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Psicologia Ensino & Formação

versão impressa ISSN 2177-2061versão On-line ISSN 2179-5800

Psicol. Ensino & Form. vol.6 no.2 São Paulo  2015

 

ARTIGO

Vivência acadêmica de alunos ingressantes no curso de Psicologia

Academic Experience of freshman students in psychology course

Lucila Moraes CardosoI, Christiane Souza GarciaII, Fernanda Tedeschi SchroederIII

I Professora do curso de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, CE. E-mail: lucilamcardoso@yahoo.com.br

II Psicóloga, Especialista em Psicologia escolar e da aprendizagem pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, SP. E-mail: tiane.sg@terra.com.br

III Psicóloga pelo Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, Itu, SP. E-mail: fer.tschroeder@gmail.com




RESUMO

O ingresso no ensino superior tem sido compreendido como momento potencializador de crises no processo de desenvolvimento dos jovens. Nessa perspectiva, este estudo objetivou levantar informações sobre a integração acadêmica de ingressantes no curso de psicologia. Foi usado um banco de dados com 94 protocolos do Questionário de Vivência Acadêmicas (QVA-r) proveniente de duas instituições de ensino superior do interior paulista. Foram feitas comparações entre os grupos considerando as cinco dimensões do QVA-r e o escore total e houve diferenças em relação às dimensões estudo e interpessoal para acadêmicos que trabalham e que não trabalham, e nas dimensões institucional e estudo, entre os que trabalham em período integral, um período do dia e em períodos alternados. Após nove meses, 85% dos graduandos que responderam o questionário continuavam o curso e, ao comparar os protocolos dos que continuaram com os desistentes, verificou-se que os desistentes tinham médias menores na dimensão carreira.

PALAVRAS-CHAVE: ensino superior; estudantes universitários-psicologia; vivência acadêmica.




ABSTRACT

The admission in higher education has been understood as a potentiating crisis moment on youth development process. In this perspective, this study aimed to gather information on the academic integration of new first-year Psychology students. We have used a database with 94 protocols - reduced version - of Questionário de Vivências Acadêmicas / Questionnaire of Academic Experiences (QVA - r ) from two higher education institutions in São Paulo State. Comparisons were made among groups considering the five dimensions and the total score of QVA - r. There was differences for: a) the dimensions “study” and “interpersonal” for academics who work and do not work; b) the dimensions “institutional” and “study” among those who have a full-time job, a part-time and alternate period job. After nine months, 85% of the students who answered the questionnaire continued the course; then, when compared to the protocols of those who abandon the course, the results have shown that dropouts students use to have lower averages in the dimension career.

KEYWORDS: higher education; College students – psychology; academic experience.




INTRODUÇÃO

Pensando no crescente número de ingressantes nas universidades, não só no Brasil, mas também em outros países, Teixeira, Castro e Piccolo (2007) argumentam sobre a importância de estudos voltados a conhecer melhor essa população, que, muitas vezes, ao entrar na universidade, depara-se com grandes mudanças em seu cotidiano. A transição do ensino médio para o ensino superior pode ser compreendida como um momento potencializador de crises e desafios no processo de desenvolvimento dos jovens na medida em que envolve questões pessoais, sociais, vocacionais, institucionais (ALMEIDA; SOARES; FERREIRA, 2002; POLYDORO; PRIMI, 2003; TEIXEIRA; CASTRO; PICOLLO, 2007), e também uma nova organização em relação ao tempo (LEITE; TAMAYO; GÜNTHER, 2003).

Para Almeida e Soares (2003, p.18): “(...) a transição para o Ensino Superior é uma transição particularmente exigente que confronta os alunos com uma série de novos e complexos desafios em diferentes áreas das suas vidas”. Santos et al. (2013) mencionam que entender essa transição envolve entender a interação entre características dos ingressantes e do contexto universitário, assim como as mudanças que geram essa experiência para ambas as partes. Assim, conforme apontam os autores, essa integração pode ser entendida como um processo complexo, construído no cotidiano do ingressante e que envolve a expectativa deste com seus próprios processos e com os da instituição.

Todos esses processos se relacionam com a formação da identidade e amadurecimento pessoal e profissional nas relações com familiares, colegas e profissionais. De modo que “a integração acadêmica é vista como um processo multifacetado, complexo e multidimensional que se constrói no cotidiano pela troca entre as expectativas e características dos estudantes e a estrutura, elementos organizacionais e a comunidade que compõem a instituição” (SANTOS; SUEHIRO, 2007, p. 108).

Almeida e Soares (2003) apontam que o primeiro ano da universidade pode ser considerado um período potencializador de conflitos e desafios e também um determinante da frequência universitária dos jovens. Sendo essa uma população que enfrenta dificuldades na transição educativa, os autores colocam-na como uma população-alvo nos estudos de adaptação e desenvolvimento humano nesse contexto. Essa problemática justifica a importância de instituições de ensino superior se preocuparem com o processo de integração dos jovens ingressantes ao meio acadêmico. Santos e Suehiro (2007) defendem que para conseguir compreender os aspectos dessa integração no meio acadêmico sejam usados instrumentos válidos e confiáveis.

Devido à escassez de instrumentos para esse contexto de avaliação, em 1999, Almeida, Ferreira e Soares elaboraram o Questionário de Vivência Acadêmicas (QVA), criado em Portugal. O questionário original possuía 170 itens em escala Likert, que avaliava 17 dimensões, entretanto, a extensão do material demandava tempo do examinador e o resultado era influenciado pelo cansaço do examinando. Após análise fatorial realizada pelo próprio autor, verificou-se a possibilidade de reduzir o número de questões e dimensões. Desse modo, o QVA-r (versão reduzida) foi publicado em Portugal no ano de 2002. A nova versão mantinha o objetivo inicial, contudo, a redução para 60 itens em escala Likert e a existência de cinco dimensões viabilizou o seu uso em um número maior de situações (ALMEIDA; SOARES; FERREIRA, 2002).

A adaptação do instrumento para o Brasil foi realizada por Granado et al. (2005). O estudo contou com 626 estudantes ingressantes nas áreas de Humanas, Biológicas e Exatas, de duas universidades, uma pública e outra privada. Os participantes tinham idade entre 17 e 58 anos, sendo a maioria mulheres e estudantes do período noturno. Por meio de análise fatorial, foram excluídos cinco itens e obtidos os mesmos fatores da escala original.

O QVA-r adaptado tem como objetivo aprofundar os conhecimentos acerca das dimensões que compõem o processo de integração acadêmica, destinando-se aos acadêmicos ingressantes na vida universitária. A tarefa do examinando é ler cada um dos 55 itens e para cada um deles pontuar quanto que ele se identifica com aquela frase, variando de 1 - nada a ver comigo, até 5 - tudo a ver comigo. A aplicação pode ser individual ou coletiva, durando aproximadamente 45 minutos.

As cinco dimensões que o QVA-r avalia são Pessoal, Interpessoal, Carreira, Estudo e Institucional. A seguir, são descritas cada uma das dimensões, a quantidade de itens que a compõe e seus índices de fidedignidade. A dimensão pessoal envolve o bem-estar físico e psicológico, incluindo aspectos emocionais e pessoais, tais como a estabilidade afetiva, o otimismo, a tomada de decisões, a autonomia e autoconceito (composta por 14 itens e α=0,84). A dimensão interpessoal envolve o relacionamento com os colegas, fornecendo dados sobre o estabelecimento de amizades, atribuição da importância dos colegas, procura de ajuda e percepção de habilidades sociais (12 itens e α=0,83). A dimensão Carreira se relaciona com a perspectiva de segurança na escolha do curso e carreira, de modo que fornece elementos sobre a percepção de envolvimento e competência pessoal para o curso e carreira (12 itens e α=0,86). Já a dimensão Estudo considera as competências, hábitos de estudo e gestão do tempo, considerando, inclusive, aspectos relacionados a estratégias de aprendizagem e organização do estudo para avaliação (nove itens e α=0,78). A última dimensão, Institucional, envolve o compromisso com a instituição frequentada, levando em consideração a intenção em permanecer ou não na instituição, conhecimento dos serviços e avaliação da infraestrutura (oito itens e α=0,77) (Granado et al., 2005).

Como uma boa precisão é uma condição necessária, mas não suficiente para que um teste seja válido, foram realizados diversos estudos de evidências de validade. Alguns dos estudos que contribuem para evidencias de validade no Brasil foram realizados por Schleich, Polydoro e Santos (2006), Santos e Suehiro (2007), Teixeira, Castro e Piccolo (2007), entre outros.

Schleich, Polydoro e Santos (2006) realizaram um estudo no qual um dos objetivos era identificar e analisar a integração na educação superior e a satisfação acadêmica de estudantes ingressantes e concluintes. Para tal, participaram 351 graduandos das primeiras e quartas séries de cursos de Administração, Ciência da Computação, Jornalismo e Publicidade e Propaganda, oferecidos no período noturno de uma instituição de ensino superior particular do interior do Estado de São Paulo. No estudo, foi administrado, em uma única sessão coletiva, o QVA-r e a Escala de Satisfação com a Experiência Acadêmica (ESEA). Nos resultados, observou-se que os ingressantes estavam mais integrados que os concluintes com diferenças significativas nas dimensões Carreira e Institucional. O nível de satisfação acadêmica também foi maior entre os ingressantes do que entre os concluintes, com diferenças significativas em todas as dimensões. Além disso, verificou- se correlação positiva e significativa entre integração e satisfação para os ingressantes e concluintes.

Santos e Suehiro (2007) objetivaram buscar evidência de validade convergente entre o QVA-r e Escala de Satisfação com a Experiência Acadêmica (ESEA), bem como explorar diferenças quanto à idade, ao sexo e à série. Os instrumentos foram administrados em 247 estudantes de psicologia, com idade entre 17 e 61 anos. Verificou-se que os instrumentos avaliam construtos similares. As dimensões “pessoal” e “estudo” do QVA-r apresentaram fraca correlação positiva com a idade, e na comparação entre os grupos não houve diferenças em função do sexo. Ademais, observou-se que os ingressantes com visão mais positiva em relação às oportunidades oferecidas pelo curso tendem a relatar maior satisfação com a instituição que frequentam.

Teixeira, Castro e Piccolo (2007) objetivaram investigar possíveis correlatos da adaptação à universidade em estudantes universitários. Participaram do estudo 342 estudantes dos cursos de Direito, Psicologia e Veterinária, com média de idade de 21,2 anos. As dimensões do QVA-r foram correlacionadas com seis variáveis, a saber, participação em atividades extracurriculares, percepção sobre o suporte familiar em relação à escolha profissional realizada, suporte emocional recebido pela família, nível de interação fora da sala de aula com professores, nível de comportamento exploratório vocacional e ano do curso. Dentre os resultados principais, verificou-se que as variáveis exploração de si e nível de interação extraclasse com professores foram as que mais se correlacionaram com todos os cinco indicadores de adaptação, enquanto a exploração do ambiente apresentou correlações mais baixas com as dimensões do QVA-r, a exceção da dimensão estudo que não teve correlação. O apoio familiar emocional percebido apresentou uma relação significativa fraca com a dimensão interpessoal da adaptação.

Outro estudo utilizando o QVA-r foi realizado por Igue, Bariani e Milanesi (2008), que objetivaram identificar se havia variação nas vivências acadêmicas entre estudantes de primeiro e último ano de um curso de Psicologia no Estado de São Paulo. O estudo foi realizado com 203 participantes, sendo 103 alunos do primeiro ano e 100 do ano final do curso. Para a pesquisa, foi utilizado o QVA-r e uma pergunta investigando sobre a vivência acadêmica e expectativas dos estudantes de ambos os anos. Os resultados indicaram diferenças significativas entre os grupos na dimensão “institucional” e “estudo”, sendo que os iniciantes demonstraram maior vínculo com a instituição do que os concluintes, enquanto que os estudantes do último ano apresentaram maior competência para os estudos do que os iniciantes.

No Brasil, foram criados outros instrumentos para avaliação da vivência acadêmica, tais como a Escala de Integração ao Ensino Superior e Escala de Avaliação da Vida Acadêmica. No entanto, os próprios autores apontaram a necessidade de ajustes e, por isso, os pesquisadores têm optado por usar o QVA-r adaptado (SANTOS; SUEHIRO, 2007; TEIXEIRA; CASTRO; PICCOLO, 2007), que possui bons índices de precisão e evidências de validade (SANTOS et al., 2010).

Após fazer um levantamento dos principais estudos brasileiros sobre a integração acadêmica de ingressantes no ensino superior, Santos et al. (2010) reforçaram a importância de ampliar os estudos relacionados à integração acadêmica, destacando os estudos longitudinais e as pesquisas com instituições de diferentes tipos de natureza (pública ou privada) ou organizações acadêmicas (universidade, faculdade, entre outros), bem como os que visassem a compreensão mais aprofundada do perfil do universitário. Considerando que aspectos relacionados ao ingresso na vida acadêmica mudam cada vez mais rapidamente e precisam ser acompanhados para assegurar a qualidade da vivência acadêmica, o presente estudo teve como objetivo levantar informações sobre o processo de integração de jovens ingressantes no curso de psicologia provenientes de duas instituições com diferentes organizações acadêmicas.

MÉTODO

Banco de dados

O banco de dados foi composto pelo QVA-r de graduandos matriculados no 2º semestre do curso de Psicologia provenientes de duas instituições de ensino superior. As duas instituições estão localizadas no interior do Estado de São Paulo. A instituição A é um Centro Universitário, no qual o curso de psicologia é recente (primeiro ano) e tem três turmas, sendo duas no período noturno e uma no período diurno. A instituição B, é uma Faculdade, e oferta o curso de psicologia há 7 anos, tendo uma única turma no período noturno, e recentemente reconhecido pelo MEC.

A administração do QVA-r foi realizada como parte de uma atividade acadêmica ministrada para a aprendizagem dos alunos. Nesta atividade, os alunos respondiam ao QVA-r sem necessidade de se identificar e posteriormente montavam um banco de dados com o objetivo de aprenderem a montar banco de dados e fazer análises estatísticas.

Os QVA-r foram administrados de forma coletiva, sendo que havia aproximadamente vinte graduandos por sessão. Eles deveriam responder o instrumento individualmente e levou aproximadamente 25 minutos para que todos terminassem a tarefa.

Após realizarem a atividade, os graduandos tinham liberdade para autorizar ou não o uso do questionário preenchido por eles em pesquisas futuras. Nesta situação, os questionários autorizados para uso em pesquisa eram separados dos demais e alimentados em um banco do professor da disciplina.

Ao todo, foram selecionados 94 protocolos de alunos que cursavam o 2o semestre do curso no mesmo ano, sendo 75% de acadêmicos da instituição A e 25% da instituição B. Do total de participantes, 72% são do sexo feminino, com idade entre 18 e 56 anos (M = 26 anos, DP = 9,57 e m 21 anos). 35% estudam no período matutino e 65% no período noturno, e todos afirmaram interesse em dar continuidade ao curso atual. No que se refere a atividades profissionais, 73% afirmou trabalhar e, destes, 37,7% em um único período do dia, 50,7% em período integral e 11,6% em períodos alternados ou sem horário fixo.

Instrumento

Questionário de Vivência Acadêmica - versão reduzida (QVA-r), que tem como objetivo aprofundar os conhecimentos acerca das dimensões que compõem o processo de integração acadêmica dos estudantes do ensino superior, considerando as dimensões “pessoal”, “interpessoal”, “carreira”, “estudo” e “institucional”. O questionário de autorrelato é composto por 55 questões dispostas em escala Likert de cinco pontos, sendo a resposta 1 - nada a ver comigo, 2 - pouco a ver comigo, 3 - às vezes acontece comigo, 4 - bastante a ver comigo e 5 - tudo a ver comigo. Algumas questões possuem redação no sentido negativo e, por isso, na hora de corrigir, devem ser invertidas para que os resultados sejam compreendidos na mesma direção, de modo que os valores menores se associem à menor integração e os maiores, à maior integração.

Procedimentos

Ao solicitar autorização para uso do banco do QVA-r, tomou-se o cuidado de verificar se os procedimentos de administração do QVA-r haviam seguido o mesmo padrão nas duas instituições. Após fazer essas conferências, os bancos das professoras foram unificados e foram feitas as análises estatísticas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste estudo, utilizaram-se procedimentos de estatística descritiva e inferencial. Inicialmente foi feita análise descritiva, considerando a média da pontuação dos alunos que responderam o QVA-r, conforme Tabela 1.

 

 

Após fazer a estatística descritiva da pontuação dos sujeitos, conforme Tabela 1, verificou-se que os participantes avaliaram a sua integração acadêmica um pouco acima da média, sendo que a média do escore total foi 3,99 (DP=0,38). Este é um indício de que os participantes possuem uma percepção positiva da vivência acadêmica, sentindo-se, de modo geral, integrados ao contexto do ensino superior, sugerindo interesse e motivação para a escolha feita. Esses aspectos são fundamentais para lidar com a transição do Ensino Médio para o Superior, possibilitando melhor desempenho escolar e psicossocial (ALMEIDA; SOARES, 2003) e integração ao Ensino Superior (SANTOS et al., 2013).

Ao fazer uma análise das dimensões com maior e menor pontuação, observou-se que os alunos tiveram maior média no que se refere à dimensão “carreira” (M = 4,34; DP=0,56), denotando identificação com o curso e com a carreira escolhida. Nos estudos de Schleich, Polydoro e Santos (2006), e de Santos e Suehiro (2007), a dimensão “carreira” também foi a que obteve maior pontuação. No primeiro estudo, os ingressantes do ensino superior obtiveram média na dimensão “carreira” de 3,96 (DP= 0,68), sendo essa maior que a dos concluintes (M=3,71 e DP=0,71), enquanto que, no segundo estudo, a média foi 4,31 (DP=0,55), considerando ingressantes e concluintes. Desse modo, sugere-se que os graduandos da amostra denotam segurança em relação à escolha do curso e carreira, com percepção positiva para a competência pessoal para seguir com o curso escolhido, no caso o curso de psicologia.

A segunda maior média foi na dimensão “interpessoal”. A média nessa dimensão está elevada, mas há indícios de que parte dos acadêmicos não percebe as relações interpessoais estabelecidas de modo positivo já que essa variável apresentou maior amplitude, isto é, maior variação entre os que consideram ter uma percepção positiva ou negativa do relacionamento com os colegas. De acordo com Polydoro e Primi (2003), as características pessoais e o interesse por estabelecer relações de amizade são importantes para a adaptação ao contexto acadêmico. Desse modo, pode-se dizer que esses graduandos teriam um prognóstico favorável para superar as dificuldades relacionadas à adaptação ao meio acadêmico.

Em relação à menor média, verificou-se que os valores nas dimensões “estudo” (M = 3,82; DP = 0,58), “pessoal” (M = 3,86; DP = 0,57) e “institucional” (M = 3,87; DP = 0,55) foram muito próximos. Nos estudos de Schleich, Polydoro e Santos (2006), Santos e Suehiro (2007) e Igue, Bariani e Milanesi (2008) também foram observadas menores média na dimensão “pessoal” (respectivamente, M = 3,47; DP = 0,59, M = 3,42; DP = 0,60 e M = 3,26, nos ingressantes).

Desse modo, embora a média da dimensão “pessoal” esteja reduzida em relação ao desempenho nas demais dimensões, observa-se que, comparativamente com outros grupos, ela está de acordo com o esperado. Essa percepção mais negativa das questões pessoais pode estar associada ao momento de transição comum aos ingressantes no ensino superior, na medida em que eles precisam se reorganizar em relação a diversos aspectos de sua vida (ALMEIDA; SOARES; FERREIRA, 2002; LEITE; TAMAYO; GÜNTHER, 2003; SCHLEICH; POLYDORO; SANTOS, 2006; TEIXEIRA; CASTRO; PICOLLO, 2007).

No que se refere às médias nas dimensões “estudo” e “institucional”, os dados sugerem que os graduandos se percebem com competências medianas na organização para os estudos e na relação com a instituição que frequentam, incluindo o conhecimento que possuem sobre os serviços e infraestrutura oferecidos pela instituição, bem como o interesse de permanecer ou não na instituição. Quanto ao interesse de permanecer na instituição, destaca-se que 100% dos participantes informaram querer dar continuidade à formação.

Após análise descritiva, foi feita a comparação de média da soma dos pontos dos alunos no escore total e em cada uma das cinco dimensões do QVA-r, o Teste t de student em relação à diferença entre as instituições A e B, sexo masculino e feminino, se estuda no período noturno ou diurno, diferença de idade considerando duas amostras a partir da mediana da idade e entre os acadêmicos que realizam alguma atividade profissional e os que não trabalham. Em todas essas comparações só foi obtida diferença significativa entre graduandos trabalhadores e os que não trabalham na dimensão “estudo” (p=0,05) e na dimensão “interpessoal” (p=0,04).

Os graduandos que trabalham apresentaram menores competências em relação ao hábito de estudo e gestão do tempo, indicando menor frequência de uso de estratégias de aprendizagem e organização do estudo para avaliações e também denotaram percepção mais negativa no que se refere ao relacionamento com os demais graduandos. Ao ter se deparado com dados semelhantes, Schleich, Polydoro e Santos (2006) argumentam a possibilidade de que isso ocorra pelo fato de ser frequente a situação de trabalhadores que escolhem instituições de ensino superior em que estudarão pela facilidade de acesso a partir do local onde moram ou trabalham. Sendo comum que façam cursos diferentes dos que idealizaram fazer pelo fácil acesso ao mercado de trabalho.

Em seguida, foi feita a comparação de média por meio da Análise de Variância (ANOVA) entre os grupos que trabalham em período integral, um período do dia e períodos alternados, ou sem horário fixo em relação ao escore total e às cinco dimensões do QVA-r. Verificou-se diferença significativa na dimensão “institucional” [F(2,51)=7,389, p=0,002] e na dimensão “estudo” [F(2,51)=3,755, p=0,031].

Os alunos que trabalham em período integral indicaram ter menos Vínculo com a instituição, seguidos dos que trabalham um período do dia e, por fim, os que trabalham em períodos alternados ou sem horário fixo, que demonstraram melhor vinculação acadêmica. Essa diferença foi significativa principalmente na comparação dos que trabalham em período integral e os que trabalham sem horário fixo. Desse modo, os alunos que trabalham em período integral têm percepção mais negativa em relação à instituição frequentada e também à competência de se organizar as demandas dos estudos e demais atividades da vida cotidiana. Alguns autores argumentam que é frequente os universitários precisarem reduzir as horas antes dedicadas ao descanso ou à alimentação para conciliar as demandas profissionais com as acadêmicas (LEITE; TAMAYO; GÜNTHER, 2003).

Nove meses após a coleta dos dados do QVA-r foi verificado quais dos respondentes ainda estavam matriculados no curso de psicologia e verificou-se que 85% continuavam no curso. Em seguida, foi feita uma análise t de student para verificar a diferença de médias entre os que deram continuidade ao curso e os desistentes em relação às dimensões do QVA-r. Verificou-se que a média na dimensão “carreira” (p=0,001) dos que deixaram o curso era significativamente menor dos alunos que deram continuidade ao curso. Nas demais dimensões, não houve diferenças significativas.

Esse conjunto de dados corrobora a importância de instituições de ensino mapearem a percepção dos ingressantes sobre suas vivências acadêmicas. Esse cuidado pode contribuir para diminuir o número de desistentes no início do curso e, principalmente, para que possam ser realizadas intervenções de apoio ao universitário, minimizando as dificuldades enfrentadas no período inicial do curso. O QVA-r mais uma vez demonstrou ser um instrumento capaz de verificar essas percepções entre os universitários, conforme já descreveram Granado et al. (2005) e Santos et al. (2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conjunto dos resultados indicou que os participantes da amostra possuem uma percepção positiva da vivência acadêmica, percebendo-se integrados ao contexto do ensino superior e demonstrando motivação para a escolha feita. No entanto, destaca-se que o material usado nesta pesquisa consiste num banco de dados composto somente pelos protocolos do QVA-r de alunos que consentiram no uso posterior do questionário para pesquisa. Pode ser que os alunos que o consentiram fossem justamente os acadêmicos que estivessem se sentindo mais integrados ao contexto universitário, sendo esse um viés do presente estudo.

Ainda assim, é interessante observar que, após nove meses, 15% dos graduandos haviam se desligado do curso de psicologia e que, ao fazer a comparação entre esse grupo e os que deram continuidade ao curso, havia diferença na dimensão “carreira”. Desse modo, ao responder o QVA-r, o grupo de desistentes já apresentava algum indício de falta de identificação com o curso, embora não tivesse expressado a intenção ao responder a questão sobre o interesse de dar continuidade ao curso.

Outro dado interessante foi não haver diferença significativa nas comparações de média relacionadas ao sexo e idade dos respondentes, período do curso (noturno ou diurno) frequentado e organização acadêmica da instituição (centro universitário ou faculdade). Notando-se diferença somente em relação aos alunos que trabalham e não trabalham, nas dimensões “estudo” e “interpessoal”, e entre o grupo dos que trabalham, em relação às dimensões “estudo” e “institucional”. Esse dado é particularmente relevante na medida em que é freqüente, no Brasil, pessoas trabalharem para custearem seus estudos.

Por fim, destaca-se que esse é o recorte da avaliação da integração acadêmica observado em duas instituições específicas do interior de São Paulo. É interessante que sejam conduzidos novos estudos para analisar a integração acadêmica em um número maior de instituições de ensino, ampliando a diversidade da amostra.

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