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Perspectivas em análise do comportamento

On-line version ISSN 2177-3548

Perspectivas vol.3 no.1 São Paulo  2012

 

ARTIGOS

 

Sobre uma definição de comportamento

 

On a definition of behavior

 

Acerca de una definición de la conducta

 

 

João Claudio Todorov1

Universidade de Brasília (UnB), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A definição de comportamento como interação entre organismo e ambiente encontrada em publicações recentes é questionada. Interações entre comportamento e ambiente, objeto de estudo da psicologia, são um tipo dentre vários de interações entre alterações no organismo e alterações no ambiente, estudadas por diversas disciplinas. Definições e usos do termo comportamento encontrados na literatura sobre análise do comportamento e incompatíveis com aquela definição são apresentados.

Palavras-chave: Ambiente, comportamento, definição


ABSTRACT

The definition of behavior as an organism-environment interaction that is found in recent publications is questioned. Behavior-environment interactions are one type among several of relations between changes in the organism and changes in the environment. Definitions and uses of the term behavior found in the literature on behavior analysis which are incompatible with such a definition are presented.

Keywords: Environment, behavior, definition


RESUMEN

La definición de comportamiento como interacción entre organismo y ambiente encontrada en publicaciones recientes es cuestionable. Interacciones entre comportamiento y ambiente, objeto de estudio de la psicología, son un tipo de entre varios de interacciones entre alteraciones en el organismo y alteraciones en el ambiente, estudiadas por diversas disciplinas. Definiciones y usos del término comportamiento encontrados en la literatura sobre análisis del comportamiento e incompatibles con aquella definición son presentados.

Palabras clave: Ambiente, comportamiento, definición


 

 

"Are the words reflex and voluntary useful scientific concepts, or are they prescientific terms that should be discarded? Physiologists use these words routinely in their publications, in laboratory experiments and, indeed, like most lay people, in their daily lives. The tacit assumption is that we all know, more or less, what they mean. However, the issue has a rich history of philosophical and scientific debate; and, as this article demonstrates, present-day researchers still cannot reach a consensus on the meaning of the words and on whether it is possible to draw a scientific distinction between them" (Prochazka, Clarac, Loeb, Rothwell & Wolpaw, 2000, p. 417)

"Sócrates.Veja outro exemplo. Suponha que tenham nos perguntado sobre alguma coisa óbvia e comum, como, por exemplo, o que é argila; seria absurdo responder: argila para potes, argila para fornos e argila para tijolos" (Platão, Teeteto, 147).

O que é comportamento? Porque a pergunta é simples, esperamos uma resposta também simples (Barber, 1952). Apesar da expectativa, a resposta é complexa, pois a palavra comportamento tem sido usada de diferentes maneiras na ciência e também na linguagem cotidiana. Na ciência, identificamos tipos de comportamento; logo, uma definição deverá englobar todos os tipos conhecidos. Assim como para entender o que é ciência se requer o isolamento e o estudo de seus vários aspectos e também daquilo que pode indicar o que os tipos têm em comum (Barber, 1952), para entender o que é comportamento é preciso examinar todas as suas variantes conhecidas e uma definição que abarque todos os tipos (Tabela 1).

 

 

Uma resposta enganosa e tentadoramente simples é dizer que comportamento é a interação entre organismo e ambiente. Por exemplo, Moore (2008) afirma que o comportamento tem certas propriedades que resultam de certas relações funcionais entre aspectos do comportamento e aspectos do ambiente. Substituindo a palavra comportamento pela definição acima, temos a seguinte frase sem sentido: a interação entre organismo e ambiente tem certas propriedades que resultam de certas relações funcionais entre aspectos da interação entre organismo e ambiente e aspectos do ambiente. Essa definição parece prosperar pela ausência de outra definição tão simples. Platão cita Sócrates na busca de uma definição de conhecimento. Usando seu famoso método, começa com a definição de argila, concluindo que é uma mistura de água e terra. Já em relação a conhecimento, talvez a definição seja tão complexa quanto a definição de reflexo para os biólogos (Prochazka, Clarac, Loeb, Rothwell & Wolpaw, 2000).

Interações de qualquer organismo com seu meio ambiente são interações que envolvem alguma alteração no organismo com alguma alteração no ambiente. No homem, as glândulas sudoríparas respondem a alterações da temperatura do ambiente e o nível de oxigênio no sangue afeta a frequência de batimentos cardíacos, por exemplo. Na maior parte dos casos, essas relações são estudadas pelas ciências biológicas. Em alguns casos, há sobreposição. Reflexos são de especial interesse para a psicologia, principalmente os que se prestam mais aos estudos de aprendizagem (i.e., como outros eventos ambientais passam a exercer controle sobre respostas reflexas além daqueles resultantes da história de evolução da espécie). O estudo das relações entre organismo e ambiente envolvidas no reflexo em si, por uma questão histórica de distribuição do trabalho, fica com especialidades da biologia. A psicologia é o estudo de interações entre comportamento e ambiente.

Em geral, usamos a palavra comportamento como um termo genérico aplicado a verbos de ação quando o sujeito da frase é algum animal, inclusive o homem. Os galos cantam, a coruja pia, o cão saliva, o menino corre, etc. O objeto de estudo da psicologia é o comportamento humano e sua relação com o ambiente em que ocorre. A psicologia estuda interações (Todorov, 1989). No exemplo do menino que corre, interessa saber como, onde, quando, por que isso acontece. Correr é só o comportamento. Não vemos razão para definir comportamento como interação entre organismo e ambiente, como tem acontecido em algumas publicações e pode ser visto em alguns sites na internet.

Comportamento é a variável dependente da psicologia, o objeto de estudo a ser entendido/explicado. Salivar é comportamento, mas o cão saliva pelo que acontece depois do salivar, ou saliva pelo que acontece antes? Se o menino corre porque foge e se o cão saliva porque viu sua ração, temos o mesmo tipo de explicação para esses comportamentos? Nos dois casos, a explicação do comportamento está na situação que o antecede, mas um comportamento (salivar) tem a ver com a economia interna do organismo, enquanto o outro (correr) está relacionado tanto ao que produz no ambiente externo quanto no meio ambiente interno. O menino pode estar correndo porque é hora do almoço e o cheiro de comida vem da cozinha. No caso, operantes e respondentes interagem, assim como outros respondentes estariam interagindo se o menino corresse do cachorro do vizinho. Parte do que acontece quando o menino corre do cachorro não seria consequência do fato de ser um exemplar da espécie humana e, como tal, ter herdado esse padrão de defesa?

A complexidade das possíveis interações entre comportamento e ambiente é grande. Não há como diminuir essa complexidade redefinindo comportamento como a interação entre organismo e ambiente. Entretanto, em pelo menos três publicações (Matos, 1999; Moore, 2008; Hunziker & Moreno, 2000), o arrazoado segue o de Skinner (1935) e o de Keller e Schoenfeld (1950) sobre a interdependência das definições de estímulo e resposta (para outras definições de comportamento, ver Lopes [2008] e Moore [2008]). Uma ação ou reação do organismo é definida como resposta quando identificada alguma alteração no ambiente, definida como estímulo. Essa interdependência é mais clara no comportamento respondente. Daí Skinner ter definido reflexo como a correlação entre estímulo e resposta. No comportamento operante, essa relação não é tão simples. Há dois aspectos do ambiente a serem considerados: (a) um efeito sobre o ambiente resultante da resposta e (b) alguma consequência que depende desse efeito. O efeito (a) pode ter levado alguns autores a afirmar que tanto no reflexo quanto no operante comportamento é a interação entre organismo e ambiente. Mas não é essa interação que interessa à psicologia e, na psicologia, à análise do comportamento. O menino não corre no vácuo, corre em algum ambiente, ao correr movimenta o ar, levanta poeira, desloca pedras, muda de posição no espaço, etc. Essas descrições não nos dão as informações que a psicologia quer. A análise do comportamento operante estuda comportamento, definido pelo efeito (a) com o ambiente (consequências do tipo[b]).

Organismos não vivem no vácuo. Não é possível ocorrer qualquer ação do organismo sem alguma relação com o ambiente, externo ou interno ao organismo. Isso é elementar. Por isso, dizemos que comportamento não é coisa; é processo. Qualquer instância de comportamento tem início, meio e fim. Para a psicologia, essa é sempre a nossa variável dependente, independentemente da topografia ou do tipo de relação com o ambiente que definem essa variável dependente (e.g., respondentes e afins, operantes, padrões fixos de resposta, etc.).Variáveis independentes são variações no ambiente que afetam a ocorrência desses comportamentos, seja como antecedentes (no respondente e afins) ou consequentes (no operante e afins).

Alguma confusão pode ocorrer quando, no operante, não separamos o efeito que nos ajuda a definir a resposta (e.g., o fechamento do circuito elétrico provocado pela pressão à barra) da consequência. Mas não dá para aceitar que comportamento é interação entre organismo e ambiente porque a pressão à barra fecha o circuito. Não é esse tipo de interação que estudamos. A contingência operante é uma unidade de análise. Por definição, dizemos que não há operante que não seja discriminado, e a contingência tríplice é o instrumento que usamos para identificar o que chamamos de comportamento operante. A contingência é um instrumento conceitual (Todorov, 2006, 2012). Mas a contingência não é o comportamento. Só podemos dizer que identificamos um comportamento operante quando variações nas consequências que esse comportamento produz alteram, por exemplo, o poder de controle que sobre ele tem o estímulo discriminativo.

Para a análise do comportamento, o que interessa é a interação. Isso não quer dizer que comportamento é a interação. No livro Comportamento Verbal, Skinner (1957) faz claramente a distinção entre os usos de comportamento (significado mais geral), resposta (instância) e operante (especificação de relação funcional). Alguns autores parecem confundir o significado de comportamento com o de operante- daí a definição de comportamento como interação.

Ao definir comportamento como interação, alguns autores confundem o fato de que organismos se comportam em algum ambiente (não há com portamento no vácuo) - é um processo, ocorre no tempo e no espaço - com as interações nas quais esse comportamento é afetado por suas consequências (alterações no ambiente). Diferentes tipos de interação definem diferentes classes de comportamento, dependendo da relação funcional entre comportamento e ambiente. Comportamento é a variável dependente; é função de variáveis externas. Se o comportamento é mantido por suas consequências, ele é parte da interação, não é a interação.

Qualquer instância de comportamento é um processo, ocorre no tempo, tem duração, começo, meio e fim, até mesmo a simples resposta de pressão à barra do rato. Mas esse processo é parte da interação, não é a interação. Estudamos interações entre comportamento e ambiente para identificar operantes, mas comportamento não é só operante. Não faz sentido dizer que estudamos o comportamento em relação ao ambiente e, ao mesmo tempo, dizer que o comportamento é a relação. Comportamento é mais que operante. Analistas do comportamento tendem a ver operantes por toda parte, como se comportamento fosse sinônimo de operante. Há mais tipos de comportamentos além de operante e respondente. As contingências definem o objeto de estudo como a interação entre estrutura do ambiente e estrutura do comportamento, mas comportamento não é o nome da interação.

"Em resumo, no campo do comportamento como um todo, as contingências de reforço que definem o comportamento operante estão por toda parte. Aqueles sensíveis a esse fato às vezes ficam embaraçados com a frequência com a qual eles veem reforço por toda parte, como os marxistas veem a luta de classes ou os freudianos o complexo de Édipo." (Skinner, 1966, p. 31)

 

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Endereço para correspondência
João Claudio Todorov
Email: todorov@unb.br

SHIN QI 01 Conjunto 09, Casa 11.
CEP 71505-090.
Brasília, DF

 

Submetido em: 09/01/2013
Primeira decisão editorial: 24/02/2013
Aceito em: 27/02/2013

 

 

1 João Claudio Todorov é Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1D do CNPq e Pesquisador Associado do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Comportamento da Universidade de Brasília. O autor agradece a Martha Hubner, Antonio Bento Alves de Moraes, Deisy das Graças de Souza, Elenice Seixas Hanna, Márcio Borges Moreira, Maria Helena Leite Hunziker e Tauane Gehm pelas valiosas discussões que ajudaram no desenvolvimento do presente trabalho.

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