. Neste caso específico, a intervenção delineou-se junto aos adolescentes surdos e ouvintes que estudavam nas mesmas classes, realizando um trabalho que contemplasse pensar sobre as difentes formas de linguagem e a importância da comunicação na vida das pessoas. Também foram realizadas reuniões com pais, professores e equipe técnica para problematizar as concepções sobre a surdez, buscando ampliar a compreensão de todos sobre seu papel constitutivo na identidade da pessoa surda.

Assim, é fundamental aos estagiários adotar como fio condutor de seu trabalho o entendimento de que as relações sociais conformam, moldam e constituem formas de ser, subjetividades. Ao final de cada ano letivo, os estagiários devem redigir um relatório de conclusão de estágio. Para estes alunos a tônica de seus escritos centrou-se em como a atuação do psicólogo escolar/educacional auxilia na manutenção/transformação das relações de inclusão/exclusão auxiliando, por conseguinte, a constituição da identidade das pessoas com deficiência que vivenciam esses processos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A história das pessoas com deficiência e sua relação com a sociedade, como anteriormente citado, tem sido marcada por segregação e exclusão. O movimento inclusivo é recente e pautado por essa história, o que acarreta medo, preconceitos e desconhecimento. Romper com as institucionalizações em relação à pessoa com deficiência é um processo que está apenas começando. Enfrentar esse desafio coloca muitos pontos para reflexão em relação à formação e a prática do psicólogo escolar.

Em primeiro lugar está a questão da formação em psicologia. Trabalhar com as questões da deficiência e da escola pede uma formação que discuta e problematize explicações organicistas e individualistas não só para o não aprender na escola, mas para a própria relação ensino e aprendizagem. Este aspecto nos parece fundamental dado que a psicologia escolar e educacional já construiu uma crítica intensa relativa ao compromisso ético e político da intervenção do psicólogo. Em outras palavras, já existe um conhecimento acumulado que aponta para a necessidade de nos comprometermos com uma atuação profissional que esteja voltada para a melhoria da qualidade da escola e dos benefícios que esta deveria propiciar a todos.

Ao mesmo tempo, existem especificidades de cada deficiência que não podem ser ignoradas. Não podemos transformar o discurso dos direitos humanos, da igualdade de condições do acesso a escolarização em um discurso vazio. As pessoas com deficiência são diferentes, e afirmar isso não é de forma alguma colocá-las em uma condição de inferioridade. Pelo contrário, compreender as diferenças orgânicas, culturais (no caso das pessoas surdas) e linguísticas nos permite intervir problematizando sobre como tratar as dificuldades e possibilidadesno processo de inclusão social e escolar.

Outro ponto fundamental da formação é aprender a trabalhar em equipe. É fundamental que se reconheça que outras áreas de conhecimento, como a medicina e a educação, tem saberes e práticas que conjuntamente com as reflexões da psicologia podem auxiliar na construção de uma verdadeira educação inclusiva.

Na prática da supervisão escolar, buscamos juntamente com os estagiários pensar não só a questão da deficiência na escola, mas a própria diversidade neste contexto. Dúvidas como: colocar limite ou não para uma criança com deficiência? Deixá-la em sala somente para "socialização? Há benefício para outras crianças que estudam na mesma sala que a criança com deficiência, já que a professora "perde tempo" tendo que dar uma atenção especial para a criança com deficiência? Todos esses questionamentos são feitos aos estagiários. Eles carregam conceitos e preconceitos que são orientados a investigar, compreender e intervir desde o momento em que adentram a escola.

O movimento inclusão/exclusão faz parte da construção social, entretanto, como psicólogos temos o dever de compreender qual é a inclusão de que se fala e qual é a que se faz. Temos a obrigação ética e profissional de não nos ocultarmos da "inclusão perversa", que exclui aqueles que de alguma forma diferem do padrão dominante.

Ser a favor da inclusão não é o mesmo que "jogar" os alunos com deficiência nas classes regulares, com os professores sendo pressionados e contrariados, agindo assim de modo irresponsável. Incluir significa antes de tudo respeitar o aluno e o professor. Mas respeitar não é sinônimo de deixar as coisas como estão. Todos nós precisamos de oportunidades para participar dignamente da sociedade e, por isso, a inclusão não se remete só às pessoas com deficiências. Incluir significa rever valores, atitudes e comportamentos, repensar o que nos coloca como diferentes e como agimos dentro dessa diferença. Rever se os critérios que excluem as pessoas das nossas relações foram estabelecidos por nós e, se não foram, por que somos cordatos com eles. Incluir pede transformação.

 

REFERÊNCIAS

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CHARLOT, B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artmed, 2000.         [ Links ]

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Artigo recebido em: 25 de junho de 2009.
Aceito em: 31 de agosto de 2009

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