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Psicologia Ensino & Formação

versão impressa ISSN 2177-2061

Psicol. Ensino & Form. vol.1 no.2 Brasília  2010

 

ENSAIOS E ESTUDOS TEÓRICOS

 

O ideário da qualidade de ensino na escola pública: uma leitura crítica sob a ótica da Psicologia escolar

 

Quality of education in public school: challenges and (im)possibilities

 

 

Maria Socorro dos Santos Mendes

Faculdade de ciências Humanas do CESMAC. Psicóloga - CESMAC socorro_mendes@hotmail.com

 

 


RESUMO

O artigo pretende mostrar algumas reflexões acerca da reforma educacional no Brasil, analisando os aspectos históricos, sociais, políticos e econômicos que influenciam no processo de ensino e aprendizagem, e que favoreceram a legislação em vigor. Problematizando os construtos do ideário da qualidade de ensino no País sob a ótica da Psicologia escolar, busca-se refletir acerca dos diversos mecanismos que envolvem a educação, procurando contribuir para a construção e a transformação da realidade educacional por meio de uma práxis efetiva do psicólogo no âmbito da educação. A educação é tanto um direito social básico e universal quanto fundamental para o desenvolvimento de uma nação independente e solidária na relação consigo mesma e com as outras nações.

Palavras-chave: Qualidade de ensino. Reformas educacionais. Psicologia escolar. Transformação.


ABSTRACT

The article aims to present some discussion about educational reforms in Brazil, analyzing the historical, social, political and economic aspects that influence the process of teaching and learning, which favored the present legislation on the subject. Questioning the constructs of the ideal of quality education in the country from the perspective of School Psychology, the attempt is to reflect on the different mechanisms that involve education, seeking to contribute to the construction and transformation of the educational reality through an actual intervention of the psychologist. Education is both a basic social and universal right, as well as an essential part of the development of a nation that is independent and harmonious in the relations with itself and with other nations.

Keywords: Quality of Teaching; Educational Reforms; School Psychology; Transformation.


 

 

INTRODUÇÃO

As últimas décadas sofreram grandes transformações no cenário mundial e no Brasil em todos os setores: econômico, político e social, afetando as ideologias e a legislação educacional brasileira.

Essas transformações levaram o sistema econômico brasileiro a avançar, apesar das altas taxas de juros e do aumento do lucro e também da crise social e política no País. No setor ideológico, com o objetivo de fazer emergir propostas e reformas significativas nos diversos segmentos, surge a necessidade de efetivar um pensamento único e globalizado. A partir de uma reunião entre os principais países do capitalismo central, nos Estados Unidos, foi redigido um documento, conhecido como Consenso de Washington (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003), que determinou a doutrina neoliberal que deveria orientar as reformas sociais dos anos 90.

Nesta década, os organismos internacionais atuam, em termos organizacionais e pedagógicos, através de convenções e conferências. Entre elas, destacamos a Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia (5 a 9 de março de 1990), financiada por órgãos como UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento - Banco Mundial), que inaugurou um projeto de educação mundial. Todos os participantes que se subscreveram à Declaração em Jomtien se comprometeram a assegurar uma educação básica de qualidade para crianças, jovens e adultos. O Brasil, como um dos países subscritos e que possui grande índice de analfabetismo, foi convocado a participar a fim de poder incentivar as suas políticas educacionais (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p. 97).

Outro evento de destaque foi a Declaração de Nova Delhi, na Índia (16/12/1993), assinada por nove países em desenvolvimento, que teve como resultado um consenso na busca pela satisfação das necessidades básicas de aprendizagem para todos, com capacidade de tornar universal a educação fundamental e de aumentar as oportunidades de aprendizagem para crianças, jovens e adultos (PCN, 1997, p. 14).

Nesse período, no Brasil, começava o governo de Fernando Collor de Mello, que, meses depois, sofreu o processo de impeachment como presidente da república. No entanto, a Conferência de Jomtien inspirou o Plano Decenal da Educação para Todos (1993-2003), que teve continuidade no governo de Itamar Franco, e que foi direcionado para a recuperação da escola de ensino fundamental.

O Plano Decenal de Educação, em consonância com o que estabelece a Constituição de 1988, afirma a necessidade e a obrigação de o Estado elaborar parâmetros claros no campo curricular capazes de orientar as ações educativas do ensino obrigatório, de forma a adequá-lo aos ideais democráticos e à busca da melhoria da qualidade do ensino nas escolas brasileiras (PCN, 1997, p. 14). 

Nesse contexto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) foi aprovada, no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), definindo que a educação básica tem "por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania, fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores" (Lei nº 9.394/96, art. 22). Essa educação básica "organiza-se nos níveis fundamentais e médios" (art. 24).

Esse novo projeto de educação básica passa a ter como base conceitual, em primeiro lugar, a tomada de decisões locais ao reconhecer os problemas maiores do mundo globalizado, e em segundo, o compromisso com o direito intransferível do povo a uma escola pública de qualidade, que assegure a todos os cidadãos o prazer necessário para um aprendizado contínuo. Portanto, a educação é tanto um direito social básico e universal quanto fundamental para acabar com a histórica dependência científica, tecnológica e cultural do País, além de ser essencial para a construção de uma nação autônoma, soberana e solidária na relação consigo mesma e com as outras nações (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003).

Apesar das prévias decisões e imposições, a LDB nº 9.394/96 foi promulgada de forma a estabelecer novas bases para a educação brasileira, visando a democracia, universalidade e melhoria da qualidade do ensino, para ter como objetivo principal, além do crescimento do ser humano, o crescimento do País.

 

QUALIDADE DE ENSINO NO BRASIL

De acordo com a LDB/96, a educação escolar pública é dever do Estado, que garantirá a efetivação dos padrões mínimos da qualidade do ensino, os quais serão estabelecidos com a diversidade e a quantidade mínima, por aluno, dos recursos imprescindíveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem. (art.4, IX). Entretanto, para que esse processo tenha resultado, é necessário que os docentes se encarreguem de zelar pela aprendizagem do aluno (art.13, III).

O Brasil, por meio dessa reforma educacional implantada pela nova LDB/96, reflete a centralidade da educação, concebendo-a como uma esfera importante para o País sair do seu atraso cultural e adquirir condições de competitividade no cenário mundial.

Segundo a Constituição Federal (1988), é necessário haver igualdade entre os seres humanos e preparação destes para a vida de forma íntegra.

Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, CONSTITUIÇÃO, 1988, p. 137). 

De acordo com Bertoldo (2007), para que a educação atenda às necessidades do processo produtivo, novas exigências lhe são impostas, a exemplo da qualificação dos trabalhadores, considerada um requisito fundamental para a empregabilidade. O conceito de qualificação passa a ser substituído pelas chamadas competências, e a própria noção de empregabilidade se apresenta defasada diante do processo de desemprego.

Para que o País possa obter um ensino público com qualidade, é necessário que tenha possibilidades concretas, políticas públicas que atendam à realidade da sociedade a fim de que haja condições de preparar as crianças, os jovens e os adultos para enfrentar as reivindicações do mundo atual.

Defendo firmemente que é preciso priorizar a educação, pois acredito ser de mulheres e homens livres e felizes que o Brasil precisa, caso queira romper com o estigma do subdesenvolvimento e da miséria, assumindo preparar-se para enfrentar as exigências do mundo moderno, que a cada dia cresce, incorporando tecnologias e conhecimentos novos (-ALCÂNTARA/LDB, 1996, p. 5).

Nos últimos anos, o Ministério da Educação, juntamente à sociedade brasileira, vem procurando transformar o sistema educacional. O objetivo é ampliar e melhorar a qualidade do ensino, a fim de enfrentar os desafios do mundo em constante transformação (SOUZA/PCN, 1999). Pedagogicamente, surgem duas políticas do governo federal no ensino básico: os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) mostrando, concomitantemente, o caráter dedutivo e sua expectativa economicista e mercantilista (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1997) fundamentaram o processo de democratização do ensino público com orientações de conteúdos e metodologias que pudessem orientar a prática do professor em sala de aula, garantindo, segundo o governo de Fernando Henrique Cardoso (1997), a ampliação e a melhoria da qualidade do ensino no País.

Na 3ª edição dos PCNs (2001), estabelece-se que seu objetivo é ajudar na realização do trabalho, compartilhando o esforço diário de levar o educando a dominar os conhecimentos necessários para seu crescimento como cidadão repleto de reconhecimento e consciente de seu papel na sociedade. Todavia, isso só será realizado se houver condições de fornecer ao educando brasileiro o acesso total aos recursos culturais que são importantes na conquista da cidadania (SOUZA apud PCN 2001, p. 5).

A maneira que o governo encontrou de avaliar a educação no País foi criar exames e sistemas de avaliações denominados respectivamente ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e SAEB (Serviço de Avaliação do Ensino Básico), entre outros. O SAEB é mais uma forma coercitiva produzida pelo governo, constituindo uma avaliação que não considera as condições e os processos de ensino e que pode interferir de maneira negativa sobre as formas de construção do conhecimento (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003).

A Carta ao Professor do Ensino Médio, direcionada pela Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação e publicada no documento Orientações Curriculares do Ensino Médio (OCEM, 2006), propõe que a qualidade da escola seja condição primordial para a inclusão e a democratização das oportunidades no Brasil, e afirma que o desafio de ofertar uma educação básica de qualidade para a inserção do aluno, para o desenvolvimento do País e para a efetivação da cidadania é tarefa de todos.

A fim de assegurar a democratização do ingresso à escola e as condições de permanência durante as três etapas da educação básica - educação infantil, ensino fundamental e médio -, foi elaborada a proposta do FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação). Adicionalmente, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do FUNDEB foi elaborada procurando colocar acima das diferenças o interesse maior pela educação pública de qualidade.

Com base na Constituição Federal (1988) e na LDB/96, o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva tornou público, em 24 de abril de 2007, um decreto que tem o objetivo de unificar esforços em benefício da melhoria da qualidade da educação básica. Simultaneamente ao decreto, foi lançado o Plano de Desenvolvimento Escolar (PDE).

O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (Compromisso) é a conjugação dos esforços da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, atuando em regime de colaboração, das famílias e da comunidade, em proveito da melhoria da qualidade da educação básica (DECRETO nº 6.094/2007, art. 1º). 

De acordo com o artigo 2º, a integração de todos ao compromisso, de maneira direta ou indireta, torna-se imprescindível para que haja o cumprimento efetivo das diretrizes estabelecidas. A primeira é estabelecer como foco a aprendizagem, apontando resultados concretos a atingir. Para se colocar como prioridade a aprendizagem, é necessário que esta seja efetivada através da motivação, da valorização e de tudo o que for preciso, por parte de quem ensina e de quem aprende e de todos os que estiverem engajados no processo ensino-aprendizagem.

Conhecer as leis, debatê-las e refletir sobre elas é procurar chamar a atenção para um mecanismo de grande repercussão para a sociedade e para os indivíduos que regulamentam estruturas e instituições sociais como a escola e o sistema educacional; é procurar chamar a atenção para a vida de incontáveis crianças brasileiras que, por direito, deveriam ter acesso à educação formal nas escolas públicas do País.

Todas as diretrizes são de grande importância, porém, vale salientar a valorização da formação ética, a elaboração do projeto político-pedagógico, o acompanhamento e a avaliação de todos nas políticas públicas na área da educação e o reconhecimento do profissional da educação a fim de garantir o prosseguimento das ações que se efetivarem, para que a Educação de Qualidade seja realmente implantada em nosso país.

 

O IDEÁRIO DA QUALIDADE SOB A ÓTICA DA PSICOLOGIA ESCOLAR 

Atualmente, os problemas da educação estão associados às frequentes mudanças sociais, implicando a escolha de referenciais seguros. As transformações causam incertezas, contudo, também podem trazer possibilidades (TORT, 2007).

A ideologia da fatalidade prejudica o desenvolvimento e dinamiza o discurso neoliberal, e procura convencer que nada pode ser feito contra a realidade social. Partindo desse pressuposto, a única solução para a prática educativa é adaptar o educando à realidade que não pode ser mudada (FREIRE, 1996).

A educação é um constante movimento de busca que leva o ser humano à capacidade de aprender, não só para adaptar-se, mas também, e em especial, para transformar a realidade, por meio de intervenções e recriações.

Em suas diversas fases, o ensino tem como desafio situar a aprendizagem e as pessoas de forma ampla, partindo de sua própria história de vida, com a finalidade de aperfeiçoar suas habilidades frente às suas inseguranças e de entender melhor os acontecimentos sociais da contemporaneidade.

Entretanto, para que haja melhor qualidade na educação, faz-se necessário que esta possa ultrapassar alguns obstáculos a fim de proporcionar a transformação social, a igualdade entre as pessoas, o respeito, a justiça e a importância de cada um na formação coletiva.

Uma sociedade alternativa que valorize as ideias do bem comum, o interesse público, os direitos universais, a gratuidade; que responda às aspirações da humanidade a uma nova forma de vida, livre, igualitária, democrática e solidária pode ser construída por diferentes formas, entre elas, a presença revolucionária do processo educativo libertador e não domesticador (GUZZO, 2007, p. 19).

Infelizmente, não podemos observar nas escolas públicas brasileiras, salvo exceções, a garantia dos direitos e deveres da nossa Constituição. O Brasil acumulou um atraso de mais de 100 anos até assimilar que a escola pública não deveria ser para poucos, mas sim, para todos. Apesar de o acesso à escola ser favorecido a todas as crianças e a todos os jovens e adultos brasileiros, as desigualdades permanecem presentes quando comparadas às escolas da rede privada, aos materiais de apoio, à dedicação do corpo docente, à presença da família e de outras oportunidades educativas diferenciadas (GUZZO, 2003).

Não se pode também responsabilizar os professores pelas mazelas da escola pública fundamental, uma vez que eles também são produto de uma formação insuficiente, porta-vozes da visão de mundo de classe hegemônica e vítimas de desvalorização profissional e de uma política educacional burocrática, tecnicista e de fachada (PATTO, 1997). 

Para Paulo Freire (1996), "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção." A educação, especificidade humana, torna-se ato de intervenção no mundo ao se almejar mudanças nos diversos setores da sociedade, no campo da economia, das relações humanas, da propriedade, do direito ao trabalho, da educação, da saúde. Mudar é difícil, porém é possível, e, para que haja mudança, é necessário o compromisso das ações político-pedagógicas a fim de que surjam novos projetos educativos em todos os setores educacionais.

A Psicologia educacional tem se preocupado em preparar o psicólogo escolar para conviver com a eterna crise da educação, que reflete os conflitos de uma sociedade complexa e contraditória, que procura encontrar soluções possíveis e viáveis que sejam compartilhadas por todos e para todos (NOVAES, 2003).

Observando o paradigma educacional do século XXI, a competência do psicólogo estará mais direcionada ao aspecto sensitivo, à intuição, à capacidade de assumir riscos e de integrar fatos e informações, levando em consideração a era da linguagem digital, da realidade virtual e do pensamento visual.

Para se colocar a dimensão psicológica no interior das práticas educativas, é necessário articular questões de ordem dos sujeitos e das instituições entrelaçando o individual com o coletivo. É preciso conviver com a sociedade e com a complexidade da organização institucional em um mundo em constante transformação, que pressupõe uma consciência crítica que leve a uma leitura mais lúcida da desordem organizadora, a fim de ajudar as instituições educacionais a criar modalidades possíveis e viáveis para a solução de problemas.

A identidade profissional do psicólogo estaria, assim, em construção, a fim de que esse profissional possa contribuir para a melhoria da qualidade das relações na escola, na família e na comunidade, ampliando suas formas de atuação e proporcionando o intercâmbio interdisciplinar, em um enfoque desenvolvimentista e holístico, de maneira a ajudá-lo a enfrentar os desafios do novo século por meio das competências centralizadas na criatividade, na busca, no relacionamento e na integração dos fatos e das informações, tornando, assim, sua contribuição mais eficaz.

Saber conviver com oposições, paradoxos e acasos é uma capacidade que o psicólogo escolar precisa aperfeiçoar, já que suas ações estão pautadas nos contextos socioeducativos, e que, como agente de mudanças, vai elucidar e compreender, interpretar e perceber as situações do cotidiano escolar sob a ótica de sua competência profissional e da sua coerência pessoal.

O encontro da Psicologia com a educação deve partir da compreensão dos espaços socio-históricos nos quais se dão as práticas pedagógicas na escola, que também levam o psicólogo a ajudar tanto a direção quanto o corpo docente, os alunos e as famílias a desenvolverem suas capacidades para chegarem a um relacionamento interativo e autêntico.

Só ajuda alguém a crescer aquele que se propõe a crescer junto; só ensina alguma coisa aquele que está aberto para aprender e descobrir; só educa verdadeiramente quem vê diante de si uma trajetória de realização criativa, buscando sempre se renovar, demonstrando o seu profundo respeito pelo outro e pela vida (NOVAES, 2003, p. 134). 

Na perspectiva da Psicologia escolar, a educação, hoje, como direito de todos, inclusive dos portadores de deficiências, constitui problema político, social e pedagógico que, para ser enfrentado, requer transformações institucionais no âmbito político-social e transformações conceituais no âmbito pedagógico. O papel do profissional de Psicologia e, em especial, o da Psicologia escolar, consiste em promover as transformações para que haja condições de consolidar em ações efetivas as leis presentes no discurso oficial, já que o psicólogo escolar deve ser visto como o agente que está diretamente envolvido com a educação e com o bom andamento do processo ensino-aprendizagem (TORENSAN, 2002).

A Psicologia escolar necessita ser compreendida como uma ciência que procura dar suporte a professores, alunos e instituições escolares com relação ao desenvolvimento humano, a seus problemas e a estratégias de intervenção. É preciso priorizar a Psicologia escolar como especialidade, e é preciso que os profissionais que atuam junto ao sistema educacional consigam reconhecer a necessidade de uma formação contínua e crítica, a fim de direcionar seu trabalho para uma proposta que tenha possibilidades de maior envolvimento com a comunidade educacional e com sua dinâmica em prol de uma educação de qualidade.

Portanto, diante da visão político-social em transformação, na qual se batalha pelo direito de todos à educação, e diante de concepções teóricas que direcionam para novas maneiras de analisar as deficiências, voltando a atenção não mais para o indivíduo e suas dificuldades, mas sim, para as dificuldades relacionadas ao processo ensino-aprendizagem, é de fundamental importância que a Psicologia reveja sua relação com a escola a fim de que haja possibilidade de atuações eficazes através de ações conjuntas, envolvendo os profissionais da área e os diversos campos do conhecimento comprometidos com a educação e também a atuação na produção de conhecimento.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As transformações sofridas nas últimas décadas, o reconhecimento do mundo globalizado, as reformas e outros acontecimentos levam-nos à reflexão que, com as limitações das ações e dos investimentos na educação, se torna quase impossível obtermos êxito naquilo a que nos propomos, que é o ideário de melhor qualidade de ensino na escola pública.

Para que houvesse melhoria na qualidade de ensino, não só na educação básica mas também em todos os níveis educacionais, uma das soluções seria provavelmente o aumento do percentual do Produto Interno Bruto (PIB), por meio do qual teríamos condições de tratar a educação como prioridade, com seriedade, criando possibilidades de se alcançar a qualidade de ensino almejada. Porém, para que isso aconteça, é preciso ter profissionais bem preparados, comprometidos e que deem crédito ao papel que desempenham na sociedade. Durante alguns anos, a política educacional brasileira incidiu no crescente acesso à escola básica, o que culminou com o surgimento de alguns problemas que levaram à necessidade de se reformular os projetos educacionais do País, procurando-se enfatizar a qualidade do ensino e da aprendizagem.

Embora o papel do Estado seja investir na escola para que ela prepare os alunos para o processo democrático, faz-se necessária uma proposta educacional que objetive a qualidade da formação para todos, tendo em vista a dignidade humana, a igualdade de direitos, a ausência de discriminação e o respeito.

No processo de ensino e aprendizagem, é preciso que haja mudanças, de forma que o trabalho individual e coletivo seja pautado em temas sociais e políticos e em ações acerca da realidade social, promovendo transformações nessa realidade, já que a formação escolar proporciona condições para o desenvolvimento de capacidades, facilitando a compreensão e a interferência do sujeito nos acontecimentos sociais, políticos e culturais.

A educação é de fundamental importância para que os indivíduos tenham capacidade de compreender o contexto social em que estão inseridos e possam responder à altura aos desafios enfrentados pela sociedade; afinal ela é determinada e determinante da construção do desenvolvimento social.

Com a aprovação da LDB/96, surge o pensamento da melhoria da qualidade do ensino objetivando o crescimento pessoal e o do País. No entanto, as políticas e os planos educacionais no Brasil estão longe de ser concretizados por acompanharem as falências da sociedade que são consequência de um país que não prioriza e educação, sem condições de sustentar e de realmente colocar em prática as teorizações oferecidas.

Os PCNs e as OCEM foram elaborados com o objetivo de transformar o sistema educacional, de ampliar e de melhorar sua qualidade para que a sociedade consiga enfrentar o mundo que vive em constante mudança; todavia, o problema está na falta de concretização da teoria.

Já os programas lançados pelo atual governo compreendem teorias invejáveis, embora, em alguns itens, tenhamos cópias de projetos anteriores. Se houvesse uma real mobilização por parte de toda a sociedade, a educação brasileira teria possibilidade de se erguer e de colocar o País em um patamar compatível com o seu tamanho, com as suas riquezas.

Os debates sobre a função da escola não devem deixar à margem as reais condições em que se encontram os educadores, fato que provoca grande descrédito em mudar a situação, a fim de que a qualidade do ensino passe a ser ensino de qualidade.

Como especificidade humana, a educação passa a ser um ato de intervenção no mundo, e, para que haja intervenção, é necessário uma prática docente formadora, compromissada, correta, ética, de forma que seja realmente humana.

Também é de vital importância o papel desempenhado pela Psicologia no contexto educacional, pois essa área permite o aprofundamento da compreensão acerca do processo de desenvolvimento na produção do conhecimento, e, em especial, o papel da Psicologia escolar, que procura desenvolver formas de atuação que favoreçam ao psicólogo o compromisso social, a ética profissional e os valores, já que sua função deve ser a de agente de transformação social.

[...] a importante contribuição da Psicologia, enquanto ciência e profissão, na luta pela consolidação de uma educação para todos, respaldada nos princípios do compromisso social, dos direitos humanos e do respeito à diversidade enquanto fundamento para uma efetiva inclusão social (CFP, 2008).

Apesar das grandes transformações e do progresso científico e tecnológico, as injustiças sociais continuam aumentando. Todavia, é possível para o ser humano viver em um mundo em que não haja exclusão, em que haja respeito e promoção da dignidade humana. E, para que isso aconteça, necessitamos de educação de qualidade, já que, por seu intermédio, poderá haver a defesa respeitosa dos seres humanos, com a utilização de uma prática educativa concreta ética e consciente, a fim de que haja igualdade e justiça social.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 28 de janeiro de 2009.
Aceito em 10 de julho de 2009

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