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Psicologia Ensino & Formação

Print version ISSN 2177-2061On-line version ISSN 2179-5800

Psicol. Ensino & Form. vol.8 no.2 São Paulo July/Dec. 2017

http://dx.doi.org/10.21826/2179-58002017811421 

Artigo

NUPSI: Perfil dos Usuários, suas Demandas de Atenção Psicológica e Modalidades de Atendimento

NUPSI: Profile of the Users, their Demands for Psychological Care and Modalities of Care

NUPSI: Perfil de los Usuarios, sus Demandas de Atención Psicológica y Modalidades de Atención

 

 

Laylla Carolina Silva GendirobaI, Pedro Paulo Almeida PimentelII, Luiz Carlos Castello Branco RenaIII

I Graduanda em Psicologia. Pontífica Universidade Católica de Minas Gerais.

II Graduando em Psicologia. Pontífica Universidade Católica de Minas Gerais.

III Professor de Psicologia da Pontífica Universidade Católica de Minas Gerais.

E-mail

 


Resumo

Neste artigo, apresentamos os resultados de pesquisa realizada nos arquivos de prontuários do NUPSI, Clínica-escola do Curso de Psicologia da PUC Minas/Betim, que teve como objetivo descrever o perfil dos usuários e identificar as demandas predominantes. Como estudo quanti-qualitativo e documental, os dados foram coletados, por meio de formulário construído especificamente para esta finalidade, em uma amostra aleatória do conjunto de prontuários arquivados desde 2004. O NUPSI atende uma população majoritariamente feminina, de baixa renda e um grande volume de crianças e adolescentes. Constatou-se que dificuldades emocionais e dificuldades de aprendizagem se constituem como razão principal da busca pelo atendimento psicológico.

Palavras-chave: clínica-escola, demandas psicológicas, caracterização da clientela.


Abstract

This article presents the results of research conducted with the records files of NUPSI, Clinical-school of the Psychology Major at PUC Minas / Betim. The research aimed at describing the profile of the users and identifying the prevailing demands. As a quantitative, qualitative and documental study, the data was gathered in a form specifically built for this purpose in a random sample of the stored set of records since 2004. The NUPSI serves a population that is mainly female, presents low income and there is a high volume of children and adolescents. It was found that emotional difficulties and learning difficulties constitute the main reason for the search for psychological care.

Keywords: school clinic, psychological demands, characterization of the clientele.


Resumen

En este artículo, presentamos los resultados de una investigación realizada en los archivos de prontuarios del NUPSI, Clínica-escuela del Curso de Psicología de la Pontificia Universidad Católica de Minas/Betim, que tuvo como objetivo describir el perfil de los usuarios e identificar las demandas predominantes. Como un estudio cuantitativo, cualitativo y documental, os datos fueron recogidos a través de un formulario elaborado específicamente para esa finalidad en una muestra aleatoria del conjunto de prontuarios archivados desde 2004. El NUPSI atiende a una población predominantemente femenina, de bajos ingresos y con un gran volumen de niños y adolescentes. Se constató que las dificultades emocionales y de aprendizaje constituyen la principal razón de la búsqueda de atención psicológica.

Palabras-clave: clínica escuela, demandas psicológicas, caracterización de la clientela.


O presente projeto de pesquisa teve como finalidade principal compreender os fatores de adesão e desistência do tratamento psicológico a partir da análise das demandas e queixas prevalentes entre usuários do Núcleo de práticas em Psicologia (NUPSI), por meio de pesquisa documental nos arquivos da respectiva instituição. Foi desenvolvido por um grupo de 11 estudantes no âmbito do Estágio Básico I e II do curso de Psicologia da PUC Minas em Betim, entre agosto/2015 e junho/2016.

A unidade foi criada no ano 2000 com o objetivo de oferecer aos estudantes um primeiro contato com a prática clínica em Psicologia, desenvolvendo suas habilidades e prestando um importante serviço social à cidade de Betim e região metropolitana. Segundo Brandão et al. (2016, p. 1):

Os serviços oferecidos pelas Clínicas-escola buscam inserir os alunos de Psicologia num contexto sócio-histórico-político, o que exige desses uma postura ética com a sociedade. A oportunidade que a clínica oferece permite que o aluno amplie o seu olhar para que possa perceber melhor as pessoas que estão à sua volta e suas necessidades, os conflitos que interferem nas suas relações com o próximo e consigo mesmo. A clínica-escola, como um espaço para a produção de conhecimento, oferece um contexto que possibilita o estudo de práticas renovadas quanto à profissão, delineando ações mais produtivas para cada indivíduo, contribuindo assim para a sociedade como um todo.

A clínica-escola do curso de Betim busca atender à necessidade de formação, aplicando na prática as técnicas psicológicas aprendidas em sala de aula, ao mesmo tempo que desenvolve um papel social importante, visto que possibilita atendimento psicológico à população carente que, de outro modo, não teria acesso a esses serviços. Por meio do atendimento à população, a clínica-escola tem contribuído para a consolidação das políticas públicas de atenção à saúde mental, resultando na diminuição da sobrecarga existente no serviço público de atendimento na cidade.

Enquanto espaço do curso, oferece estágio obrigatório para a formação dos alunos da graduação e também dos alunos da pós-graduação, além de atividades de ensino, pesquisa e extensão. Dessa maneira, além dos atendimentos clínicos tradicionais da Psicologia nas modalidades: Psicoterapia de adulto, Psicoterapia com adolescente, Psicoterapia infantil, Psicoterapia de família, Psicoterapia de casal, Psicoterapia de grupo, Avaliação Psicológica, Ludoterapia, Psicomotricidade, Psicopedagogia, Orientação Vocacional, Intervenção focal na crise, Orientação Psicopedagógica e Urgência subjetiva, existe também a possibilidade de acolher as demandas públicas, que são transformadas em projetos de ação nos campos da Saúde, da Educação, do Trabalho e das Comunidades.

Desse modo, a clínica-escola tem como desafio conseguir realizar, com qualidade, dupla tarefa: assistência à comunidade e formação de profissionais. Pesquisas que ajudem a desvelar a realidade dos atendimentos poderão, também, contribuir para o enriquecimento da formação do psicólogo por meio do modelo da clínica-escola. Além disso, o estudo das características da clientela constitui um procedimento que possibilita analisar a adequação dos serviços que estão sendo oferecidos às reais necessidades da população, assim como a realização de modificações nas estratégias de atendimento, de forma a torná-las mais apropriadas.

A formação em Psicologia deveria ampliar as possibilidades de práticas investigativas durante o percurso curricular como componente indispensável na constituição de um profissional que indaga a realidade que o cerca e faz da pergunta uma ferramenta de trabalho. Esse cuidado pedagógico na formação atende às Diretrizes Curriculares Nacionais:

Compreensão crítica dos fenômenos sociais, econômicos, culturais e políticos do País, fundamentais ao exercício da cidadania e da profissão (...)

Art. 19. O planejamento acadêmico deve assegurar, em termos de carga horária e de planos de estudos, o envolvimento do aluno em atividades, individuais e de equipe, que incluam, entre outros: (...) d) Projetos de pesquisa desenvolvidos por docentes do curso (CNE, 2004, p.5).

Sabe-se que o conhecimento mais aprofundado do público que procura atendimento psicológico no NUPSI contribui para o aprimoramento do serviço oferecido. O campo psicológico, embora nas últimas décadas venha caminhando a passos largos, ainda encontra muitos desafios para se estabelecer como uma ciência que estuda e trata o sofrimento humano, principalmente para a população mais leiga, que ainda atribui resistência ao tratamento psicológico, seja por relacioná-lo somente à cura de transtornos mentais, seja por não reconhecerem a sua real necessidade. As relações culturais, socioeconômicas e ideológicas do indivíduo enquanto ser subjetivo participante de uma sociedade influenciam diretamente na adesão do tratamento, bem como no diagnóstico do profissional e no sucesso do mesmo.

Nesse sentido, o projeto pretendeu descrever o perfil da clientela do Núcleo de Práticas em Psicologia (NUPSI), identificando alguns aspectos da prática clínica em Psicologia ali realizada. Este estudo teve como principal fonte de dados os prontuários dos arquivos do NUPSI desde a sua fundação. Portanto, o problema dessa investigação se expressou em duas questões: Quais são as características da clientela que busca atenção psicológica no NUPSI, suas demandas e queixas? Quais são e como se expressam os fatores de adesão e abandono ao tratamento no âmbito do NUPSI?

Metodologia

Para o desenvolvimento dessa investigação foi realizado previamente um estudo bibliográfico sobre a prática de pesquisa em clínicas-escola de Psicologia, bem como suas implicações e métodos. Quanto à metodológica da pesquisa adotou-se o método hipotético-dedutivo, combinando dados quantitativos e qualitativos, possibilitando um estudo quanti-qualitativo documental de caráter exploratório.

Considerando os quase 2000 prontuários encontrados nos arquivos do NUPSI e que constituem a principal fonte de informação para os dados quantitativos, foi possível a mensuração da demanda, na qual foram verificados os percentuais de desistência e de adesão, fazendo recortes de faixa etária, sexo e cronológico. Este último foi definido a partir de 2014 e os dez anos anteriores, fragmentando nos seguintes períodos: 2004 – 2007; 2008 – 2011; 2012 a 2014. Em sua dimensão qualitativa, foi possível identificar as queixas prevalentes e os motivos que levaram o usuário a abandonar o processo terapêutico, analisando as anotações do terapeuta nos prontuários.

A coleta de dados foi realizada nos meses de fevereiro e março de 2016 pela equipe do Estágio Básico I, constituída de 11 estudantes e um docente. A coleta foi organizada da seguinte forma: num primeiro momento, o docente, auxiliado por dois estudantes, realizou a seleção aleatória de 372 prontuários nos arquivos do NUPSI assegurando um índice de confiança equivalente a 95%, 5% de erro. Os documentos selecionados foram consultados no interior do NUPSI, onde as informações foram coletadas e transcritas para o formulário Ficha de Registro de Dados. As informações coletadas foram: idade, sexo, escolaridade, renda familiar, principal motivo de ter procurado o serviço, tipos de abordagens (linha teórica) aplicadas pelo aluno estagiário, aderência ao tratamento ou abandono deste e principais queixas do usuário.

Desta maneira, os dados quantitativos coletados foram organizados, sistematizados e submetidos a tratamento estatístico (frequência simples das repostas). Os dados qualitativos passaram por um processo de análise de conteúdo e interpretação sistêmica dos dados. Após esse processo, estabeleceu-se a produção do relatório final para exposição dos resultados à comunidade acadêmica. Os dados revelaram o desenvolvimento e a evolução dos atendimentos da clínica no período de tempo analisado, de forma seletiva disponibilizando aos que se interessarem pelos dados característicos do NUPSI, sendo apresentados por escrito e visualmente com a utilização de tabelas e gráficos para a organização dos resultados obtidos, tornando-os mais acessíveis ao público.

Resultados

Dados sociodemográficos

Constatou-se uma predominância de pessoas do sexo feminino e um índice muito alto de crianças, cujas possíveis causas podem estar relacionadas primeiramente: no caso das mulheres, a representação social da mesma em que a mulher assumiu um papel de fragilidade e submissão ao longo da história, tendo uma maior facilidade para demonstrar seus sentimentos, diferente dos homens que historicamente devem demonstrar força e virilidade perante a sociedade ao ponto de cuidarem menos de sua saúde, seja orgânica ou psicológica (Costa-Júnior & Maia, 2009). Quanto ao público infantil, possíveis causas podem ser o desenvolvimento escolar, com a dificuldade de aprendizagem e/ou mal comportamento.

Os dados relativos à renda familiar apontam para as pessoas de classes sociais mais desfavorecidas como as mais atendidas no NUPSI sendo, 65% das famílias vivendo com menos de três salários mínimos. Os dados também revelaram que a maior parte dos usuários que procuram os serviços do NUPSI ainda não completou o Ensino Fundamental. Tal fator pode estar relacionado com a considerável frequência de crianças atendidas na clínica ainda cursando tal ciclo.

Outro fator que pode ter relação com esses números vem a ser a pesquisa divulgada pelo IBGE Censo Demográfico em 2010, na qual quase a metade da população brasileira (49,25%) com 25 anos ou mais não possuía o Ensino Fundamental completo. Esse nível de escolaridade tem predominância entre as classes médias e baixas, público que também apresenta maior frequência de procura pelo serviço do NUPSI.

Dados relacionados aos motivos que levaram à procura do serviço

A análise dos dados indica que, dos 372 prontuários aferidos, 45,97% buscaram atendimento por questões relacionadas ao estado emocional, enquadrando nesta categoria: medo, depressão, angústia, ansiedade e tristeza, sendo 52,96% distribuídos em outros motivos e 1,34% como dados não informados. A literatura aponta ser compreensiva essa demanda devido a motivos emocionais, uma vez que a emoção é uma experiência subjetiva que envolve mente e corpo. Trata-se de uma reação complexa desencadeada por um estímulo ou pensamento e envolve reações orgânicas e sensações pessoais. O sujeito reage de forma muito subjetiva diante das situações que vivencia, pois é ele quem dá um sentido àquilo que se apresenta diante dele, provocando sentimentos e sensações que podem ser positivos ou negativos e trazendo, como consequência, conflitos psíquicos que o levarão a experimentar tensões emocionais que lhe causam dor, sendo estauma como mensagem emocional, como metáfora a demonstrar o sofrimento, aflição e angústia.

“A maneira de reagir do homem ante as coisas, os acontecimentos e as pessoas é definida por emoções e sentimentos. Estes consistem, assim, uma atitude subjetiva de sentir do homem...” (Smirnov,1969 citado por Machado, Facci, & Barroco, 2010, p.651). Assim sendo, a busca por tratamento psicológico ocorre diante da necessidade do sujeito em aliviar sua dor, responder às suas questões e encontrar ajuda para que consiga ressignificar os sentidos que ele tem dado aos fatos e experiências que vivencia.

Outros 68% buscaram atendimento por questões ligadas ao comportamento e à aprendizagem. Os sujeitos que se encontram em maior número nessa demanda é o público infanto-juvenil.

A população infantil é a que mais procura atendimento psicológico em clínicas-escola e centros de saúde, constatou Levandowski (1998). A autora revisou a literatura nacional sobre o tema nos anos de 1983 a 1997; dentre 18 artigos encontrados, 13 referiam-se à população infantil. Dessa clientela, os que mais buscam atendimento são os meninos, a faixa etária mais frequente está entre os seis e dez anos de idade, a fonte de encaminhamento mais comum é a escola e as queixas mais usuais são os problemas de aprendizagem. (Merg, 2008, p.16)

Os dados também indicam que uma quarta parte (24%) dos usuários buscaram atendimento psicológico por questões ligadas a outros relacionamentos, sendo que as mulheres constituem 74% deste grupo e 26% são do sexo masculino.

Questões relacionadas ao trabalho motivaram 24% do público que buscou atendimento junto ao NUPSI no período estudado, sendo que, deste total, 67% é composto por mulheres e 33% por homens.

Demandas de ordem jurídica trouxeram 22% dos usuários aos consultórios do NUPSI. Outro aspecto que merece atenção é o fato de que, desse total, 71% são do sexo feminino e 29% do sexo masculino. Cerca de 68,75% dos usuários procuraram a clínica para orientação profissional, tendo enfatizado interesse pela orientação por se sentirem inseguros ao início da atividade profissional.

Somente 18,8% dos usuários procuraram o NUPSI para realizar Avaliação Psicológica. Outro fator relevante é o baixo número de pessoas atendidas que nunca fizeram tratamento psicoterápico anteriormente, e provavelmente seria um número muito mais expressivo se os dados não informados estivessem em minoria.

Queixas predominantes

A maior incidência de queixas que trouxeram os usuários ao NUPSI refere-se às questões relacionadas ao estado emocional como tristeza, depressão, ansiedade, medo, angústia entre outros, seguido por problemas de comportamento, totalizando 27% dos casos.

A questão referente a problemas relacionados ao comportamento também apresentou um número considerável de casos, 16%, valendo destacar a predominância do público infanto-juvenil apresentando tal queixa. A terceira queixa com maior incidência são problemas relacionados à saúde, 9% dos casos; é possível considerar que a grande maioria dos usuários venha procurar a clínica através de encaminhamento de outros profissionais da saúde, como os da área médica.

A dependência química ou medicamentosa repercute um número muito pequeno de procura, apenas 1,61% dos casos. Pode-se observar que o público-alvo desses problemas tem grande dificuldade de aceitação e de procurar a clínica espontaneamente, sem a ajuda de um terceiro.

Os dados que se referem ao trabalho e à Orientação Profissional também revelam um baixo índice de procura no atendimento, somando 4% dos casos. Poderíamos supor que o fator que explica essa constatação seja o nível socioeconômico dos usuários, predominantemente médio ou baixo, entre um e três salários mínimos, circunstâncias em que tais questionamentos poderiam ser menos urgentes.

Um fato a ser observado é um número considerável de queixas não informadas, 18%. Uma provável hipótese é que essas pessoas desistiram antes mesmo do início do tratamento, seja por acreditarem ter conseguido resolver suas angústias por si mesmas ou pela demora do atendimento, considerando o grande número de pessoas aguardando por uma vaga, pode-se afetar diretamente na decisão dos usuários, fazendo com que acabem procurando atendimento em outros lugares.

Modalidades, Abordagens e interrupção do tratamento

No que se refere às abordagens teóricas adotadas pelos estagiários da clínica-escola da PUC Betim, este estudo ficou inviável devido ao elevado número de casos em que essa informação é omitida nos prontuários. As abordagens teóricas estão relacionadas com a linha de tratamento e de conduta adotada pelos estagiários como diretriz para construção de projeto terapêutico a partir das queixas do sujeito, ou seja, o registro em prontuário possibilita o planejamento de uma intervenção adequada e acaba sendo uma fonte de informações para pesquisas.

Em relação a esse fato, algumas hipóteses podem ser levantadas, como a falha no registro pelos estagiários, ou o final do semestre letivo, quando mudam os estagiários e, assim, podem mudar a abordagem teórica.

Outro aspecto que pode ter contribuído para este alto índice (88% adulto; 74% criança) de omissão quanto à abordagem teórica é a falta de pesquisas na própria instituição durante os anos de atendimentos, ou seja, pesquisas internas que poderiam identificar os fatores dessa ausência de registros abordagens nos prontuários dos usuários do NUPSI.

Quanto à modalidade de prática em Psicoterapia com adultos, crianças ou adolescentes, constatamos que, em 89% dos casos (372 prontuários), não houve registro da modalidade. Se existe um campo específico para essa informação no formulário a ser preenchido pelo estudante/supervisor, pressupõe-se que ele seja necessário e importante. Esse dado nos sugere uma falha no preenchimento dos prontuários ou na padronização das informações repassadas aos mesmos pelos supervisores de estágio.

A omissão dessa informação nos prontuários poderá impactar a continuidade do tratamento do usuário, uma vez que, na ocorrência de uma troca de estagiário devido ao encerramento de semestre letivo, o estagiário que conduzirá o atendimento poderá encontrar dificuldades no entendimento do percurso do sujeito até durante os semestres anteriores. Cabe lembrar, também, que essa postura na formação dos profissionais reforça a cultura da subnotificação e fragilidade dos dados relativos à saúde pública.

Refazendo o tratamento dos dados e desprezando a opção “não informada”, percebe-se que 50% dos atendimentos realizados em um total de 40 casos foram classificados como Psicoterapia de família. O restante dos atendimentos se distribui entre Orientação Profissional (27,5%), Psicologia Jurídica (7,5%), Serviço de Atendimento Integrado ao Trabalhador (5%) e outras modalidades não discriminadas (10%). Indagando sobre os motivos do término do atendimento, a desistência manifestada pelo paciente se destacou em 36% e 31%, como não informado no prontuário.

Um possível fator que explicaria esses números foi apresentado em estudos anteriores, considerando a sazonalidade do fluxo de terapeutas e pacientes durante o ano letivo do curso de Psicologia como uma dimensão institucional e social do fenômeno. Uma hipótese que surge nessa análise seria que, devido ao encerramento de semestre e à mudança de estagiário, o usuário tende a desistir do atendimento por apresentar dificuldades de adaptação com outro estagiário, sendo entendido pelo mesmo como um fator de desmotivação para o andamento da terapia.

Discussão

O presente artigo buscou compreender e descrever o perfil da clientela do NUPSI bem como captar alguns aspectos da prática clínica em Psicologia. Houve, também, o esforço de descrever os fatores que levaram os usuários a aderirem ao tratamento psicológico e, a partir disso, analisar demandas e queixas prevalentes entre os mesmos.

A partir das análises dos dados, foi possível diagnosticar falhas e acertos na configuração da clínica-escola. A leitura e análise dos dados revelaram especificidades como maior adesão do público feminino e majoritariamente de baixa renda. Outro aspecto a ser observado refere-se à baixa escolaridade entre os usuários. A presença de crianças com queixas de problemas escolares e de comportamento também caracterizou de forma contundente o número de atendimentos.  Já entre os adultos, a maior demanda veio por problemas emocionais e/ou relacionamento.      

Uma possível explicação para esses dados pode estar relacionada às características específicas desse público. No que diz respeito à predominância do público feminino, pode-se refletir que os dados encontrados acima sejam resultados dos condicionamentos socioculturais que são moldados pela relação de gênero. Esse tipo de relação é construído no processo de socialização primária e secundária que modela, dessa forma, as características associadas a cada gênero, no qual ao sexo feminino é permitido expressar suas emoções e solicitar auxílio quando necessário, ao contrário do sexo masculino, que desde cedo aprende a ocultar suas expressões de emoção e aflição psíquica e cultivar a coragem, a bravura e resistência à manifestação emocional mediante o enfrentamento das adversidades do cotidiano.    

Quanto à renda, os serviços de assistência à saúde mental privilegiam os casos crônicos e graves. Com a baixa oferta de atenção psicológica na Atenção Primária, resta aos mais pobres buscar atendimento em serviços de clínica-escola como o NUPSI.

 Em relação aos números expressivos de baixa escolaridade, dois fatores trazem uma possível explicação. O primeiro se refere aos desafios que a população de baixa renda, público predominante do NUPSI, enfrenta para concluir o ensino regular. Essa realidade parte desde uma escola pública pouco inclusiva até a necessidade de trabalhar para auxiliar na renda da família, o que pode ocasionar o abandono dos estudos. Outra perspectiva é a expressiva presença de crianças nos atendimentos da clínica que ainda estão cursando o ensino fundamental.

No que se refere à predominância da queixa relacionada ao estado emocional, a literatura aponta ser compreensiva esta demanda, uma vez que a emoção é uma experiência subjetiva que envolve mente e corpo. É uma reação complexa desencadeada por um estímulo ou pensamento e envolve reações orgânicas e sensações pessoais.

O sujeito reage de forma muito subjetiva diante das situações que vivencia, pois é ele quem dá um sentido àquilo que se apresenta diante de si, provocando sentimentos e sensações que podem ser positivos ou negativos. Isso traz como consequência conflitos psíquicos que o levarão a experimentar tensões emocionais que lhe causam dor. Assim, é comum que se relacione a figura do psicólogo ao tratamento dessas questões.

Constatou-se também, por meio de revisão de literatura, que essas características encontradas são predominantes entre as clínicas-escola de Psicologia, não se restringindo apenas ao público que utiliza os serviços de atendimento do NUPSI.

Partindo disso, vê-se a necessidade de uma política voltada para suprimir as necessidades dessas demandas. Dessa forma, o papel dos professores enquanto estruturadores da intervenção desses alunos é de suma importância, assim como a possibilidade de trazer essas demandas para a sala de aula, dando ênfase nas discussões sobre temas como relacionamento interpessoal, problemas psicossomáticos e a influência do ambiente na construção da subjetividade do indivíduo, nas diversas abordagens que a clínica oferece. Tal prática possibilitaria uma maior aproximação do estagiário e futuro estagiário com o ambiente do NUPSI.

Outro fato observado foi o considerável número de desistência, antes e depois do início do tratamento. Tal fator pode estar relacionado com a forma como o aluno intervém na queixa do indivíduo. Assim, mostra-se necessário um maior controle dos orientadores quanto à abordagem utilizada e a forma como essa abordagem alcança o usuário. Seja na triagem inicial, em que o aluno pode vir a desmotivar o usuário a iniciar o tratamento, seja na prática clínica propriamente dita.

A grande demora para ser convocado a partir da longa lista de espera também poderia ser considerada um fator de abandono do tratamento de natureza estrutural, uma vez que essa demora pelo atendimento também é uma das causas da grande demanda de desistência.

A carência de informação dos prontuários foi uma grande dificuldade para a conclusão desta pesquisa. Um alto índice de “não informados” sugere que os atuais formulários não atendem às necessidades de informação para a devida compreensão dos usuários da clínica. Faz-se necessária uma reorientação do trabalho de atendimento e supervisão docentes no sentido de superar essas fragilidades, resgatando a importância de registros no prontuário, uma vez que este se configura como a principal fonte para que se possa acompanhar o desenvolvimento do usuário.

É importante reconhecer a clínica-escola como um espaço valioso de formação profissional, mas para além da mera transmissão é preciso articular com mais frequência, e talvez de forma sistemática, as práticas de estágio com a pesquisa. A clínica-escola se revela como campo rico de encontro com a realidade da população assistida, possibilitando a construção de conhecimento, pois é um importante local de aprendizagem para o futuro profissional. É nela que o aluno inicia sua vivência profissional. Nesse sentido, é de suma importância que a mesma se configure como um ambiente estruturado e adequado para a construção da prática clínica psicológica.  Finalmente, a presente pesquisa buscou contribuir para o desenvolvimento e o aprimoramento dos serviços oferecidos pelo NUPSI, demandando as diretrizes do trabalho realizado até o presente momento e apontando onde se necessita maior atenção e cuidado. A clínica-escola é um importante local de aprendizagem para o futuro profissional.

Referências

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Submissão: 12/12/2016

Aceite: 20/09/2017


E-mail: I neppso@pucminas.br.

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