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Psicologia Ensino & Formação

versión impresa ISSN 2177-2061

Psicol. Ensino & Form. vol.4 no.1 Brasília  2013

 

RELATOS DE PESQUISA

Percepções de estudantes de Psicologia sobre o domínio de teorias, áreas de exercício e atividades profissionais

 

Psychology students' perceptions of their mastery of psychological theories and the psychologist's areas of practice and activities.

 

 

Jefferson Silva KrugI; Micheline Roat BastianelloII; Alexandre Kury PortIII; Claudio Simon HutzIV

IFaculdades Integradas de Taquara. Doutorando em Psicologia (UFRGS). jeffsilkrug@yahoo.com.br
II
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutoranda em Psicologia. mbastianello@hotmail.com
III
Faculdades integradas de Taquara –FACCAT. Graduando em Psicologia.
IV
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Doutor em Psicologia (Iowa - USA).

 

 


RESUMO

Com o objetivo de refletir sobre características da formação oferecida por um curso de graduação em Psicologia, buscou-se conhecer a percepção de ingressantes e concluintes deste curso quanto ao domínio de teorias psicológicas, de áreas de exercício e de atividades profissionais do psicólogo. Participaram do estudo 46 alunos ingressantes e 42 concluintes que responderam a um questionário elaborado para fins deste estudo. Foram feitas análises descritivas, diferenças entre médias e cálculo de tamanho de efeito. Alunos concluintes evidenciaram maior percepção de domínio de todas as variáveis analisadas, encontrando-se diferenças estatisticamente significativas entre as médias dos grupos quanto ao domínio de oito teorias, sete áreas de exercício e quinze atividades profissionais do psicólogo. Discutem-se as principais características e implicações curriculares do curso de Psicologia analisado, sugerindo-se atenção àquelas variáveis que indicaram baixas médias de percepção de domínio dos concluintes, principalmente relacionadas às teorias psicodinâmicas e áreas como psicologia escolar e do trabalho.

Palavras-chave: Psicologia; Educação Superior; Ensino.


ABSTRACT

The aim of this study was to investigate the perceptions of first and last year undergraduate psychology students of their mastery of psychological theories and the areas of practice and professional activities of the psychologist. The study used a questionnaire to poll 46 first year students and 42 final year students. Descriptive analyses, analyses of the differences between means and measures of effect sizes were made. Final year students showed enhanced perception of their mastery of all the variables analyzed. A significant statistical difference was found between the groups' means related to the mastery of eight theories, seven areas of practice and fifteen activities of a professional psychologist. The main features and implications of the Psychology course curriculum were discussed and it was suggested that attention be paid to those variables that showed a low mean among the graduating students, especially those related to psychodynamic theories and areas of professional practice such as school psychology and work psychology.

Keywords: Psychology, University education, Teaching.


 

 

INTRODUÇÃO

A formação oferecida pelos cursos de Psicologia no Brasil apresenta diferentes realidades. Embora todos os cursos devam seguir as orientações contidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os Cursos de Psicologia no Brasil (BRASIL, 2011a), cada um tem liberdade para estruturar a matriz curricular de maneira a atender as necessidades de formação da região em que está inserido. Além disso, as características da instituição que oferece o curso também devem ser consideradas, visando oportunizar uma identidade própria do curso que, ao mesmo tempo, deve manter uma unicidade com a formação oferecida pelas demais instituições na busca de uma identidade nacional para o trabalho do psicólogo.

Visando manter a qualidade dos cursos de graduação no país, o Ministério da Educação, por meio do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), gerencia diversos dispositivos de avaliação que vão desde visitas de reconhecimento de cursos in loco a avaliações institucionais. Além desses, destacase o Exame Nacional do Ensino Superior (ENADE), que avalia o rendimento dos alunos concluintes de todos os cursos de Psicologia do país (BRASIL, 2011b).

Todos esses mecanismos avaliativos têm por objetivo oferecer medidas que sirvam de orientação para o aprimoramento dos cursos de Psicologia. Porém, essa tarefa de avaliação também deve ser compartilhada pelas gestões dos cursos sob a responsabilidade das instituições formadoras e, principalmente, das coordenações dos cursos de Psicologia.

Assim, com o objetivo de refletir sobre características da formação oferecida pelo curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Taquara, localizado no Estado do Rio Grande do Sul, buscou-se conhecer a percepção de ingressantes e concluintes deste curso quanto ao domínio de teorias psicológicas, de áreas de exercício e de atividades profissionais do psicólogo. Para fundamentar tal discussão, reflete-se brevemente sobre as principais teorias psicológicas, áreas de atuação e atividades profissionais desenvolvidas por psicólogos brasileiros para, após, discutir como tais aspectos são contemplados nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Cursos de Psicologia no Brasil (BRASIL, 2011a).

As teorias psicológicas constituem as orientações teóricas dos psicólogos e estão intimamente ligadas com suas atividades e seus espaços de atuação, caracterizando e determinando o modo de compreensão de fenômenos e de intervenção. Sabe-se que a Psicologia abarca uma grande diversidade teóricometodológica que a fragmenta e impossibilita a ideia de um saber unificado, daí se dizer que existem várias psicologias (BRANCO, 1998).

Diferentes contextos sócio-históricos, ideologias, visões de homem e diversas concepções sobre corpo e mente são alguns dos determinantes do desenvolvimento das distintas teorias psicológicas. Já na década de noventa, Figueiredo (1991) afirmava ser necessário que os futuros psicólogos, por meio do estudo da história da Psicologia, compreendessem que as diversas teorias refletem as diferentes formas de se entender o humano, como se constitui e se comporta no mundo. Assim, os estudantes de Psicologia poderiam concluir que a escolha por uma orientação psicológica diz respeito, muito mais, a uma questão ética do que científica.

Dados da pesquisa nacional realizada pelo Grupo de Trabalho de Psicologia Organizacional e do Trabalho da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação (ANPEPP) em 2006 apontam como a abordagem teórica mais utilizada pelos psicólogos a psicanálise (18,2%), seguida pela cognitivo-comportamental (10%), humanista-existencial (6,1%), sócio-histórica (2,6%) e psicodrama (1%). Também se observou que os psicólogos tendem a utilizar mais de um referencial teórico na sua prática, o que evidencia, por um lado, certa habilidade do profissional em integrar teorias distintas para abarcar a sua prática, por outro, aponta para a falta de clareza a respeito das teorias psicológicas, seus preceitos e fundamentação (GONDIM; BASTOS; PEIXOTO, 2010).

Já a área de atuação dos psicólogos é entendida como um conjunto de atividades que o profissional encontra-se habilitado a realizar (YAMAMOTO, 1987). Tradicionalmente as áreas de atuação estavam associadas às atividades realizadas pelos psicólogos em três contextos: clínico, escolar e industrial (BASTOS, 1988). Com base na pesquisa realizada com os psicólogos brasileiros em 2006, foram combinados locais de trabalho e atividades exercidas, identificando-se, assim, sete áreas de atuação: clínica e avaliação psicológica; organizacional e do trabalho; educacional e escolar; social e comunitária; saúde e hospitalar; jurídica e docência e pesquisa (GONDIM; BASTOS; PEIXOTO, 2010).

Tais áreas foram agrupadas de modo que abarcassem o hibridismo e a amplitude do exercício profissional da psicologia na atualidade. Os dados da pesquisa apontaram que 66% dos psicólogos brasileiros atuam em uma única área, 29% em duas e 4% em três, sugerindo uma tendência à vinculação de áreas de atuação, possivelmente devido à busca por uma melhor remuneração (GONDIM; BASTOS; PEIXOTO, 2010). Neste contexto, a área clínica é a que se encontra mais associada a outras, evidenciando ser a área central de atuação dos psicólogos.

Contudo, não se pode ignorar que as áreas de atuação do psicólogo são em grande medida demarcadas pelas atividades por eles desenvolvidas. As atividades citadas, na pesquisa da ANPPEP 2006, como as mais realizadas pelos psicólogos, dentro das diversas áreas de atuação, são: psico-diagnóstico, avaliação psicológica e aplicação de testes. Salienta-se que essas atividades parecem estar intimamente ligadas à identidade do psicólogo, uma vez que se encontram presentes nas mais diversas áreas de atuação (GONDIM; BASTOS; PEIXOTO, 2010).

Existem, entretanto, atividades que são tradicionalmente desenvolvidas dentro de cada uma das sete áreas de atuação do psicólogo, como por exemplo, o recrutamento e seleção de pessoas, desenvolvimento de equipes de trabalho, avaliação de desempenho e diagnóstico organizacional que são realizadas no contexto organizacional e do trabalho, bem como é característico da área escolar e educacional o planejamento de políticas educacionais, orientação psicopedagógica e orientação vocacional/profissional. Vale ressaltar que a atuação profissional do psicólogo é mais profunda que a simples descrição de técnicas e procedimentos, ela aponta as relações sociais, os papéis e vínculos estabelecidos no contexto do trabalho que constituem a cultura e o perfil do fazer psi (GONDIM; BASTOS; PEIXOTO, 2010).

Essa amplitude de atividades profissionais desempenhadas pelo psicólogo brasileiro influencia diretamente o ensino de Psicologia no país. Autores afirmam que a formação do profissional psicólogo é um campo tão aberto quanto sua profissão, devendo possuir flexibilidade semelhante à observada na prática profissional (SOUZA; SOUZA FILHO, 2009). Assim, a graduação deve estar diretamente ligada ao compromisso com a mudança social e tal formação deve possibilitar a reelaboração do conhecimento constituído e produzido para seu aprimoramento (BRANCO, 1998).

Neste sentido, pode-se observar um movimento nas academias de Psicologia em reformular suas disciplinas, com o objetivo de diminuir o número de cadeiras voltadas à prática clínica e diversificando o ensino em relação às diferentes áreas de atuação (MEIRA; NUNES, 2005). Por isso, faz-se importante, na avaliação das graduações em Psicologia, um intercâmbio de informações sobre a formação do profissional com outros cursos (BOMFIM, 1996). Esses cuidados com o ensino viabilizariam, por parte das instituições formadoras, uma constante reavaliação dos currículos, de modo a examinar, por exemplo, os objetivos deste estudo: conhecer as características da formação oferecida a partir da percepção de ingressantes e concluintes do curso quanto ao domínio de teorias psicológicas, de áreas de exercício e de atividades profissionais do psicólogo.

 

MÉTODO

Delineamento

Para o presente trabalho foi realizado um estudo de delineamento quantitativo de caráter transversal e comparativo (CRESWELL, 2007; HULLEY et al., 2003).

Amostra

Participaram deste estudo 46 alunos ingressantes e 42 concluintes, homens e mulheres, de um curso de graduação em Psicologia de instituição privada do Rio Grande do Sul. A amostra foi selecionada por conveniência e a participação foi voluntária. Os alunos ingressantes estavam matriculados pela primeira vez no curso de Psicologia, no segundo semestre do ano de 2011. Possuíam idade média de 24,35 anos (DP= 8,16) e 87% eram mulheres. Os concluintes estavam matriculados regularmente no curso e possuíam condições curriculares para colar grau ao final do ano de 2011 ou 2012. A idade média deste grupo foi de 31,02 anos (DP= 10,44) e 83,3% eram mulheres. O perfil da instituição na qual o presente trabalho foi realizado se caracteriza por ser de ensino presencial e de turno parcial noturno, com duração de dez semestres, totalizando uma carga horária total de 40.020 horas.

Instrumentos para Coleta de Dados

Para a coleta de dados foi utilizado um questionário elaborado com base nos resultados da pesquisa nacional do psicólogo brasileiro (BASTOS; GONDIM, 2010). O questionário constitui-se de duas partes, sendo que a primeira objetivou levantar características sócio-bio-demográficas, como sexo, idade, trabalho e formação, e a segunda parte investigou a percepção de domínio de três aspectos: teorias psicológicas, áreas de atuação do psicólogo e atividades profissionais do psicólogo.

Esta pesquisa seguiu todos os aspectos salientados na Resolução 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde que dispõe sobre pesquisa com seres humanos. O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado pelo Comitê Ético das Faculdades Integradas de Taquara, sob o protocolo no.121/2011.

De início, foi realizado contato com a instituição, por meio da coordenação do curso de Psicologia, a fim de solicitar autorização para a realização da pesquisa. Neste momento, foram reivindicados à coordenação do curso os dados de contato dos alunos que atendiam aos critérios de inclusão na amostra. Com autorização da instituição para a realização da pesquisa, foi agendada uma data para a coleta de dados com a turma de ingressantes, por meio do docente responsável pela disciplina que continha o maior número de alunos iniciantes do curso. Neste encontro em sala de aula se realizou a explanação da pesquisa, por meio da entrega e leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Após a assinatura dos alunos que concordaram em participar da pesquisa se iniciou a aplicação do instrumento de forma coletiva.

Para a coleta de dados com o grupo de concluintes foi realizado contato por meio de ligação telefônica, via e-mail e pessoalmente, para a explanação dos objetivos do estudo e leitura e esclarecimentos do TCLE. Após as assinaturas, se efetivou a aplicação do instrumento de forma individual e, em alguns casos, coletivamente nas dependências da FACCAT.

Procedimentos de Análise de Dados

Foram realizadas análises descritivas sobre freqüência, média e desvio-padrão das variáveis abordadas no estudo. Para a análise da diferença dos grupos (ingressantes e concluintes) foram utilizados os testes t de Student para variáveis intervalares e o chiquadrado para variáveis nominais. Na análise dos dados, adotouse um nível de significância de 95%. Para o cálculo de tamanho de efeito, adotou-se o d de Cohen (DANCEY; REIDY, 2006).

 

APRESENTAÇÃO E DISCUSÃO DOS RESULTADOS

Inicialmente, serão apresentados e discutidos os dados sócio-bio-demográficos da amostra para, após, discutir aspectos relacionados à percepção dos ingressantes e concluintes do curso de Psicologia analisado quanto ao domínio de teorias psicológicas, às áreas de exercício profissional e às atividades profissionais do psicólogo.

Como se evidencia na Tabela 1, participaram da pesquisa 46 ingressantes e 42 concluintes do curso de Psicologia. Do grupo de ingressantes 87% são mulheres e 13% são homens. Esta proporção no grupo dos concluintes foi de, respectivamente, 83,3% e 16,7%. Além disso, evidenciou-se que não houve diferença significativa na distribuição entre os sexos dos dois grupos analisados. Estes dados apontam para uma realidade exatamente igual à descrita em pesquisa a nível nacional, na qual se constatou a prevalência do sexo feminino no perfil do profissional em Psicologia. Este estudo identificou que 83,3% dos psicólogos brasileiros são do sexo feminino, enquanto 16,7% representam homens (BASTOS; GODIM; RODRIGUES, 2010).

Outro ponto relevante destacado na Tabela 1 refere-se aos 95,7% de ingressantes que relataram trabalhar durante o dia e estudar a noite, enquanto apenas 81,0% de concluintes possuíam as duas atividades. A análise da diferença de distribuição entre os grupos apontou diferença significativa (p<0,050; x2=4,710). Isso pode indicar que concluintes, por terem uma alta carga horária em estágios profissionais somados às disciplinas e, em alguns casos, ao trabalho de conclusão de curso, não tenham como se dedicar às tarefas laborais ao mesmo tempo em que cursam as etapas finais da graduação.

 

 

Cabe ressaltar que a realidade do curso de Psicologia no qual os alunos deste estudo estavam matriculados é semelhante à descrita no trabalho de Lisboa e Barbosa (2009). No estudo destes autores foi possível traçar o perfil das instituições de formação do profissional em Psicologia no Brasil, caracterizadas por serem, em sua maioria, instituições privadas, com fins lucrativos, de ensino presencial. Além disso, têm turnos parciais, geralmente à noite, com duração de dez semestres e uma carga horária aproximada de 40.000 horas.

A análise do currículo do curso de Psicologia em questão aponta para uma grande concentração de carga horária de estágios nos dois últimos semestres que, somados às atividades de trabalho de conclusão, acarretam uma sobrecarga de demandas acadêmicas. Essa realidade pode influenciar na dificuldade que concluintes do curso possuem para manter seus postos de trabalho nas etapas finais da sua formação, necessitando abdicar do trabalho para investir maior tempo nos estudos de conclusão da graduação. Como os dados se originam de uma instituição privada, que tem predominantemente trabalhadores como público discente, entende-se que a própria manutenção do pagamento das mensalidades apóia-se na possibilidade de conciliar os estudos e as atividades laborais.

Assim, sugere-se que o planejamento pedagógico dos currículos dos cursos de Psicologia atente para a realidade social cada vez mais vigente que aponta para a necessidade de conciliar estudo e trabalho. Como se evidencia nos dados da Tabela 1, a maioria dos ingressantes (93,5%) e dos concluintes (88,1%) não é formada em outro curso superior. Essa primeira experiência na universidade é a realidade da maioria dos estudantes e tende a ser cada vez mais observada na medida em que políticas federais estimulam o maior acesso ao ensino superior no Brasil por meio de diferentes Políticas Públicas como o PROUNI (APRILE; BARONE, 2009).

Esses aspectos socioeconômicos também se refletem na idade média dos ingressantes e concluintes do curso de Psicologia analisado. Observou-se que os ingressantes possuíam idade média de 24,35 anos (dp=8,16), enquanto os concluintes, 31,02 anos (dp=10,44). Em pesquisa nacional foi identificado que 51,4% dos psicólogos recém-graduados possuem idade entre 24 e 26 anos (MALVEZZI; SOUZA; ZANELLI, 2010).

Assim, os dados da presente pesquisa apontam que, provavelmente, o público discente deste curso de Psicologia trabalhe e busque a universidade para aprimoramento profissional, por isso a média de idade dos ingressantes esteja na faixa nacional da média de idade de concluintes. Além disso, a diferença significativa das médias de idade dos ingressantes e dos concluintes (p<0,001; t=-3,356) sugere, também, que os acadêmicos levam em torno de seis a sete anos para se formar. Este público discente tem dificuldades para cumprir com o planejamento curricular que, geralmente, exige a realização de cinco disciplinas semestrais, por vezes acrescidas de estágios realizados em turnos alternativos aos da faculdade. Isso evidencia, mais uma vez, que conciliar trabalho e estudo exige da gestão do curso de Psicologia um planejamento curricular diferenciado para os alunos da realidade analisada.

O planejamento curricular, além de estar em consonância com as demandas da comunidade em que está inserido, deve dar condições para que os acadêmicos desenvolvam competências e habilidades relacionadas a diferentes teorias psicológicas. Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para Cursos de Psicologia no Brasil (BRASIL, 2011a), o curso de graduação em Psicologia deve assegurar uma formação baseada em princípios e compromissos que incluem a compreensão de múltiplos referenciais que buscam apreender a amplitude do fenômeno psicológico. Neste sentido, examinou-se a percepção de domínio de ingressantes e concluintes quanto às principais teorias psicológicas utilizadas por psicólogos brasileiros, sendo os resultados apresentados na Tabela 2.

Evidenciou-se diferença significativa (p<0,001) entre as médias de ingressantes e concluintes em todas as teorias citadas no estudo. Isso sugere que o curso de Psicologia em questão gerou a percepção em seus concluintes de acréscimo de domínio significativo de todas as abordagens teóricas citadas.

Esse dado aponta para um aspecto positivo quanto às repercussões pedagógicas da atual organização curricular do curso analisado. No entanto, outros dados devem ser considerados para uma avaliação mais global quanto ao ensino das teorias psicológicas neste curso. Neste sentido, fica destacada a percepção dos concluintes de terem maior domínio das teorias Comportamental (M=3,43) e Cognitivista (M= 3,40). Tal resultado pode ser justificado com uma análise da grade curricular do curso de Psicologia no qual o estudo foi realizado, que apresenta 34 disciplinas predominantemente teóricas, das quais 13 (38,2%) versam sobre teorias cognitivas e/ou comportamentais, enquanto todas as outras seis teorias estão divididas entre as demais 21 disciplinas (61,8%). Constata-se, assim, um desequilíbrio no planejamento da oferta de estudos de diferentes abordagens teóricas, sugerindo a necessidade de redimensionamento desta questão em uma possível reformulação curricular.

Outro ponto relevante a ser discutido é o fato de que apenas as teorias Comportamental e Cognitiva atingiram médias acima de três (considerado no instrumento como ponto de percepção de domínio mediano da teoria). Isso pode revelar uma consequência do desequilíbrio de oportunidades de estudo sobre diferentes teorias no curso examinado. Outra hipótese interpretativa aponta para, em razão de avanços teóricos e empíricos em diversas áreas do saber psicológico, a existência de um novo redirecionamento no processo formativo em Psicologia, com a inclusão e o desenvolvimento de conhecimentos de outras teorias psicológicas outrora menos presentes nos currículos. Assim, entende-se que a diversificação teórica da graduação pode representar um enriquecimento na capacidade de reflexão e diálogo entre profissionais, sendo necessário para tal, também, maior desenvolvimento das teorias de menor percepção de domínio no curso.

 

 

Desta forma, visando dirimir os déficits na formação identificados na presente pesquisa, sugere-se a necessidade de implementação de mudanças curriculares e pedagógicas no curso analisado. Desta feita, para contemplar os aspectos anteriormente citados, poder-se-ia buscar uma melhor distribuição curricular e oferta de disciplinas teóricas sobre as abordagens que revelaram menor percepção de domínio por parte dos concluintes do curso. Além disso, medidas de formação como cursos de extensão, atividades de pesquisa, convênios, estágios e disciplinas optativas também poderiam ser adotadas, visando qualificar o ensino das teorias psicodinâmicas e sócio-históricas no curso. Desta forma, o curso poderia atender de maneira mais efetiva ao que é preconizado pelas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) quanto ao conhecimento de diferentes teorias.

Além das teorias psicológicas, as Diretrizes Curriculares Nacionais para Cursos de Psicologia (BRASIL, 2011a) versam sobre as áreas de exercício profissional do psicólogo. Neste documento, é salientado que o curso de graduação em Psicologia deve assegurar uma formação que contemple a atuação em diferentes contextos. Entre os aspectos que abordam questões relacionadas às áreas de atuação, o dispositivo das ênfases curriculares se apresenta como alternativa curricular que proporciona um maior aprofundamento de estudos em determinadas temáticas durante o curso. Segundo essas diretrizes, cada instituição tem liberdade para oferecer ênfases curriculares que atentem para o perfil do egresso almejado e para as demandas da comunidade na qual o curso está inserido. Essa medida visa preparar o futuro profissional para atuar junto às principais necessidades da população de sua região de abrangência.

Neste sentido, o curso em que a pesquisa foi realizada apresenta duas ênfases curriculares: a) Psicologia Social e da Saúde e b) Psicologia do Trabalho. Assim, estimava-se que as áreas citadas no instrumento desta pesquisa que alcançariam maior média de percepção de domínio de concluintes seriam Psicologia Social e Comunitária, Psicologia da Saúde e Hospitalar e Psicologia Organizacional e do Trabalho. No entanto, como se evidencia na Tabela 3, os dados apontaram outros resultados.

 

 

Primeiramente, cabe ressaltar que os resultados apresentados na Tabela 3 indicaram diferença significativa entre as médias de ingressantes e concluintes do curso em todas as áreas pesquisadas (p<0,001). Isso aponta novamente o alcance de um objetivo almejado por qualquer curso superior: que seus alunos percebam que as ações pedagógicas adotadas pelo curso resultem no maior domínio das diferentes áreas de exercício profissional.

Destacam-se com médias superiores a três os campos de Psicologia Clínica e Avaliação Psicológica (M=3,31) e Psicologia Social e Comunitária (M=3,12). Com médias entre 2,90 e 2,81, encontram-se as áreas da Psicologia da Saúde e Hospitalar, Psicologia Educacional e Escolar e Psicologia Organizacional e do Trabalho. Já Docência e Pesquisa em Psicologia e Psicologia Jurídica obtiveram as médias mais baixas (M=2,46 e M=2,52, respectivamente).

Embora a área de Docência e Pesquisa em Psicologia tenha atingido a menor média de percepção de domínio por parte dos concluintes, a análise estatística evidenciou que esta área sofreu proporcionalmente um dos maiores acréscimos em relação à média de ingressantes (d=-1,47). Além disso, a média baixa também pode ter sido atingida, uma vez que os alunos concluintes estavam, em sua maioria, em plena fase de elaboração e execução de seu trabalho de conclusão, etapa comumente relacionada com sentimentos de incerteza e ansiedade quanto à qualidade do trabalho. Estima-se que, após a defesa do trabalho e finalização desta importante ferramenta curricular de ensino na área de pesquisa em Psicologia, a percepção de domínio dos alunos pudesse aumentar.

Ressalta-se, no entanto, que as áreas eleitas como mais importantes para a formação no curso analisado e que possuem status de ênfase curricular (Psicologia Social e da Saúde e Psicologia do Trabalho) devem ser melhor trabalhadas em termos curriculares e pedagógicos, especialmente a ênfase em Psicologia do Trabalho. Isso é evidenciado, também, na Tabela 4, que indica médias muito baixas de percepção de domínio de concluintes quanto a atividades como avaliação de desempenho (M=2,41), consultoria (M=2,33) e diagnóstico organizacional (M=2,26).

No tocante ao domínio de algumas das atividades profissionais que o psicólogo mais realiza no país, a Tabela 4 indica que houve diferença significativa (p<0,001) entre todas as médias dos dois grupos analisados.

As atividades profissionais que concluintes consideraram mais dominar foram psicoterapia individual (M=3,60), elaboração de pareceres e laudos psicológicos (M=3,31), psicodiagnóstico (M=3,26) e orientação de pais (M=3,17). Aquelas práticas que possuíram maiores diferenças entre as médias de ingressantes e concluintes foram, em ordem, psicodiagnóstico (t=-11,192), aplicação de testes psicológicos (t=-8,439) e elaboração de pareceres e laudos (t=-9,828), justificando por que concluintes consideraram a área de Psicologia Clínica e Avaliação Psicológica como a que mais dominam (Tabela 3).

As práticas que concluintes perceberam dominar menos foram planejamento de política educacional (M=1,88), docência em Psicologia (M=2,12), diagnóstico organizacional (M=2,26) e consultoria (M=2,33). Esses dados podem evidenciar uma insegurança dos concluintes quanto ao desenvolvimento de habilidades e competência relacionadas à atuação nos campos de gestão organizacional e educação. No tocante à área de educação, examinando os dados estatísticos quanto aos menores tamanhos de efeito entre as diferenças de médias entre os grupos de ingressantes e concluintes, observa-se a menor percepção de desenvolvimento de habilidades relacionadas ao planejamento e política educacional (d=-0,71), orientação psicopedagógica (d=-0,84) e atendimento a crianças com distúrbios de aprendizagem (d=-0,87).

 

 

Assim, indica-se uma especial atenção às áreas relacionadas à educação. Neste sentido, uma sugestão para aumentar a abrangência de desenvolvimento de habilidades e competências do psicólogo nesta área seria o investimento sobre a diversificação das práticas do serviço-escola. Este é um instrumento pedagógico que tem como objetivo consolidar o Projeto Pedagógico do Curso, trazendo, assim, benefícios diretos à comunidade atendida e proporcionando ao aluno uma experiência de inquestionável importância em sua formação (BOECKEL et. al., 2010).

Outro aspecto a salientar sobre o domínio das atividades profissionais foi o fato de que, dentre as 15 áreas investigadas, 11 áreas obtiveram média inferior a três. Sugere-se uma intervenção relacionada à intensificação das práticas profissionais em estágios nos quais o acadêmico possa desenvolver suas habilidades nas diferentes áreas de atuações do psicólogo, aumentando assim sua percepção de domínio. Uma nova estruturação curricular prevendo estágios com menor carga-horária e mais distribuídos ao longo dos semestres é uma possível alteração que pode gerar resultados positivos para a formação.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tomando as indicações das Diretrizes Curriculares (Brasil, 2011a) quanto à necessidade de avaliações para o aprimoramento da formação do psicólogo no Brasil, este estudo objetivou conhecer a percepção de ingressantes e concluintes do curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Taquara quanto ao domínio de teorias, áreas de atuação e atividades profissionais do psicólogo. Com os resultados obtidos se almeja contribuir para a discussão dos Projetos Pedagógicos dos cursos de Psicologia e suas revisões curriculares.

No presente estudo se evidenciou o crescimento acadêmico dos alunos, visto que concluintes apresentaram, de maneira estatisticamente significativa, maior percepção de domínio de todas as teorias psicológicas, áreas e atividades profissionais do psicólogo em comparação com acadêmicos ingressantes. Embora se trate de uma pesquisa de autorrelato, em que os resultados poderiam ser questionados quanto à influência da desejabilidade social nas respostas, entende-se que os dados apresentados podem servir de medida para a avaliação do curso em questão. Isso porque a percepção de domínio dos itens analisados vai ao encontro do resultado alcançado pelos alunos do curso estudado no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) de 2009. Nesta avaliação os concluintes do curso obtiveram a terceira melhor nota entre os cursos de Psicologia do Estado do Rio Grande do Sul, sendo a nota mais alta entre as instituições privadas de ensino. Além disso, nesta mesma avaliação conduzida pelo Ministério da Educação, os concluintes obtiveram o segundo melhor IDD (Indicador de Diferença entre o Desempenho Observado e Esperado) do Estado, evidenciando a diferença de rendimento entre os ingressantes e concluintes do curso e o quanto a vivência do curso acrescentou aos estudantes.

Com base nos resultados do presente trabalho é possível dizer que o curso em questão oferece uma ampla e qualificada formação em Psicologia, pois proporciona maiores médias de percepção de domínio em seus concluintes quando comparado a seus ingressantes. Vale ressaltar que o presente estudo apresenta limitações por não ser longitudinal, ser constituído de uma amostra pequena e ser composto de teorias, áreas e práticas profissionais que poderiam ser ampliadas.

Com base nestas limitações se sugere novas pesquisas de caráter longitudinal sobre o tema. Também a replicação deste estudo após alguns anos, objetivando avaliar as medidas operadas pela coordenação do curso no tocante à melhoria da formação oferecida, tende a contribuir de maneira significativa para o aprimoramento do curso da mesma maneira que este trabalho preconizou. Além disso, sugere-se a aplicação deste instrumento em outros cursos visando conhecer as diferenças das realidades formativas do país gerando a possibilidade de intercâmbio de informações e estratégias de formação em Psicologia.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 25/04/2012
Aceito em: 27/09/2012

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