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Perspectivas em análise do comportamento

versão On-line ISSN 2177-3548

Perspectivas vol.7 no.1 São Paulo  2016

http://dx.doi.org/10.18761/pac.2015.034 

ARTIGO

DOI: 10.18761/pac.2015.034

 

Ensino de aplicação de tentativas discretas a cuidadores de crianças diagnosticadas com autismo

 

Teaching discrete trial implementation to caregivers of children diagnosed with autism

 

Educación para aplicación de ensayos discretos a los cuidadores de niños diagnosticados con autismo

 

 

Luciene Afonso Ferreira; Álvaro Júnior Melo e Silva; Romariz da Silva Barros

Universidade Federal do Pará (UFPA)

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Intervenção implementada por cuidadores pode ser uma alternativa plausível no contexto brasileiro para a disseminação da intervenção analítico-comportamental ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), considerando a escassez ainda vigente de profissionais formados nessa área e a baixa disponibilidade de serviços públicos voltados a esse fim. O presente estudo verificou o efeito de um procedimento de ensino para implementação de tentativas discretas sobre o desempenho de cinco cuidadores de crianças diagnosticadas com autismo. O procedimento ocorreu em três etapas, pré-teste, treino e pós-teste. Os resultados mostraram que todos os participantes alcançaram precisão de desempenho apresentando 100% de acertos de acordo com o protocolo de avaliação preestabelecido. O procedimento de treino adotado foi eficiente para o ensino por tentativas discretas a cuidadores de crianças autistas.

Palavras-chave: Transtorno do Espectro Autista; Análise Aplicada do Comportamento; Treino de cuidadores.


ABSTRACT

Caregiver-implemented intervention has been a plausible alternative in the Brazilian context for dissemination of behavior analytic intervention in Autism Spectrum Disorder (ASD), considering the still prevailing shortage of trained professionals in this field and the low availability of public services aimed at this end. This study evaluated the effect of a teaching procedure to discrete trial implementation on the performance of five caregivers of children diagnosed with autism. The procedure comprised three phases: pre-test, training, and post-test. The results showed that all the participants achieved performance accuracy where 100% correct according to predetermined evaluation protocol. The training procedure carried out was considered efficient to teach discrete trial implementation to caregivers of children diagnosed with autistic.

Key-words: Autism Spectrum Disorder; Applied Behavior Analysis; Training caregivers.


RESUMEN

La intervención implementada por los cuidadores ha sido una alternativa plausible en el contexto brasileño para la propagación de la intervención basada en Análisis Conductual para el trastorno del espectro autista (TEA), teniendo en cuenta la escasez todavía prevaleciente de profesionales capacitados en esta área y la baja disponibilidad de los servicios públicos destinados a este propósito. Este estudio evaluó el efecto de la enseñanza de la implementación de ensayo discreto sobre el desempeño de cinco cuidadores con un cómplice. El procedimiento se llevó a cabo en tres etapas: pre-test, entrenamiento y post-test. Los resultados mostraron que todos los participantes han logrado presentar con precisión el rendimiento 100% correcto según el protocolo de evaluación predeterminado. El procedimiento de entrenamiento ha sido considerado eficiente para la enseñanza de los ensayos discretos a los cuidadores de niños diagnosticados autistas.

Palabras clave: Trastorno del espectro autista; Análisis Aplicado de la Conducta; Formación de Cuidadores.


 

 

O Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) é um transtorno neurobiológico determinado em parte por aspectos genéticos (Lord & Bishop, 2010) e também por aspectos ambientais (Johnson & Myers, 2007; Silver & Rapin, 2012). Pessoas com TEA apresentam déficits persistentes na comunicação e na interação social e, ainda, padrões repetitivos e restritivos de comportamento (American Psychiatric Association, 2013).

Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS) o TEA afeta, aproximadamente, 1% da população mundial. No Brasil, embora os levantamentos epidemiológicos sejam escassos, (BRASIL, 2013; Camargo & Rispoli, 2013) pode-se estimar, com base no percentual apontado pela OMS, que cerca de 2 milhões de pessoas podem apresentar esse tipo de transtorno.

A Análise Aplicada do Comportamento (ABA) tem sido identificada como uma das formas mais eficazes de intervenção ao autismo, pois efetivamente tem permitido o desenvolvimento de habilidades e a redução de excessos comportamentais (Howard, Sparkman, Cohen, Green, & Stanislaw, 2005; Landa, 2007; Naoni, 2009; Smith, Mozingo, Mruzek, & Zarcone, 2007; Eldevik, Hastings, Jahr, & Hughes, 2012; Reichow, 2012; Howard, Stanislaw, Green, & Sparkman, 2014).

Lovaas (1987) realizou um estudo pioneiro que demonstrou a eficácia da intervenção em ABA para crianças com autismo. Em seu estudo, 47% das crianças do grupo experimental passaram de série na escola em que estudavam, assim como apresentaram funcionamento compatível com a sua idade (Sallows & Graupner, 2005).

Estudos posteriores apontaram resultados semelhantes aos obtidos pela pesquisa de Lovaas em 1987, os quais demonstraram que intervenção comportamental pode produzir ganhos duradouros e significativos para crianças com autismo (McEachin, Smith, & Lovaas, 1993; Sallows & Graupner, 2005).

O sucesso do ensino está relacionado a diversos fatores, dentre eles estão: a intensidade de sua aplicação (40 horas semanais); a durabilidade (no mínimo 2 anos) (Lovaas,1987; Salows & Graupner, 2005); e a precocidade (antes dos 4 anos de idade Cautili, Hancock, Thomas, & Tillman, 2002; Landa, 2007). Esse modelo de intervenção ficou conhecido como Intervenção Comportamental Intensiva e Precoce (Early Intensive Behavioral Intervention, EIBI - Diggle, McConachie, & Randle, 2005; Lovaas, 1993).

Embora a EIBI seja comprovadamente eficaz, é uma forma de intervenção bastante onerosa, pois seu modelo requer uma intervenção intensiva, duradoura, precoce e individualizada. Além de o plano de intervenção se individualizado, sua implementação frequentemente ocorre na proporção de um para um, ou seja, um instrutor para cada criança. A intervenção nos moldes de EIBI é, portanto, difícil de disseminar na população brasileira, principalmente em função da: 1) baixa disponibilidade de profissionais especializados; 2) alta densidade populacional, com maior proporção de crianças (foco da intervenção precoce) na população do que em países desenvolvidos e 3) fragilidade das redes públicas de assistência à saúde e educação. Assim sendo, são de suma importância estudos que venham propor alternativas para ampliar o acesso de pessoas diagnosticadas com autismo a atendimento analítico-comportamental, mantendo-se presentes os indicadores de qualidade de uma intervenção baseada em ABA (intervenção precoce, duradoura, intensiva, individualizada e abrangente). A intervenção implementada por cuidadores é uma potencial alternativa nesse cenário.

No Brasil, pesquisas recentes (Barboza, Silva, Barros, & Higbee, 2015; Borba, 2014; Faggiani, 2012) têm explorado a viabilidade e a eficácia da implementação do ensino baseado em ABA junto a crianças diagnosticadas com autismo por meio de seus pais/cuidadores. No estudo de Borba (2014), os cuidadores inicialmente passaram por ensino conceitual dos princípios da Análise do Comportamento. Em seguida, foram submetidos a procedimentos de modelação (por meio de vídeos ou ao vivo) e role-play, para que aprendessem a: fazer avaliação de preferências, aplicar programas de ensino, registrar as respostas da criança dentro de cada tentativa dos programas por eles aplicados e avançar de passo após analisar os dados do desempenho da criança. Os cuidadores tanto aprenderam as habilidades anteriormente citadas (com exceção da aplicação de critério para mudança de passo), como, de forma geral, foi verificado aumento na precisão de desempenho das crianças nos progra-mas por eles aplicados (com exceção de programas para aumento de contato visual).

Sarokoff e Sturmey (2004), bem como, Lafazakis e Sturmey (2007) realizaram experimentos utilizando o Treinamento de Habilidade Comportamentais (Behavioral Skills Training BST) para ensinar procedimentos baseados em ABA a pais e professores de crianças com atraso no desenvolvimento. O BST é constituído de um pacote de treinos que consiste em instruções, feedback, ensaios, modelação que produz, de forma rápida, grande aumento na precisão da aplicação de ensino por tentativas discretas (Lafazakis & Sturmey, 2007; Sarokoff & Sturmey, 2004). Os resultados de ambos os estudos demonstraram que o BST contribuiu para aquisição de desempenho por pais e professores e que a implementação do ensino baseado em ABA a filhos e alunos das pessoas treinadas produzira mudanças comportamentais desejadas no repertório das crianças.

O ensino por tentativas discretas tem um formato estruturado e se caracteriza por dividir unidades pequenas de instruções em pequenos passos ensinados um de cada vez durante uma série de tentativas. Consiste na apresentação de um estímulo antecedente claro pelo instrutor, na emissão da resposta da criança e o provimento de uma consequência (Fazzio, 2007; Leaf & McEachin, 1999; Lear, 2004).

Os resultados do estudo de Lafazakis e Sturmey (2007) demonstraram uma média de 50% de precisão de desempenho dos pais durante a fase de linha de base e mais de 80% de precisão após o treino. O pai com menor quantidade de respostas corretas teve sua precisão de desempenho aumentada em mais de 30%. Sendo assim, o BST demonstrou ser um procedimento eficaz e eficiente para promover as habilidades necessárias ao ensino por tentativas discretas a cuidadores.

O presente trabalho se junta ao escasso conjunto de estudos nacionais que contribuem para o avanço do conhecimento sobre intervenção comportamental a TEA implementada por pais e cuidadores. Ele consistiu em uma pesquisa aplicada baseada no estudo de Lafazakis e Sturmey (2007) e de Borba (2014). O objetivo foi verificar o efeito de um pacote de treino para implementação de tentativas discretas sobre desempenho de cuidadores de crianças diagnosticadas com TEA. As famílias engajadas no estudo foram triadas a partir dos registros do Sistema Único de Saúde (SUS) e, portanto, têm o perfil socioeconômico de maior carência de acesso a intervenção especializada. Por essa razão, os dados aqui apresentados permitem discutir a viabilidade de iniciativas de disseminação da intervenção implementada por cuidadores no contexto socioeconômico brasileiro e, em particular, do norte do Brasil.

 

Método

Participantes

Participaram do estudo cinco cuidadores de crianças diagnosticadas com TEA. Estas crianças concentravam boa parte de seus déficits na área de comportamento verbal, com baixa incidência de comportamentos auto lesivos e agressivos. A Tabela 1 apresenta as informações sobre os participantes que, por questões éticas, receberam nomes fictícios. Os participantes eram cuidadores de crianças assistidas por meio do Projeto "Caminhar" do Hospital Bettina Ferro de Souza, da Universidade Federal do Pará, e foram encaminhadas ao projeto "Atendimento e Pesquisa sobre Aprendizagem e Desenvolvimento" (APRENDE) do Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento da mesma universidade. Como pré-requisito para participar da pesquisa, os cuidadores não poderiam ter experiência anterior com ensino por tentativas discretas. Cada participante assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O presente trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Ciências da Saúde da UFPA, conforme o parecer nº 175.303 de 14/12/2012, em consonância com a Resolução 196/96 do CNS/MS.

 

 

Ambiente

Foi utilizada uma sala localizada no prédio do Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento da Universidade Federal do Pará medindo 12,5 m² (5 x 2,5 m), com iluminação artificial e direta, climatizada. O mobiliário consistiu numa mesinha com duas cadeiras.

Instrumentos e materiais

Para registro em filmagens do pré-teste e pós-teste, foi utilizada uma câmera de vídeo. Além disso, utilizou-se notebook, brinquedos e materiais impressos tais como: protocolo geral dos programas de intervenção, folhas de registro do protocolo de intervenção, programas de ensino ("Toque aqui", "Imitação", "Seguir Instruções", "Intraverbal de Informações Pessoais", "Tato com Autoclítico", "Esperar" e "Mando com Gestos") e protocolo de avaliação de precisão de desempenho.

Delineamento Experimental

Foi utilizado o delineamento intrassujeito de comparação de medidas pré e pós-tratamento. Considerou-se como variável dependente o percentual de precisão das respostas dos cuidadores na implementação dos programas de ensino por tentativas discretas e a variável independente foi o treino de aplicação dos programas de ensino realizado com os cuidadores.

Procedimento

Treino de Programas de Ensino por Tentativas Discretas.

Pré-teste: avaliação do repertório de entrada. Cada participante foi exposto ao procedimento separadamente, pois os programas de ensino foram diferenciados para cada cuidador em decorrência do currículo de ensino das crianças no APRENDE. Na fase de pré-teste, o cuidador recebeu primeiramente um texto contendo o protocolo geral dos programas de intervenção e foi orientado a realizar sua leitura. O conteúdo do protocolo geral dos programas de intervenção continha a descrição de como se caracteriza uma tentativa discreta, os tipos de ajudas fornecidas, orientação de como se registravam as respostas corretas e incorretas, bem como, o modelo de folha de registro das respostas. Após a leitura do protocolo geral dos programas, o cuidador recebeu instruções por parte dos experimentadores sobre o conteúdo do texto. Os experimentadores disseram que aquele era um modelo de programa de ensino e que os demais programas possuíam a mesma estrutura, contendo sempre um comportamento alvo e estímulos antecedentes e consequentes. Ressaltaram, também, que havia a descrição de diferentes tipos de ajuda no programa e que essas ajudas seriam fornecidas de acordo com a necessidade da criança para a emissão do comportamento-alvo. Logo após, o participante recebeu por escrito o programa de ensino que seria avaliado, sendo solicitado que realizasse a leitura individualizada. Neste momento, o cuidador não recebeu qualquer instrução sobre o conteúdo do material lido.

De modo geral, os programas de ensino por tentativas discretas foram subdivididos em passos que se referiam ao tipo de ajuda que devia ser fornecida para que a resposta desejada fosse emitida. Esse parâmetro foi obtido a partir da observação do comportamento da respectiva criança de cada cuidador. Dependendo da criança, poder-se-ia iniciar o ensino fornecendo ajuda física total (AFT), posteriormente ajuda física parcial (AFP) até que respostas independentes (RI) fossem emitidas pela criança. Respostas independentes são aquelas emitidas sem qualquer tipo de ajuda.

No pré-teste, elegeu-se como resposta de ajuda do cuidador em relação ao confederado a ajuda física parcial (AFP) que caracterizava o Passo 2 dos programas de ensino. O confederado era um experimentador que, durante o role-play simulava o comportamento da criança com diagnóstico de autismo da qual o referido cuidador era responsável. Desta forma, o cuidador foi instruído a realizar, com o confederado, cinco tentativas consecutivas no Passo 2. Além de implementar o programa, o cuidador foi orientado a registrar as respostas certas e erradas na folha de registro. As respostas registradas se referiam àquelas emitidas pelo confederado na simulação. A cada novo programa, o participante passava pelas três fases do procedimento: pré-teste, treino e pós-teste.

Treino de programas de ensino por tentativas discretas.

Nesta fase, foram utilizadas 3 horas semanais, durante os mesmos dias de atendimento das crianças por profissionais do APRENDE, totalizando 30 horas.

Durante o treino, o cuidador recebeu instruções por parte dos experimentadores sobre o conteúdo do texto que continha a descrição do programa de ensino recebido na fase de pré-teste. Na fase de treino, o participante podia fazer perguntas e suas dúvidas eram esclarecidas. Os programas de ensino foram selecionados para cada cuidador a partir da informação obtida com o profissional que atendia diretamente a criança no projeto APRENDE. Foram selecionados inicialmente programas nos quais a criança apresentava alta precisão de desempenho. O objetivo dessa seleção de programas foi aumentar a probabilidade de que a criança colaborasse quando o cuidador começasse a aplicar o programa em casa, de forma que as respostas corretas emitidas pela criança provavelmente o motivariam a voltar às sessões experimentais

Os cuidadores passaram pelo treino de três programas de ensino, exceto a participante Jade, que foi treinada em dois programas, pois seu filho apresentava desempenho preciso somente nesses programas. O programa denominado "Toque aqui" foi comum a todos os participantes. A escolha deste programa foi em decorrência de o mesmo ser um procedimento de ensino considerado fácil de ser implementado, por requerer respostas simples da criança. Além disso, as crianças apresentavam altas taxas de respostas independentes neste programa.

O treino de aplicação de programas de ensino foi realizado por meio de: observação da aplicação dos programas de ensino, role-play com feedback imediato e vídeo-feedback. O que está sendo aqui chamado de vídeo-feedback é a apresentação de vídeo do próprio desempenho do cuidador, enquanto um experimentador fazia comentários sobre os acertos e erros de implementação.

No role-play, o Experimentador 1 implementou três tentativas de cada passo do protocolo de ensino com o Experimentador 2 funcionando como confederado. Enquanto isso, o cuidador-participante ficava como observador e era orientado sobre o repertório comportamental necessário para a implementação dos programas. Em seguida, os Experimentadores 1 e 2 inverteram seus papéis: o Experimentador 2 aplicou três tentativas de cada passo com o Experimentador 1 como confederado, enquanto o participante permanecia como observador. Depois, um dos experimentadores implementou três tentativas de cada passo do programa com o cuidador-participante. Por fim, o próprio cuidador realizou três tentativas de cada passo com um dos experimentadores.

Durante o role-play, o participante podia pedir explicações e era fornecido feedback imediato sobre seu desempenho. A cada momento do treino, o participante recebeu instruções sobre o procedimento que devia ser adotado em cada passo do programa, partindo da ajuda física total (AFT), posteriormente ajuda física parcial (AFP), até respostas independentes (RI). Foram ressaltados os seguintes aspectos durante a execução do programa de ensino em tentativas discretas: garantia da atenção da "criança" antes de apresentar o estímulo discriminativo; apresentação adequada do estímulo discriminativo pelo aplicador; o tipo de ajuda que o passo requeria; a apresentação do estímulo reforçador positivo imediatamente após a emissão da resposta desejada e o registro da resposta.

Ao término do role-play, o cuidador teve acesso à filmagem realizada durante a etapa de linha de base. Nesta ocasião, foi solicitado ao participante que observasse sua atuação identificando os seguintes aspectos: se garantiu a atenção do confederado antes de fornecer o estímulo discriminativo, se apresentou a instrução, se forneceu ajuda conforme exigência do passo, se apresentou o estímulo reforçador imediatamente após a emissão da resposta desejada e, ainda, se realizou o registro da resposta na folha de registro.

Pós-teste: repertório do cuidador após o treino

Nesta fase, foi solicitado ao cuidador que realizasse cinco tentativas de ensino do Passo 2 do programa com o confederado.

Tratamento de dados

Para avaliação da precisão da aplicação dos programas de ensino pelos cuidadores, foi utilizado um protocolo de avaliação de precisão baseado em Fazzio (2007). Os comportamentos de interesse que foram analisados foram: 1) garantir a atenção do confederado (conseguir contato visual com o aluno chamando pelo nome ou virando a face do aluno em sua direção); 2) apresentar a instrução; 3) fornecer ajuda (dar ajuda parcial conforme sugerido no Passo 2 do programa); 4) reforçar a resposta esperada (consequenciar com elogios e acesso ao brinquedo); 5) realizar o registro da resposta (registrar cada resposta).

O desempenho do cuidador, nas Fases de Pré e Pós-teste, foi avaliado com base no protocolo de avaliação de precisão, tendo como foco os comportamentos de interesse descritos acima. O desempenho foi considerado preciso quando alcançou 90% ou mais de acertos em cada programa de ensino. O desempenho do participante foi considerado preciso somente quando preenchia todos os critérios preestabelecidos no protocolo de avaliação precisão de desempenho. Caso algum comportamento pre-f estabelecido fosse esquecido ou emitido de forma inadequado pelo participante, os observadores consideraram toda a tentativa de ensino como incorreta e era avaliada a próxima tentativa. A avaliação da precisão dos comportamentos de interesse foi submetida a verificação de acordo entre observadores independentes. O segundo observador fazia sua avaliação com base nos vídeos das sessões. Após a análise individual dos vídeos, foram somadas a quantidade de acordos e o valor foi dividido pelo somatório de acordos e desacordos, multiplicando-se o resultado por 100. Houve 94% de concordância entre os observadores.

 

Resultados

A presente pesquisa teve por objetivo verificar o efeito de um procedimento de ensino, que consistiu em instruções, modelação, role-play com feedback imediato e vídeo-feedback, sobre a precisão de aplicação de tentativa discreta por pais de crianças diagnosticadas com autismo. As Figuras de 1 a 5 apresentam os resultados das respostas apresentadas por cada cuidador-participante no treino de ensino por tentativas discretas.

A Figura 1 apresenta os resultados do participante Antônio que recebeu treino em três programas distintos que foram: "Toque aqui"; "Espera" e "Imitação sem objeto". Observa-se que, na fase de pré-teste do primeiro programa ("Toque Aqui"), o participante obteve 0% de acerto. O mesmo participante apresentou, na fase de pós-teste, o percentual de 80% de acertos. No segundo programa treinado, o participante obteve 0% de acertos no pré-teste, passando para 100%, no pós-teste. No terceiro programa de ensino, os resultados foram, respectivamente, nas fases de pré e pós-teste, 80% e 100%.

Observa-se que este participante apresentou evolução em seu desempenho, pois apresentou 100% de acertos em todos os programas de ensino após a fase de treino. Esses resultados permitem concluir que o procedimento de treino de ensino para implementação de tentativas discretas adotado foi efetivo para este participante.

A Figura 2 apresenta os resultados do participante-cuidador André. Este foi treinado nos mesmos programas ensinados ao participante Antônio, pois os dois eram cuidadores da mesma criança. Observa-se que, na fase do pré-teste do programa "Toque aqui", o participante obteve 40% de acertos passando para 100 % na fase de pós-teste.Nos demais programas treinados, o participante obteve o percentual de 0% de acerto no pré-teste e 100% de acertos no pós-teste.

Os dados demonstram que o procedimento de treino também foi efetivo para este participante, pois seu desempenho passou para 100% de acertos no pós-teste dos três programas ensinados. As habilidades adquiridas durante o treino de ensino do programa "Toque aqui" ficaram restritas a este programa (que foi o primeiro programa treinado) já que, para os programas de ensino subsequentes, "Espera" e "Imitação", a precisão de desempenho do participante foi 0% na fase de pré-teste.

Observam-se, na Figura 3, os resultados do participante Henrique, que apresentou, respectivamente, na fase de pré-teste dos programas "Toque aqui", "Intraverbal" e "Seguir instruções", 0%, 0% e 100% respectivamente. Na fase de pós-teste, foi verificada precisão de desempenho de 100% para todos os programas. Verifica-se, portanto, evolução na precisão de desempenho para os três programas de ensino treinados.

 

 

 

 

 

Conforme os resultados demonstrados na Figura 4, a participante Marlene apresentou na fase de pré-teste, no primeiro programa de ensino treinado, 0% de acertos, e no pós-teste 100% de acertos. Nos demais programas de ensino, esta participante apresentou 100% de acertos tanto na fase de pré-teste, como na fase de pós-teste.

A Figura 5 apresenta os dados da participante Jade. Esta foi treinada em dois programas de ensino, uma vez que a criança dessa díade demonstrava precisão de desempenho considerável apenas nesses dois programas de ensino.

A precisão de desempenho da participante Jade no pré-teste dos programas foi: 0% e 100%, nos programas "Toque Aqui" e "Mando com Gestos", respectivamente. Na fase de pós-testes, a precisão de desempenho foi 100% nos dois programas. A razão pela qual as participantes Marlene e Jade foram submetidas a treino mesmo para os programas em que apresentaram 100% de precisão no pré-teste se deve ao fato de a pesquisa aplicada ter sido conduzida no contexto da oferta de um serviço de atenção ao autismo o qual previa o engajamento de todos os pais em todas as etapas. Por força da pesquisa, as medidas de pré-teste foram incluídas entre os procedimentos, mas seus resultados não foram discutidos previamente ao treino nem com os participantes e nem com os demais profissionais do serviço. Assim, entendeu-se que a participação de Marlene e Jade na fase de treino não lhes traria nenhum prejuízo e, ao contrário, lhes incluiria em todas as atividades previstas no serviço, embora fosse desnecessária do ponto de vista metodológico.

Os resultados obtidos também demonstram que, além de o procedimento ter sido eficaz para estabelecer o repertório diretamente ensinado com um determinado programa, a programação de ensino também permitiu que as habilidades adquiridas para aplicação do primeiro programa se mantivessem no momento do ensino da aplicação de um segundo e terceiro programa, para os participantes Antônio, Henrique, Marlene e Jade. Essa afirmação está baseada no fato de que a precisão de desempenho no pré-teste dos novos programas ensinados subsequentemente, foi maior (e frequentemente de 100%) do que para o primeiro programa treinado (ver Figuras 1, 3, 4 e 5). Contribui para esse fim o fato de que todos os programas foram formulados completamente no formato de tentativas discretas e tinham, portanto, a mesma estrutura: garantir aten-ção do confederado antes de fornecer o estímulo discriminativo; disponibilizar o estímulo discriminativo antecedente à resposta; aguardar a resposta; fornecer ajuda conforme exigência do passo; apresentar o estímulo reforçador imediatamente após a emissão da resposta desejada e realizar o registro da resposta na folha de registro.

 

Discussão

O presente estudo verificou o efeito de um pacote de treino para implementação de tentativas discretas sobre a precisão de desempenho de pais junto a um confederado. Este experimento se baseou no estudo de Borba (2014) e no modelo de treino implementado por Lafazakis e Sturmey (2007), que utilizou um pacote de ensino com instruções, modelação, feedback e ensaios.

Os resultados obtidos, conforme as Figuras de 1 a 5, mostram que houve significativo aumento da precisão de desempenho para todos os participantes. Além da ocorrência de 100% de acertos na implementação do protocolo de ensino no último programa ensinado para cada participante, verificou-se, para a maioria dos participantes, que as habilidades adquiridas durante o treino de um programa de ensino foram mantidas quando da implementação de outro programa que ainda não tinha sido ensinado. Os resultados, portanto, confirmam que o procedimento de treino aqui descrito, baseado em instruções, modelação, feedback e ensaios, é eficaz para ensinar cuidadores a implementarem este tipo de ensino junto a um confederado. O presente estudo confirmou os resultados obtidos no estudo realizado por Lafazakis e Sturmey (2007) e Borba (2014) que demonstrou a eficácia de um procedimento assemelhado ao Behavioral Skills Training (BST), cujo pacote de ensino consistiu em instruções, modelação, ensaios e feedback.

Uma limitação desse estudo é que não avaliou o desempenho do cuidador implementando o ensino por tentativas discretas diretamente com sua criança. Para pesquisas subsequentes, sugere-se a inclusão da avaliação do desempenho dos cuidadores na intervenção direta às suas crianças diagnosticadas com autismo. Outra limitação está no fato de o pacote de ensino aqui aplicado ter sido amplamente baseado em procedimentos individualizados, como o role-play com feedback imediato e a vídeo-feedback a partir de registros em vídeo do próprio comportamento do participante. Apesar de sua eficácia ter sido confirmada, um programa de ensino como este pode ser difícil de disseminar para a população afetada exatamente porque ele envolve muita carga-horária de ensino individualizado de cada cuidador. A intervenção implementada por cuidadores só se sustenta como uma alternativa à implementação intensiva direta por profissionais se efetivamente representar uma redução de carga-horária um-para-um. O presente estudo, contudo, dá um passo à diante na construção de modelos eficientes e dissemináveis de intervenção implementada via cuidador, na medida em que documenta a alta precisão de implementação por cuidadores provenientes diretamente do Sistema Único de Saúde. Estudos como este têm sido conduzidos com estudantes universitários como participantes, que têm um nível de repertório e compreensão de leitura e instruções diferenciado.

Estudos subsequentes devem verificar outros procedimentos de ensino que também sejam eficazes para a disseminação da Análise Aplicada do Comportamento na intervenção ao autismo em países em desenvolvimento, como o Brasil; diminuindo custos e ampliando o acesso das famílias a essa forma de tratamento. Uma alternativa já proposta é o investimento em vídeo modelação instrucional (Barboza, Silva, Higbee, & Barros, 2015) que permite ao cuidador se expor às contingências de aprendizado de forma remota (à distância), além de permitir a ocorrência de desempenho mais preciso desde o início do treino por role-play e contribue para a otimização do tempo dispensado ao treino de cuidadores de crianças com TEA.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Álvaro Júnior Melo e Silva
Universidade Federal do Pará (UFPA)
Tv Dr. Enéas Pinheiro, 1602, apto 4.
Bairro: Marco. Belém/PA. Cep: 66095-105
E-mail: alvarojunior.4@hotmail.com


Submetido em: 26/11/2015
Primeira decisão editorial: 16/02/2016
Aceito em: 10/05/2016
Editor Associado: Saulo Velasco

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