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Perspectivas em análise do comportamento

versão On-line ISSN 2177-3548

Perspectivas vol.1 no.1 São Paulo  2010

 

ARTIGOS

 

Refletindo sobre o laboratório didático de Análise do Comportamento

 

On reflecting about the didactic laboratory of Behavior Analysis

 

 

Sérgio Dias Cirino; Rodrigo Lopes Miranda; Acríssio Luiz Gonçalves; Jhonatan J. Miranda; Rodrigo Drummond Vieira; Silvania Sousa do Nascimento

Universidade Federal de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste artigo é refletir sobre alguns usos do laboratório didático de análise do comportamento no ensino de graduação em psicologia. Para tanto, serão estabelecidos diálogos com o ensino de ciências, área que já possui uma forte discussão sobre o ensino experimental em laboratórios. Observando-se as usuais justificativas para a utilização do laboratório de análise do comportamento como recurso didático, pode-se verificar que, da forma como geralmente se apresenta, possibilita o surgimento de questões delicadas sobre suas qualidades e atual pertinência no currículo mínimo de psicologia. Dentre essas questões, uma das que mais se destaca é relacionada à ética em experimentação com animais, visto que discussões políticas em torno da experimentação animal colocam em risco a existência do laboratório didático de análise do comportamento. Neste sentido, verifica-se a necessidade de reflexões sobre os usos e implicações do laboratório de análise do comportamento no ensino de psicologia.

Palavras-chave: ensino de psicologia, ensino de análise do comportamento, laboratório didático de análise do comportamento, laboratório animal operante


ABSTRACT

This article aims to reflect on some uses of the didactic laboratory of behavior analysis in undergraduate psychology courses. Thus, it will be established dialogue with the teaching of sciences, an area that already has a strong debate about the experimental teaching in laboratories. Looking up the most frequent justifications for the use of the laboratory of behavior analysis as a didactic resource, it is found that, as often as it stands, allows the emergence of issues on its quality and relevance in the minimum curriculum of psychology. Among these issues, one that most stands out is related to ethics in experimentation with animals, since political discussions around animal uses for experimentation put in jeopardy the existence of the didactic laboratory of behavior analysis. Accordingly, there is a need for reflection on the uses and implications of the laboratory of behavior analysis in teaching psychology.

Keywords: psychology teaching, behavior analysis teaching, behavior analysis didactic laboratory, animal operant laboratory.


 

 

O objetivo deste artigo é discutir o uso do laboratório de análise do comportamento1 como recurso didático na graduação em psicologia. Grande parte desse debate lida com duas questões: (1) Qual é o papel do laboratório experimental no currículo de psicologia? e (2) Quais são as contribuições que esse recurso disponibiliza para a aprendizagem dos alunos? Observa-se que, tradicionalmente, o ensino de análise do comportamento em laboratório experimental caracteriza-se pelo uso do laboratório animal operante para o trabalho com princípios comportamentais básicos em cursos de graduação em psicologia; outras formas representam uma exceção.

Para responder a essas questões, serão trazidas à tona referências do campo do ensino de ciências, pois a discussão sobre o laboratório experimental como recurso didático faz parte das preocupações da área há algum tempo. Contemporaneamente, essa problematização está circunscrita, prioritariamente, ao uso do laboratório e às funções desempenhadas pelo mesmo no processo de ensinoaprendizagem. Mesmo se caracterizando como um recurso de ensino amplamente difundido, o laboratório experimental tem sido alvo de críticas e discussões acerca de sua utilização e finalidades. Essa discussão sobre a utilização do laboratório experimental no ensino de ciências permanece relevante, uma vez que as pesquisas sobre o tema são pouco conclusivas ((Lopes, Miranda, Nascimento, & Cirino, 2008).

Dessa maneira, como proposto por Lopes, Miranda, Nascimento e Cirino (2008), as mesmas questões levantadas no campo de ensino de ciências podem ser debatidas no que se refere ao uso do laboratório animal operante no ensino de graduação em psicologia.

 

Excertos Históricos: Laboratórios de Psicologia Experimental e a Análise do Comportamento no Brasil

No ensino de ciências, observam-se sensíveis mudanças em sua dinâmica, sobretudo com as reformas dos sistemas educativos, impulsionadas pelo desenvolvimento científico e tecnológico em meados do século XX, mais precisamente após a Segunda Guerra Mundial ((Lopes, Miranda, Nascimento, & Cirino, 2008). Na década de 1960, os currículos de ciências tiveram forte influência do método científico, como destaca Freire (1993) em uma revisão das reformas curriculares das disciplinas de física e química nesse período. Em paralelo a uma concepção tradicional de laboratório, tal reforma guiava-se pela demonstração e verificação de conceitos teóricos, centrada assim na transmissão de conteúdo.

Especificamente na psicologia, verifica-se a recorrente presença de laboratórios de Psicologia Experimental (e.g., Pessotti, 1975, 1988). Desde as preocupações iniciais com o currículo de psicologia no Brasil (vide o Parecer 403/62, do Conselho Federal de Educação, que trata do currículo mínimo dos cursos de psicologia), observa-se a importância e a inserção da Psicologia Experimental na formação do psicólogo. Este parecer afirma que a Psicologia Experimental "servirá de apoio para o treinamento do estudante no campo da experimentação" (MEC, 1962). Assim, entre as décadas de 1960 e 1970, a partir das reformas curriculares ocorridas nesse período, a cadeira de Psicologia Experimental passou a compor os currículos dos cursos de graduação em psicologia.

Segundo Teixeira e Cirino (2002), havia nessa disciplina diversas modalidades de laboratórios, dentre eles o laboratório vinculado ao ensino de análise do comportamento. Contudo, a partir da década de 1980, houve uma predominância da utilização do laboratório animal operante em detrimento dos demais espaços e práticas, levando à vinculação do nome Psicologia Experimental ao da análise do comportamento (Miraldo, 1985; Teixeira & Cirino, 2002). Sobre tal aspecto, Barros (1989) aponta que a análise experimental do comportamento era, nessa época, uma das únicas possibilidades de se fazer Psicologia Experimental. Percebe-se, dessa maneira, que o uso do laboratório experimental tornouse uma tradição no ensino de psicologia e, particularmente, no ensino de análise do comportamento, sendo que em tal abordagem o laboratório animal operante passou a ser quase sua "marca registrada" (Cirino, 2000).

 

Repensando Alguns Objetivos de Ensino: a Educação e a Formação em Psicologia

O laboratório didático de análise do comportamento, mesmo como laboratório animal operante, tem fins justificáveis. Vários autores (Banaco, 1990; Gomide & Weber, 1985/2003; Knarp, 1995; Tomanari, 2000) indicam como importantes as seguintes funções do laboratório animal operante: (1) A possibilidade de aprendizagem de habilidades clínicas com a observação e relato de comportamentos; (2) estar em contato com condições de produtor de conhecimento, permite o desenvolvimento de comportamentos de pesquisador; (3) a condição de feedback; e (4) ensinar conceitos básicos de análise do comportamento. Teixeira e Cirino (2002), em concordância, atribuem ao uso do laboratório como recurso didático as funções de observação do comportamento do sujeito experimental e o relato da intervenção e da sua observação. A partir desses potenciais objetivos de ensino vinculados ao uso do laboratório didático, alguns pontos se salientam.

Focar especificamente elementos constitutivos da análise do comportamento é destacado, principalmente por Tomanari (2000), como importante. Porém, deve-se considerar que o curso de graduação em questão é de psicologia e que as disciplinas de análise do comportamento são apenas parte desta formação. Cirino (2000) aponta que nos currículos de psicologia a análise do comportamento corresponde, em média, a pouco mais de 2% da carga horária total do curso. Assim, apontamos aqui uma importante questão: Quais habilidades e conteúdos devem ser privilegiados no ensino da análise do comportamento? Acreditamos que o enfoque na terminologia analítico-comportamental não se caracteriza como um aspecto de primeira ordem. Machado e Silva (1998) afirmam, nesta mesma direção, que o ensino de termos e definições é importante; porém, ele não deve prevalecer sobre o ensino de processos comportamentais que compõem as práticas do laboratório didático. Em outras palavras, mesmo que os termos da análise do comportamento devam ser ensinados, o mais relevante é criar condições para que os estudantes aprendam a observar, analisar e interpretar os fenômenos comportamentais por meio de habilidades envolvidas na aprendizagem dos processos implicados na tríplice contingência.

A Resolução 23001.000321/2001-99 do Conselho Nacional de Educação (MEC, 1999), que institui as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em psicologia, delineia:

[A] proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Graduação em Psicologia aqui apresentada contempla uma formação ampla do psicólogo, respeitando a multiplicidade de suas concepções teóricas e metodológicas, originadas em diferentes paradigmas e modos distintos de compreender a ciência, assim como a diversidade de suas práticas e contextos de atuação. (p. 2)

É neste sentido que acreditamos ser pertinente o ensino de análise do comportamento nos cursos de graduação em psicologia entre as outras abordagens que são apresentadas ao longo do curso, considerando- se que a graduação prepara o aluno, dentro de suas possibilidades e limitações, para tornar-se um profissional. Nesse sentido, o enfoque da graduação não deve ser de uma determinada escola teórica em detrimento de outra, mas sim focar a formação geral do estudante como psicólogo e não como analista do comportamento, humanista ou psicanalista. Em disciplinas específicas, tais como a desenvolvida no laboratório de análise do comportamento, o papel da disciplina é, por um lado, ensinar conceitos desta teoria, mas, por outro (e mais importante), criar condições para a aprendizagem de comportamentos que serão funcionais no futuro contexto profissional, ou seja, como psicólogos. Lopes et al. (2008) salientam: "É necessário, sobretudo, desenvolver habilidades importantes para a formação geral dos estudantes, independentemente das contingências relacionadas à escola de pensamento às quais eles responderão futuramente" (p. 70).

Banaco (1990) observa que o laboratório, mesmo sendo um contexto arbitrário, cria condições para a formação de psicólogo e pesquisador. Teixeira e Cirino (2002), nesta mesma direção, sustentam que o laboratório didático de análise do comportamento permite o desenvolvimento de habilidades de observação do comportamento e relatos da observação e da intervenção sobre o responder. Mesmo sendo comportamentos passíveis de diferentes descrições, são habilidades imperativas para o exercício da psicologia, independente do contexto de atuação em que o futuro profissional estiver inserido.

Outro ponto que merece atenção é o momento em que o laboratório animal operante é inserido no curso de psicologia. No Brasil, isto se dá no início do curso, usualmente nos seus dois primeiros anos, como uma disciplina de currículo mínimo. Considerando-se que a maior parte dos estudantes imagina estudar sentimentos e emoções, a apresentação do laboratório de análise do comportamento tão precocemente ocasiona um choque entre aquilo que era esperado e o que efetivamente vêem nas práticas didáticas do laboratório.

Em decorrência disso, alguns professores procuram trabalhar aproximando características das contingências às quais respondem o rato albino e o ser humano, principalmente no que se refere aos esquemas de reforçamento (Machado & Silva, 1998). Em concordância com Machado e Silva (1998), essa maneira didática de ilustrar e exemplificar o comportamento pode comprometer mais do que auxiliar na aprendizagem dos estudantes. Isto se dá justamente pelo fato de que o responder humano, por mais simples que seja, envolve contingências extremamente sofisticadas, diferentes da usual pressão à barra do rato albino. Essa busca por semelhanças, por conseguinte, simplifica excessivamente o comportamento humano e desfoca a busca de quais variáveis o responder do rato é função no arranjo experimental.

Pode-se citar, concomitantemente, outro objetivo do uso de laboratório de análise do comportamento: o ensino de habilidades de cientista. Esse espaço, certamente, é um dos que possibilita ao estudante entrar em contato com um ambiente mais controlado que o do cotidiano e, com isso, permite a ele aprender mais facilmente como controlar variáveis. Juntamente com a questão do controle, o laboratório didático propicia o desenvolvimento de habilidades de formulação de questões a serem estudadas. Esses comportamentos serão importantes no exercício futuro da profissão, como, por exemplo, na prática clínica2, na qual o terapeuta levantará hipóteses sobre quais contingências controlam as queixas e dificuldades do cliente. Será a partir do levantamento, teste e refutação de hipóteses3, concebidas ao longo do processo terapêutico, que o psicólogo poderá transformar a sessão em ambiente para o surgimento das queixas e de intervenção sobre elas. Com isso, observa-se que o laboratório didático de análise do comportamento permite a extensão do ensino de práticas psicológicas para além das práticas verbais (Knarp, 1995), tornandose um elemento importante, sobretudo para a prática clínica, já que não necessariamente há correspondência verbal e não-verbal.

Ainda referindo-se ao desenvolvimento de habilidades de cientistas como fator pertinente à formação de psicólogos, a ciência pressupõe a crítica e o diálogo como fundamentais para o desenvolvimento do conhecimento e das próprias habilidades envolvidas no "fazer" científico. Esse "espírito crítico" permite ao estudante aprender a refletir sobre suas práticas e crenças, observando aquilo que é mais efetivo em determinadas situações e para clientes particulares, bem como para sua forma de conceber o trabalho como psicólogo.

 

Repensando uma Tradição: laboratório Animal Operante

Analisando alguns manuais sobre laboratório de análise do comportamento (e.g., Banaco, 1990; Gomide & Weber, 1985/2003; Guidi & Bauermeister, 1968; Kerbauy, 1970; Matos & Tomanari, 2002) que serviram – e alguns ainda servem – como norteadores do planejamento das atividades práticas em análise experimental do comportamento no Brasil, percebe-se que os objetivos propostos pelos mesmos são similares desde a década de 1960 (vide Tabela 1).

É interessante observar algumas regularidades nesses manuais – o que indica, em alguma medida, permanência dos objetivos didáticos na utilização do laboratório de análise do comportamento. Nos primeiros manuais publicados no Brasil (Guidi & Bauermeister, 1968; Kerbauy, 1970), fica saliente uma ênfase no ensino da postura investigativa propiciada pelo laboratório didático de análise do comportamento: a delineada pelo método experimental. Nesses dois manuais, a ênfase assinalada é afirmada a partir de quatro pontos. Por meio do laboratório, é possível: (a) Aprender as técnicas envolvidas na manipulação de variáveis; (b) observação, medição e controle do comportamento; (c) controle experimental de variáveis; e (d) experiência de técnicas de trabalho em laboratório. Villani (2002), ao trabalhar com o uso do laboratório experimental no ensino de ciências, pontua que uma das características que tradicionalmente sustenta esta prática é o caráter experimental da atividade científica implicada na aprendizagem, não apenas nos seus aspectos teóricos, mas também nos seus aspectos experimentais.

 

Ao se levantar a questão da aprendizagem de aspectos teóricos envolvidos nas práticas didáticas em laboratório experimental, observa-se que este ponto fica em evidência nos três manuais mais contemporâneos de análise do comportamento (Banaco, 1990; Gomide & Weber, 1985/2003; Matos & Tomanari, 2002). Para esses autores, o uso do laboratório didático de análise do comportamento permite o ensino e a verificação empírica de conceitos básicos desta teoria, complementando a aprendizagem iniciada nas aulas teóricas. Matos e Tomanari (2002) afirmam que o laboratório didático permite o desenvolvimento de modos de pensar e investigar próprios de uma ciência experimental.

Ao se observar uma explicitação do ensino e demonstração de conceitos da análise do comportamento, há mais uma possibilidade de aproximação com a discussão de uso de laboratório experimental no ensino de ciências. Villani (2002) estabelece outra justificativa para este uso: as atividades realizadas nesse ambiente facilitam a compreensão e a apropriação de leis e conceitos. Concomitantemente, Saraiva (1997) sustenta que a atividade experimental é geralmente concebida e praticada apenas como um recurso pedagógico que facilita o processo de ensino-aprendizagem de conteúdos previamente desenvolvidos pelo professor.

Outro elemento que chama a atenção a partir dos cinco manuais aqui apresentados são as práticas a serem realizadas no laboratório didático de análise do comportamento. Guidi e Bauermeister (1968) apresentam a seguinte ordem: (1) Treino no bebedouro; (2) modelagem e CRF; (3) saciação; (4) comportamento mantido em razão fixa; (5) discriminação; (6) generalização; (7) diferenciação; (8) reforço condicionado e extinção; (9) nível operante; (10) reforço secundário e encadeamento. Embora cada manual posterior à publicação de Guidi e Bauermeister (1968) tenha alguns acréscimos e peculiaridades, sobretudo o de Kerbauy (1970), por ser um manual para trabalho com pombos, as práticas permanecem as mesmas. Isso indica, primeiramente, que estas 10 práticas permitem o ensino de conceitos básicos indispensáveis à compreensão e ao trabalho em análise do comportamento. Paralelamente, aponta que os autores dos manuais sucessores recorreram a um dos primeiros manuais brasileiros de laboratório didático de análise do comportamento. Em todos eles, se observada a lista de referências bibliográficas, encontra-se o manual de Guidi e Bauermeister (1968). Gomide e Weber (1985/2003), mais explicitamente, afirmam:

É importante lembrar que, ao editarmos este livro, reportamo-nos, em muitos aspectos, à forma e ao conteúdo de um dos primeiros manuais de laboratório do país: Exercícios de laboratório em Psicologia, de Mário A. A. Guidi e Herma B. Bauermeister. (p. 12)

Deve-se considerar que, tanto Guidi quanto Bauermeister, autores do manual de 1968, acompanharam Fred Keller no Brasil. O primeiro, desde 1961 e a segunda, em 1964. Também é digno de nota que a implementação no Brasil do laboratório de análise do comportamento é atribuída a Keller (Matos, 1998), sendo que ele foi um dos primeiros psicólogos a utilizar da caixa de condicionamento operante com ratos albinos no ensino de graduação em psicologia.

Frick, Schoenfeld e Keller (1948), em um artigo que descreve o curso de introdução à análise do comportamento – dado em laboratório com ratos albinos –, pontuam alguns elementos que fornecem indícios das influências, principalmente de Keller, nos objetivos de ensino do laboratório didático e na sua condução. Esses autores afirmam:

Enquanto os princípios gerais subjacentes ao comportamento são ditos como comprovados experimentalmente, não é dado aos alunos nenhum meio para que eles o demonstrem por conta própria. A situação agora está diferente. . . . Nas sessões de laboratório, tópicos de aprendizagem e motivação são enfatizados e os experimentos são limitados a ratos. Os estudantes trabalham em duplas, cada um mantendo seus próprios animais durante todo o período. (Frick, Schoenfeld & Keller, 1948, p. 410)

Sobre os objetivos do ensino em laboratório experimental, Frick et al. (1948) afirmam que, com a inserção dessa modalidade de ensino, permite-se aos estudantes demonstrar pelo seu próprio trabalho os princípios do comportamento. Ou seja, o laboratório cumpria duas funções: o ensino de conceitos da teoria analítico-comportamental e o desenvolvimento de habilidades de cientista de laboratório. Esses objetivos estão bem próximos aos elencados por Guidi e Bauermeister (1968), Kerbauy (1970) e Matos e Tomanari (2002). Outro aspecto interessante, recorrente na condução usual das práticas de ensino de laboratório de análise do comportamento, é o fato de que os estudantes trabalham em duplas com a caixa experimental, característica descrita por Kerbauy (1970). Este ponto também faz parte da descrição realizada por Frick et al. (1948).

Por fim, há a indicação do uso do rato albino como sujeito experimental. À exceção do manual de Kerbauy (1970), que é para o trabalho com pombos, os demais se destinam a práticas didáticas com ratos. Em seu manual, Guidi e Bauermeister (1968) afirmam que ratos já vinham sendo utilizados na pesquisa psicológica há algum tempo e que, portanto, havia um conjunto considerável de dados experimentais que se referiam ao seu responder. Além disso, afirmam que ele é limpo, de fácil tratamento e de manutenção pouco onerosa. Gomide e Weber (1985/2003) afirmam que o uso de animais não humanos na experimentação em psicologia é historicamente importante, pois permite a realização de práticas eticamente inviáveis com humanos. Banaco (1990), por sua vez, declara que o trabalho com animais não-humanos é prático e permite um maior controle das variáveis ambientais envolvidas no processo. Concomitantemente, ainda sustenta que o trabalho com humanos apresenta um importante complicador: a grande dificuldade no controle da história do sujeito. Matos e Tomanari (2002), utilizando argumentos muito similares aos apresentados por Banaco (1990), indicam que a preferência pelo uso de ratos albinos se deve principalmente ao fato de que os humanos apresentam respostas altamente refinadas. O responder do rato albino, ao contrário, é simples, facilitando o controle das variáveis das quais seu comportamento é função.

Desse conjunto de justificativas em favor do uso do rato albino como sujeito das práticas didáticas, alguns elementos se destacam. Justificar a prática com animais não-humanos, usualmente ratos albinos, não se mantém simplesmente por ser uma tradição na pesquisa psicológica ou no ensino de análise do comportamento. As condições de produção de conhecimento durante a pesquisa são diferentes daquelas presentes durante as práticas didáticas, mesmo com objetivos de ensino destinados ao desenvolvimento de habilidades de pesquisador. Ainda se fossem iguais, dever-se-ia levar em consideração as capacidades de generalização dos dados produzidos, como Ferrara (1982) reconhece:

Se, por acaso, o seu campo de investigação torna- se importante para alguma aplicação prática, as relações que testou, principalmente se seus sujeitos foram animais, devem ser novamente exaustivamente testadas. . . . Ele [o pesquisador de laboratório] trabalha principalmente com sujeitos que estão disponíveis – ratos, pombos . . . isto é, sujeitos cuja utilidade social é bastante restrita. (p. 39)

Dessa forma, a tradição por si mesma não subsidia a manutenção de uma prática; pelo contrário, como Saraiva (1997) pontua, sendo o ensino experimental um modelo de longa tradição, "por isso mesmo, tem se mostrado incapaz de suportar suas limitações e deficiências" (p. 62).

 

Repensando o Sujeito Experimental: a Análise do Comportamento é uma "Ratologia"?

Ao se falar especificamente sobre ratos albinos, os animais não-humanos usualmente utilizados nas práticas didáticas, surge outra questão. Concorda-se com Banaco (1990) e Matos e Tomanari (2002) que o responder humano é mais sofisticado que o comportamento dos ratos e que, em decorrência disso, é mais difícil o controle das variáveis experimentais. Porém, a prática didática com animais não-humanos precisa ser repensada, visto, por exemplo, a aversão usual dos alunos ao rato, a atual discussão sobre ética em experimentação animal, entre outros fatores.

Primeiramente, é consenso que o rato possui características para provocar aversão a uma parcela dos estudantes e, consequentemente, influenciar a motivação deles no envolvimento com as atividades. Aparentemente sensíveis a esta contingência, Gomide e Weber (1985/2003) e Matos e Tomanari (2002) elencam práticas a serem realizadas com humanos antecedendo às práticas com os ratos albinos. Gomide e Weber (1985/2003) listam as seguintes atividades: "Discriminação e efeito de superaprendizagem com sujeitos humanos" e "dois procedimentos diferentes para a aprendizagem de cadeias comportamentais com sujeitos humanos" (p. 18). Matos e Tomanari (2002), por sua vez, apresentam quatro práticas a serem feitas, via de regra, com os próprios estudantes da disciplina de laboratório. São elas: "O uso de pronomes na cultura brasileira"; "efeitos de instruções passadas e de instruções presentes"; "observando a ocorrência de operantes verbais em situação de interação social"; e "a formação de conceitos"(p. 221-288).

Pode-se pensar que tal seção é um avanço do ponto de vista das práticas até então realizadas, pois tais práticas permitem que o aluno entre em contato com "a multiplicidade de variáveis envolvidas na experimentação com sujeitos humanos da qual decorre uma análise de dados quase sempre complexa (Matos & Tomanari, 2002, p. 2)". Assim, propostas de práticas como essa são louváveis, pois propiciariam ao aluno mais do que uma formação em análise do comportamento, mas também o desenvolvimento, por meio de exercícios práticos em laboratório, de habilidades que lhes serão imprescindíveis na futura profissão.

Mesmo que se considere tal iniciativa um avanço do ponto de vista das práticas realizadas em laboratório didático de análise do comportamento, deve-se atentar para outra justificativa apresentada por Matos e Tomanari (2002), que sustentaria a proposta de práticas com sujeitos humanos. Esses experimentos são propostos como exercícios iniciais à disciplina, servindo assim como fator atenuante para a posterior prática com animais, o que minimizaria a recorrente aversão que as mesmas suscitam nos estudantes. Ou seja, se por um lado a indicação de práticas didáticas com humanos mostra- se como um diferencial, por outro, sua justificativa firma um compromisso com a tradição em ensino de laboratório didático em análise do comportamento: a permanência do rato albino.

Desde a década de 1980, analistas do comportamento trabalham com os problemas ocasionados pelo uso do laboratório didático de análise do comportamento. Miraldo (1985), em uma pesquisa que avaliou sentimentos e atitudes de graduandos em psicologia de uma universidade de São Paulo em relação ao laboratório animal operante, aponta que os estudantes respondem que a análise do comportamento (e consequentemente o laboratório) se destina à aplicação apenas com animais; é uma espécie de "ratologia". Esses estudantes também afirmam que os comportamentos aprendidos nesse contexto não seriam tão efetivos na prática clínica, pois trabalhariam com as manifestações das dificuldades dos clientes e não com suas causas. Knarp (1995), também trabalhando com a questão do rato ser um animal potencialmente aversivo, propõe que as atividades didáticas sejam transformadas em contextos de diversão e, por conseguinte, apresenta a proposta de uma "olimpíada de ratos". Com esta concepção, os estudantes, mesmo em contato com os mesmos princípios, realizariam atividades teoricamente menos antipáticas. O caráter de aversão, nesse sentido, pode ser reduzido, mas em contrapartida o laboratório teria a possibilidade de se tornar uma espécie de "circo", marcado, então, pela jocosidade. Nessa perspectiva, de um gerador de aversão, o laboratório poderia se transformar em apenas uma recreação, comprometendo a generalização dos comportamentos aprendidos nele para outros contextos.

Diante desse quadro, questiona-se a importância das atividades práticas de laboratório da maneira que vêm sendo conduzidas. Isto porque os estudantes, após o envolvimento com as práticas, falam de sua restrita adequabilidade à prática. Portanto, pode-se inferir que pouco do que foi abordado no laboratório será incorporado ao seu fazer no futuro. Assim, é possível e, sobretudo prudente, indagar em que medida as práticas de laboratório, da forma que vêm sendo realizadas, contribuem para a formação em psicologia.

Em segundo lugar, deve-se atentar para as questões éticas que regulam a utilização de animais não-humanos em práticas laboratoriais. Diante disso, abre-se a possibilidade de extinção do laboratório de análise do comportamento no ensino de graduação em psicologia, pelo menos em sua forma de laboratório animal operante. Essa possibilidade não está tão distante se verificarmos que existem projetos de lei tramitando e outros já aprovados em alguns municípios brasileiros, como em Florianópolis e no Rio de Janeiro, os quais proíbem o uso de animais no ensino e na pesquisa4. No nível federal, desde 1995, vêm tramitando projetos de lei específicos para a ética de tratamento de animais. O primeiro deles, de autoria do deputado Sérgio Arouca (PL 1.153-B/1995), teve como anexo o projeto de lei da deputada federal Iara Bernardi (PL 1.691/2003), cuja ementa dispõe sobre o uso de animais para fins científicos e didáticos e estabelece a escusa de consciência à experimentação animal. Um dos aspectos mais importantes desse projeto de lei é o fato de estarem vetadas práticas de laboratório com animais, cujos resultados já se sabe ou estão previstos pela literatura da área. As práticas didáticas do laboratório animal operante enquadram-se, via de regra, nesse conjunto.

Nessa mesma direção, aponta-se, por exemplo, a investigação realizada por Barros (1989). Pesquisando sobre a configuração das atividades práticas e didáticas do laboratório animal operante, a autora sustentou – mediante contato com vários professores brasileiros que utilizavam esse espaço como recurso didático e baseada na leitura de alguns manuais usados como roteiros para as práticas de laboratório – que o laboratório animal operante vinha sendo utilizado como um local no qual se demonstram conceitos a partir de experimentos que "sempre dão certo".

A discussão sobre a realização de práticas cujos resultados já são conhecidos, sobretudo com fins de ensino, faz parte da pauta de discussões do ensino de ciências. Barberá e Valdés (1996), trabalhando com o uso do laboratório experimental como recurso didático no ensino de ciências, observam que esse espaço se constitui, em grande parte, como um local no qual são realizadas práticas experimentais cujos resultados já se conhecem. Na opinião desses autores, isso decorre do fato de as práticas funcionarem, salvo raras exceções, pela replicação de experimentos "clássicos" ao invés de focalizar práticas mais amplas que, por sua vez, poderiam produzir novos conhecimentos. Nessa configuração, o laboratório didático experimental pode passar a não instigar os estudantes a buscarem respostas e, consequentemente, pouco contribuir para sua aprendizagem.

A utilização de experimentos dos quais já se conhecem os resultados, como, por exemplo, os experimentos clássicos, constitui uma ferramenta didática que endossa a visão acrítica da ciência, uma vez que tende a minimizar a ocorrência de elementos interessantes que favorecem a problematização por parte dos alunos, como afirmam Pérez, Montoro, Aliz, Chachapuz e Praia (2001). Nessa direção, o que os alunos vêm realizando são experiências e não experimentos, segundo a definição apresentada por Coquidé (2008). Para a autora:

Historicamente, a "experientia" acorda crédito aos fatos observáveis e às decorrentes acumulações comprobatórias, pois a experiência era "ligada ao valor reconhecido da demonstração visual para a confirmação de verdades científicas: fazer ver e a rever, era fazer compreender, e a repetição valia como demonstração suplementar" (Salomon-Bayet, 1978). O "experimentum", tal como ele aparece entre os séculos XVI e XIX, representa, ao contrário da experiência, uma prática não natural. Ela conduz a colocar condições consideradas como singulares e artificiais, ultrapassa as aparências e as evidências primeiras, e visa estabelecer as provas para fundar novos conceitos. Isso conduz a construir situações calculadas e a usar novas formas de raciocínio: da confrontação de hipóteses a testes de verificação. (Coquidé, 2008, p. 9)

Isto implica, então, que até mesmo o desenvolvimento de habilidades de cientista, propiciadas pelo uso do laboratório experimental como recurso didático, pode estar comprometido, num modelo de replicação de experimentos cujos resultados já são conhecidos. Segundo Villani (2007), o desenvolvimento de práticas na direção oposta, ou seja, práticas cujos resultados ainda não são conhecidos, permite o surgimento do dado empírico. Este conceito vem sendo definido no ensino de ciências como o aspecto da prática experimental que possibilita aos estudantes um maior estabelecimento de relações entre os fenômenos observados no trabalho experimental e os conceitos científicos. O dado empírico emergiria mais frequentemente do ato de planejamento das práticas pelos próprios estudantes – após terem estudado o objeto e os esquemas experimentais a serem desenvolvidos durante estes trabalhos – do que nas situações em que se sabem previamente os resultados. Assim, entende-se que promover práticas cujos resultados sejam inicialmente desconhecidos permite o surgimento de "erros de medida". Especificamente na psicologia, trabalhar dessa forma criaria condições para que os alunos se utilizem dos conceitos analítico-comportamentais aprendidos no processo de análise das práticas, mudando seu aspecto de experiência para experimento.

Ao se atentar para a realização de práticas experimentais com animais não-humanos cujos resultados já são conhecidos, devem-se observar as novas alternativas que são propostas pelas legislações cabíveis. No projeto de lei 1.153-B, de 1995, em seu capítulo 5º, artigo 14, parágrafo 3, há a seguinte indicação: "Sempre que possível, as práticas de ensino deverão ser fotografadas, filmadas ou gravadas, de forma a permitir sua reprodução para ilustração de práticas futuras, evitando-se a repetição desnecessária de procedimentos didáticos com animais". Nessa mesma direção, já se encontram os guias de princípios éticos para as práticas experimentais com animais não-humanos estabelecidos pelas universidades brasileiras. Por exemplo, o Guia de Princípios Éticos Para o Uso de Experimentação Animal (s.d.), do Comitê de Ética em Experimentação Animal da Universidade Federal de Minas Gerais (CETEA/UFMG), aponta: "Na medida do possível, procedimentos alternativos que substituam de forma parcial ou completa o uso de animais, tais como modelos matemáticos, simulações em computador e sistemas biológicos in vitro, devem ser utilizados"5. Proposições como essas já vem sendo testadas por outras áreas do conhecimento, como a medicina. Diniz, Duarte, Oliveira e Romiti (2006), em um estudo que trabalhou com a possibilidade de substituição de determinadas aulas práticas com animais não-humanos, afirmam que "a tendência mundial entre as escolas médicas é o abandono do uso de animais vivos em aulas práticas quando o resultado, já demonstrado na literatura científica, é previsto" (p. 1).

Especificamente na análise do comportamento, existem pesquisadores investigando novas alternativas para o trabalho em laboratório didático. Graf (1995), sensível às contingências de probabilidade de extinção do uso do laboratório e da aversão propiciada pelo rato albino, sugere a transformação das práticas laboratoriais por meio da utilização de softwares de computador. Assim, os mesmos procedimentos experimentais seriam mantidos, porém essas práticas seriam desenvolvidas com um rato virtual em um programa de computador que se assemelha a um videogame. No Brasil, tem-se fácil acesso ao programa Sniffy: O Rato Virtual, de autoria de Alloway, Wilson e Graham (2006). Esses autores justificam o desenvolvimento de Sniffy como alternativa ao elevado custo de criação e manutenção de um laboratório com ratos albinos reais e à experimentação com animais cujos dados já são conhecidos na literatura (condição em que se enquadra o usual laboratório animal operante), o que vários comitês de ética em pesquisa proibiram.

Mesmo que o objetivo que propiciou o desenvolvimento de Sniffy seja cabível, o programa possui sérias limitações. Segundo Alloway et al. (2006), Sniffy é uma espécie de "metáfora" para auxiliar o estudante a compreender o fenômeno da aprendizagem operante e, dessa forma, ele não substitui as atividades com o rato real. A primeira pergunta que surge, ao se atentar para esta saída, é: Se a questão é "metaforizar" um organismo, por que fazê-lo com um rato e não com humanos? Em segundo lugar, se o rato virtual não substitui o trabalho com o rato real, por que metaforizar com um rato virtual? Por que, no lugar da metáfora, não se valer de práticas que equivalem às proporcionadas pelo sujeito real e que, além disso, ampliam as possibilidades didáticas do laboratório de análise do comportamento? Diante dessas alternativas, observa-se que os problemas já apresentados no uso didático do laboratório animal operante permaneceriam não problematizados e a ele continuaria sendo atribuída a caracterização de ratologia.

Além disso, considerando a heterogeneidade dos padrões comportamentais do sujeito experimental, um dos principais elementos do laboratório animal operante destacado por Tomanari e Eckerman (2003), percebe-se outra inadequação da utilização do simulador como recurso didático, pois este impossibilita o tratamento dos dados gerados de maneira individualizada e não permite aos estudantes se depararem com diferenças entre o ocorrido e o esperado. Visto que, após demarcar o esquema de reforçamento do experimento virtual e como ocorrerá, os dados gerados nessa situação por todos os sujeitos serão idênticos, já que o software possui uma programação pré-determinada para tal condição experimental. Ou seja, os resultados obtidos não estariam influenciados por particularidades do comportamento do sujeito, o que levaria as práticas didáticas a corroborar as críticas destinadas à análise do comportamento sobre o autômato, já que o desempenho dos sujeitos seria o mesmo. Dessa maneira, surgem dois problemas: (1) Perdem-se aspectos positivos do desenvolvimento de habilidades de cientista e de outras competências que serão necessárias na futura profissão e (2) o dado empírico, que antes era pouco saliente, na modalidade virtual se esvanece.

Outro ponto negativo do uso do simulador como alternativa ao laboratório animal operante se deve ao fato de que o animal virtual não apresenta saciação. Isto dificulta discussões sobre motivação, pois o "sujeito" experimental continuará a responder de acordo com a contingência programada, uma vez que nele não estão presentes aspectos fisiológicos que possam criar condições para outros comportamentos associados à saciação. Outra questão a ser apontada é o fato de o rato virtual aprender mais rapidamente do que o rato real, dificultando a generalização do responder dos estudantes ao contexto de experimentação (Tomanari & Eckerman, 2003), o que implica condições pouco significativas para a futura prática do psicólogo. Na prática clínica, por exemplo, o terapeuta deve esperar que o sujeito se comporte de acordo com as novas contingências propostas no processo terapêutico, fato esse que pode ocorrer na prática com o rato real, mas não ocorre na prática com Sniffy.

 

Considerações Finais

O objetivo deste artigo foi discutir o uso do laboratório de análise do comportamento como recurso didático na graduação em psicologia, lidando com duas questões: (1) Qual é o papel do laboratório experimental no currículo de psicologia? e (2) Quais são as contribuições que esse recurso disponibiliza para a aprendizagem dos alunos? Pôde-se observar, nesse sentido, que a utilização do laboratório didático de análise do comportamento está sustentado, principalmente, por uma longa tradição na área, o que, por sua vez, dificulta o enfrentamento de críticas, bem como a avaliação de suas potencialidades.

Verificou-se também que seu uso, da forma como geralmente se apresenta, possibilita que sejam levantadas questões delicadas sobre suas qualidades e atual pertinência no currículo mínimo de graduação em psicologia. Dentre essas questões, ficam salientes, sobremaneira, outros quatro aspectos. O primeiro deles diz respeito ao momento em que o laboratório didático é inserido no curso, pois isto usualmente se dá entre o terceiro e o quarto períodos. Isso implica choques entre as crenças que os estudantes apresentam sobre o que é a psicologia e seu objeto de estudo e o que é discutido ao longo das práticas experimentais.

Como uma saída para o tratamento ou amenização desse choque, os professores geralmente estabelecem paralelos entre o responder do rato na caixa de Skinner e o comportamento humano, com um enfoque exacerbado sobre os esquemas de reforçamento em vigor. Isto posto, por sua vez, gera uma supersimplificação do responder humano que, por mais prosaico que seja, está sob controle de contingências extremamente sofisticadas. Esta simplificação possibilita a crítica dos estudantes, como apontado por Miraldo (1985) e Barros (1989), de que a análise do comportamento trabalha com dificuldades pontuais, desconsiderando os comportamentos privados. Neste sentido, as críticas e sentimentos dos estudantes, gerados pelo contato com o laboratório didático, são legítimas, já que esta supersimplificação pode levar a entender o responder humano como o do rato na caixa experimental.

O terceiro ponto alimenta essas críticas dos alunos, pois a realização de práticas que se sabe a priori quais serão os resultados a serem encontrados pode embotar o senso crítico dos alunos. Isso porque a condução do laboratório de análise do comportamento, ligada principalmente aos esquemas apresentados pelos diversos manuais de laboratório publicados em português, leva a uma visão acrítica e ahistórica da produção do conhecimento, já que a liberdade de criação de seus próprios problemas de pesquisa está pouco presente. Dessa maneira, o desenvolvimento de habilidades de cientista, tão alardeado pela bibliografia pesquisada, pode não ser explorado a contento, já que o "erro de medida", indispensável para a contraposição do modelo teórico com a realidade, está subutilizado.

Por fim, a utilização de animais não-humanos em experimentos, ainda mais em atividades cujos resultados já são conhecidos na literatura da área, compromete a futura existência deste modelo didático. Esta questão, a nosso ver, é atualmente a mais saliente, pois envolve a possibilidade de extinção, em curto espaço de tempo, do laboratório didático de análise do comportamento. As questões éticas no tratamento e na experimentação animal compõem a pauta de discussões em diversos seguimentos da ciência e, dentre a bibliografia pesquisada, pouco aparecem nas discussões específicas da análise do comportamento. Nesse sentido, a extinção do laboratório didático desta teoria não é inteiramente negativa, já que existem outras formas de ensino de análise do comportamento; o problema é, sim, que isto ocorra sem uma reflexão sobre os usos e as implicações do laboratório de análise do comportamento. Essas reflexões permitem a preparação prévia dos professores para o ensino da teoria, tendo em vista atender à formação em psicologia.

 

Referências

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Endereço para correspondência

Sérgio Dias Cirino
E-mail: sergicirino99@yahoo.com

Faculdade de Educação – Universidade Federal de Minas Gerais.
Av. Antônio Carlos, 6627.
Belo Horizonte, MG.
Cep 31270-901.

 

Submetido em 10/08/2009
Primeira decisão editorial em 25/01/2010
Aceito para publicação em 28/01/2010

 

 

1 Via de regra, o laboratório didático de análise do comportamento constitui-se como um laboratório animal operante. Estes termos serão tomados como sinônimos no presente artigo.
2 Tem-se em vista que as contribuições do laboratório didático de análise do comportamento se estendem a diversos contextos profissionais do psicólogo, como a área do trabalho ou escolar. Todavia, optou-se por exemplificar estes impactos com a prática clínica de consultório.
3 Para uma discussão dos modelos indutivista e hipotéticodedutivo na ciência analítico-comportamental, sugere-se a leitura de Skinner (1950).
4 As leis municipais mencionadas são: em Florianópolis, Lei nº 7.486 de 11 de dezembro de 2007; e, na cidade do Rio de Janeiro, Lei nº 4.731, de 4 de janeiro de 2008.
5 5 Acessado em 13 de junho de 2009. Disponível em: http://www.ufmg.br/bioetica/cetea/

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