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Psicologia Ensino & Formação

versão impressa ISSN 2177-2061

Psicol. Ensino & Form. vol.1 no.1 Brasília abr. 2010

 

RELATOS DE EXPERIÊNCIA

 

O portfólio na sala de aula: em busca de espaços criativos para a construção de reflexões sobre ética

 

The portfolio in the classroom: looking for creative spaces to construct ethical reflections

 

 

Márcia Pereira Pedroso

Universidade Luterana do Brasil. Doutoranda em psicologia - PUC RS. marcia-pp@hotmail.com

 

 


RESUMO

Este artigo busca fazer algumas considerações a respeito do desafio teórico-metodológico que se impõe ao docente em seu trabalho com os conteúdos das disciplinas de Ética. Para tanto, relata-se aqui a experiência de uma turma da disciplina de Ética e Legislação em Psicologia, do segundo semestre do ano de 2006, do Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil - Campus Cachoeira do Sul, com o uso de portfólios como facilitadores do processo de ensino-aprendizagem. A partir desta experiência, pôde-se construir um mapa representacional dos conteúdos relacionados pelos alunos às discussões sobre ética, além de vivenciar a construção de um espaço de aprendizado autônomo, gerenciado pelo discente.

Palavras-chave: Ética. Ensino-aprendizagem. Portfólio. Ensino superior.


ABSTRACT

This essay intends to make considerations regarding the theoretical-methodological challenge thrust on teachers in their work with the contents of Ethics related subjects. For this, it is reported here the experience of a group of students of the subject: Ethics and Legislation in Psychology, of the second term of 2006, of the Psychology Course at Universidade Luterana do Brasil - Campus Cachoeira do Sul. This group used portfolios as facilitators of the teaching-learning process. Through this experience, a representative map was built on the contents related by the students regarding their ethical discussions. The students also experienced the construction of an autonomous learning space entirely managed by them.

Keywords: Ethics. Teaching-learning. Portfolios. Higher education.


 

 

INTRODUÇÃO

Embora a ética seja um conteúdo transversal dentro dos cursos de graduação analisada em todos os temas propostos nas salas de aula e nas práticas de estágio, possui ainda, merecidamente, espaços onde se torna o tema central - as disciplinas específicas de Ética. No curso de Psicologia da ULBRA - Campus Cachoeira do Sul, a disciplina de Ética e Legislação em Psicologia, consoante com o que propõem suas diretrizes curriculares, abarca os temas primordiais da ética de um modo geral e os temas relacionados às suas peculiaridades na prática profissional do psicólogo. São discutidas, neste espaço, as diferenças entre moral e ética, a legislação relativa à profissão, o Código de Ética Profissional do Psicólogo, as entidades de classe e os dilemas éticos vividos pelos profissionais de saúde.

O contato com esta disciplina pode colocar os docentes frente a uma provocação teórico-metodológica que abrange a importância, a delicadeza e a complexidade dos conteúdos e a preponderância da busca por formas adequadas ao seu tratamento em sala de aula. Frente a isto, surgem questões sobre como envolver os discentes nas discussões, tornando-os agentes do processo criativo necessário ao aprendizado, e como possibilitar um clima propício à apropriação das problemáticas, das críticas e das reflexões exigidas pelos conteúdos propostos.

É provável que estas inquietações mencionadas aqui também digam respeito a muitas outras disciplinas, pois se referem, em primeira instância, à autonomia necessária aos sujeitos do aprendizado. (FREIRE, 1998). Tal autonomia pode propiciar um aprendizado gratificante e levar à garantia de espaços relacionais de consciência, liberdade e responsabilidade (GUARESCHI, 2005) na relação professor-aluno, envolvendo-os simultaneamente com os conteúdos da formação.

A busca desta autonomia no processo ensino-aprendizagem exige o incentivo da consciência, enquanto apropriação do eu em sua relação com os outros e com o mundo, visando propiciar ao aluno a ciência de que ele ocupa uma posição no espaço social e, como consequência, um papel ativo em sua formação acadêmica. Para a construção de um aprendizado que busque esta autonomia é necessária, também, a liberdade, compreendida aqui como certa medida de possibilidades de ação que permitam escolhas. E, finalmente, mas não menos importante, a responsabilidade não como algo que se imputa à consequência de uma ação, mas como algo que o aluno assume gradativamente em virtude da apropriação de sua parte nos acontecimentos, ligada intrinsecamente à noção que ele deve adquirir de si e de suas possibilidades de escolha. (GUARESCHI, 2005).

Deste modo, o desafio docente que poderia ser apresentado como apenas teórico-metodológico torna-se também um desafio ético na medida em que, ao oferecer oportunidade de espaço para aprendizado, envolve os mesmos elementos que servirão de instrumento para as escolhas morais e éticas dos sujeitos. Pensar a ética em sala de aula é praticar ações que tenham por finalidade envolver a reflexão crítica sobre a moral (VÁZQUEZ, 2004), tornando a sala de aula um laboratório de vivências e experiências sociais onde elas possam ser discutidas, repensadas e criticadas abertamente.

Apesar dos profissionais (psicólogos, advogados, administradores entre outros) formados pelos diversos cursos de graduação estenderem sua atuação às salas de aula servindo-se apenas de sua experiência profissional, pois nem todos possuem formação pedagógica, suas práticas podem, mesmo assim, permitir uma reflexão a respeito do processo ensino-aprendizagem. Embora existam lacunas entre os ideais e as práticas, pensar sobre elas é salutar.

De modo a buscar o enfrentamento dos desafios teóricos e práticos que se impõem ao docente em seu trabalho com os conteúdos da Ética, propõe-se aqui a sua discussão por meio de uma experiência com a utilização de portfólios como facilitadores do processo de ensino-aprendizagem em uma turma da disciplina de Ética e Legislação em Psicologia, do segundo semestre do ano de 2006, do Curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil - Campus Cachoeira do Sul. Inicia-se este ensaio trazendo à tona algumas questões envolvidas na reflexão sobre ética e seu ensino. Em seguida, descreve-se o instrumento pedagógico - o portfólio - e a perspectiva sob a qual pode ser utilizado, chegando, por fim, a tecer algumas considerações sobre esta experiência.

 

PENSANDO A ÉTICA, SUAS PROPOSIÇÕES E SEUS LIMITES

A grande crise dos valores morais e a impossibilidade de se encontrar referenciais universais que respaldem as ações poderiam ser indicadores de um cenário caótico ao pensamento ético, mas, ao contrário, este pode ser o terreno de suas infinitas possibilidades. As crises, as quedas de grandes narrativas hegemônicas e homogeneizantes são justamente os elementos geradores da angústia moral necessária ao pensamento ético. Onde tudo parece não ter encaixe, onde não há receitas e normas, é aí que a invenção e a criação encontram espaço para construção de novos referenciais de negociação com a alteridade e com o outro. (BAUMAN, 1999).

Neste cenário, o psicólogo é aquele que se propõe a assumir o papel de cuidador deste outro e que, como tal, abre em si o espaço de olhar e de escutar para que este outro se manifeste e construa sua imagem. Este olhar respeita e incentiva o outro em suas infinitas possibilidades de ser diferente. Discutir o tema da ética com os alunos de graduação dos cursos de psicologia, futuros psicólogos, é desafiar-se a construir com eles o espaço para a diferença: do outro que o procura e de si mesmo, visto que esta última é a que possibilita a primeira. (FREIRE, 2003).

Nesse embate, a negociação entre as diferenças permite, para cada um, a autonomia de que necessita para o próprio crescimento e para o reconhecimento da autonomia no outro. (FREIRE, 2003). A eticidade dá-se no direcionamento de um ser a outro ser (GUARESCHI, 2003), no movimento gerado no reconhecimento e estranhamento recíprocos. Na concepção da eterna imperfeição.

Então, pensar a ética é pensar seus limites e, ao mesmo tempo, desejar transcendê-los. A ética, em sua dimensão crítica, está aí e está sempre em "devir". No embate entre o que é e o que vem a ser, confronta-se com suas próprias lacunas e contra-sensos, que ao serem enfrentados a transformam permanentemente. (GUARESCHI, 2003). E, sob tal perspectiva, a experiência docente com estes conteúdos é uma colisão com a consciência do eterno inacabado no outro e em nós mesmos, o que nos faz prosseguir, e uma colisão com a ideia do eterno recomeço, pois "[...] só os seres que se tornaram éticos podem romper com a ética." (FREIRE, 1998, p. 57).

 

O PORTFÓLIO COMO CENÁRIO PARA REPRESENTAR A ÉTICA E O PROCESSO DE APRENDIZADO

O portfólio pode ser conceituado como um espaço onde os discentes ou docentes podem expor os mais diferentes tipos de documentos que compõem o processo de construção do conhecimento durante determinado período. O termo portfólio foi cunhado das artes plásticas e originalmente significava conjunto da obra de um artista exposta para divulgação.

No contexto do ensino-aprendizagem ele é, mais do que uma coleção de coisas, um modo de ordenação subjetiva encontrada pelo discente para representar sua aprendizagem. A forma de conter esta obra pode variar de uma pasta até um website. Este método é bastante utilizado nos Estados Unidos e no Canadá e também pode ser chamado de dossiê de ensino. (VIEIRA, 2002).

O uso do portfólio pode permitir uma avaliação processual do envolvimento do aluno, na medida em que exige que ele busque, além do espaço de sala de aula, conteúdos referentes aos assuntos discutidos. Pode permitir ainda que ele crie, a partir destes conteúdos, suas próprias ideias. A procura por meios pedagógicos inovadores por um lado, e a insatisfação com as formas padronizadas de avaliação do aprendizado por outro, lançam o docente na busca por elementos, instrumentos ou suportes de todo tipo, para acompanhar a capacidade do aluno em sua produção processual de aprendizado e não somente ficar restrito a medir suas respostas imediatas através das tradicionais provas e trabalhos. (SISTELOS; SCHIEL; DOMINGUEZ [s.d.]).

Investigar novos conteúdos pode proporcionar que o discente vá além do que lhe é oferecido em sala de aula, tornando o portfólio sua obra particular a partir da identificação de materiais relacionados aos temas da disciplina. É a tentativa de confecção de um espaço de criação e de autonomia, onde existam possibilidades de participação desde a discussão sobre o modo como ele será efetuado até o modo como será avaliado. Sua busca é tornar o discente o próprio condutor de seu processo de aprendizado. (VIEIRA, 2002).

A resolução de novos problemas em um aprendizado pautado nas exigências sociais contemporâneas torna-se muito difícil se dispusermos sempre das mesmas ferramentas de análise e de produção de saberes em sala de aula. A mudança dos instrumentos que norteiam e possibilitam a construção do conhecimento é fundamental para fomentar as mudanças de olhares sobre o mundo.

Conforme a Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996), a educação superior tem por finalidade estimular a criação cultural, o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo e, principalmente, auxiliar o desenvolvimento da sociedade brasileira. A LDB menciona também a necessidade fundamental de estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais.

Deste modo, sendo o portfólio recheado de possibilidades de inserção de informação - via jornais locais, revistas nacionais, periódicos de interesse do discente - pode aproximar o discente das problemáticas de seu contexto local, regional e nacional. Essa ferramenta provê também ao estudante um senso de acompanhamento do seu processo de aprendizado, exigindo dele uma autoavaliação e o estabelecimento dos objetivos da sua formação, ensejando-o a planejar seu trabalho em curto, médio e longo prazos. (SISTELOS; SCHIEL; DOMINGUEZ, [s.d.]).

As diretrizes curriculares dos Cursos de Psicologia, por sua vez, deixam claro que é função da formação fomentar métodos que auxiliem o discente a compreender e analisar criticamente os fenômenos sociais, econômicos, culturais e políticos da vida do país, fundamentais ao exercício da cidadania e da profissão. (YAMAMOTO, 2000). Com vistas a esse empreendimento o portfólio, dependendo do modo como for gerenciado por discentes e docentes, pode transformar-se em uma ferramenta norteadora dessa reflexão, provocando a criatividade, a parceria, a autoavaliação e a autonomia. (MIRANDA; VILLAS BOAS, 2008).

 

METODOLOGIA DO TRABALHO

A partir de vivências anteriores com o uso do portfólio no Curso de Odontologia da Ulbra - Campus Cachoeira do Sul e da constatação de sua eficácia como método para acompanhar o processo de aprendizado dos alunos, uma inovadora forma de avaliação e um potencial espaço de apropriação do próprio aluno sobre seus itinerários, possibilidades e seus entraves no aprender, foi proposta sua aplicação à turma de Ética e Legislação em Psicologia no início do segundo semestre de 2006.

O trabalho iniciou-se já no primeiro encontro da disciplina. Foi apresentada ao aluno abordagem pedagógica proposta pela disciplina, em que se esperava que o aluno fizesse o automonitoramento dos conteúdos sugeridos, responsabilizando-se ativamente por sua própria aprendizagem. Apresentou-se neste momento, como base desse processo, o portfólio, suas possibilidades e especificidades e a dimensão de elementos que ele poderia contemplar como, por exemplo: artigos produzidos, tarefas propostas, exercícios realizados, anotações das aulas, artigos escritos que mostraram o entendimento sobre alguma questão discutida, reflexão sobre as atividades desenvolvidas em sala, anotação sobre as etapas do processo da disciplina e da formação do aluno como um todo, resumos individuais ou em grupos dos textos estudados e discutidos em sala, atividades escritas realizadas em sala de aula compondo a gama de conteúdos trabalhados do período solicitado, apresentação de seminários para discussão.

Foi apresentada uma proposta inicial de avaliação do processo com cinco itens: (1) inclusão das atividades propostas pela disciplina no período; (2) participação nas atividades propostas pela disciplina, apresentando os trabalhos de forma crítica; (3) inclusão das reflexões do aluno sobre o seu processo de aprendizado ao longo da pasta, incluindo comentários de textos acrescentados ou de reportagens coletadas; (4) a organização da pasta de modo compreensivo; (5) a iniciativa de inserir ao longo do processo atividades, conteúdos extras, que não constam da proposta apresentada pela disciplina, mas que complementam as atividades realizadas e sejam de interesse dos alunos.

A partir do segundo encontro da disciplina os alunos já haviam começado a confeccionar seus portfólios e durante os demais encontros sempre foram abertos debates sobre as formas de colocar em prática os propósitos do portfólio. Ao longo dos encontros eram reservados espaços para que as pastas fossem compartilhadas e discutidas com os colegas, o que foi feito, progressiva e sistematicamente, durante todo o semestre letivo, permitindo que todos acompanhassem o desenvolvimento das obras de todos coletivamente, a partir das trocas efetuadas nos momentos de apresentação.

As apresentações eram organizadas de forma que os alunos escolhessem os materiais do portfólio que gostariam de apresentar aos colegas e a avaliação ocorria, neste momento, de modo conjunto: o aluno avaliava-se em cada item proposto justificando sua avaliação e o professor atuava como co-avaliador desta obras. A autoavaliação, a co-avaliação do professor e a avaliação coletiva pela turma de colegas propiciaram uma ampla discussão sobre os critérios, sobre a percepção do aprofundamento da exigência inicial da disciplina ao longo do semestre e, também, a construção de um espaço de proximidade entre os alunos, que passam a se conhecer melhor, a partir das discussões dos conteúdos extras acrescidos aos portfólios, essenciais ao desenvolvimento do aprendizado com este método. (SHORES, 2001).

Além disto, o fato de a avaliação ser processual e sistemática permite que a pasta possa imprimir o ritmo de cada um na medida em que os temas se multiplicam de forma diferente de discente para discente e seus comentários críticos vão ganhando um aspecto mais investigativo e problematizador ao longo da disciplina. Em virtude disto, é exigido do professor todo o cuidado na gestão do processo, pois a quantidade de materiais demanda atenção especial e, ao mesmo tempo, desprendimento da ideia de que o docente dará conta de analisar e avaliar o processo do aluno como um todo e solitariamente. Por este motivo, a avaliação é compartilhada e compreendida sempre como parcial.

Ao final da disciplina, tendo em mãos os portfólios, os conteúdos estéticos, temáticos e textuais foram fotografados com o intuito de avaliar o processo ensino-aprendizagem na disciplina de Ética e de verificar, a partir deste método, a variedade de temáticas pesquisadas, buscando construir um mapa representacional do tema da ética na percepção destes discentes.

O referencial teórico, a partir do qual surge a discussão sobre o conteúdo dos portfólios, é a teoria das representações sociais. A representação social é a teoria do cotidiano, nela entrelaçam-se os saberes científicos difundidos socialmente e os saberes do senso comum. Quando um novo conhecimento a respeito de algo se pulveriza no discurso do dia-a-dia, este é imediatamente convertido ao conhecimento comum - por associação, comparação, generalização ou particularização - e encaixado em protótipos racionalizados anteriormente. (MOSCOVICI, 2003).

A partir deste referencial, pode-se pensar que o contato dos alunos com a disciplina de Ética, seus conteúdos, seus pressupostos teóricos, suas discussões possibilitem o relacionamento destes saberes às suas visões de mundo e a assuntos do cotidiano que venham a se encaixar neste novo espaço, fusão entre a ética - ciência da moral - e os dilemas morais do cotidiano.

Com a proposta de confecção de espaços de livre criação, os temas investigados pelos alunos a partir desta composição foram os mais diversos e se relacionaram, de um modo geral, a dilemas morais contemporâneos de grande comoção social que, a partir de outras formas de condução do processo de ensino, talvez não se manifestassem em tal quantidade e com tal qualidade. Isto é, se não houvesse oportunidade em sala de aula para o incentivo e a demonstração de investigações e de discussões sobre o espaço extra-classe, tomando esta produção como parte importante do aprendizado, as contribuições dos alunos poderiam estar limitadas às quatro paredes e ao tempo de início e término dos períodos de aula. Estender o espaço do aprendizado para outros momentos, outros lugares e outros temas pode viabilizar possibilidade maior para a condução do aluno à construção, em seu ritmo, de sentido próprio aos novos conteúdos dos materiais coletados.

A seguir foi construído o mapa representacional (Figura 1) que é uma forma ilustrativa para demonstrar os temas investigados pelos discentes, compondo uma figura que é a tradução das problemáticas sociais envolvidas com o dilema da ética para os alunos. Os temas foram agrupados em diferentes categorias semânticas com o objetivo de tornar mais didática esta exposição:

 

 

Em cada categoria são citados os títulos dos temas que correspondem, originalmente, aos títulos das reportagens, artigos, ou reflexões dos próprios alunos. Não foi realizada aqui uma análise aprofundada do conteúdo dos temas, tendo em vista que o interesse do momento era apenas apontá-los, ressaltando a relação que os alunos estabeleceram entre eles e as discussões sobre ética. Pretendeu-se assim que, por meio da diversidade temática e das potencialidades do instrumento pedagógico como facilitador do processo investigativo, os alunos tivessem a possibilidade de entrar em contato com vários temas além dos propostos pelo conteúdo programático.

Observou-se que produções jornalísticas, cinematográficas e artísticas inquietantes foram trazidas à discussão pelos alunos, transformando-se em material rico para ampliação do espaço da diferença de pensamento, do espaço criativo e da expressão da subjetividade e da alteridade. (BAUMAN, 1999).

Além disso, a confecção dos portfólios foi responsável por dar aos temas de sala de aula uma dimensão global, na medida em que envolveu o interesse dos docentes por reportagens jornalísticas, política, educação, economia, desigualdades, sofrimento; enfim, as mais diversas problemáticas sociais contemporâneas. Desta forma, concretizou-se nesta experiência a demonstração de que a representação de ética enquanto disciplina expressa pelos docentes não a restringe aos problemas profissionais do psicólogo, mas engloba a análise de questões sociais mais complexas e amplas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme a experiência relatada, percebeu-se que sendo os portfólios produções dos alunos, são eles os maiores beneficiados na sua confecção, pois a riqueza do material nem sempre consegue ser captada em sua totalidade pelo professor. A diversidade de temas abordados e a quantidade da obra exposta, aliada ao número de portfólios com os quais o professor relaciona-se em uma turma impedem que o docente construa uma relação tão orgânica quanto a do aluno com sua própria obra. Escapa ao professor, portanto, a medida do crescimento do aluno, tendo na sala de aula, a partir das discussões e na análise do portfólio, apenas amostras do processo de aprendizagem que deve ser avaliado de forma mais eficiente pelo próprio aluno. A autoavaliação faz, assim, parte intrínseca do processo de construção da autonomia no aprendizado.

Trabalhar com a confecção de portfólios não é fácil para o professor, pois quanto mais esta técnica pedagógica é bem-sucedida, mais difícil é a sua análise pormenorizada. A quantidade de material elencado e a qualidade de sua análise construída pelo aluno aumenta gradativamente, gerando uma riqueza de conteúdo que pode dificultar a apreciação. Do professor, por sua vez, são exigidos tempo e concentração na análise das obras, cabendo-lhe reconhecer que o sucesso da técnica está justamente no fato do crescimento do aluno escapar às possibilidades de sua avaliação. O que extravasa o controle e a condução, o espaço de poder ir além do exigido e surpreender é que possibilitam aos alunos a autonomia necessária à gestão do seu processo de aprendizado e a negociação com o processo de aprendizado dos seus colegas. A reflexão ética com esta proposta teórico-metodológica compõe um cenário onde são permitidos que os elementos identitários e de alteridade se encontrem e negociem entre si.

Se questões sociais relevantes são trazidas pelos próprios alunos para dentro da sala de aula, a prática da crítica e da reflexão ética concretiza-se em um espaço de vivências e ensaios da tomada de consciência de si como ator social. A representação social dos dilemas morais envolvidos na disciplina de ética aproxima e desmistifica a temática ao aproximar-se dos dilemas sociais cotidianos.

Nesta perspectiva, o docente da ética necessita procurar em si a ampliação de um espaço cada vez maior para construção da autonomia e da criatividade dos seus alunos, para possibilitar que estes próprios encontrem em si mesmos o espaço que futuramente será do outro que o procura para ser cuidado, seja este outro um sujeito ou uma coletividade. Para finalizar, pode-se considerar que "[...] nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito ao processo." (FREIRE, 1998, p. 29).

 

REFERÊNCIAS

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Artigo recebido em: 15 de janeiro de 2009.
Aceito em: 26 de setembro de 2009

 

 

1 Este trabalho baseia-se na perspectiva de Adolfo Sánchez Vázquez (2004), sob a qual a ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade.
2 Diversos autores mencionam grandes crises contemporâneas: Bauman (1999) fala de uma crise dos valores da modernidade; Guareschi (2003) refere a crise da ideologia individualista; Lyotard (2002) menciona a crise das grandes narrativas identitárias.
3 O mapa representacional exposto teve sua construção baseada no mapa do texto "Patológico, cinzento e perdido: a representação social do PT segundo Mendelski." (GUARESCHI & MAYA, 2005, p. 177).

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