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Perspectivas em análise do comportamento

On-line version ISSN 2177-3548

Perspectivas vol.4 no.2 São Paulo  2013

 

ARTIGOS

 

Análise comportamental de um discurso de autoajuda

 

Behavioral analysis of a self-help discourse

 

El análisis del comportamiento de un discurso de autoayuda

 

 

Elizeu BorlotiI; Fernanda Castanho CalixtoII; Verônica Bender HayduIII

IUniversidade Federal do Espírito Santo
II
Universidade de Federal de São Carlos
III
Universidade Estadual de Londrina

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Análise Comportamental do Discurso (ACD) especifica eventos antecedentes e consequentes de sentenças-argumento (S-As) emitidas por falantes, identificando possíveis variáveis que controlam e mantêm a combinação dessas sentenças (discurso). Em textos, dentre essas variáveis se destacam aquelas que controlam o leitor. Este estudo aplica a ACD na análise das variáveis específicas que podem ter estabelecido e mantido o discurso de autoajuda no livro O Segredo. S-As foram selecionadas para a ACD, que se constituiu em discriminar e interpretar suas ocorrências, seus eventos antecedentes e consequentes, reinterpretá-las para encontrar exemplos que confirmassem a regularidade de certas funções e autodescrever funcionalmente o comportamento de interpretá-las. Conclui-se que o discurso de autoajuda de O Segredo é marcado por autoclíticos quantificadores, relacionais e descritivos que, juntos com predicação, parecem funcionar para que a propriedade de certeza garanta a popularidade do livro. Esses controles autoclíticos parecem ser a marca funcional dos discursos de autoajuda em geral. Os controles dos autoclíticos relacionais, por exemplo, são as propriedades das relações entre os operantes primários do discurso em O Segredo (eventos antecedentes) e o aumento na probabilidade do seu leitor se comportar de acordo com o modo como essas relações são descritas pela sua autora (as consequências).

Palavras-chave: análise de discurso; comportamento verbal; autoclítico; autoajuda.


ABSTRACT

Behavioral Analysis of Discourse (BAD) specifies antecedent and consequent events of argument sentences (A-Ss) uttered by speakers, identifying possible variables that control and maintain the combination of these sentences (discourse). In texts, the variables that control the reader are highlighted among those variables. This study applies the BAD in analyzing the specific variables that could be established and maintained the self-help discourse in The Secret. The A-Ss were selected for BAD, which consisted in discriminating and interpreting occurrences of them, their antecedents and consequences events, reinterpreting them to find examples that confirm the regularity of certain functions and functionally self-describing behavior of interpreting them. It was concluded that The Secret self-help discourse is marked by quantifiers, relational and descriptive autoclitics that together with predication, seem to work so that the property of certainty ensures the popularity of the book. These autoclitics controls appear to be the functional brand of self-help discourses in general. The controls of relational autoclitics, for example, are the properties of relations between primary operants of the discourse in The Secret (antecedents) and the increased likelihood of the its reader to behave according to the way of those relations are described by its writer (the consequences).

Keywords: discourse analysis; verbal behavior; autoclitic; self-help.


RESUMEN

Análisis Conductual del Discurso (ACD) especifica eventos antecedentes y consecuentes de sentencias argumento (S-As) emitidos por hablantes, identificándose las posibles variables que controlan y mantienen la combinación de estas sentencias (discurso). En los textos, entre estas variables destácense las que controlan el lector. Este estudio aplica la ACD en el análisis de las variables específicas que se pueden haber establecido y mantenido el discurso de auto-ayuda en El Secreto. S-As fueron seleccionados para ACD, que constituía en discriminar e interpretar sus ocurrencias, sus antecedentes y consecuentes, reinterpretar ellos para encontrar ejemplos que confirman la regularidad de ciertas funciones y auto-describir funcionalmente el comportamiento de interpretarlos. Se concluye de que el discurso de autoayuda en El Secreto está marcada por autoclitics cuantificadores, relacionales y descriptivos que, junto con la predicación, parecen funcionar para que la propiedad de certeza asegure la popularidad de libro. Estos controles autoclitics parecen ser la marca funcional de discursos de autoayuda en general. Los controles de autoclitics relacionales, por ejemplo, son las propiedades de las relaciones entre operantes primarios del discurso en El Secreto (antecedentes) y el aumento de la probabilidad de su lector de comportarse de acuerdo a la forma en que estas relaciones son descritas por su escritora (las consecuencias).

Palabras clave: análisis del discurso; comportamiento verbal; autoclítico; autoayuda.


 

 

A cultura da autoajuda originou-se na sociedade norte-americana do Século XX, em sua ênfase na frugalidade nos gastos pessoais e na autodisciplina no trabalho (Effing, 2009). Naquela época não se observava "a verborragia de pensamento positivo" (Samuel Smiles: On the origin of self-help, 2004, p. 1) que marca a categoria literária autoajuda na atualidade. Uma corrente literária mentalista (i.e., sustentada em uma ontologia dualista e baseada em uma pseudociência, dita que o comportamento manifesto que mudaria efetivamente a condição de vida do leitor deve ser produzido por um agente interno, em geral mental; Keat, 1972) deslocou o foco inicial da autoajuda necessária ao êxito: antes, era o trabalho; hoje, o espírito e a mente (Effing, 2009). Essa corrente se tornou hegemônica e antagoniza com a autoajuda que funciona (i.e., que oferece orientação científica para que o leitor ajude a si mesmo a melhorar a saúde emocional e os relacionamentos). Norcross, Campbell e Grohol (2013) informam que cerca de 95% das fontes de autoajuda não possui dados científicos que atestem seu sucesso ou fracasso. O presente artigo analisa uma dessas fontes de autoajuda que não apresenta dados científicos: O Segredo (Byrne, 2006/2007). Os termos "autoajuda", "literatura de autoajuda" ou "livros de autoajuda" são considerados, neste artigo, como equivalentes e têm o sentido amplo de livros contendo uma panaceia para a obtenção de êxito (Zilberman, 2008), prosperidade, amor, felicidade, bem estar e autoatualização (McLean, 2013).

A força impetuosa da autoajuda já se mostrara aparente em 2008, em veículos de circulação das categorias de livros mais vendidos no Brasil. O levantamento Retratos da Leitura no Brasil (Failla, 2012) mostra que aproximadamente 44 milhões de brasileiros leem com frequência livros de autoajuda, estando O Segredo na 21ª posição no ranking de vendas. A popularidade de livros do tipo O Segredo não está relacionada ao conteúdo deles, mas sim ao objetivo comum que permite categorizá-los num gênero literário controvertido.

A imprecisão da categoria é sintomática de sua natureza; mas a circunstância de a palavra-chave "autoajuda" figurar em todas as listas é sugestiva de que não importa se o assunto é espiritualidade ou dinheiro, o caso é que, de uma maneira ou de outra, os livros que figuram nessa relação procuram colaborar para o êxito pessoal ou profissional de seus leitores (Zilberman, 2008, p. 1).

Fontes de autoajuda têm servido de auxílio, orientação e motivação (Chagas, 2001). A propriedade mais marcante dessas fontes é a que expressa certeza (Brunelli, 2004; Nagamura, 2009); e seu efeito convincente é inferido da quantidade de seus leitores (Failla, 2012): entre 1994 e 2001 houve um crescimento de 700% do mercado da autoajuda em livros (Boscov & Rogar, 2009). Embora receba criticas de uma parcela dos seus leitores (e.g. Norcross et al., 2013), essas fontes são apontadas pelo psicólogo Serrano (2007) como uma maneira não científica, diversa, genérica e rápida de resolver problemas. A linguista Zilbernam (2008) aponta que o único êxito que a literatura de autoajuda promove é o benefício financeiro dos seus escritores.

Aceita pelo grande público e rejeitada pelos cientistas, da perspectiva da Análise do Comportamento, a autoajuda é parte de algumas práticas grupais – assim como o senso comum, a arte, a filosofia, a ciência e a religião – selecionadas em contingências de reforço no nível cultural (Glenn, 1989). Práticas grupais descritas pela autoajuda são mantidas pelas consequências que livros dessa categoria literária produzem no comportamento do leitor, principalmente o de comprá-los, o que indica que o leitor, no mínimo, tende a se comportar do modo como esses livros o instruem a se comportar. Portanto, a autoajuda tem uma função nessas práticas. Resta saber qual.

Uma análise cultural "fornece a possibilidade de analisar um número significativo de textos de autoajuda americanos como documentos culturais, refletindo concepções de sucesso e felicidade" (Effing, 2009, p. 126) que podem influenciar a preferência dos leitores brasileiros do mesmo modo como influenciam a dos norte-americanos (McLean, 2013). Esses textos, segundo McLean (2013) e Effing (2009), contêm especulações verbais em vez de dados empíricos e poucas pesquisas avaliam os impactos dessas especulações no leitor. Nessas justificativas está a relevância em se realizar uma análise comportamental de um discurso (ACD) de autoajuda, conforme proposto por Borloti, Iglesias, Dalvi e Silva (2008). Assim, este artigo responde ao seguinte problema: quais são as variáveis que geraram O Segredo como o produto do comportamento verbal de Byrne (2006/2007), sua escritora? Reconhecendo as variáveis macrossociais gerais da cultura anglo-saxônica que estabeleceram a autoajuda (Effing, 2009) em O Segredo, este estudo tem por objetivo identificar as variáveis específicas que podem ter estabelecido e mantido o discurso da sua escritora. A escolha desse livro é justificada pelo recorde de vendas de 6 milhões de exemplares do mesmo em um ano (Pensamento positivo, 2007), o que pressupõe que o livro é uma fonte significativa de controle do repertório de leitores brasileiros (Failla, 2012).

O discurso em O Segredo foi considerado neste artigo como o produto do conjunto dos operantes verbais emitidos por Byrne (2006/2007). A ACD é um método interpretativo da função desse conjunto de operantes (Borloti et al., 2008). Portanto, o texto produzido pela escrita de Byrne limita a ACD ao produto e não ao processo verbal que o gerou. Essa restrição é parte da análise do comportamento em produtos escritos ou transcritos. Quando se analisa o comportamento verbal assim registrado (texto), se analisa o comportamento do leitor sob controle do texto (Skinner, 1957) que, se tornou escritor sob controle do seu comportamento de leitor. No caso do presente estudo, a análise dos efeitos do discurso em O Segredo sobre o analista do discurso, autores(as) deste artigo, foi o passo fundamental no procedimento da ACD, conforme seu cerne, indicado no Verbal Behavior: "quando estudamos [discursos], estudamos os efeitos [dos discursos] sobre nós. É o nosso comportamento em relação a tais [discursos] o que nós observamos" (Skinner, 1957, p. 452). Essa função é resultante da articulação das funções dos operantes que compõem o discurso da escritora nas sentenças escritas no livro (Place, 1998) e é inferida dos efeitos desse conjunto de operantes – o discurso de Byrne – sobre o comportamento do seu leitor (no caso, cada analista do comportamento, autores[as] deste artigo).

 

Método

Material

O Segredo foi lançado no Brasil em maio de 2007, dois anos depois do lançamento de um documentário com o mesmo conteúdo. Segundo Byrne (2006/2007), a escritora, o livro traria ao conhecimento popular um antigo "segredo" que teria sido parcialmente ocultado por lideres políticos e religiosos. Com o "poderoso conhecimento" contido no livro, o leitor de O Segredo "pode mudar por completo qualquer circunstância e acontecimento em toda a sua vida, ao mudar seu modo de pensar" (p. 17).

O "segredo" é a Lei da Atração. De acordo com a explicação da escritora, o universo é regido por leis, sendo a da Atração a mais poderosa delas: sempre existiu e sempre existirá, determinando e guiando objetos, acontecimentos e pessoas. O "segredo" de como aplicá-la conduz ao ter, ser e fazer o que se deseja (e.g., felicidade, saúde e riqueza), independentemente das limitações ambientais. Poucas das maiores personalidades da história teriam tido acesso ao "segredo" cobiçado por muitos, inclusive pelo leitor.

O livro é organizado em 10 capítulos contendo: "métodos" para aplicar o "segredo"; depoimentos (de médicos, de físicos, de filósofos, de psicólogos, de líderes religiosos, de escritores, de grandes empresários e da própria escritora) de sua aplicação; e histórias dos aplicadores que se tornaram os "grandes mestres do segredo ". Cada capítulo apresenta um dos princípios do "segredo", resumidos no epílogo.

O método de uso do "segredo" se traduz em três preceitos simples:

1) Peça: deve-se começar pedindo, dando uma ordem ao universo para informá-lo o que se deseja;

2) Acredite: deve-se acreditar que já se possui o que pediu, com fé absoluta e incondicional. Acreditando que se tem o que se quer, a pessoa emite a sensação de já ter o que deseja e o universo devolverá essas imagens para ela;

3) Receba: depois de pedir e acreditar que recebeu, o indivíduo deve se sentir bem e acreditar que está recebendo o que pediu. A pessoa deve dizer a si mesma "Eu estou recebendo agora", e ao mesmo tempo sentir que está recebendo. (Byrne, 2006/2007, p. 53).

Esses preceitos são, segundo Byrne (2006/2007), fundamentados nas descobertas da Física Quântica. A escritora, ao relacionar a Lei da Atração à ciência, explica que absolutamente tudo – o universo, a galáxia, os planetas e os indivíduos – é energia.

Tudo é energia. [...] quando você pensa no que deseja e emite aquela frequência faz vibrar na mesma frequência a energia daquilo que deseja e o traz para você! Ao se concentrar no que deseja, você muda a vibração dos átomos daquela coisa, fazendo-a vibrar para você (p.156-157).

Procedimento: fundamentos e etapas

Os(as) autores(as) deste artigo, leitores(as) da escritora de O Segredo, se comportaram verbalmente ao desconstruir o texto dela (cf., Vargas, 1992) a partir de uma fusão de papeis: leitor, escritor, intérprete etc. Recentemente, a possibilidade dessa sobreposição de repertórios na compreensão de texto foi posta assim: "Na extensão em que o texto impresso se sobrepõe ao repertório verbal do leitor, este pode ser guiado pelas mesmas (ou similares) relações de controle de estímulo que guiaram o escritor" (Layng, Sota, & Leon, 2011, p. 4). Assim, na ACD descrita adiante, funções de partes do texto de Byrne (2006/2007) foram analisadas pelos seus efeitos sobre os(as) autores(as) deste estudo, que se comportaram escrevendo (i.e., sendo escritores deste artigo), a partir de três efeitos do comportamento da escritora do livro sobre a compreensão/interpretação nos repertório verbal dos(as) autores(as) deste estudo (cf., Skinner, 1957): (a) o agir não verbal do leitor; (b) o repetir o que foi lido; e (c) o analisar a função do que foi escrito. O primeiro efeito – se comportar não verbalmente de maneira apropriada aos estímulos que, também supostamente, controlaram a produção do comportamento verbal da escritora – foi inferido apenas dos supostos efeitos no leitor genérico. O segundo efeito – repetir o que foi escrito por Byrne – foi possível aos (às) autores(as) que, ao assim se comportarem, puderam auto-observar o terceiro efeito: serem capazes de descrever as variáveis que poderiam levá-los(las) a escrever o mesmo que Byrne escreveu. Esses efeitos, juntamente com a análise de variáveis do contexto em que o livro foi escrito, permitiram a inferência dos controles do discurso de autoajuda da escritora. Na prática, a ACD envolveu a fusão da estratégia de análise de segmentos do comportamento verbal (Skinner, 1957) de Byrne com a hermenêutica comportamental (Dougher, 1993).

Segmentos de comportamento verbal ou sentenças contêm operantes verbais (tanto os primários, em geral, o mando, o tato ou o intraverbal, quanto os secundários, os autoclíticos, Borloti et al., 2008) e se combinam no discurso de autoajuda em O Segredo, como se combinariam em qualquer discurso. Previu-se que intraverbais formariam elos temáticos a serem descritos e seriam integrados a tatos e mandos com molduras autoclíticas específicas à função desse discurso. Os elementos da análise de segmentos de comportamento verbal são os operantes primários, dentre eles, os elos intraverbais e os secundários, ou moldura autoclítica (Skinner, 1957).

Para a análise funcional do texto de O Segredo, considerou-se que seus segmentos foram produto de respostas verbais sob controle de eventos antecedentes (operação estabelecedora e estímulo discriminativo, não verbal e verbal) e consequentes (reforço específico ou generalizado) providos pelo contexto da escrita do livro, que incluiu essencialmente o leitor (que pode ter sido a própria escritora). Mando é a resposta controlada por operações estabelecedoras (advindas do ambiente - físico ou do leitor - que atuaram sobre níveis de privação ou tiveram função de estimulação aversiva para a escritora) e mantida por reforço específico. Tato é a resposta sob controle de estímulo antecedente não verbal que é mantida por reforço generalizado. Intraverbal é a resposta sob controle de estímulo antecedente verbal que é mantida, também, por reforço generalizado. Autoclítico (operante secundário ou relação verbal secundária) é a resposta sob o controle de propriedades dos operantes primários ou do contexto de sua emissão e que é mantida por reforço generalizado. Dependentes de, e concorrentes com, relações primárias, as secundárias (i.e., autoclíticas) tornam as funções das relações primárias mais precisas, mesmo quando não são claras as fontes do controle de estímulo atuando sobre as relações primárias.

Numa ação preliminar à ACD, os seguintes elementos foram identificados para a análise: (a) o tipo de dado, (b) o falante, (c) o contexto cultural amplo do seu discurso. Em seguida, definiu-se o comportamento de Byrne (2006/2007) de interesse à ACD: a sentença-argumento (S-A). As S-A's são os segmentos do texto de O Segredo contendo produtos de operantes primários (em geral, mando, tato e intraverbal) e secundários (autoclítico). Sentença é o registro do comportamento da escritora que teve a função de estímulo discriminativo verbal e, portanto, orientou o comportamento do leitor (do livro e os autores deste artigo) diante da relação de contingência passada, presente e futura (cf., Place, 1998) sendo descrita no produto da escrita dela. Argumento é uma proposição emitida pela escritora, ou seja, "um comportamento verbal complexo que engloba tatos e intraverbais modificados por autoclíticos particulares" (Terrell & Johnson, 1989, p. 36) que supostamente teve como consequência a persuasão e o convencimento do leitor (Abreu, 2009). Há argumentos centrais, ou seja, proposições das quais se infere um controle por regra consistente, porque relacionado a um valor de "bem" ou de "bom" para a escritora e, supostamente, segundo ela, para o leitor (cf., Pelaèz, 2001, que descreve a relação entre o controle por regra e a consistência do discurso do qual se infere a moralidade). Argumento central é fundamental para o discurso e dele derivam-se os argumentos adicionais ao discurso, isto é, proposições que reforçam as variáveis de controle do argumento central. S-A funde a função de uma sentença com a função de um argumento e, assim, orienta, persuade (i.e., emociona) e convence (i.e., induz pensamento semelhante) o leitor por meio da combinação de operantes primários e secundários.

As S-A's foram os segmentos verbais para a ACD, selecionados de acordo com os seguintes critérios: (a) descrições dos preceitos ou prescrições de supostas relações entre eventos, para a descoberta do "segredo", apresentadas, em geral, como valores – a serem seguidos pelo leitor; (b) descrições de testemunhos de pessoas que alegam que alcançaram sucesso devido a essa descoberta, cujo comportamento deverá ser imitado pelo leitor; e (c) descrições das propriedades facilidade e simplicidade ("magia") do "segredo", a serem tateadas pelo leitor. Esses três critérios foram usados para agrupar em três tipos as S-A's.

Os produtos gráficos do comportamento da escritora são considerados estímulos para comportamentos do leitor, inicialmente, textuais na codificação e, depois, intraverbais, na leitura compreensiva (Skinner, 1957). Buscou-se especificar, no discurso da escritora, os prováveis eventos antecedentes (verbais ou não) e consequentes (reforço específico ou generalizado) dos operantes das S-A's, de modo a se inferir suas relações no controle do leitor da autoajuda (a prática cultural sob análise).

Após as S-A's serem selecionadas como segmentos do discurso de Byrne (2006/2007), elas foram lidas e o comportamento verbal de leitor de cada autor(a) deste artigo ficou sob controle delas para que desse controle emergisse uma interpretação comportamental. A hermenêutica comportamental foi realizada em quatro etapas conforme proposto por Dougher (1993): (a) durante leituras repetidas de O Segredo, as S-A's de Byrne identificadas pelos critérios de seleção foram analisadas em seus possíveis antecedentes e consequentes, de modo a se indicar as funções operantes que as teriam produzido; (b) uma vez identificadas pelas funções dos operantes que as teriam produzido, as S-A's foram revistas e, a partir de exemplos que confirmaram a regularidade das suas funções operantes interpretadas, uma interpretação comportamental do discurso foi fortalecida; (c) tendo a revisão das S-A's permitido a confirmação da interpretação, procedeu-se à análise funcional da análise funcional conduzida na segunda etapa, quando foram refinadas as discriminações feitas nos registros verbais em O Segredo e agrupadas as S-A's de Byrne em classes, de acordo com suas funções comuns; (d) descreveu-se o comportamento dos analistas do discurso de inferir as funções do discurso de Byrne, ou seja, foi feita uma autodescrição do comportamento verbal de selecionar (segundo critérios descritos anteriormente) e analisar as S-A's, quando foram explicitadas as razões dessa seleção e análise. Por fim, a autodescrição individual de cada autor(a) foi corroborada pelos demais, nos muitos papeis da tarefa compreensiva de um texto (leitor, escritor, intérprete etc.). A seção a seguir apresenta aspectos funcionais gerais do discurso de Byrne e a seguinte, a ACD propriamente dita.

 

Resultados e Discussão

Aspectos funcionais gerais do discurso em O Segredo

Os elementos da ACD em O Segredo são: (a) tipo de dado – o produto gráfico do comportamento verbal de Byrne (2006/2007); (b) falante – a escritora, que defende crenças metafísicas referentes aos efeitos do pensamento positivo ou de processos similares, sobre a saúde e o curso de vida; (c) contexto cultural amplo do discurso – a prática verbal da autoajuda no livro O Segredo, um tipo de produto verbal com a propriedade certeza (Brunelli, 2004) e, também, espiritualidade, uma forma de mentalismo típica da cultura anglo-saxônica da autoajuda na modernidade (Effing, 2009), e que aparecem atreladas ao alcance do êxito e da felicidade.

Um primeiro aspecto a ser considerado no discurso de Byrne (2006/2007) é referente às funções que O Segredo supostamente teria para o seu leitor. Articulado a esse primeiro aspecto está um segundo, o controle de estados de privação que a escritora tem da atenção do leitor, presente na função generalizada de mando como "Leia O Segredo". Verifica-se que em vários trechos a escritora especifica reforçadores potenciais para a leitura do livro e, consequentemente, para o seguimento de seus preceitos. Logo no prefácio ela garante ao leitor que o "segredo" poderá dar-lhe o que quiser: "Não existe uma única coisa que você não possa fazer com esse conhecimento. Não importa quem você é ou onde está, O Segredo pode lhe dar o que você quiser" (p. xi). E continua especificando que o leitor, se continuar lendo o livro, compreenderá a aplicação da Lei da Atração e, consequentemente, será capaz de ter, ser e fazer o que desejar porque "Passará a saber quem realmente é. Passará a saber a verdadeira grandeza que está à sua espera na vida" (p. xii).

O que a escritora sugere é que o comportamento de ler o livro produzirá benefícios (reforço positivo) e eliminará malefícios (reforço negativo). Com essas sugestões, o aconselhamento proporcionado pelo livro responsabiliza o leitor pela situação difícil na qual ele se encontra e apresenta uma solução simples, fácil e eficiente para a mesma. Isso é altamente reforçador diante dos prováveis estados de privação e de estimulação aversiva do leitor. Estimulação aversiva e privação são variáveis motivacionais que alteram a probabilidade de emissão de comportamentos, sendo impossível haver uma vida sem elas. Assim é a vida de todas as pessoas, dentre elas as testemunhas citadas no livro e o leitor. O alívio de qualquer situação aversiva e a obtenção de qualquer coisa que se queira são reforçadores potenciais que, enfatizados nos testemunhos de transformações por se comportar da maneira como a escritora explicita, são fatores que têm o poder de manter o comportamento de leitura do livro. Testemunhas podem exercer a função de modelo para o leitor que pode imitá-las, passando a seguir as mesmas relações entre eventos fáceis e simples que elas descrevem como se fossem regras. No trecho reproduzido a seguir, o protagonista David Chirmer, que reclamava de contas a pagar, dá seu testemunho de como resolveu essa situação: "Então visualizei um punhado de cheques vindo pelo correio. Em apenas um mês as coisas começaram a mudar. É impressionante: hoje eu só recebo cheques pelo correio" (p. 104).

A escritora descreve os preceitos como instruções capazes de funcionar como estímulos para o comportamento do leitor a partir do modelo do protagonista. O leitor deve admirar, respeitar ou gostar do modelo em questão para que aumente a probabilidade de ocorrência da observação do comportamento do modelo e, por conseguinte, a imitação de tal comportamento (Baldwin & Baldwin, 1997). Para que isso seja viável, os protagonistas do livro são caracterizados como pessoas com prestígio. Dois são físicos quânticos, Dr. John Hagelin e Dr. Fred Alan Wolf, que apresentam os seguintes argumentos:

Nosso corpo na verdade é produto de nossos pensamentos. Estamos começando a compreender na ciência médica o grau em que a natureza dos pensamentos e emoções realmente determina a substância física, a estrutura e a função de nossos corpos (Dr. John Hagelin, Físico Quântico) (p. 125).

A física quântica realmente começa a apontar para essa descoberta (...) a mente está dando forma a cada coisa que está sendo percebida (Dr. Fred Alan Wolf, Físico Quântico) (p. 21).

Com base nesses argumentos e em outros, Byrne (2006/2007) sugere que a Lei da Atração é científica. Como ela teria sido aplicada com sucesso por cientistas mundialmente conhecidos, a probabilidade de o leitor imitar esses comportamentos aumenta, pois é comum na sociedade ocidental a valorização dos discursos científicos. Skinner (1957) explicou a crença do leitor no escritor cientista, um fato que pode justificar a tentativa de Byrne de atrelar sua autoajuda à ciência e explicar sua popularidade. Segundo ele, leitores em geral foram bem sucedidos ao responder ao comportamento verbal de cientistas, fato que fortaleceu a sua crença na ciência. Os testemunhos apresentados por Byrne contêm o que Skinner cita como expediente literário para o fortalecimento da crença do leitor na ciência: cientistas compensam a falta de precisão das extensões metafóricas ou impurezas dos (supostos) tatos no discurso, como em O Segredo, e emitem respostas que, também supostamente, estariam sob controle direto do estímulo, e não de estímulos estendidos dele (como aqueles que controlam as metáforas) ou de fusões de outras funções verbais (e.g., tato impuro). É assim que a crença do leitor emerge "com força máxima" (Skinner, 1957, p. 160).

Os relatos de histórias vivenciadas por diferentes protagonistas são, também, apresentados com bastante frequência no livro com função de inspirar essa confiança ou crédito. Nesses relatos, além do uso hábil de autoclíticos, que será discutido na seção seguinte, um dos expedientes retóricos típicos do discurso em O Segredo, para o seguimento das descrições de relações entre eventos nele contidas, é a repetição. Pelo fato dessas descrições serem apresentadas repetidamente, infere-se que a escritora espera que o leitor de seu livro as siga como regra. Contudo, destaca-se que as descrições ao longo do livro são inespecíficas e, portanto, os leitores jamais saberão se as estão seguindo de forma apropriada, como regras. Elas assumem uma forma genérica como em: "Você atrai para si o que estiver na sua mente" (p. 12) e "o que está na mente" é variado em muitos momentos do discurso de forma a alcançar tudo o que possa ser do interesse de quaisquer leitores:

O que a maioria de nós não entende é que um pensamento tem uma frequência. Nós podemos medir um pensamento (...) se está imaginando ter aquele carro zero quilômetro, ou ter dinheiro, fundar aquela empresa, encontrar sua alma gêmea, você emite essa frequência consistentemente. (p. 10)

Além de se analisar o comportamento imitativo, deve-se considerar as descrições verbais que a escritora emitiu com função de regra para o leitor. Regras descrevem as contingências em que um comportamento terá probabilidade de ser reforçado ou punido, sem que haja necessidade de modelagem do comportamento (Skinner, 1969) e, por isso, costumam ser bastante eficazes em relação à instalação de comportamentos novos. O Segredo apresenta uma diversidade de descrições de supostas relações entre eventos com características de regras. Por meio delas, a escritora expõe para o leitor os eventos que ela acredita dependerem da emissão do comportamento proposto. Por exemplo, a sentença "Imagine-se vivendo bem, e você atrairá isso. Sempre dá certo, com qualquer pessoa" (Byrne, 2006/2007, p.12) especifica que as pessoas, quando não estão bem, devem imaginar o bem para que o bem aconteça. Especificações como essa estão presentes em diversos trechos do discurso de Byrne, ilustrando os três passos para a ativação da Lei da Atração: peça, acredite e receba:

A fim de ficar ciente de seus pensamentos, você pode estabelecer o objetivo: Eu sou o senhor dos meus pensamentos. Diga isso com frequência, medite sobre isso, e, quando você se ativer a esse objetivo, pela lei da atração deverá transformar-se nisso. (p. 23).

Outro aspecto a ser considerado é a "magia" do "segredo": situações complexas têm explicações e soluções simples. Assim como astrólogos e numerólogos, escritores de autoajuda costumam descrever relações supostamente de causa e efeito tão vagas que, embora não se possa confirmá-las, também não se pode refutá-las (cf., Skinner, 1953). Quando contíguas, tais relações podem controlar comportamentos supersticiosos por reforço acidental, conforme demonstrou Skinner (1948) com a resposta do seu sujeito de pesquisa: quando reforçada acidentalmente, ela voltava a ocorrer, como um efeito do fortalecimento. Assim, explicações simples em O Segredo para acontecimentos da vida do leitor podem, acidentalmente, ser validadas por uma relação contígua entre eventos: "São pensamentos predominantes de riqueza que trazem riqueza" (Byrne, 2006/2007, p. 6). Esse é um exemplo "mágico" voltado para leitores endividados (há exemplos para os obesos, os solitários, etc.). Com ele, Bob Proctor, um dos protagonistas do livro, ignora os fatores histórico-estruturais da forma desigual de distribuição de renda entre os habitantes de um país ou região e explica porque 96% do dinheiro do mundo concentram-se nas mãos de apenas 1% da população: esse 1% conhecem e aplicam o "segredo" (por isso, teriam dinheiro o suficiente; o resto da população não). Descrições "mágicas" assim não contribuem com o autoconhecimento e, consequentemente, com o autocontrole. Elas na verdade mantêm ilusões, crenças e superstições, as quais, segundo Skinner (1953), provavelmente tiveram origem no mesmo processo que origina comportamentos supersticiosos, mas são mantidos por contingências sociais. "Com o comportamento verbal, pessoas podem descrever certas relações de contiguidade entre eventos e mudanças ambientais como se fossem relações de contingência, o que tem sido chamado de regras supersticiosas" (Benvenuti, 2010, p. 34).

Ao se inferir algumas variáveis que possivelmente controlaram o comportamento da escritora, o sucesso de vendas e a notoriedade alcançada por outros livros da mesma categoria literária – nos quais a escritora afirma basear O Segredo, como The Science of Getting Rich (Wattles, 2007) – podem ter tido função de operação motivacional. Essas contingências podem ter sido tateadas e esse tato, como regra, ter tido efeito alterador de função (function-altering effects; Schlinger & Blakely, 1987) sobre o escrever o livro. Contudo, o escrever da escritora, provavelmente, esteve sob controle múltiplo: antecedentes (e.g., história comportamental de leitora) e consequentes (i.e., atenção, consideração de leitores, dinheiro, sucesso do documentário que antecedeu a publicação do livro entre outros, incluindo as consequências sobre si mesma).

Análise Comportamental do Discurso em O Segredo

A ACD realizada no presente estudo, como comportamento verbal dos seus autores(as), foi determinada por diversas variáveis, dentre elas: (a) respostas verbais anteriores, como o repertório de temas necessários para a realização da análise (comportamento verbal, Análise do Comportamento, Análise Comportamental do Discurso e autoajuda); (b) textos (o da escritora e os produzidos no processo de redação deste artigo) que funcionaram como estímulo discriminativo para a ACD e para a produção deste artigo; (c) condições de motivação dos autores(as) em função das prováveis consequências reforçadoras envolvidas no processo de produção deste artigo, assim como das características dos leitores aos quais o artigo se destina (linguistas, psicólogos e analistas do comportamento); e (d) efeitos que se espera produzir nesses leitores (compreensão do texto e dos temas envolvidos) como reforçadores para os autores deste artigo, tal como especificou Skinner (1957).

Um primeiro efeito da leitura das descrições de supostas relações entre eventos em O Segredo é um leitor informado sobre tais relações. Esse efeito está relacionado a um segundo efeito: um leitor que concordará com tais relações descritas. Byrne (2006/2007) "manda" ao leitor claramente o que fazer ou emite metáforas para aconselhá-los de modo persuasivo. Isso é garantido com autoclíticos apropriados para a função de gerar crença e confiança, o efeito "de certeza" da literatura de autoajuda (Brunelli, 2004). Em geral, conselhos estão em metáforas para emocionar, caso o leitor aja na situação altamente genérica de reforço que descrevem. A compra do livro e a sua leitura sinalizam essa junção de efeitos, no sentido em que o consumidor, antes de comprar o livro, se informou sobre, e concordou com, seu conteúdo e está predisposto a seguir as regras do tipo conselho nele contidas (Skinner, 1989/1991).

Para ilustrar aspectos específicos dos controles estabelecidos por O Segredo foram selecionadas as suas S-A's. Em função dos critérios descritos anteriormente, identificaram-se 290 "descrições de preceitos", 137 "descrições de testemunhos" e 175 "descrições de magia". Os critérios indicam classes de sentenças e, por isso, duas S-A's correspondentes a cada critério foram selecionadas para a realização da ACD, com o propósito de exemplificar as funções do discurso ao longo do livro.

Preceitos a serem seguidos

(1a) Tudo o que entra em sua vida é você quem atrai, por meio das imagens que você mantém em sua mente. É o que você está pensando [argumentos adicionais]. Você atrai para si o que estiver se passando em sua mente [argumento central]. (p. 4).

(1b) O único motivo por que as pessoas não têm o que desejam é que elas pensam mais no que não desejam do que naquilo que de fato desejam [argumento central]. Ouça seus pensamentos e as palavras que você está dizendo. A lei é absoluta, e não existem erros [argumentos adicionais]. (p. 12).

Os operantes primários essenciais aos preceitos de O Segredo aparecem nessas S-A's como amostras de segmentos do discurso de Byrne (2006/2007). Você parece ser o produto de um desses operantes essenciais. Nota-se que o argumento central é iniciado com Você, induzindo o leitor a tatear-se como único responsável pela própria vida: Você atrai. Especificado de outro modo, de acordo com esse discurso, cada leitor tem o poder e é responsável por atrair o que quiser para sua vida. Supostamente acreditando no "segredo", e por não haver um leitor presente e por você não descrever um leitor específico, sendo visto encobertamente pela escritora (cf., Kritch & Bostow, 1993), a resposta que produziu você é possivelmente elo de uma cadeia intraverbal relacionada à argumentação de O Segredo. Entretanto a forma do discurso mostra que você pode ter sido emitido para parecer ter função de um tato. Mas, possivelmente é um intraverbal emitido como se fosse tato para aumentar o poder de convencimento do discurso (Guerin, 1994). Outros expedientes retóricos têm essa mesma função (parecer tato) atrelada a suas funções específicas como operantes, mesmo em elos intraverbais: vida-você-imagem-mente-pensando.

A moldura autoclítica torna mais precisos ao leitor os efeitos dessa função intraverbal como se fosse tato. A Sentença 1a é iniciada com o autoclítico quantificador Tudo. Em seguida, lê-se o registro de um autoclítico do tipo predicação, é, sob controle ao mesmo tempo das propriedades da relação entre Tudo o que entra em sua vida é você que atrai e das propriedades relativas à qualidade (assertiva) dessa relação. O autoclitico Tudo é emitido sob controle das propriedades relativas à quantidade das coisas que afetam a vida do leitor (tudo o que entra na sua vida) e está relacionado com você (no sentido de ser responsabilidade do leitor: é você que atrai). A S-A continua com a repetição de ideias, ou seja, é dito ao leitor algo similar ao anterior, só que na forma do argumento central ao final da sentença (a ordenação dos argumentos também é um processo autoclítico de convencimento): "Você atrai para si o que estiver se passando em sua mente". É emitido o autoclítico relacional que sob controle da relação entre "você atrai" e "estiver se passando em sua mente". Nota-se que na Sentença 1a não há lugar para dúvidas. A certeza é parte da função dos argumentos que são apresentados como se fossem tatos.

Na Sentença 1b ocorre a repetição da ideia da Lei da Atração (pensamento) como responsável por qualquer coisa na vida do leitor e, além disso, ocorre, assim como na Sentença 1a, as afirmações de certeza no segundo argumento adicional: "A lei é absoluta e não existem erros". Novamente, a ideia repetida da Lei da atração controla os elos intraverbais motivo-pessoas-desejam, você-pensamentos-palavras-dizendo e lei-erros e eles são apresentados como se fossem tatos. Adicionalmente, os supostos tatos são emitidos junto ao mando Ouça e aos autoclíticos do tipo predicação está e é (como em A lei é absoluta) para melhorar o convencimento do leitor.

A moldura autoclítica reafirma a função unificada de mandos e de intraverbais como se fossem tatos. Sob controle das propriedades relativas à quantidade dos operantes primários motivo e lei, a escritora os quantifica com único e absoluta, respectivamente. A predicação é unifica um autoclítico relacional com um qualificador de asserção, relacionando e qualificando o primeiro e o segundo segmentos do argumento central. A predicação tem uma função de "mando" ao leitor ao modificar a intensidade ou a direção do comportamento dele quanto aos operantes primários (no elo intraverbal motivo-pessoas-desejam) que a predicação acompanha.

Testemunhos a serem imitados

(2a) Desde que aprendi "O Segredo" e comecei a usá-lo em minha vida, ela se tornou realmente mágica. Eu creio que o tipo de vida com o qual todas as pessoas sonham é o que eu vivo no cotidiano. Moro numa mansão de 4,5 milhões de dólares. Tenho uma esposa por quem morreria. Passo férias em todos os lugares fabulosos do mundo. [argumentos adicionais]. E tudo isso aconteceu, e continua a acontecer, por eu saber como usar "O Segredo" [argumento central]. (p. 40).

(2b) Todos os dias eu tinha um punhado de contas na minha caixa de correio. Quando eu compreendi O Segredo eu pensei: "Como eu mudo isso?" [argumentos adicionais]. A lei de atração afirma que você consegue aquilo em que se concentra [argumento central], então eu peguei um extrato bancário, apaguei o saldo e coloquei um novo saldo. Eu coloquei exatamente quanto queria ver no banco. Então pensei: "E se simplesmente visualizasse cheques chegando pelo correio?" (...) Em apenas um mês as coisas começaram a mudar. É impressionante: hoje eu só recebo cheques pelo correio [argumentos adicionais]. (p. 104).

As Sentenças 2a e 2b são depoimentos contidos no livro que, ao exemplificarem supostas histórias de sucesso, servem de modelo para o comportamento do leitor de seguir as descrições de relações entre eventos apresentadas pela escritora. Os depoimentos demonstram ao leitor que tais descrições funcionariam de modo simples e seu seguimento propiciaria todos os tipos de reforçadores. Pode-se inferir que ao apresentar os depoimentos, a escritora espera aumentar a probabilidade de adesão ao discurso apresentado por ela ao longo do livro. Os registros de expedientes retóricos, possivelmente autoclíticos, nessas S-A's, informam como os modelos instruem regras aos leitores. Na Sentença 2a, sob controle das propriedades relativas à quantidade de tempo do contato com o estímulo que controlou o operante primáriO Segredo, a escritora, para melhorar o poder de convencimento do leitor no seu texto, indica com o autoclítico Desde essas propriedades ao leitor. Um autoclítico com função similar é Tudo que está sob controle das propriedades relativas à quantidade de isso que aconteceu ao depoente. Há também registro de predicação é, que combina um relacional com uma asserção, ou seja, ao mesmo tempo relaciona e qualifica assertivamente a relação entre tipo de vida com o qual todas as pessoas sonham e o que eu [depoente] vivo. A função da asserção na predicação é de "mando" ao leitor para se convencer da relação descrita pelo depoente, uma vez que está sob controle da intensidade ou da direção do comportamento do leitor quanto ao elo de operantes básicos intraverbais do segundo argumento adicional: vida-pessoas-sonham-vivo-cotidiano. Por fim, há recursos autoclíticos descritivos: descrevem ao leitor as supostas propriedades de operantes primários ou as, também supostas, condições de sua emissão por parte do depoente. Aprendi, comecei e saber têm a função de descrever ao leitor que o operante básico que acompanham (segredo) seria um tato (desde que o leitor imite o depoente e faça contato com a habilidade que é o "segredo"). Creio é também um descritivo que, por estar sob controle da intensidade de emissão do operante primário vida [com a qual todos sonham], descreve ao leitor a intensidade elevada da emissão da relação assertiva contida no argumento adicional que ele inicia.

Na Sentença 2b, algumas das funções da Sentença 2a se repetem. Quando tem a mesma função de Desde: está sob controle das propriedades relativas à quantidade de tempo do contato com o que controlou o operante segredo, indicando-as ao leitor. Compreendi, como autoclítico descritivo, tem a mesma função de aprendi, ou seja, descreve ao leitor a suposta condição de emissão de segredo como se fosse um tato.

Propriedades a serem tateadas

(3a) Você pode ter, fazer ou ser o que quiser. (p. 26).

(3b) Imagine-se vivendo bem, e você atrairá isso. Sempre dá certo, com qualquer pessoa. (p. 12).

Durante o texto de O Segredo a escritora apresenta a Lei da Atração como sendo uma "magia": algo simples, de fácil aplicação, que funciona em qualquer contexto, com qualquer pessoa, para a obtenção de qualquer reforçador. As sentenças com essa apresentação são curtas e, geralmente, compostas de três partes: (a) Imagine isso, (b) Isso será atraído e (c) Sempre dá certo, como no elo intraverbal da Sentença 3a: você-ter-fazer-ser-quiser. Novamente, há registro do operante primário Você, mostrando repetição das suas funções na retórica da escritora, já descritas na análise da Sentença 1a. O autoclitico quantificador tudo está implícito na Sentença 3a ("Você pode ter, fazer ou ser [tudo] o que quiser"), quantificando o que quiser, ou seja, todos os reforçadores existentes e possíveis de adquirir. Na Sentença 3b, após o mando imagine-se vivendo bem, há registro do autoclítico relacional e conectando o mando ao seu reforçador específico: você atrairá isso. O e está sob controle da propriedade relacional do mando com o seu reforço específico e tem a função de aumentar a probabilidade de o leitor se comportar de um modo particular, de acordo com a descrição que a escritora faz dessa relação verbal de mando. Essa relação é complementada em seguida, quando ocorre a afirmação de certeza Sempre dá certo, na qual há registro de processo autoclítico quantificador Sempre. Relacionado ao mando anterior, Sempre esclarece ao leitor que em todas as situações o seguimento do mando dá certo. A S-A é finalizada com qualquer pessoa. A função do autoclítico quantificador qualquer é indicar ao leitor as propriedades relativas à quantidade de pessoas que podem conseguir o que é especificado no mando emitido pela escritora. O mando é afirmado ao leitor atrelado à propriedade de certeza (Brunelli, 2004).

 

Conclusão

A ACD da autoajuda em O Segredo permitiu identificar as variáveis que podem ter estabelecido e mantido o discurso de sua escritora. O operante primário você parece ser essencial ao discurso e parece ter sido produto de respostas que estiveram atreladas à função de mando em S-A's. As funções intraverbais comumente aparecem como se fossem tatos (Guerin, 1994). A moldura autoclítica do discurso é caracterizada basicamente por unidades quantificadoras (função: indicar propriedades relativas à quantidade dos operantes primários emitidos por Byrne), relacionais (função: aumentar a probabilidade do leitor se comportar do modo particular especificado em mandos) e descritivas (função: descrever ao leitor as propriedades do operante básico, e o tipo ou as condições de sua emissão por parte da escritora ou de um depoente). A propriedade certeza (Brunelli, 2004) comumente aparece nas funções de unidades autoclíticas do tipo predicação (função: combinar um autoclítico relacional com um qualificador de asserção que, por sua vez, tem a função de afirmar uma relação entre operantes primários e modificar a intensidade ou a direção do comportamento do leitor a partir dessa relação).

A ACD, à medida em que o seu método for aperfeiçoado, poderá ser um recurso importante para análises de produtos de comportamentos verbais, como é o caso típico dos dados verbais transcritos do contexto clínico (cf., Borloti, Haydu, El-Hafihi-Fereira, & Fornazari, 2012). No presente estudo foi realizada a ACD em um texto, a qual possibilitou inferir a reação do leitor ao discurso em O Segredo, a partir dos processos comportamentais que podem aumentar a probabilidade de discursos semelhantes serem emitidos novamente. Essa reação foi inferida do efeito que produziu no repertório dos analistas como leitores, numa tarefa desconstrucionista de diferentes papeis sob controle do texto/discurso sob análise.

A transição nesses diferentes papéis mostrou que a descrição de reforçadores positivos é típica da escrita dos livros de autoajuda que, segundo Chagas (2001), está em sentenças maravilhosas e bem articuladas, em geral, naquilo o que o leitor quer ler porque de antemão crê no que será lido: "Você quer ficar ciente de seus pensamentos, escolhê-los com cuidado e também se divertir com isso, porque você é a obra prima da própria vida. O Davi que você esculpe é você mesmo" (Byrne, 2006/2007, p. 23). A crença prévia no que será lido é descrita por Skinner (1957) como uma função da tendência do leitor para agir segundo os estímulos verbais proporcionados pela leitura. No trecho do Davi citado neste parágrafo, Byrne emite um dos expedientes retóricos descritos por Skinner para aumentar a crença do leitor via geração de emoção: a extensão metafórica do tato. Nota-se antes e no início do trecho "um grande número de afirmações tão obviamente verdadeiras que o comportamento do [leitor] é fortemente reforçado" (quem não quer ficar ciente dos seus pensamentos?). Nos segmentos metafóricos finais, "uma forte reação [emocional] é obtida diante de afirmações que, de outra maneira, obteriam pouca ou nenhuma resposta.", a despeito da falta de precisão em relação às contingências descritas (Skinner, 1957, p. 160).

 

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Endereço para correspondência
Elizeu Borloti
Email: borloti@hotmail.com

Universidade Federal do Espírito Santo
Avenida Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras,
Vitória/ES
CEP. 29.075-910

 

Submetido em: 08/05/2014
Primeira decisão editorial: 08/09/2014
Segunda decisão editorial: 13/11/2014
Aceito em: 17/12/2014
Editor associado: Felipe L. Leite