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Psicologia Ensino & Formação

versão impressa ISSN 2177-2061

Psicol. Ensino & Form. vol.1 no.1 Brasília abr. 2010

 

RELATOS DE EXPERIÊNCIA

 

O papel do serviço-escola na consolidação do projeto pedagógico do curso de Psicologia

 

The psychology school-service role in the consolidation of the pedagogical project of the Psychology undergraduate course

 

 

Mariana Gonçalves BoeckelI; Jefferson Silva KrugII; Camila Roberta LahmIII; Fernanda RitterIII; Laura Ostrowski FontouraIII; Luiza Carina SohneIII

IFaculdades Integradas Taquara. Mestre em Psicologia - PUC RS. mariana_boeckel.com.b
IIPsicólogo (PUCRS), mestre em Psicologia Clínica (PUCRS), docente e coordenador do Curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Taquara-RS - jeffsilkrug@yahoo.com.br
IIIAcadêmico(a) e estagiário(a) do Centro de Serviços em Psicologia do Curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Taquara-RS - cesep@faccat.br

 

 


RESUMO

Desde 2004, a partir do Parecer que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Psicologia, estabeleceu-se a necessidade de instalação de Serviços de Psicologia que atendessem às proposições para a formação do psicólogo de maneira congruente às demandas da comunidade na qual o aluno está inserido. Este artigo objetiva discutir o papel do Centro de Serviços em Psicologia - Cesep - do Curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Taquara, na consolidação do Projeto Pedagógico do Curso. Para tal, são apresentados estudos atuais sobre a prática dos Serviços-escola, assim como as estratégias adotadas pelo Cesep para promover a formação do corpo discente. Atento às necessidades da comunidade, o campo acadêmico é inserido nas principais problemáticas do futuro campo de exercício profissional, propiciando o desenvolvimento de competências alicerçadas nos objetivos do curso e nas ênfases curriculares oferecidas.

Palavras-chave: Formação em Psicologia. Serviço-escola. Educação Superior. Prática (Psicologia).


ABSTRACT

Since 2004, based on the judgment that concerns the National Curricular Policies for the psychology graduation courses, it was established the need to set up psychology services that support the propositions of the formation of psychologists according to the community demands in which the student is inserted. This article aims at discussing the role of the Service Center in Psychology - Cesep - from the Psychology Course of Faculdades Integradas de Taquara in the consolidation of the Course's Pedagogical Project. In this regard, current studies are presented on the practice of school-services, such as the strategies taken by Cesep to promote the formation of the student body, for instance. Aware of the community needs, the academic ground is inserted in the main issues of the future field of professional life, developing competences based on the objectives of the course and on offered curricular emphases.

Keywords: raining in Psychology. Psychology school-service. Higher Education. Practice (Psychology).


 

 

INTRODUÇÃO

A reflexão sobre a formação em Psicologia sempre contemplou a necessidade da aproximação dos conteúdos teóricos à vivência prática. Tendo em vista o desenvolvimento da ciência psicológica, as necessidades da sociedade e do contexto em que se vive, entende-se que a construção do perfil do profissional que se deseja formar em Psicologia deva ter como norte a realidade social em que está inserido o aluno. Assim sendo, visando atender ao objetivo de uma formação voltada às demandas sociais, os cursos de Psicologia devem oferecer oportunidades de atuação junto às comunidades, qualificando as estratégias profissionalizantes do currículo.

Os diversos campos de exercício profissional do psicólogo são historicamente recentes, exigindo dos docentes e supervisores o compromisso com a formação articulada às demandas da realidade do aluno (MELO-SILVA; SANTOS; SIMON et al., 2005). Para tal, o Curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Taquara (Faccat) estruturou o Centro de Serviços em Psicologia (Cesep), com o objetivo de proporcionar uma formação profissionalizante aos estagiários do curso, por meio da prestação de serviços em Psicologia junto à comunidade financeiramente desfavorecida dos municípios do Vale do Paranhana. Mais especificamente, o Cesep pretende favorecer o desenvolvimento das competências profissionais em situação real, qualificando o futuro profissional psicólogo para atuar de acordo com a realidade social e promovendo uma interação entre a comunidade e a Instituição de Ensino.

Sendo assim, através a apresentação de um relato de experiência, o presente trabalho busca elucidar a relevância da articulação entre os serviços ofertados pelo Cesep e as proposições do Curso de Psicologia da Faccat. Os tópicos iniciais tratam de estudos sobre a realidade dos serviços-escola no Brasil para, posteriormente, discutir o papel dos serviços de Psicologia nos cursos de graduação a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais. Por fim, descreve-se a experiência do Cesep como instrumento para a formação de psicólogos habilitados ao exercício da profissão junto às demandas de serviços psicológicos congruentes com a realidade contextual.

 

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A TRAJETÓRIA DOS SERVIÇOS-ESCOLA EM PSICOLOGIA

Conforme Melo-Silva; Santos; Simon (2005a), os serviços-escola foram instalados em cursos de Psicologia desde o surgimento da profissão de Psicólogo, datada de 1962, com o intuito de atender a exigência legal de configurar o espaço adequado à formação profissionalizante, bem como para consolidação e articulação das competências centrais desenvolvidas nos cursos de Psicologia. Segundo a lei n°4.119, cada curso deveria organizar "[...] serviços clínicos e de aplicação à educação e ao trabalho [...]" (BRASIL, 1962) denotando, assim, uma tendência ideológica da época em que se observava a clássica divisão da Psicologia nas áreas clínica, educacional e organizacional. (ANCONA-LOPEZ, 2005).

Já nos anos 80, discutia-se a necessidade de mudanças nas práticas institucionais e psicológicas das chamadas "clínicas-escola" brasileiras, enfatizando os poucos trabalhos realizados para alterar estes caminhos cristalizados da prática em Psicologia (MACEDO, 1984). No final da década passada, Levandowski (1998) salientava que as atividades realizadas pelos alunos nas clínicas-escola eram, em geral, triagens, avaliação de pacientes, psicoterapia breve, seminários teóricos, supervisão dos casos atendidos, além de alguns destes locais oferecerem a opção de trabalhos na comunidade.

As demandas atuais requerem psicólogos que sejam mais que meros técnicos ou "aplicadores" de conhecimentos, mas que estejam preparados para o uso criativo do conhecimento psicológico. Isto supõe uma articulação entre teoria e prática, entre as práticas psicológicas e suas dimensões e incidências sociais. (MATOS, 2000). Perfeito e Melo (2004) pontuam que, hoje em dia, a operacionalização de aspectos relativos ao funcionamento destas chamadas "clínicas-escola" é tão desafiadora que vários encontros entre profissionais têm sido promovidos, assim como artigos têm sido produzidos acerca das iniciativas institucionais que buscam um funcionamento ótimo a partir de questões específicas. Ao estudar as clínicas-escola da cidade de São Paulo, por exemplo, Lopez concluiu que as dificuldades desses órgãos refletiam as indefinições do psicólogo quanto ao seu lugar e suas práticas diante das solicitações da comunidade. (apud PERFEITO e MELO, 2004). Para o autor, recentemente, estas dificuldades são encaradas como parte da diversidade do campo da Psicologia e da própria condição humana mutável, que exige do psicólogo uma postura criativa e flexível, possibilitando que haja um trânsito por diversos saberes e fazeres.

Atualmente, enquanto algumas instituições universitárias dispõem de serviços-escola com uma modalidade direta de prestação de serviços à comunidade em clínicas psicológicas, outras optam pelo oferecimento de estágios na comunidade, centrando sua atuação em programas e serviços em uma modalidade indireta de atendimento. (MELO-SILVA; SANTOS; SIMON, 2005a). Sabe-se que estágios na comunidade têm configurado uma realidade crescente, já que oportuniza o desenvolvimento de competências para lidar com os limites e com as possibilidades na construção de uma Psicologia vinculada à realidade contextual brasileira. Indo ao encontro dessa reflexão, em 2004, no XII Encontro de Clínicas-escola do Estado de São Paulo, foi definida a alteração do título "clínicas-escola" para "serviços-escola" (MELO-SILVA; SANTOS; SIMON, 2005a).

Neste sentido, Melo-Silva; Santos; Simon (2005b) referem que, desde sua inauguração em 1964, o Centro de Pesquisa e Psicologia Aplicada (CPA), vinculado à graduação de Psicologia de Ribeirão Preto (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto/USP), tem ampliado consideravelmente as possibilidades de prestação de serviços em Psicologia. Verifica-se a preocupação na formação do discente-estagiário capacitado para atuar de forma crítica e reflexiva frente aos problemas em diferentes contextos e na produção de estratégias de ação e projetos de intervenção que atendam às necessidades sociais.

Corroborando tais ideais, Campezatto et al (2005) relatam que em 2005 o SAP- Serviço de Atendimento Psicológico da Faculdade de Psicologia da PUCRS1, estruturado em 1973, já buscava adequar o modelo de estágio em Psicologia Clínica às necessidades da população, assim como às novas premissas na formação do psicólogo. O SAP visava, segundo as autoras, possibilitar aos estagiários o exercício da Psicologia Clínica e da Saúde através de atividades de prevenção primária na comunidade e do contato direto com grupos em seu contexto. Isso possibilitaria aos estagiários uma atitude clínica diferenciada e mais congruente com a realidade atual.

Observa-se ainda, que as atividades e os referenciais dos serviços-escola são orientados de acordo com o perfil de cada curso, descrito em seus Projetos Pedagógicos. Enquanto alguns demonstram preocupação e foco em atividades clínicas junto à comunidade, outros serviços-escola embasam suas práticas em referências de trabalho distintas (MELO-SILVA; SANTOS; SIMON, 2005a) como a Psicologia Social Comunitária, a Psicologia da Saúde, a Saúde Coletiva, Psicologia Escolar, Psicologia Organizacional e do Trabalho entre outros.

Entende-se que esses referenciais que orientam o trabalho dos serviços-escola devam estar alicerçados no perfil do profissional que se pretende formar em cada contexto social. Para Ancona-Lopez (2005), as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Psicologia trazem com clareza a proposição de uma formação que comprometa o psicólogo a atuar em diferentes contextos, considerando as necessidades sociais e os direitos humanos a partir das características socioculturais do local em que o curso se desenvolve. As modificações operadas ao longo das últimas décadas pelos serviços-escola citados estão de acordo com as recomendações de alguns autores, entre eles Soares (2005), que lembra a necessidade dos órgãos formadores repensarem o profissional que desejam formar. Para tanto, devem voltar a atenção não só para as próprias convicções e concepções, mas também para uma realidade que não se enquadra necessariamente em seu universo teórico. Há necessidade urgente de se redimensionar os currículos que estão sendo praticados nos cursos de formação de psicólogos, que devem incluir, além da tomada de consciência da realidade, a mudança dos paradigmas que os têm orientado até agora, sob risco de toda reflexão didática continuar a ser processada segundo uma perspectiva ultrapassada. (SOARES, 2005).

 

O PAPEL DOS SERVIÇOS DE PSICOLOGIA NOS CURSOS DE GRADUAÇÃO A PARTIR DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS

A partir da aprovação das Novas Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação em Psicologia (BRASIL, 2004), as faculdades buscaram adequar seus currículos e práticas educacionais. No entanto, como salienta a ABEP (2009), "as orientações oferecidas pelas Diretrizes Curriculares são genéricas e consequentemente demandam reflexões coletivas que indiquem caminhos mais apropriados para a construção dos novos projetos pedagógicos."

Entre outras recomendações, as Diretrizes instituem a necessidade de oferecimento de ênfases curriculares, além da presença obrigatória no Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de previsão de instalação de um Serviço de Psicologia. Mesmo que, em sua maioria, os cursos de Psicologia já disponibilizassem espaços para o desenvolvimento de atividades de estágio, as ponderações constantes nas novas Diretrizes Curriculares exigiram dos gestores educacionais uma ampliação da visão quanto à natureza dos serviços prestados nestes espaços, assim como sua descrição nos PPCs. Tal necessidade fez-se presente uma vez que o perfil de formação tem se modificado rapidamente, estando mais voltado às necessidades da população, fazendo com que as chamadas "clínicas-escola" (nome que, como referido anteriormente, fazia clara alusão à prática predominante nos estágios curriculares em décadas passadas) ampliassem suas áreas de atuação, oferecendo espaços para práticas voltadas à inserção social através de programas de intervenção comunitária, por exemplo.

O artigo 25 da referida Resolução diz que "O projeto de curso deve prever a instalação de um Serviço de Psicologia [...]", destacando como os objetivos do mesmo: "[...] responder às exigências para a formação do psicólogo, congruente com as competências que o curso objetiva desenvolver no aluno e a demandas de serviço psicológico da comunidade na qual está inserido." (BRASIL, 2004). Neste sentido, observa-se claramente a definição de dois grandes eixos norteadores para o exercício das atividades nos Centros de Serviços em Psicologia: 1) auxiliar no desenvolvimento das competências do corpo discente que o curso objetiva e 2) prestar serviços às demandas da comunidade em que está inserido.

No tocante ao primeiro objetivo, entende-se que, para contemplá-lo, o PPC necessita descrever com clareza as competências e habilidades que deseja desenvolver no aluno, alicerçadas no perfil do egresso, e, em especial, em consonância às ênfases curriculares oferecidas. Neste sentido, o artigo 11, parágrafo 1° informa que "A definição das ênfases curriculares, no projeto do curso, envolverá um subconjunto de competências e habilidades [...]" que, juntamente com as descritas no núcleo comum, ajudarão a compor as características do novo profissional que se busca formar. Embora não esteja explícito que os Serviços de Psicologia devam oferecer atividades relacionadas às ênfases curriculares dos cursos, entende-se que eles precisam tecer esforços neste sentido para atingir a proposta constante no PPC.

O segundo objetivo descrito acima aponta para a necessidade de oferta de serviços adequados à realidade da comunidade em que fazem parte os próprios alunos. Melo-Silva; Santos e Simon (2005a) referem que a prestação de assistência psicológica à comunidade é um papel social extremamente relevante nestes centros de serviços. Para tal, entende-se que as atividades desenvolvidas não devam estar restritas a um espaço físico específico (em um consultório, por exemplo), mas sim, sempre que possível, inseridas no campo de vivência daqueles que são alvo das intervenções.

É importante relembrar que, tradicionalmente, a Psicologia se estruturou por meio da formação de profissionais voltados às práticas em consultórios, em organizações e em ambientes educacionais (FREITAS, 2002); e, ainda hoje, prevalece o ideário da Psicologia centrada nestas atividades. No entanto, novas formas de intervenção junto às demandas da comunidade foram sendo desenvolvidas, inclusive a partir da experiência dos diversos Cursos de Psicologia. É o que pode ser observado, por exemplo, na trajetória da Psicologia Social Comunitária no Brasil. Inicialmente, eram realizadas ações distantes da comunidade, os discentes e docentes aproximavam-se, movidos pela "curiosidade científica", para intervir naquele afastado contexto (FREITAS, 2002, 2008). Hoje se sabe da grande importância do compromisso com o desenvolvimento de intervenções em comunidade, ou seja, elaboração de ações com a comunidade.

Nesta perspectiva, as atividades, projetos e programas de extensão apresentam-se como excelentes estratégias de intervenção junto à realidade social e, por conseguinte, auxiliam no alcance dos objetivos constantes na Diretriz supracitada. Sugere-se, portanto, que os centros de serviços em Psicologia dos cursos de graduação realizem um papel de coordenação e desenvolvimento de ações integradas com outros cursos através de programas de extensão comunitária, mediante a condução de atividades que extrapolem a prática clínica tradicional de atenção às demandas da região.

Deve-se incluir, sempre que possível, a atividade de pesquisa como instrumento de formação do aluno e de levantamento e investigação das demandas comunitárias, cumprindo, assim, um importante papel na elaboração do que Romaro e Capitão (2003) chamam de estratégias de ação adequadas e efetivas para população que faz uso dos serviços-escola. Desta forma, é importante salientar que embora não existam modelos pré-formados para a constituição destes espaços de aprendizado, eles devem ser construídos levando-se em conta que, para além de sua função no ensino, devem sustentar-se num tripé que inclui ainda a extensão e a pesquisa - cerne da função que as universidades desempenham na sociedade, ao menos idealmente. (PERFEITO E MELO, 2004).

Desta forma, assim como o desenvolvimento de pesquisas científicas, os programas de extensão comunitária se apresentam como excelentes instrumentos de trabalho, tanto do ponto de vista pedagógico quanto do ponto de vista social. Essas ações possibilitam a vivência das demandas da comunidade por parte dos acadêmicos, assim como criam espaços para o desenvolvimento de serviços psicológicos à maior parcela possível da população. Melo-Silva; Santos e Simon (2005b) pontuam a importância de trabalhar a integração dos diferentes olhares da Psicologia e o desenvolvimento de habilidades e competências tanto no decorrer do curso, nas diferentes disciplinas, quanto nas atividades de cunho prático. Isto porque os autores entendem que tal estratégia permitiria ao aluno constituir um quadro de referência geral do conhecimento na área.

Tal perspectiva busca atender ao objetivo geral, descrito no Artigo 4° das Diretrizes (BRASIL, 2004), de dotar o profissional formado em psicologia dos conhecimentos requeridos para o exercício de competências e habilidades quanto à atenção à saúde (prevenção, promoção, proteção e reabilitação individual e coletiva), tomada de decisão (capacidade de avaliar, sistematizar e decidir condutas mais adequadas), comunicação, educação permanente, liderança, administração e gerenciamento (no trabalho multiprofissional). Além disso, é importante que o aluno possa adquirir habilidades de aplicação das competências desenvolvidas por meio das ênfases curriculares oferecidas. Desta maneira, alinhavando o perfil desejado do egresso às competências relacionadas ao núcleo comum e às ênfases curriculares do curso, torna-se possível uma formação que una teoria, prática, pesquisa e extensão, sempre alicerçadas nas demandas da comunidade.

 

A EXPERIÊNCIA DO CESEP - CENTRO DE SERVIÇOS EM PSICOLOGIA

Na elaboração do Projeto Pedagógico, quando se ocupa da descrição do perfil do egresso, o Curso de Psicologia da Faccat afirma ter como objetivo: possibilitar ao aluno a compreensão, problematização e ampliação dos modos tradicionais de atuação profissional, indo além da perspectiva de atendimento individual do cliente em clínicas ou gabinetes privados, buscando desenvolver novas formas de intervenção sobre as demandas populacionais. Para atingir tal ideal, surge o Centro de Serviços em Psicologia - Cesep como importante instrumento pedagógico e veículo de interação entre comunidade e instituição de ensino. O serviço-escola busca continuamente adequar seus modelos de estágios às necessidades que emergem na comunidade, nas organizações e demais instâncias do contexto regional. Atualmente, oferece aos estudantes da graduação oportunidades de estágio básico e profissionalizante, além de vivências em estágios extracurriculares de férias, seguindo os referenciais teóricos sistêmico, cognitivo-comportamental e social comunitário.

Atento às demandas contextuais em que se encontra inserido, o Cesep operacionaliza suas atividades aliando proposições relacionadas ao atendimento clínico e a ações construídas com a comunidade, delineando intervenções a partir do diagnóstico de necessidades desta. O Curso de Psicologia da Faccat entende que a Instituição possui um papel fundamental na construção de novas possibilidades de inserção do psicólogo, uma vez que possui um expressivo contingente de alunos e docentes que dispõem de conhecimento e estrutura para intervir junto à comunidade, faculdade e demais âmbitos permeados pelo processo social. Dentre os instrumentos disponíveis, os projetos de extensão destacam-se como uma opção de envolvimento com a realidade fora do meio universitário, em que se torna possível a troca de conhecimentos, a redução das diferenças e a promoção de saúde.

Desta forma, o Cesep direciona a ação dos acadêmicos para o entorno social, tendo como organizador básico as habilidades e competências contempladas pelo núcleo comum e nas duas ênfases oferecidas: Psicologia Social e da Saúde e Psicologia do Trabalho. As ênfases referem-se, conforme sugere a ABEP (2009), às possibilidades de vivências, em diferentes contextos, dos processos e competências tratados no núcleo comum. Desta forma, o aspecto mais importante a ser preservado é a diversidade de prática, de procedimentos, assim como de espaços e problemas a serem tratados pelo futuro psicólogo, que agirá norteado pelas competências preconizadas no núcleo comum.

Na prática no Cesep, o foco centra-se em projetos de trabalho que incluam práticas integrativas, em que os estagiários do serviço-escola têm oportunidades de desenvolver ações de intervenção comunitária, orientação familiar e profissional, palestras, oficinas, grupos de apoio e acolhimento, além de atividades de pesquisa e práticas clínicas como triagem, psicoterapia individual, psicoterapia familiar, mediação familiar e grupos psicoterapêuticos. Os projetos são realizados no espaço físico do serviço-escola, localizado no centro do município, ou em espaços públicos e privados junto à comunidade, como escolas, postos de saúde, feiras de saúde, empresas, igrejas, bibliotecas e centros comunitários.

Ampliando as dimensões de intervenção no segmento da Psicologia Social e da Saúde, o Cesep propõe o desenvolvimento de ações que variam desde psicoterapias breves, orientações psicoeducativas à elaboração de projetos de atenção psicossocial na comunidade, os quais são realizados junto às redes de atenção primária, secundária e terciária em saúde. Essas atividades tiveram seu início a partir da inserção dos acadêmicos na comunidade e do levantamento de necessidades feito na região.

Dentre as práticas desenvolvidas na comunidade a partir do serviço-escola, destacam-se aquelas vinculadas aos seguintes projetos: "EBA - Encontro de bate-papo com adolescentes" (grupos para trabalho com temas como sexualidade, drogas e família) e "Mais Feliz" (ações para melhorias na relação professor-aluno), realizados em escolas da rede estadual e municipal; "Aproximando as mulheres da comunidade" (grupo de convivência desenvolvido no posto de saúde de um bairro da cidade); "Espaço SER - sala de encontros e reencontros" (grupo de convivência com meninas abrigadas) realizado em uma instituição de acolhida a menores em situação de vulnerabilidade e "(Re)criando" (acompanhamento pós-adoção), desenvolvido junto ao Fórum municipal.

Entre os diferentes enfoques para a prática de estágio na ênfase em Psicologia do Trabalho, as ações interventivas são elaboradas a partir dos contextos organizacionais, institucionais e do trabalho. Busca-se, assim, o planejamento e a implementação de projetos de atenção ao trabalhador e às micro e pequenas empresas da região, atendendo a uma crescente demanda de desenvolvimento regional. Para contemplar essa necessidade, são programadas atividades de atenção à saúde do trabalhador, intervenções institucionais para fins melhorias nas relações humanas no trabalho, projetos de orientação à população em situação de desemprego, além de recrutamento, seleção, desenvolvimento e acompanhamento funcional, através do serviço de consultoria-escola.

Todas as atividades desenvolvidas pelos estagiários são acompanhadas, orientadas e avaliadas pelos supervisores. Desta forma, é na supervisão semanal que ocorre a discussão da prática realizada pelo acadêmico estagiário, exercendo importante papel na formação, por permitir que os estagiários sistematizem e avaliem suas intervenções. Ademais, é nos seminários teóricos que os estagiários discutem e fortalecem os subsídios teóricos que nortearão as práticas. Os seminários são realizados mediante leituras de diversos materiais cientificamente validados. Esta atividade familiariza os estagiários com os procedimentos e técnicas de que podem dispor em seu exercício de estágio e posterior prática profissional. Além disso, neste espaço discute-se a implicação prática dos conceitos estudados.

No que tange ao desenvolvimento de pesquisas, estudos têm sido apresentados em jornadas e publicados em revistas científicas a partir das atividades do serviço-escola, baseados no banco de dados formulado pelos registros de acompanhamento dos projetos (BOECKEL e ANDRIOLA, 2008; HAACK et al, 2008) e pela vinculação de investigações às disciplinas de Trabalho de Conclusão de Curso. (LAHM & BOECKEL, 2008).

Portanto, as ações descritas acima se configuram como estratégias para a formação de profissionais comprometidos eticamente com a realidade. Vislumbra-se, desta forma, refletir sobre as possibilidades e potencialidades de exercício da Psicologia nos diversos contextos, formando profissionais capazes de se questionar sobre as implicações sociais de suas atividades.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A intervenção, seja a partir da prevenção, da promoção ou da recuperação da saúde, não pode perder de vista as diversas dimensões que compõem o ser humano, buscando abranger aspectos subjetivos e sócio-históricos deste. A partir desta visão, o Curso de Psicologia da Faccat, em consonância com as Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em Psicologia, entende que a formação do psicólogo deve priorizar o desenvolvimento de habilidades e competências que habilitem o acadêmico ao trabalho junto às principais problemáticas enfrentadas pela população em que está inserido. Por essa razão, a aproximação com a comunidade, além de permitir o acesso aos serviços psicológicos às pessoas menos favorecidas economicamente, possibilita maior compreensão do universo com o qual se está trabalhando. Adota-se, portanto, a ideia de que o significado das práticas profissionais deva ser buscado na realidade que dá sentido à vida da pessoa, e não unicamente nos conceitos teóricos ou na contextualização dos valores do profissional que se dispõe a ajudar. (SOARES, 2005).

A partir da orientação constante nas Diretrizes Curriculares quanto à necessidade de implementação de serviços-escola nos cursos de Psicologia, compreende-se que estes sejam importantes instrumentos pedagógicos para a consolidação dos Projetos Pedagógicos dos Cursos. Esse entendimento tem orientado as práticas do Centro de Serviços em Psicologia do Curso de Psicologia da Faccat, conforme relatadas neste trabalho. Assim, atentos às necessidades da comunidade, os estagiários do serviço-escola têm realizado suas atividades a partir das principais problemáticas e especificidades do futuro campo de exercício profissional, propiciando o desenvolvimento de competências alicerçadas nos objetivos do curso e nas ênfases curriculares oferecidas. Nesse mesmo sentido, a ABEP (2009) destaca os preceitos incluídos nas Diretrizes Curriculares, salientando a idéia primordial de que a formação por competências e habilidades deva qualificar o futuro psicólogo para o exercício profissional em diversos contextos. Isto é, deva preconizar a ampliação da Psicologia na realidade social brasileira.

Tem-se como norteador o objetivo de desenvolver práticas integrativas com vistas a qualificar a formação do novo profissional. As experiências geradas pelos projetos de extensão e pelas ações oferecidas pelo serviço-escola, configuradas pelas variadas modalidades de atuação no âmbito da Psicologia, ampliam as possibilidades de estratégias didático-pedagógicas para fundamentar o exercício profissional em diferentes contextos.

Nesse sentido, as vivências e proposições vinculadas ao serviço-escola devem ser balizadas no caráter integrativo, aliando formação e atenção à comunidade. Corroborando esta visão, Soares (2005) reitera que o surgimento de discussões e intervenções junto à comunidade propicia que os saberes instituídos possam ser interrogados pela própria experiência. Isto é, no contexto atual, a demanda social constitui o ponto de partida para o delineamento das ações empreendidas através dos cursos de graduação em Psicologia e, ao mesmo tempo, o ponto de encontro com a comunidade e a consolidação da identidade profissional do psicólogo.

O Cesep, em consonância com o Curso de Psicologia da Faccat, estende ao entorno social serviços indissociáveis das atividades de ensino e pesquisa, propiciando contato com a pluralidade de contextos e possibilidades de intervenção. A oferta de atendimento para uma parcela maior da população contempla a busca por uma visão mais integrativa por parte do futuro psicólogo, possibilitando uma interface entre as áreas na vivência do estagiário. Como referem Campezatto e Nunes (2007), tem-se aí uma experiência prática coerente com as necessidades da população, considerando as possibilidades atuais de exercício profissional do psicólogo.

Cabe ressaltar que o planejamento e o desenvolvimento das ideias e ações aqui apresentadas não ocorrem de maneira simples, mas sim se apresentam como um desafio para o Núcleo Docente Estruturante e para os demais integrantes do Colegiado do Curso. Soma-se às dificuldades encontradas na implementação deste projeto, por exemplo, a representação social do psicólogo, que geralmente associa a prática deste profissional a atividades clínicas individuais. (LAHM e BOECKEL, 2008). Este fato tem se mostrado um obstáculo tanto para alunos e profissionais da área da saúde, como para a própria comunidade, acostumados a um perfil de atuação profissional limitado ao consultório.

Por fim, espera-se que o presente artigo suscite reflexões acerca das inúmeras implicações na construção de uma Psicologia que acompanha o movimento da realidade. Sugere-se, portanto, a compreensão do papel dos serviços-escola dos Cursos de Psicologia como ferramenta de formação e ação social que contemple o contexto de inserção do aluno. É preciso questionar a responsabilidade dos cursos de Psicologia, principalmente, no que tange ao compromisso ético para com as necessidades e especificidades socioculturais atuais.

 

REFERÊNCIAS

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Artigo recebido em: 30 de junho de 2009.
Aceito em: 29 de julho de 2009

 

 

1 Atualmente, o serviço é chamado de SAPP - Serviço de Atendimento e Pesquisa em Psicologia.

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