SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.5 número2Considerações experimentais sobre os efeitos do controle por rejeição na formação de classes de equivalênciaUtilização de procedimentos de ensino-aprendizagem: Relatos de analistas do comportamento índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Perspectivas em análise do comportamento

versão On-line ISSN 2177-3548

Perspectivas vol.5 no.2 São Paulo  2014

 

ARTIGOS

 

A interpretação dos sonhos revisitada

 

The interpretation of dreams revisited

 

La interpretación de los sueños revistada

 

 

Luc Vandenberghe

Pontifícia Universidade Católica de Goiás

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo oferece uma reflexão, baseada em alguns autores brasileiros, acerca da prática da análise dos sonhos, com o intuito de delinear seus aportes para a terapia comportamental. O conteúdo do sonho reflete os efeitos das contingências que moldaram os repertórios do cliente. O relato do sonho, porém, está sob o controle da relação com o terapeuta. Argumentamos que a análise dos sonhos pode contribuir de três formas para a terapia. Primeiro, pode trazer à luz problemas ou necessidades do cliente que escaparam à atenção, sendo possível, pelo esclarecimento destes, definir melhor as metas para o tratamento. Segundo, comparar o conteúdo dos sonhos ou o comportamento de relatá-los com outras informações sobre o cliente pode ajudar a identificar contingências relevantes que devem ser incluídas na formulação do caso. Em terceiro lugar, o trabalho com os sonhos pode fornecer material para ser trabalhado ao vivo na sessão, a saber, as dificuldades evocadas pelo material do sonho, bem como as dificuldades evocados pela interação com o terapeuta ao analisar o sonho.

Palavras-chave: Sonhos; Terapia comportamental; Análise de contingências


ABSTRACT

The present article offers a reflection, based on a selection of Brazilian authors, concerning the practice of dream analysis aiming to offer an outline of its contributions to behavior therapy. Dream content reflects the effects of contingencies that shaped the client's repertoires. Dream reports, however, are under the control of the relationship with the therapist. The article argues that dream analysis can contribute in three ways to treatment. First, it can bring problems or needs to light that have not yet received attention in treatment. Second, comparing the dream content, and/or the way it is reported to other information about the client can help identify relevant contingencies that need to be included in the case formulation. Third, dream analysis can bring to the berth material for in-vivo work in session, more specifically, the difficulties evoked by dream material and the challenges that emerge in the relationship with the therapist while discussing dreams.

Keywords: Dreams; Behavior therapy; Analysis of contingencies


RESUMEN

Este artículo ofrece una reflexión sobre la práctica del análisis de los sueños, basada en una selección de autores brasileños con la intención de delinear sus aportes para la terapia conductual. El contenido del sueño refleja los efectos de las contingencias que moldaron los repertorios del cliente. El relato del sueño, no obstante, está bajo el control de la relación con el terapeuta. Argumentase que el análisis de los sueños puede contribuir de tres formas para la terapia. Primero, puede elucidar problemas o necesidades del cliente que escaparon a la atención, tornando posible, por el esclarecimiento de ellos, definir mejor las metas para el tratamiento. Segundo, comparar el contenido de los sueños o la manera en que es relatado con otras informaciones sobre el cliente puede ayudar a identificar contingencias relevantes que deban ser incluidas en la formulación del caso. En tercer lugar, el trabajo con los sueños puede aportar material para ser utilizado al vivo en la sesión, a saber, las dificultades evocadas por el material del sueño, así como las dificultades evocadas por la interacción con el terapeuta al analizar el sueño.

Palabras-clave: Sueños; Terapia conductual; Análisis de contingencias.


 

 

A terapia comportamental brasileira produziu uma prática explicitamente pautada na análise das contingências (Banaco & Zamignani, 2001; Guilhardi, 2004). Nessa abordagem, a atuação do terapeuta é guiada por questões relacionadas com: Quais repertórios o cliente deve desenvolver para obter uma melhora clínica? Quais contingências do cotidiano devem mudar para que o cliente alcance as mudanças que precisa em sua vida? Como o cliente pode ser ajudado a implementar essas mudanças?

A partir desse questionamento, estabeleceu-se um estilo clínico, de raiz brasileira, desenhado para instrumentalizar o cliente a observar a relação entre seu comportamento e as variáveis ambientais para poder lidar melhor com os desafios da sua vida. Nessa perspectiva, a análise das contingências e a mudança comportamental são mutuamente e intrinsecamente interligadas. Muitas vezes, novos comportamentos que o cliente adquire durante a terapia modificam as contingências em seu cotidiano, enquanto os novos repertórios são, por sua vez, selecionados pelas mesmas contingências. À primeira vista, a análise dos sonhos pode parecer uma tática pouco adequada para uma prática clínica pautada nessa opção.

O objetivo desse texto é compreender o que a análise dos sonhos pode contribuir para o terapeuta que trabalha com essa abordagem. Portanto, embasamos nossa reflexão numa revisão de como alguns autores descrevem o uso da análise dos sonhos na prática do analista do comportamento brasileiro no setting clínico. Este objetivo implica tanto em descrever como a terapia comportamental brasileira se relaciona com essa ferramenta clínica, quanto em identificar indicações de intervenção que são coerentes com essa visão.

Não se pretende fazer uma análise teórica ou conceitual sobre o sonho, trabalho já realizado com esmero e disponível em várias publicações (Bachtold, 1999; Borloti, 2005; Guilhardi, 1994; Silva, 2000), mas sim, das possiblidades e promessas dessa técnica no consultório. Por isso, em busca de subsídios para nossa reflexão, recorremos a alguns textos de cunho especificamente clínicos que discorrem nomeadamente sobre a análise dos sonhos na prática de consultório.

Antes de iniciar esse trabalho, precisamos definir com qual comportamento o terapeuta trabalha quando analisa os sonhos do cliente. Uma divisão importante incide entre o sonho como comportamento durante o sono e o relato do sonho que ocorre no consultório. Durante o sonho, a pessoa vê, ouve, sente (comportamento perceptivo) e age (toma decisões, atua, responde às situações percebidas, etc.). No consultório, o cliente interage com o terapeuta cujos respostas produzem as consequências do comportamento do cliente. Os reforços que estão contingentes ao ver, ouvir, sentir e agir durante o sonho, não são os mesmos que controlam o comportamento ao relatar sonhos durante a sessão.

Se consideramos que perceber é comportamento, logo assumimos que o quê a pessoa percebe é resultado de sua história de exposição a contingências. Um estímulo significa algo para uma pessoa dependendo das contingências que estavam em vigor quando foi exposta a este estímulo no passado (Guilhardi, 1995). Por esse motivo, o que a pessoa percebe contém informação sobre contingências passadas e sobre os efeitos que elas tiveram sobre os repertórios dessa pessoa. Já que esses efeitos ficam evidentes nos sonhos, eles trazem dicas que o terapeuta pode usar para analisar acontecimentos e experiências importantes na vida do cliente (Delitti & Meyer, 1995). Assim, a análise de sonhos se torna uma estratégia de buscar dados para que terapeuta e cliente possam identificar quais as contingências que controlam o comportamento do cliente (Bachtold, 1999).

As marcas das contingências passadas são nítidas no sonho, visto que sua influência sobre o comportamento perceptivo e as ações é mais evidente, pois outras influências estão extremamente reduzidas. O perceber durante a vida enquanto acordada também é modelado pela história de aprendizagem. Porém, Guilhardi (1995) aponta que na vida real, as condições presentes exercem controle acentuado sobre o que a pessoa percebe. Durante o sonho, os olhos estão fechados, a estimulação visual do ambiente está bastante reduzida e, assim, o controle pela situação presente sobre o que é visto está bem menor. Essa ausência de controle pelas condições ambientais atuais oportuniza que a história de vida e as privações sentidas pelo cliente tomem controle do comportamento perceptivo.

Da mesma forma, as ações do sonhador no enredo do sonho estão sob o controle mais cerrado da sua história de vida, por causa da falta de controle pelo ambiente presente. As leis da física e as restrições sociais impõem limites aos comportamentos que podem ser emitidos na vida acordada. Também, respostas que estão com força elevada no repertório do sonhador, podem ser pouco plausíveis no mundo real, por serem sujeitos a punição ou porque o estímulo discriminativo não está presente nas condições da vida atual. Porém, no sonho, comportamentos fisicamente impossíveis ou transgressões impensáveis podem ocorrer. Esse comportamento pode trazer dicas sobre contingências que afetam o cliente, mas que não estariam acessíveis, da mesma forma, se o terapeuta se limitasse a analisar o comportamento fora do sonho. Assim, a análise funcional de tais comportamentos pode acusar privações ou efeitos de contingências que ficam camufladas durante a vida acordada (Vandenberghe, 2004).

Outras vezes, o comportamento durante o sonho apresenta uma topografia similar ao que o cliente faria fora do sonho, mas algum aspecto funcional do comportamento fica mais claro ou se destaca melhor no contexto do sonho. Nesses casos, também, discutir o comportamento no enredo do sonho pode possibilitar observações preciosos. Muitas vezes, o cliente tenta fugir de algo, ou tenta conseguir algo. O material do sonho pode facilitar a busca das consequências aversivas ou reforçadoras envolvidas. Essa análise permite ao cliente e ao terapeuta para, juntos, procurarem paralelos entre os contextos do sonho e da vida real. Uma vez identificados, tais paralelos podem ajudar a identificar os funções do comportamento do cliente nas situações que este vive com dificuldade no seu dia-à-dia.

Um exemplo pode esclarecer as vantagens de considerar esse paralelo entre o comportamento do cliente durante o sonho e fora do sonho. Uma cliente, no enredo do sonho, se encontra sozinha, perde amizades, não consegue retribuir a tentativa de aproximação de uma pessoa que oferece sua amizade. Ela relata sentir vergonha ao encontrar a pessoa que tentou se aproximar dela, indicando controle aversivo envolvendo punição social (Pitanga & Vandenberghe, 2010). Talvez tenha dificuldades similares em seu cotidiano. Cabe ao terapeuta ajudá-la a descobrir se isto é o caso. Essa informação pode confirmar hipóteses que já estão sendo trabalhadas na terapia, mas pode também trazer novos dados, que devem redirecionar o trabalho (Santos & Vandenberghe, 2012). A solidão e a angústia das quais a cliente se queixa estão relacionadas com seu comportamento esquivo? Falta repertório para acolher a amizade oferecida na sua vida fora do sonho? Quais contingências aversivas atuais e passadas estão envolvidas nesses problemas?

Relatar um sonho pode constituir comportamento de esquiva de duas maneiras distintas. Já que as ações durante os sonhos não são reais, a pessoa que conta o que sonhou, não será julgada como a que conta o que fez enquanto acordado. Porém, o relato de sonho também é comportamento de esquiva quando o cliente traz material onírico para evitar uma discussão de material mais aversivo e talvez mais importante (Delitti, 1993; Delitti & Meyer, 1995; Guilhardi, 1995). A diferença é importante. No primeiro caso, a atenção dispensada ao sonho pode desencadear num processo em que o cliente aprenda a enfrentar o relacionamento com o terapeuta de forma gradualmente mais aberta. A discussão do sonho pode liberar reforçadores positivos quando o cliente começa a falar com mais clareza e penetração sobre seus eventos privados, produzindo, assim, novos repertórios por via de aproximações sucessivas. No segundo, contar um sonho pode despistar o terapeuta que estava a caminho de algo aversivo que o cliente ainda não quer ou não consegue encarrar.

Um exemplo de uma forma de esquiva pertencendo à primeira categoria pode ser visto quando o relato do sonho traduz assuntos que o cliente não enfrenta diretamente, apresentando-os metaforicamente, amortecendo, assim, seu impacto aversivo (Delitti & Meyer, 1995; Bachtold, 1999). Neste caso, o relato do sonho permite contrabandear informações relacionadas às necessidades e aos problemas que o cliente não pode trazer de forma aberta. O conteúdo é introduzido na sessão, mas as consequências aversivas são evitadas. Porém, o comparecimento metaforizado de tais informações na sessão não autoriza o terapeuta a confrontar o cliente diretamente com eles. Guilhardi (1995) ressalta que o terapeuta deve trabalhar gradativamente, considerando que a exposição precipitada a conteúdos aversivos tende a evocar mais esquiva por parte do cliente.

Para identificar as funções do relato do sonho, o terapeuta deve questionar a si mesmo e sua interação com o cliente no consultório. Quais consequências atuam sobre o relato do sonho e assim contribuam para o conteúdo e a forma desse relato? Deve-se perguntar-se quais reforços se tornam disponíveis ao cliente como consequência do relato. O relato pode ser uma tentativa de obter mais atenção ou realizar uma aproximação por parte do terapeuta. Pode conter material que agrida o terapeuta em retaliação a uma fala ou uma intervenção mal recebida. Pode também servir para testá-lo ou provocá-lo de alguma forma. Considerando todas essas possibilidades, o relato pode conter dicas que o terapeuta pode usar para avaliar seu próprio comportamento na relação com o cliente (Delitti, 1993; 1999; Delitti & Meyer, 1995).

A interação do cliente com o terapeuta durante a análise dos sonhos pode, não somente elucidar seus problemas, mas pode também oferecer uma condição propícia para trabalhar esse comportamento ao vivo. Por exemplo: uma cliente carece de amizades, mas tem dificuldade de lidar com proximidade. Quando o terapeuta a questiona sobre seus sonhos, ela os traz minuciosamente anotados, justificando-se ansiosamente caso tivesse erros. Dessa forma, uma amostra do comportamento que a trouxe para a terapia comparece na sessão (Pitanga & Vandenberghe, 2010). Ao comparar o comportamento do cliente no sonho, em seu cotidiano e na interação com o terapeuta, é possível detectar regularidades que mostram como o cliente funciona através de diferentes contextos. As tentativas de evitar ser julgada, de atender escrupulosamente ao que o outro pode estar esperando dela, e outros comportamentos relacionados às mesmas contingências como a ansiedade de qual ela se queixa, estão disponíveis na sessão para serem trabalhados ao vivo. Novos repertórios podem ser desenvolvidos durante a discussão dos sonhos, a partir do que ocorre entre a cliente e o terapeuta.

Ao discriminar que não haverá punição quando não executa a tarefa (relatar seus sonhos) com perfeição, a cliente descrita no parágrafo anterior pode ganhar maior sensibilidade para as contingências no contexto interpessoal. Enquanto a cliente entre em contato com os reforçadores positivos envolvidos numa interação próxima e colaborativa, o controle aversivo sobre seu comportamento deve diminuir. As novas aprendizagens, adquiridas ao interagir com o terapeuta, podem, posteriormente, generalizar para os outros relacionamentos da cliente. O objetivo dessa intervenção seria que ela não dependa mais de estratégias de esquiva ao ser confrontada com essa classe de condições antecedentes (Vandenberghe, 2004).

O relato de sonho pode também esclarecer os paralelos entre tensões no relacionamento com o terapeuta e problemas no cotidiano do cliente. Uma cliente conta um sonho em que o tio se recusa a levá-la embora de uma situação difícil de lidar. Sem a ajuda dele, ela consegue sair de ônibus. No entanto, quando chega ao seu destino, bate a decepção. Só mais tarde, o terapeuta cogitou que a cliente usou a terapia para fugir de sentimentos difíceis, enquanto ele tentou levá-la a enfrentá-los. Essa dica poderia ter chamado a atenção do terapeuta para o efeito aversivo que ele estava tendo ao bloquear as tentativas de esquiva da cliente. Se tivesse considerado os paralelos entre o conteúdo do sonho e o que estava ocorrendo entre terapeuta e cliente, poderia ter evitado que a cliente abandonasse a terapia (Pitanga & Vandenberghe, 2010).

Pedir ajuda ao tio é funcionalmente equivalente à busca de alívio na terapia. São os comportamentos com os quais a cliente responde a situações aversivas. Tomar o ônibus, por sua vez, pertence à mesma classe de comportamentos que abandonar a terapia. O comportamento que está mais forte no repertório é tentar obter apoio de uma pessoa mais preparada, por esta possuir um carro e poder dirigir ou por ser terapeuta. Quando o outro não se comporta como a figura protetora que ela desejava, ela se afasta de vez do cenário problemático. Se os sentimentos da cliente durante o sonho tivessem sido discutidos, poder-se-ia ter identificado paralelos com o que ela sentiu em relação à terapia, e com seus relacionamentos no cotidiano. Assim, a análise do sonho poderia ter lançada uma nova luz sobre as necessidades da cliente. Poderia ter evidenciado a precisão de incluir objetivos concernindo enfrentamento e resolução de problemas no plano de trabalho.

Os exemplos acima mostram que a análise dos sonhos não é uma prática pacata e serena. O terapeuta deve estar avisado que discutir o conteúdo do sonho muitas vezes envolve emoções intensas. É preciso observar que a discussão dessas emoções forneça uma oportunidade para que o cliente aprenda a enfrentar dificuldades. Estar em contato com as respostas emocionais, aversivas ou não, facilita detectar os efeitos das contingências relacionadas a elas. Entrando em contato com emoções intensas, pela discussão do conteúdo do sonho, o cliente pode aprender a identificar as relações entre seus sentimentos e as contingências relevantes. Todo esse trabalho permite que ele desenvolva novas maneiras de responder às contingências e de modificar as condições de sua vida (Santos & Vandenberghe, 2012).

Depois de considerar os aportes possíveis da análise dos sonhos para a prática clínica comportamental, nos resta a pensar como o terapeuta deve prosseguir para aproveitar desses aportes. Como deve iniciar a busca que pode leva-lo ao rastro deixado pelas contingências no sonho do cliente e de que forma deve segui-lo? Inicialmente, o terapeuta faz perguntas abertas: O que você acha que seu sonho tem a ver com o que está ocorrendo em sua vida? Porque será que você sonhou com isso esta semana? Ao progredir com a análise do sonho, as perguntas se tornam mais específicas. Porém, desde o início, é necessário relacionar o conteúdo do sonho com o que o terapeuta já sabe sobre o cliente para dar sentido ao sonho (Delitti & Meyer, 1995; Guilhardi, 1995).

Quando o enredo do sonho apresenta o cliente em apuros, o terapeuta faz perguntas para esclarecer como o cliente percebeu a situação durante o sonho, o que fez para mudá-la ou como se dispôs frente aos acontecimentos. Quais emoções e quais ações foram evocadas sob quais condições? O terapeuta pode fazer uma análise funcional do comportamento nas situações vividos durante o sonho. Posteriormente, ele sonda se há condições no cotidiano do cliente que se assemelham funcionalmente aos problemas relatados no sonho, e procura identificar comportamentos no enredo do sonho que possam ser comparados ou contrastados com os comportamentos durante o sonho.

Santos e Vandenberghe (2012) descrevem estudos de caso em que as clientes primeiro elaboram uma interpretação detalhada dos seus sonhos, e somente depois, a terapeuta trabalha junto com a cliente para tornar a análise mais funcional e mais relevante para o tratamento. Pedir o cliente para que interprete o próprio sonho funciona, ao mesmo tempo, como instrumento de avaliação e via de intervenção. Como instrumento de avaliação, a interpretação feita pelo cliente mostra em que medida o cliente é capaz de relacionar seus comportamentos com variáveis independentes (Guilhardi, 1995). Como via de intervenção, a discussão do sonho é um exercício que aumenta a capacidade de o cliente analisar seu próprio comportamento. É um treino que capacita o cliente a identificar as relações funcionais entre seu comportamento e as contingências que o controlam e que, a partir daí, fornece as condições verbais necessárias para agir de maneira mais eficiente do que vem agindo (Delitti & Meyer, 1995).

 

Discussão

Propôs-se a descrever as contribuições que a análise dos sonhos, como ferramenta clínica, tem a oferecer ao terapeuta comportamental. Duas conjecturas foram evidenciadas a partir da consideração das contingências envolvidas no comportamento durante o sonho e as contingências interpessoais atuantes na relação com o terapeuta. Se o material onírico foi moldado pelas contingências da vida do cliente, deve ser possível comparar as classes comportamentais que dominam o dia a dia do cliente com as que podem ser detectadas no enredo do sonho. Se o relato do sonho é resultado das contingências que atuam na relação entre terapeuta e cliente, deve ser possível comparar as funções do comportamento de relatar com as funções que dominam o comportamento do cliente em outras relações interpessoais.

Argumentamos, no decorrer desse artigo, que tanto o conteúdo do sonho, quanto o comportamento do cliente durante a análise do sonho contêm dicas importantes a respeito dos problemas do cliente e de relações funcionais que podem contribuir para uma formulação mais completa do caso, além de fornecer material para ser trabalhado na sessão. Algumas dicas permitem acesso a comportamentos punidos publicamente, e por isso não observados no comportamento público do cliente. Como a análise dos sonhos gera a possibilidade de abordar assuntos de cunho aversivo, abre o leque dos problemas que podem ser trabalhados na sessão. Assim, permite definir melhor os problemas e necessidades que devem ser considerados na definição dos objetivos da terapia.

Já que os sonhos trazem dicas que permitem o terapeuta de identificar contingencias da vida atual de difícil acesso e contingências da história do cliente, permitem a conceituar melhor os controles relevantes do comportamento e assim, ajudam a aperfeiçoar a formulação do caso. Quando novas informações emergem durante a análise dos sonhos, o terapeuta deve usa-las para testar hipóteses clínicas já levantadas, ou para construir novas, abrindo, às vezes, perspectivas que sejam mais produtivas para o tratamento desse cliente. Quando são identificados, no decorrer desse trabalho, problemas e necessidades que não foram inclusos no plano de trabalho, o terapeuta deve pedir consentimento para trabalhá-los como objetivos e metas na terapia.

Além disso, o comportamento durante o relato na sessão oferece material valido para o trabalho terapêutico e a análise dos sonhos pode produzir emoção intensa que ampara o trabalho com variáveis que exercem controle importante sobre o comportamento do cliente no seu cotidiano. Quando as emoções evocadas pela discussão do sonho, ou as tensões reveladas na relação terapêutica são relevantes para o tratamento, argumentamos que a própria atividade da análise de sonhos oferece a oportunidade de trabalhar as dificuldades dos clientes.

As reflexões oferecidas neste texto pretendem estimular a discussão existente sobre o lugar da análise dos sonhos na terapia comportamental. Espera-se chamar a atenção de pesquisadores que podem considerar os benefícios propostos empiricamente, sugerindo o tema como assunto de projetos de mestrado ou de outros esforços acadêmicos. Mas, em primeiro lugar, espera-se que o texto inspira terapeutas a considerar as possíveis contribuições dessa ferramenta na clínica, e de explorar suas possibilidades onde pode ajudar na sua atuação.

 

Referencias

Bachtold, L. (1999). Os sonhos na terapia comportamental. Interação, 3, 21-34.         [ Links ]

Borloti, E. B. (2005). Abstração, metáfora, sonho e inconsciente: Uma interpretação Skinneriana. In: E. B. Borloti, S. R. F. Enumo & M. L. P. Ribeiro (Orgs.). Análise do comportamento: Teoria e práticas. Santo André: ESETec.         [ Links ]

Delitti, M. (1993). O uso de encobertos na terapia comportamental. Temas em psicologia, 1 (2), 41-46.         [ Links ]

Delitti, M. (1999). Relato dos sonhos: como utilizá-los na prática da terapia comportamental. Em: R. C. Wielenska. (Org.), Sobre comportamento e cognição. (Vol. 6, pp. 195-210). Santo André: ESETec.         [ Links ]

Delitti, M. & Meyer, S. B. (1995). O uso dos encobertos na prática da terapia comportamental. Em: B. Rangé (Org.). Psicoterapia comportamental e cognitiva (p. 269-274). Campinas: Editorial Psy.         [ Links ]

Guilhardi, H. J. (1995). Um modelo comportamental de análise de sonhos. In: B. Rangé. (Org.). Psicoterapia Comportamental e Cognitiva. (Vol. I, pp. 257-267). Campinas: EdPsy.         [ Links ]

Guilhardi, H. J. (2004). Terapia por Contingências de Reforçamento. Em C. N. de Abreu & H. J. Guilhardi (Orgs.). Terapia comportamental e cognitivo-comportamental: Práticas clínicas. (p.). São Paulo: Roca.         [ Links ]

Pitanga, A. V. & Vandenberghe, L. (2010). Possibilidades da análise dos sonhos na terapia comportamental. Perspectivas em Análise do Comportamento, 1, 86-92.         [ Links ]

Santos, M. A. M. dos & Vandenberghe, L. (2012). Porque interpretar sonhos na terapia comportamental? Em: E. Santos & J. A. Ferreira (Orgs.). Mudanças e Transições: Pessoas em Contextos. (p. 325-335). Viseu: Psicotema.         [ Links ]

Silva, F. M. (2000). Uma análise behaviorista radical dos sonhos. Psicologia, Reflexão e Crítica, 13, 435-449.         [ Links ]

Vandenberghe (2004). Interpretar Sonhos na Terapia Comportamental. Em: C. E. Costa; J. C. Luzia & H. H. N. Sant'Anna (Orgs.). Primeiros Passos em Análise do Comportamento e Cognição Vol.2. (p. 105-110). Santo André:ESETec.         [ Links ]

Zamignani, D. R. & Banaco, R. A. (2001). Um Panorama Analítico-Comportamental sobre os Transtornos de Ansiedade. Revista Brasileira de Terapia comportamental e Cognitiva, 7, 77-92Links ] Arial, Helvetica, sans-serif" size="2">.

 

 

Endereço para correspondência
Luc Vandenberghe
Email: luc.m.vandenberghe@gmail.com

Caixa Postal 144 - Ag de Correios
Central. Praça Cívica - Setor Central.
Goiâni/GO.
CEP 74001-970

 

Submetido em: 31/07/2014
Primeira decisão editorial: 11/08/2015
Aceito em: 17/08/2015