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Perspectivas em análise do comportamento

On-line version ISSN 2177-3548

Perspectivas vol.2 no.2 São Paulo  2011

 

ARTIGOS

 

Esquizofrenia: modelos experimentais animais e estratégias aplicadas da análise do comportamento

 

Schizophrenia: experimental animal models and strategies of applied behavior analysis

 

Esquizofrenia: modelos experimentales animales y estrategias aplicadas del análisis del comportamiento

 

 

Maria Carolina Correa MartoneI; Roberto Alves BanacoI,II

I Núcleo Paradigma de Análise do Comportamento, Brasil
II
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo tem por objetivo apresentar como a análise do comportamento vem abordando o fenômeno da esquizofrenia. Ele compreende duas partes: (a) descrição dos modelos experimentais animais relacionados a comportamentos esquizofrênicos (i.e., isolamento social, inibição latente e desamparo aprendido) e (b) apresentação de intervenções aplicadas (e.g., economia de fichas e abordagens analítico-funcionais). Os resultados apontam que a esquizofrenia, por ser um quadro multideterminado, continuará exigindo diferentes abordagens de estudo. Acreditamos que o conhecimento mais aprofundado das características biocomportamentais, por meio de modelos animais, bem como a contínua busca de estratégias aplicadas, das quais destacamos o modelo analítico-funcional, serão fatores essenciais para que a análise do comportamento volte a investigar esse fenômeno de modo sistemático, seja em laboratório ou em contextos sociais.

Palavras-chave: esquizofrenia, análise funcional, modelos animais, economia de fichas.


ABSTRACT

This article presents a behavioral-analytic view about schizophrenia and comprises two parts: (a) presents previous work on animal behavioral experimental models related to schizophrenic behaviors (i.e., social isolation, latent inhibition and learned helplessness) and (b) applied interventions (e.g., the token economy and functional analytic approaches). The results indicate that schizophrenia continue requiring different approaches to the study. We believe that better understanding of biobehavioral characteristics, as well as the continued pursuit of applied strategies, of which we highlight the functional analytical model, will be key factors for the return of behavior analysis to investigate this phenomenon systematically, in both laboratory and social contexts.

Keywords: schizophrenia, functional analysis, animal models, token economy.


RESUMEN

El presente estudio tiene por objetivo presentar como el análisis de la conducta viene abordando el fenómeno de la esquizofrenia. El abarca dos partes: (a) descripción de los modelos experimentales animales relacionados a conductas esquizofrénicas (i.e., aislamiento social, inhibición latente y desamparo aprendido) y (b) presentación de intervenciones aplicadas (e.g., economía de fichas y abordajes analítico-funcionales). Los resultados apuntan que la esquizofrenia, por ser un cuadro de multideterminación, seguirá exigiendo distintos abordajes de estudio. Creemos que el conocimiento con más profundidad acerca de las características bioconductuales a partir de modelos de animales, así como la búsqueda constante de estrategias aplicadas, de las cuales destacamos el modelo analítico-funcional, serán factores esenciales para que el análisis de la conducta vuelva a investigar este fenómeno de modo sistemático, sea en laboratorio o en contextos sociales.

Palabras clave: esquizofrenia, análisis funcional, modelos animales, economía de fichas.


 

 

Esquizofrenia é uma doença que se caracteriza por uma ampla desorganização dos processos mentais. Trata-se de um quadro complexo, que apresenta sintomas nas áreas do pensamento, da percepção e das emoções, causando significativos prejuízos ocupacionais (American Psychiatric Association, 1994). Em geral, o indivíduo com esquizofrenia modifica seus planos, ideias, convicções e ações por causa de eventos não compartilhados pelos outros. O transtorno caracteriza-se, sobretudo, pela presença de sintomas positivos (e.g., comportamentos bizarros, discursos delirantes e perseveração sobre um tema) e (b) negativos (e.g., embotamento afetivo, alogia [respostas lacônicas, breves e vazias] e avolição [contato visual restrito e ausência de expressão facial]).

Na análise do comportamento, intervenções aplicadas junto a essa população remontam à década de 1950, sendo decorrentes de estudos experimentais com animais (Scotti, McMorrow & Trawitzki, 1993). O interesse inicial deu ênfase a trabalhos que foram desenvolvidos com pacientes psiquiátricos crônicos. Skinner (1959/1999) abordou os comportamentos psicóticos característicos de alguns transtornos mentais (e.g., esquizofrenia) como produtos de uma história particular de reforçamento e, portanto, regidos pelos mesmos princípios que governam qualquer outro tipo de comportamento.

Ainda para Skinner (1981), o comportamento humano é multideterminado. Produto da ação integrada e contínua de contingências filogenéticas, ontogenéticas e culturais, seu estudo requer diversas estratégias. Por um lado, estudar o ser humano por meio de animais infra-humanos faz parte da análise experimental do comportamento como ciência biológica. Por outro lado, estudar os processos pelos quais se aplicam os princípios do comportamento num ambiente social faz parte da análise do comportamento aplicada.

Assim, o presente artigo tem por objetivo apresentar como a análise do comportamento vem abordando o fenômeno da esquizofrenia. Para isso, vamos (a) descrever os modelos experimentais que utilizam animais infra-humanos como sujeitos e (b) apresentar algumas estratégias aplicadas que têm buscado soluções para que indivíduos com esse quadro possam ter uma vida mais adaptada socialmente.

 

Transtornos mentais e modelos animais de Psicopatologia

Modelos experimentais que utilizam animais infra-humanos como sujeitos vêm tentando reproduzir em laboratório fenômenos análogos aos processos "psicopatológicos" observados em seres humanos. Nesse caso, o foco não é todo e qualquer comportamento humano, mas aqueles que em nossa cultura são chamados de transtornos mentais e para os quais há demanda social por uma compreensão sistematizada (Silva, 2003).

Entre as vantagens do uso de animais infra-humanos no estudo de comportamentos psicopatológicos, destacam-se o controle da história de vida e da hereditariedade, a possibilidade de isolamento de variáveis, o monitoramento sistemático dos comportamentos e a verificação das mudanças consequentes à manipulação de eventos (Thomaz, 2001).

Vários modelos têm sido propostos para simular parcialmente a esquizofrenia. Os mais utilizados baseiam- se em mudanças produzidas por drogas e por lesões cerebrais em áreas supostamente envolvidas na esquizofrenia (Silva, 2003). Entretanto, alguns modelos animais simulam este transtorno por meio de manipulações do ambiente, utilizando tratamentos não farmacológicos para provocar sintomas específicos do transtorno (Alves & Silva, 2002). Destacamos os modelos de isolamento social (Mckinney & Bunney, 1969), de inibição latente (LI, Lubow, 1998) e de desamparo aprendido (Seligman, 1977).

No modelo de isolamento social (Mckinney & Bunney, 1969), um animal é isolado da mãe nas primeiras semanas de vida e colocado em uma gaiola individual sem contato físico e visual com outros membros da espécie. Quando esse animal é retirado do isolamento, observa-se uma diminuição da frequência de vários comportamentos relacionados à interação social e ao consumo de alimento, quando comparada ao padrão comportamental de um grupo controle.

Alves e Silva (2002) assinalam que os modelos animais que utilizam o isolamento social se preocupam em verificar consequências futuras da falta de contato social no início da vida e sugerem que o desequilíbrio na comunicação social e a falta de contato social são sintomas relevantes da esquizofrenia. Os autores apontam que os resultados desses estudos mostraram estados depressivos acompanhados de severas alterações comportamentais no animal adulto, similares aos sintomas depressivos apresentados por pacientes esquizofrênicos.

Outro modelo animal que utiliza a manipulação de variáveis ambientais é o modelo de pré-exposição ao estímulo condicionado (CS) ou de inibição latente (LI). Segundo Lubow (1998), "o efeito básico da LI é demonstrado quando um estímulo que é pré-exposto sem consequências torna-se menos efetivo como um estímulo condicionado" (p. 107). O modelo de LI se vale da exposição repetida a um estímulo sem consequência para reduzir o controle por esse estímulo em um condicionamento subsequente (Silva, 2003).

A LI tem sido um modelo utilizado para estudar a atenção seletiva: o sujeito ignora estímulos irrelevantes e seleciona outros relevantes. Para Silva (2003), ignorar um estímulo que não tem consequência é um procedimento econômico, de origem provavelmente filogenética. O efeito da LI foi demonstrado não apenas no ser humano, mas também em várias outras espécies (e.g., cães e ratos). Para Lubow (1998), uma das principais características de indivíduos com esquizofrenia é a dificuldade em manter a atenção (i.e., responder discriminado, baseado em algum estímulo ou propriedade do estímulo). Assim, uma diminuição ou falha do efeito da LI seria responsável pela ausência de atenção seletiva nesses indivíduos. A consequência desse processo seria um contínuo comportamento de atentar a quaisquer estímulos presentes ou irrelevantes, tornando difícil a execução de quaisquer tarefas.

Silva (2003) observa que indivíduos com esquizofrenia submetidos ao procedimento de LI suprimem a resposta ao estímulo de pré-exposição, ou seja, não exibem LI, não "aprendem" a irrelevância do estímulo. Dessa forma, aspectos do ambiente que normalmente passariam despercebidos, dada a sua irrelevância preditiva, passam a fazer parte do repertório do indivíduo e produzem dificuldades típicas do transtorno, tais como o pensamento desorganizado. Diz-se então que a pessoa esquizofrênica apresenta um prejuízo na atenção seletiva, mas "numa análise comportamental, essa superatenção pode ser entendida como uma alteração no controle do comportamento pelo ambiente" (Silva, 2003, p. 39).

Os estudos iniciais de Seligman, Maier e Solomon (1971) mostraram que animais que receberam choques elétricos inevitáveis em uma situação experimental não aprenderam uma resposta de fuga quando esta se tornou disponível em uma nova situação. Oriunda desses estudos, a proposta do modelo de desamparo aprendido (Seligman, 1977) destaca que algumas circunstâncias podem ensinar o indivíduo que seu ambiente mudou e que, de modo geral, reforçamentos não serão mais disponíveis. Consequentemente, o indivíduo deixa de emitir respostas frente a novas situações, mesmo sem experimentar a extinção. Essa redução do repertório comportamental pode ser fruto de diversas relações do organismo com eventos ambientais aversivos e incontroláveis.

Hünziker (2001) aponta que, se essa experiência é traumática a ponto de o indivíduo aprender que os aspectos do ambiente não estão sob o seu controle, no futuro ele atuará menos sobre o ambiente, emitindo um número menor de respostas. Como resultado, será pouco reforçado, diminuindo drasticamente o seu repertório.

O aspecto crítico nos estudos sobre desamparo aprendido é o fato de que os indivíduos expostos a eventos aversivos incontroláveis deixam de mostrar sensibilidade aos reforçadores, mesmo em circunstâncias em que respostas são emitidas e seguidas por eventos que anteriormente mantiveram seu comportamento (Hünziker, 2001).

Seligman (1977) observou que um organismo exposto constantemente a eventos ambientais incontroláveis não aprende, em contingências posteriores, a dependência entre uma resposta e a consequência, mesmo quando ela existe. Por conseguinte, o organismo apresenta uma redução em seu repertório comportamental (e.g., alteração da motivação para iniciar respostas, diminuição de ações agressivas e da capacidade de aprender, além de distúrbios emocionais) e na sensibilidade às contingências de reforçamento.

Embora o desamparo aprendido venha sendo utilizado como um modelo experimental para a depressão, vários aspectos apresentados pelo DSMIV (APA, 1994) na caracterização da esquizofrenia parecem assemelhar-se à descrição feita para a depressão, dos quais se destacam os sintomas negativos que respondem por um grau substancial da morbidade associada ao transtorno.

 

Intervenções aplicadas da análise do comportamento em indivíduos com transtorno esquizofrênico

Em linhas gerais, apesar do trabalho aplicado desenvolvido e da experiência adquirida junto a pacientes psiquiátricos desde a década de 1950, a literatura corrente sugere que a participação de analistas do comportamento nesta área tem declinado (Bellack, 1986; Bellack, Buchanan & Gold, 2001; Kazdin, 1982; Martone & Zamignani, 2002; Schock, Clay & Cipani, 1998; Scotti et al., 1993).

Esse declínio iniciou-se especialmente nas décadas de 1980 e de 1990, tanto em jornais sobre psicologia e psiquiatria quanto em periódicos específicos para intervenções comportamentais (Scotti et al., 1993), ao passo que relatos de intervenções com outros problemas clínicos (e.g., autismo) ganharam destaque nas publicações subsequentes (Bellack et al., 2001).

As primeiras técnicas empregadas em pacientes psiquiátricos - a grande maioria indivíduos com esquizofrenia crônica - envolveram manipulação de consequências frente a um problema ou sintoma-alvo, enquanto eram programados reforçamentos concorrentes para a promoção de comportamentos socialmente aceitáveis. A ênfase maior se deu na aplicação de procedimentos envolvendo o reforçamento diferencial.

A literatura apresenta inúmeros casos em que cigarro e outros reforçadores arbitrários foram utilizados para eliminar comportamentos inadequados (Ayllon & Azrin, 1968; Kale, Kaye, Whelan, & Hopkins, 1968; O'Brien, Azrin, & Henson, 1969). Bellack (1986) ressalta que tais estudos foram importantes para demonstrar que os pacientes psiquiátricos respondiam diferencialmente a manipulações ambientais, mas várias das técnicas empregadas foram pouco efetivas. Para o autor, o resultado dos estudos iniciais foi interpretado como se os sintomas psicóticos pudessem ser facilmente controlados ou se tratassem de uma coleção de comportamentos operantes indesejáveis. Em geral, as intervenções ocorriam em enfermarias psiquiátricas onde residiam pacientes crônicos e com longas histórias de tratamento.

Segundo Kazdin (1982), um dos programas que exerceu grande força no desenvolvimento do trabalho aplicado foi o de aplicação de conceitos operantes em divisões psiquiátricas, desenvolvido por Ayllon e Azrin, conhecido por economia de fichas (token economy).

No programa de economia de fichas (PEF), alguns comportamentos dos participantes eram selecionados (i.e., comportamentos-alvo) e consequências arbitrárias eram arranjadas (Bennett & Maley, 1973; Kale et al., 1968; Nelson & Cone, 1979; Tracey, Briddell & Wilson, 1974; Wincze, Leitenberg & Agras, 1972; Winkler, 1970). Os comportamentos-alvo mais comuns, escolhidos para serem modificados, eram os de manejo pessoal (e.g., arrumar a cama e se vestir), higiene pessoal (e.g., pentear cabelos, escovar os dentes e tomar banho) e diruptivos (e.g., agressões, gritos e agitações motoras), por serem importantes para a manutenção da organização das enfermarias. Nesse programa, tais comportamentos eram premiados com fichas. Embora as fichas não apresentassem valor intrínseco, elas podiam ser trocadas por outros reforçadores, tais como doces, cigarros e atividades de recreação. Para Wilder e Wong (2007), o uso de fichas ajudava os internos a experienciar as consequências imediatas de seus comportamentos, tornando o ambiente social mais predizível.

Entretanto, de acordo com Schock et al. (1998), os procedimentos do programa de economia de fichas nem sempre se mostraram efetivos. Para os autores, o emprego de reforçadores arbitrários (i.e., entrega de fichas mediante emissão de comportamento desejado), sem uma análise mais ampla das variáveis de controle envolvidas na manutenção dos comportamentos-problema, gerou resultados pouco duradouros.

Por exemplo, Wincze et al. (1972) buscaram reduzir o comportamento verbal alucinatório de um grupo de dez pacientes psiquiátricos internados e diagnosticados com esquizofrenia, empregando a economia de fichas. As fichas eram entregues de forma contingente aos comportamentos não alucinatórios e às respostas corretas (i.e., respostas coerentes com a pergunta apresentada). As fichas podiam ser trocadas por diferentes tipos de comida, cigarros e acesso a materiais de lazer. Os resultados apontaram que apenas 50% dos pacientes apresentaram redução no comportamento alucinatório, tendo essa redução se mantido por um curto período de tempo e não se generalizado para outras situações fora da enfermaria psiquiátrica.

A dificuldade em promover a generalização dos comportamentos adquiridos para outros ambientes gerou algumas revisões sobre o PEF. Por exemplo, Gripp e Magaro (1974) definiram o PEF como um sistema social-psicológico complexo. Para os autores, somente com o conhecimento das variáveis envolvidas nesse sistema se poderia avaliar a eficácia de procedimentos operantes específicos. Nelson e Cone (1979) e Kazdin (1982) acrescentaram que, além de analisar mudanças no comportamento-alvo, considerar variáveis como o tipo de ambiente institucional (e.g., enfermarias psiquiátricas, reformatórios e prisões), a qualificação e o treino das equipes das instituições, a ocorrência de generalizações dos comportamentos treinados fora das instituições e a manutenção do tratamento adquirido, seria fundamental para o planejamento das intervenções aplicadas do PEF.

Para Schock et al. (1998), os modelos comportamentais das décadas de 1960 e 1970, baseados principalmente em contingências de reforçamento positivo, mostraram-se muito simplistas para a compreensão de fenômeno tão complexo, sobretudo por não considerarem muitas das variáveis de controle envolvidas (e.g., contingências de reforçamento negativas, como fuga e esquiva, e o papel dos eventos antecedentes).

Na década de 1990, novos estudos surgiram propondo enfraquecer comportamentos-problema, relacionados especialmente ao tratamento de crianças com autismo e adultos com problemas de desenvolvimento (Scotti et al., 1993). Diversas metodologias foram apresentadas para identificar os eventos antecedentes e consequentes associados à apresentação de problemas de conduta. Destacamos aqui a análise funcional experimental descrita por Iwata, Dorsey, Slifer, Bauman e Richman (1982/1994).

Os autores destacaram três formas para avaliação e identificação dos eventos ambientais responsáveis por comportamentos desajustados: (a) métodos indiretos, que se baseiam em relatos verbais, como entrevistas e escalas; (b) análise descritiva, que avalia o comportamento do indivíduo em sua interação com o ambiente, sem manipular as variáveis suspeitas de influenciá-lo, e se baseia em dados observáveis no contexto natural onde os comportamentos se desenvolvem; (c) análise funcional ou experimental, que simula um experimento e deve apresentar a manipulação de cada fator que contribui para o aparecimento do comportamento-problema, comprovando a validade dos dados encontrados na fase anterior.

Por exemplo, Iwata et al. (1994) expuseram 152 sujeitos a uma série de condições nas quais os eventos antecedentes e consequentes ao comportamento autolesivo foram examinados sistematicamente. A análise funcional experimental revelou que reforçamento social negativo (na forma de fuga da execução de tarefas) manteve o comportamento-problema em 38.1% dos casos estudados, reforçamento social positivo (atenção ou acesso à comida e a materiais de lazer) foi responsável por 26.3% e reforçamento automático por 25.7%. Em 9.9% dos casos, não ocorreu um padrão de respostas consistente para que os resultados fossem incorporados aos números acima.

A extensão dos trabalhos desenvolvidos por Iwatta et al. (1994) se propagou para alguns estudos envolvendo pacientes psiquiátricos (Mace & Lalli, 1991; Wilder, Masuda, O'Connor, & Baham, 2001).

Mace e Lalli (1991) usaram métodos descritivos e experimentais para analisar os determinantes ambientais de um adulto com esquizofrenia quando da emissão de discurso bizarro (i.e., frases que se referiam a estímulos não presentes ou discutidos durante as avaliações). Uma análise baseada em observação direta dos comportamentos revelou que as vocalizações bizarras ocorriam com maior frequência na presença de tarefas e na ausência de atenção. Quando o discurso bizarro foi emitido durante as solicitações de tarefa, estas foram suspensas e o comportamento observado. Quando as vocalizações bizarras ocorreram na ausência de atenção da equipe, atenção foi fornecida.

As duas hipóteses para a manutenção do discurso bizarro (esquiva de tarefas e ausência de atenção) foram testadas e somente a hipótese de comportamento mantido por obtenção de atenção se manteve. Os dados encontrados permitiram a proposição de duas intervenções: (a) fornecer ao sujeito atenção não contingente às verbalizações bizarras e (b) treinar novas habilidades de linguagem (i.e., verbalização adequada). As duas intervenções foram efetivas em suprimir o discurso bizarro.

Em outro estudo, também com o objetivo de observar que eventos mantinham uma classe de comportamentos denominada de vocalizações bizarras em sujeitos diagnosticados com esquizofrenia, Wilder et al. (2001) utilizaram um procedimento análogo às condições descritas acima. Após concluírem que os comportamentos eram mantidos por obtenção de reforçamento social positivo na forma de atenção, um delineamento reverso foi usado para avaliar uma intervenção que se baseou em reforçamento diferencial para vocalizações apropriadas e extinção para vocalizações bizarras. Os resultados mostraram que o tratamento produziu redução substancial das vocalizações bizarras, bem como aumento de vocalizações apropriadas.

Para Wilder e Wong (2007), um modelo analítico- funcional para a esquizofrenia deve se basear na definição operacional de comportamentos específicos apresentados pelo sujeito, tais como comportamento bizarro, discurso alucinatório, movimentos corporais ou faciais estranhos e déficits sociais. A avaliação envolve determinar os eventos ambientais antecedentes e consequentes que influenciam esses comportamentos. Uma vez que as variáveis ambientais são identificadas, uma intervenção dirigida especificamente para as variáveis responsáveis por cada comportamento deve ser implementada. O fundamental do modelo analítico é analisar os eventos ambientais que ocasionam e mantêm cada comportamento.

Diferentemente do programa de economia de fichas, o modelo funcional investiga as várias hipóteses sobre as contingências correntes que mantêm os comportamentos-problema e testa essas hipóteses para definir o tratamento, geralmente composto por uma combinação de diferentes procedimentos. Para Neno (2003), na proposição de uma análise funcional, as fontes de controle do comportamento não são tomadas como restritivas ou excludentes, mas investigadas e avaliadas frente à multiplicidade do controle e à complexidade do comportamento humano, de modo a permitir a previsão e o arranjo de condições na intervenção do comportamento.

Pessoas diagnosticadas com esquizofrenia diferem enormemente entre si em seus problemas comportamentais e capacidades adaptativas e os estudos mais recentes apresentados neste trabalho (Mace & Lalli, 1991; Wilder et al., 2001) apontam a necessidade de considerarmos as condições ambientais (condição de privação social ou material, estimulação aversiva, reforçamento, etc.) que participam de um conjunto de variáveis biológicas e culturais para o planejamento de qualquer tratamento.

Gostaríamos de destacar ainda, para futuros estudos sobre o assunto, que nos últimos dez anos poucos artigos (DeLeon, Arnold, Rodriguez-Catter, & Uy, 2003; Kanter, Landes, Busch et al., 2006; Lancaster et al., 2004; Travis & Sturmey, 2010) têm sido publicados no Journal of Applied Behavior Analysis (JABA) referentes a comportamentos esquizofrênicos, mas todos adotaram o modelo de análise funcional em suas intervenções.

A esquizofrenia é um quadro multideterminado e marcado por um conjunto de disfunções. A sua compreensão possivelmente continuará exigindo diferentes abordagens de estudo. Acreditamos que o conhecimento mais aprofundado das características biocomportamentais por meio de modelos animais, bem como a contínua busca de estratégias aplicadas, serão os fatores essenciais para que o analista do comportamento continue a investigar esse fenômeno de modo sistemático, seja em laboratório ou em contextos sociais.

 

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Nota

Este texto foi produzido a partir da Introdução da dissertação de mestrado da primeira autora, orientada pelo segundo autor no Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Financiado pela CAPES.

 

Endereço para correspondência
Maria Carolina Correa Martone
Email: carolina.martone@uol.com.br

Rua Wanderley, 611.
CEP: 05011-001.
São Paulo, SP.

 

Recebido em: 02/10/2011
Primeira decisão editorial em: 25/11/2011
Aceito para publicação em: 30/11/2011

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