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Perspectivas em análise do comportamento

versão On-line ISSN 2177-3548

Perspectivas vol.7 no.1 São Paulo  2016

http://dx.doi.org/10.18761/pac.2015.029 

ARTIGO

DOI: 10.18761/pac.2015.029

 

Uma abordagem comportamental para a descrição de competências em uma instituição pública federal

 

A behavioral approach to description of competences in a federal public institution

 

Un enfoque conductual para la descripción de las competencias en una institución pública federal

 

 

Camila Carvalho Ramos; Thiago Dias Costa; Aécio Borba; Romariz da Silva Barros

Universidade Federal do Pará

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O modelo de Gestão por Competências foi instituído no Brasil por meio do Decreto 5.707/2006 para nortear o desenvolvimento de pessoal na Administração Pública Federal. Apesar de muitas organizações buscarem implantar este novo modelo de gestão, o conceito de competência tem se mostrado impreciso e controvertido. Além disso, pouca atenção tem sido dada para a formulação das competências, que é a base de todo o modelo de gestão. Os objetivos do presente estudo foram a) avaliar a eficácia de se aplicar as categorias de falsos objetivos educacionais, e outros cuidados metodológicos apontados na literatura, para avaliar e contornar problemas de formulação de competências no contexto organizacional e b) à luz dessa avaliação, discutir inadequações quanto ao termo competência e apontar para a utilização do termo comportamento como alternativa que contribua para a redução de controvérsia terminológica. O estudo, realizado em uma instituição pública federal, foi dividido nas seguintes fases: 1) Mapeamento de Competências; 2) Categorização e 3) Análise das descrições das competências. Como resultado do mapeamento, foram identificadas 191 competências, das quais 93,20% apresentaram pelo menos uma das condições problemáticas apontadas na literatura. Os resultados confirmam a adequação da abordagem comportamental para aprimorar a descrição de competências. A categorização das falhas de formulação, desenvolvida no contexto educacional, se mostrou útil para o contexto organizacional. Estudos subsequentes devem explorar o possível impacto do procedimento aqui descrito sobre a efetividade de etapas seguintes do gerenciamento por competências.

Palavras-chave: Competência, Gestão por Competências, Análise do Comportamento, Serviço Público Federal


ABSTRACT

The Competence Management Model was introduced in Brazil by mean of Decree 5.707/2006 to guide the development of personnel in the Federal Public Administration. Although many organizations seek to implement this new management model, the concept of competence turned out to be imprecise and controversial. Besides that, little attention has been given to the formulation of competences, which is the basis of the whole management model. The purposes of the current study were a) evaluate the efficacy of applying categories of false educational objectives, and other methodological recommendations found in the literature, to evaluate and overcome problems in competence formulation in organizational context, and b) in light of such evaluation, discuss inadequacy of the term "competence" and suggest the use of the term "behavior" as a contributing alternative to reduction of terminological controversy. The study was conducted in a federal public institution and was divided into the following phases: 1) Competency Mapping, 2) Categorization, and 3) Analysis of the descriptions of competencies. As a result of the competence mapping process, we have identified 191 competencies, 93.20% of which presented at least one of the problematic elements pointed in the literature. The results confirm the suitability of the behavioral approach to improve the description of competencies. The categorization of problematic formulations, developed in the educational context, proved useful to the organizational context. Subsequent studies should explore the possible impact of the procedure here on the effectiveness of subsequent stages of management competence.

Keywords: Competence, Competence Management, Behavior Analysis, Federal Public Service


RESUMEN

El modelo de Gestión por Competencias se estableció en Brasil a través del Decreto nº 5.707/2006 para guiar el desarrollo del personal de la Administración Pública Federal. Aunque muchas organizaciones tratan de implantar este nuevo modelo de gestión, el concepto de competencia se ha demostrado inexacto y es objeto de controversia. Además, se ha dado poca atención a la descripción de competencias, que es la base de todo modelo de gestión. Los objetivos de este estudio fueran a) evaluar la efectividad de la aplicación de las categorías de falsos objetivos educativos y otras recomendaciones metodológicas reportados en la literatura, para evaluar y superar problemas de formulación de competencias en el contexto de la organización, b) a la luz de esta evaluación, analizar las deficiencias en relación a el término "competencia" y sugerir la utilización del término "conducta" como una alternativa que contribuye a la reducción de la controversia terminológica. Este estudio se llevó a cabo en una institución pública federal y fue dividido en las siguientes fases: 1) realización del mapa de competencias; 2) categorización y 3) análisis de las descripciones de las. Como resultado del mapeo, se identificaron 191 competencias, de los cuales 93,20% tiene al menos una de las condiciones problemáticas mencionado en la literatura. Los resultados confirman la idoneidad del enfoque conductual para mejorar la descripción de las competencias. La categorización de los errores de formulación, desarrollada en el contexto educativo, se mostró útil para el contexto organizacional. Estudios posteriores deben estudiar el posible impacto del procedimiento descrito aquí sobre la eficacia de los pasos siguientes en la gestión por competencias.

Palabras-clave: competencia, gestión por competencias, Análisis de la Conducta, servicio público federal


 

 

Desde a instituição do Decreto 5.707 de 23 de fevereiro de 2006 (Brasil, 2006), a eficiência e a eficácia das organizações públicas estão cada vez mais atreladas à sua capacidade de desenvolver e aprimorar o que o próprio texto do decreto define como "competências" (Brandão & Bahry, 2005). O decreto instituiu, no Brasil, a política e as diretrizes para o desenvolvimento de pessoal da administração pública federal direta, autárquica e fundacional tendo como uma de suas principais estratégias a adequação das competências dos servidores aos objetivos de cada instituição.

De acordo com o decreto, uma das estratégias para a capacitação e o desenvolvimento profissional de servidores públicos federais é a implantação do modelo de Gestão por Competências. Assim, este modelo tem sido implantado, em substituição aos modelos tradicionais baseados em cargos, por exemplo. Ele objetiva planejar, captar, desenvolver e avaliar as "competências" imprescindíveis para a consecução das metas organizacionais (Brandão & Bahry, 2005; Brandão & Guimarães, 2001; Carbone, Brandão, Leite & Vilhena, 2009; Coelho & Fuerth, 2009; Remedio & Engelman, 2009). O termo "captar" aqui se refere à seleção de "competências" externas à organização e sua integração ao ambiente organizacional. No nível individual, esta captação pode acontecer por intermédio de ações de recrutamento e seleção de pessoas capazes de desempenhar a competência e, no nível organizacional, por meio de parcerias ou alianças estratégicas (Brandão & Guimarães, 2001; Freitas & Brandão, 2005).

Durante muito tempo, o conceito de competência esteve relacionado à área jurídica, segundo a qual, competência seria a faculdade atribuída a alguém ou a uma instituição para apreciar ou julgar determinados assuntos (Ropé, 1997). No início do século passado, o termo competência foi incorporado ao contexto organizacional, sendo utilizado para qualificar o indivíduo capaz de desempenhar adequadamente determinado papel (Brandão & Guimarães, 2001). Nas últimas décadas, ganhou força na esfera educacional, evidenciando um novo entendimento do papel da escola na formação dos alunos, priorizando o desenvolvimento de "competências" em detrimento da transmissão de conhecimentos (Araújo, 2007; Sá & Paixão, 2013).

"Competência", tal como descrita no Decreto 5.707, constitui um conjunto de "conhecimentos", "habilidades" e "atitudes" (CHA) necessários à realização de uma atividade. Essa definição está baseada em proposta originalmente apresentada por McClelland (1973), e posteriormente por Fleury e Fleury (2001), e procura, na visão desses autores, incorporar aspectos cognitivos, técnicos, sociais e afetivos relacionados ao trabalho (Durand, 1998). Segundo essa perspectiva, o elemento "conhecimento" corresponde às informações reconhecidas e integradas pela pessoa, que repercutem sobre seu julgamento ou seu comportamento. Já o elemento "habilidade" se refere à aplicação produtiva desse conhecimento. Ou seja, está relacionado à capacidade de o indivíduo utilizar os conhecimentos adquiridos ao longo da vida em suas ações. O termo "atitude" se refere aos aspectos sociais e afetivos envolvidos com o trabalho. Atitude, portanto, compreende o sentimento ou predisposição da pessoa, que direciona sua conduta com relação aos outros, ao trabalho ou a situações (Durand, 2000).

Teóricos que examinam "competências" no contexto organizacional têm enfatizado o aspecto superficial, incompleto e contestável da definição de "competência" a partir do CHA. Segundo Dutra, Hipólito e Silva (1998), corroborado por Gloria Junior, Zouain e Almeida (2014), esse conceito é tecnicamente correto, no entanto, ainda incompleto. De acordo com Le Boterf (2003) "competência" não é um resultado ou um conhecimento que se possui, seria, portanto, a prática do que se sabe em determinado contexto manifestada em ação. O termo se mostra polissêmico e multifacetado, tanto no contexto organizacional, quanto na esfera educacional (Araújo, 2007; Brandão & Borges-Andrade, 2007). De acordo com Costa (2005) e Lopes e Macedo (2002) é crescente a defesa, nos discursos educacionais, de que a escola deva priorizar o desenvolvimento de "competências" em detrimento da transmissão de conhecimentos. No entanto, Araújo (2007) e Sá e Paixão (2013) ressaltam a falta de definição mais precisa do conceito de "competência", o que acaba por gerar confusão terminológica e conceitual. De fato, a discussão em torno da definição de "competência" a partir do CHA se estende desde meados dos anos 1980 e 1990, quando se discutia que o fato de um profissional deter aqualificação necessária, ou seja, possuir as "competências" essenciais para realizar determinado trabalho ou atividade não garante que ele irá fazê-la (Carvalho, Passos, & Saraiva, 2009).

Apesar de toda a discussão que tem sido feita, nos contextos organizacional e educacional, em torno do conceito de "competência" (Ruas, Ghedine, Dutra, Becker, & Dias, 2005), críticas ao uso do termo continuam a surgir sem que tenham, contudo, surgido avanços satisfatórios. Uma rara exceção a isso foi tratamento dado ao termo no contexto educacional como sinônimo de "objetivos educacionais".

Costa (2005) e Lopes e Macedo (2002) defenderam a aplicação do termo "competência" ao contexto educacional, já que avaliam ser difícil desenvolver "competências" por meio de um currículo, que privilegie apenas a transmissão de conhecimento, sem permitir a aplicação prática dele. Questionamento semelhante foi apresentado e discutido por Matos (2000), Dias (2001), Botomé e Kubo (2002), Kubo e Botomé (2003). Eles reconhecem que a substituição do tradicional método de ensino baseado na distribuição de disciplinas em relação a conteúdos ou conhecimentos pela orientação explícita das "competências" ou "habilidades" a serem desenvolvidas por esses futuros profissionais, representa um avanço na direção de superar alguns equívocos realizados nos processos de ensino, principalmente, por identificarem aquilo que deve ser priorizado no processo de ensino-aprendizagem (Santos, Kienen, Viecilli, Botomé, & Kubo, 2009). É nesse ponto que se verifica uma aproximação conceitual entre os termos "competências" e "objetivos de ensino" no contexto educacional (Botomé & Kubo, 2003 citado por Botomé, 2006). Apesar de reconhecerem o avanço trazido pelas mudanças curriculares, esses autores sugerem melhores descrições e definições para os termos a serem utilizados ou, até mesmo, a substituição dos termos "competência" e "habilidade" por "comportamento" (Santos et al., 2009).

Nessa perspectiva de formular objetivos educacionais sob a forma de descrições de competências a serem aprendidas, Botomé (1985) identificou seis tipos de "falsos objetivos" de ensino (portanto falsas formulações de competências), ao analisar diferentes planos de ensino. São eles: "itens de conteúdo", "intenção de professores", "ações ou atividades de professores", "ações (classes de respostas) dos aprendizes", "atividades de ensino" e "conteúdos transformados em ações dos aprendizes".

Ao elaborar objetivos de ensino como itens de conteúdo e conhecimentos já produzidos e acumulados como decisão de um processo de ensino, o professor se torna um transmissor de conteúdo e informações ao invés de produzir condições para a aprendizagem dos alunos. Segundo Botomé (1985), ao propor objetivos de ensino a partir de intenções dos professores, encobre-se ou camufla-se aquilo que é importante e necessário ser ensinado pelo professor e aprendido pelo aluno. O que o professor almeja, deseja ou pretende não é o mesmo que identificar aquilo que precisa ser aprendido pelos alunos. São exemplos desta condição: "instrumentalizar os alunos para a atuação profissional e contribuir para o desenvolvimento da sociedade".

Ações ou atividades de professores também são inadequadas para definir objetivos de ensino (e.g. "apresentar aos alunos conceitos de..." e "informar os alunos sobre..."). Ao apresentar ações ou atividades de professores como objetivos de ensino, desloca-se o núcleo do objeto de ensino da mudança de comportamento do aprendiz para a atividade do professor. Diante disso, o aluno deixa de ser foco principal do processo de ensino.

Ações dos alunos são constantemente confundidas com objetivos de ensino. De acordo com Franken (2009), objetivos de ensino orientam as decisões do professor com relação às atividades. Além disso, objetivos de ensino devem especificar comportamentos e não apenas ações do aprendiz. Ações constituem apenas um dos três componentes de um comportamento (antecedentes-ações-consequências). São exemplos dessa condição: "aplicar testes" e "fazer exercícios".

Outro erro frequente é confundir objetivos de ensino com atividades de ensino. Uma atividade de ensino é tida como uma condição planejada pelo professor para que o aluno aprenda determinado comportamento. Apresenta-se como exemplo dessa condição: "discutir para avaliar a contribuição de diferentes autores para o entendimento do fenômeno psicológico".

O último falso objetivo apresentado por Botomé (1985) é a descrição de informações sob a forma de ações dos aprendizes. Nesse caso, conteúdos, assun-tos, informações são associadas a verbos, o que não caracteriza o que é central no conceito de objetivos de ensino. Este último falso objetivo de ensino está relacionado, segundo o autor, ao "comportamentalizar conteúdos", ou seja, é transformar substantivos em verbos equivalentes ou equiparáveis, como no exemplo: "diagnosticar organizações" referindo-se ao assunto "diagnóstico organizacional".

Objetivos de ensino que apresentam, em sua descrição, verbos ou complementos vagos, abrangentes e imprecisos favorecem múltiplas interpretações e impossibilitam a verificação da aprendizagem do aluno. Portanto, sugere-se a utilização de expressões que descrevam comportamentos, pois explicitam aquilo que o aprendiz/profissional deve ser capaz de fazer, além de constituir o núcleo do conceito de objetivo de ensino. São exemplos de objetivos de ensino com expressões vagas: "conceber o processo de mudança como um fenômeno organizacional" e "ajeitar as relações entre trabalhadores e empregadores".

Franken (2009) apresentou uma análise e categorização dos objetivos de ensino propostos para a formação específica do psicólogo organizacional a partir da noção de falsos objetivos de Botomé (1985). Do estudo de Franken resultaram 10 categorias de análise: 1) expressões com múltiplos "objetivos", 2) expressões designando comportamentos, 3) comportamentos intermediários, 4) categorias de informações, 5) classes de informações, 6) expressões vagas ou genéricas, 7) expressões ambíguas, 8) declarações de intenção, 9) atividades ou ações de professores e 10) atividades ou atuações escolares dos alunos.

De acordo com Franken (2009), objetivos de ensino ou, no contexto do presente estudo, "competências", que apresentam múltiplos objetivos em suas descrições podem obscurecer a definição sobre a aprendizagem a ser desenvolvida em situações de ensino. Objetivos de ensino, assim como "competências", precisam descrever, de forma clara e precisa, os comportamentos que deverão ser aprendidos ou aperfeiçoados. Esta descrição deve ser feita a partir de procedimentos bem definidos como a análise documental e os grupos focais, sem a camuflagem de expressões gramaticais compostas por verbo e complemento, justaposição de verbos ou expressões que não especificam diretamente quais comportamentos deverão ser alvo das ações de capacitação (Franken, 2009).

Apesar de o modelo de Gestão por Competências ter sido adotado por diversas organizações brasileiras, desde a instituição do Decreto 5.707 em 2006, conforme apontado por Fevorini, Silva e Crepaldi (2014), pouca atenção tem sido dada no momento de descrever as "competências" que nortearão todo o processo de identificação de "competências", consequentemente, implantação do novo modelo de Gestão. Esse problema parece replicar as dificuldades relacionadas a má formulação de objetivos educacionais.

Descrições de "competências" pouco claras, seguidas de múltiplos comportamentos e/ou complementos, com especificação de verbos que não exprimem ações concretas têm sido frequentes na literatura da área. Planejar ações para desenvolver comportamentos definidos de maneira vaga (como "pensar", "saber", "apreciar" e "acreditar") tem norteado os artigos sobre Gestão por Competências. Quando a descrição não é suficientemente clara, as pessoas tendem a dar convenientes interpretações às "competências" (Brandão & Bahry, 2005; Carbone et. al., 2009).

Dificuldades, como as mencionadas acima, já foram relatadas na literatura sobre avaliação profissional. Alguns modelos de avaliação profissional geram questionamentos a respeito da subjetividade dos seus critérios e da tendência à complacência por parte dos seus avaliadores (Marconi, 2003; Schikmann & Crédico, 2007). Geralmente, nas instituições públicas, utilizam-se categorias e indicadores subjetivos nas avaliações. De acordo com Pires et al. (2005), essas categorias não estão relacionadas diretamente ao desempenho do servidor, ou são considerados fatores sem definição ou definidos de maneira pouco clara.

De acordo com Fernandes (2013) alguns pontos podem ser considerados para melhorar a avaliação de competências. O primeiro ponto, mencionado pelo autor, diz respeito à elaboração de instrumentos de avaliação que enfatizem entregas evidenciáveis, passíveis de avaliação mediante comportamentos observáveis. Segundo ele, subjetividade na avaliação de competências podem favorecer avaliações distorcidas. O segundo ponto ressaltado pelo autor diz respeito ao cuidado em capacitar para as avaliações. De acordo com ele, é essencial que a avaliação seja baseada em evidências.

Diante disso, Brandão e Bahry (2005) e Carbone et al. (2009) descrevem alguns critérios que poderão ser seguidos no momento de sugerir e descrever "competências", que, posteriormente, comporão a avaliação profissional. Os autores sugerem a descrição de "competências" sob a forma de referenciais de desempenho, ou seja, de comportamentos objetivos e passíveis de observação e mensuração no ambiente de trabalho. "Competências" descritas de maneira pouco clara favorecem múltiplas e convenientes interpretações.

Ao descrever competências, sugere-se evitar descrições muito longas e utilização de termos técnicos que dificultem a compreensão das pessoas. Ambiguidades também devem ser evitadas por favorecerem múltiplas e convenientes interpretações. Além disso, para obter boas descrições de competências, devem ser evitadas: irrelevâncias e obviedades, duplicidades, abstrações e a utilização de verbos que não expressem ações concretas, tais como: pensar, saber, apreciar e acreditar (Brandão & Bahry, 2005; Carbone et. al., 2009).

Esses mesmos autores, sugerem, ao descrever "competências", a utilização de três termos: 1) verbo acrescido de objeto de ação, 2) critério de qualidade e 3) condição. O verbo exprimiria uma ação a ser desempenhada pelo profissional no seu ambiente de trabalho que seja passível de observação e mensuração. O critério indica um padrão de qualidade considerado satisfatório para a execução da "competência" e a condição, indicaria a ferramenta ou o instrumento do qual o profissional necessita para executar a ação.

Considerando todos os elementos acima mencionados, os objetivos do presente trabalho são: a) avaliar a eficácia de se aplicar as categorias de falsos objetivos educacionais e dos cuidados metodológicos apontados por Brandão e Bahry (2005) para avaliar e contornar problemas de formulação de competências no contexto organizacional e b) à luz dessa avaliação, discutir inadequações quanto ao termo competência e apontar a utilização do termo comportamento como alternativa que contribua para a redução de controvérsia terminológica.

 

Método

Participantes

Participaram do presente estudo 79 servidores públicos federais lotados nas 18 unidades de uma instituição pública federal ligada ao Ministério da Fazenda. Ao todo, a instituição possui 189 servidores localizados nas suas diferentes unidades. Para participar da pesquisa, os servidores deveriam estar ativos, não podendo estar afastados por auxílio-doença, licença maternidade, férias ou aposentadoria.

Os participantes foram selecionados pela própria instituição por serem considerados, por eles, detentores de amplo conhecimento a respeito das rotinas e atividades das suas unidades.

Ambiente

A coleta de dados foi realizada nas dependências da instituição em salas de aula compostas por cadeiras, quadro branco, data show e computador.

Procedimento

O presente estudo foi dividido em três fases, a saber: 1) Mapeamento de Competências, 2) Categorização das Competências Conforme sua Especificidade Funcional e 3) Análise das descrições das competências.

Mapeamento de Competências

O mapeamento de competências foi realizado com base no procedimento tradicional descrito em Brandão (2012), com análise documental e realização de grupos focais com as 18 unidades da instituição. O passo inicial do mapeamento das competências foi a análise dos documentos institucionais disponibilizados pela organização, foram eles: Decreto 7.482 que dispõe sobre a Estrutura Regimental do Ministério da Fazenda; Organograma do Ministério da Fazenda; Regimento Interno e Mapa Estratégico da Instituição. Essa análise foi feita, pelos pesquisadores, com o objetivo de identificar categorias e descrever objetivamente os documentos, possibilitando, assim, a inferência sobre competências individuais e organizacionais relevantes para a consecução dos objetivos da instituição.

Os documentos institucionais descreviam, em forma de incisos, as principais atribuições e responsabilidades de cada unidade da instituição. Para inferir as "competências" era analisado cada inciso do documento institucional, observando o verbo que estava descrevendo a ação. Neste momento, era analisado o que o servidor deveria ser capaz de fazer para realizar aquela atribuição descrita. Para transformá-lo em "competência", ao verbo, era acrescentado um critério de qualidade e uma condição para a realização da ação.

O Regimento Interno, além de descrever as atribuições das unidades, também descreve as atribuições dos diferentes cargos da instituição. No entanto, no presente estudo, optou-se por analisar as atribuições em detrimento dos cargos, já que de uma unidade para outra as atividades mudam, mas não seus cargos de nomeação.

Portanto, a análise dos documentos institucionais serviu de base para a construção do primeiro conjunto de competências apresentados na segunda fase do mapeamento.

A segunda fase do mapeamento envolveu a realização de grupos focais com todas as 18 unidades da instituição para validação das competências sugeridas na primeira fase do mapeamento. A quantidade de participantes dos grupos focais variou conforme o tamanho da unidade. Cada grupo, todavia, era composto de, no mínimo, dois servidores: o gestor da unidade e mais um servidor-chave do setor. Os servidores-chave foram indicados pela equipe por serem, na opinião deles, detentores de amplo conhecimento das atividades da unidade.

Nesta fase, as competências identificadas na análise documental, foram apresentadas aos participantes do grupo para que fossem analisadas e validadas. A validação consistiu na confirmação, por toda a equipe, de que as competências apresentadas eram importantes para a realização das atividades da unidade conforme descrito no material apresentado. Caso fosse necessário, eram incluídas, modificadas e/ou excluídas competências do mapa de competências da unidade. Assim, o material produzido no grupo focal representaria, de fato, as necessidades da unidade.

Categorização das Competências Conforme sua Especificidade Funcional

O produto do mapeamento de competências realizado foi organizado levando-se em consideração o agente a apresentar a "competência" – Pessoal e Gerencial e quanto à sua especificidade - Específica e Transversal.

Quando a "competência" era exercida por qualquer servidor da instituição, a mesma era considerada uma "competência pessoal". No entanto, quando a "competência" era exercida somente pelos gestores da instituição, esta era considerada "competência gerencial". No momento em que se avaliou a especificidade da "competência", classificou-se como "competência específica", aquela exercida por somente uma unidade da organização. Caso a "competência" fosse exercida por duas ou mais unidades da organização, esta era considerada transversal. As "competências" gerenciais e pessoais poderiam ser avaliadas como essenciais para mais de uma unidade da organização, portanto, também eram consideradas transversais.

Análise das descrições de Competências

Com a identificação das "competências" consideradas essenciais para a realização das atividades de cada unidade, foi feita a análise das suas descrições com base nas categorias de falsos objetivos de Botomé (1980) reformulada por Franken (2009) e nos cuidados metodológicos descritos por Brandão e Bahry (2005); Bruno-Faria e Brandão (2003); Carbone et al. (2009).

Categoria A: Expressões amplas.

Descrições de competências muito longas, com múltiplos verbos e/ou complementos. Exemplo: Identificar, analisar, tramitar e acompanhar o andamento dos processos da Instituição.

Categoria B: Declarações de Intenção.

Foram consideradas nessa categoria as expressões apresentadas por verbos e complementos, nas quais o verbo indicava uma intenção, desejo, expectativa ou a pretensão de algo que deveria acontecer. Exemplo: Engajar diversas áreas em projetos e programas da instituição, garantindo seu pertencimento e responsabilização no mesmo.

Categoria C: Expressões vagas ou genéricas.

Descrições de competências utilizando-se comportamentos definidos de maneira vaga, com a utiliza-ção de verbos que não exprimem ação concreta e não são passíveis de observação direta. Exemplo: Capacidade de compartilhar ideias, informações e opções para atingir um acordo aceitável para as partes envolvidas.

Categoria D: Expressões contendo verbo observável, objeto de ação e complemento.

Foram incluídas nessa categoria as descrições de "competência" que indicavam um verbo passível de observação e mensuração, um objeto de ação e complemento. Este complemento poderia ser um critério de qualidade ou uma condição exigida para a execução da "competência". Exemplo: Selecionar, de acordo com a demanda apresentada pela Instituição, a consultoria externa que melhor atenda as necessidades da instituição e os objetivos do Órgão.

Categoria E: Expressões contendo termos técnicos.

Descrições de competências contendo termos técnicos que possam dificultar a compreensão das pessoas. Exemplo: Manusear softwares e hardwares para a realização das atividades que competem ao setor.

Categoria F: Expressões designando categorias amplas de comportamento.

Proposição de competência que possua, em sua descrição, um verbo fazendo referência a um conjunto de comportamentos muito grande, com um complemento que também fazia referência a uma ou mais classes abrangentes (ou grandes). Exemplo: Prestar informação, apoio, suporte e consultoria a setores da organização, atendendo às demandas internas.

 

Resultados e Discussão

A partir do mapeamento de competências realizado, foram identificadas: 10 competências gerenciais, 10 competências pessoais, 143 competências específicas e 28 competências transversais avaliadas, pelos servidores das 18 unidades, como essenciais para a consecução dos seus objetivos estratégicos.

Conforme Tabela 1, ao analisar a descrição das 191 competências foi identificada a ocorrência das seis categorias de análise. Condições problemáticas foram identificadas em 93,20% das descrições de competências.

 

 

A Tabela 1 apresenta a ocorrência das seis categorias de análise nas descrições das 191 competências identificadas como essenciais para a realização das atividades das 18 unidades da instituição. A categoria que apresentou o maior número de ocorrências foi a Categoria A – expressões amplas. Nesta categoria, foram identificadas ao todo 105 ocorrências: cinco nas competências pessoais, cinco nas gerenciais, 14 nas transversais e 81 nas específicas. A Condição B – declarações de intenção – foi identificada na descrição de quatro competências pessoais, três gerenciais, oito transversais e 23 específicas. A Categoria C - expressões vagas ou genéricas – foi identificada em apenas uma competência pessoal, em duas transversais e 18 específicas. Na Categoria E – expressões contendo termos técnicos – foram identificadas apenas duas competências gerenciais, duas transversais e sete nas específicas. Nenhuma competência pessoal foi identificada nesta condição. A Condição F (expressões designando categorias amplas de comportamento) foi identificada em apenas duas transversais e em uma específica. Ao analisar as descrições das 191 competências identificadas, no mapeamento de competências, como essenciais para a realização das atividades das unidades, verificou-se que apenas 13 competências, ou seja, 6,80% do total, apresentavam descrições que contemplassem os cuidados metodológicos (c.f. Brandão & Bahry, 2005; Bruno-Faria & Brandão, 2003; Carbone et al., 2009) para a descrição de competências.

As competências levantadas a partir da análise dos documentos institucionais foram descritas e apresentadas à instituição por meio dos grupos focais respeitando os cuidados metodológicos descritos por Carbone et al. (2009). No entanto, ao delegar ao participante a decisão sobre como descrever as competências essenciais para a realização das atividades da sua unidade, muitos desses cuidados foram renegados.

Diante disso, os resultados encontrados no presente estudo, que são produto dos grupos focais, mostraram que 93,20% das competências identificadas como essenciais para a realização das atividades da instituição foram descritas apresentando, pelo menos, uma das cinco categorias descritas no procedimento. Portanto, apenas 6,80% das competências especificaram comportamentos de forma clara e objetiva nas suas descrições – Categoria D.

Ao analisar a descrição das 191 competências identificadas no presente estudo, pode-se verificar que 54,97% das competências apresentaram múltiplos verbos ou complementos na sua descrição. De acordo com Franken (2009), um objetivo de ensino, e portanto uma competência, precisa definir uma unidade específica de comportamento, já que a multiplicidade dessas unidades parece ter mais a função de impressionar os aprendizes (ou mesmo avaliadores do sistema de ensino) com a complexidade daquilo que deverá ser ensinado. No momento em que a descrição da "competência", ou seja, do comportamento a ser ensinado, apresenta múltiplos verbos ou complementos na sua descrição, a área de capacitação da instituição poderá não ter claro qual comportamento deverá ser alvo e, consequentemente desenvolvido, a partir das ações de capacitação.

Segundo Botomé (1980), objetivos de ensino precisam especificar comportamentos de um profissional. Múltiplos objetivos não especificam os comportamentos que deverão ser priorizados nas aprendizagens ou ações de capacitação. Diante disso, competências, assim como objetivos de ensino, precisam descrever, de forma clara e precisa, os comportamentos que deverão ser aprendidos ou aperfeiçoados a partir das ações de capacitação e não ser camuflados por expressões gramaticais compostas por verbo e complemento, justaposição de verbos ou expressões que não especificam – diretamente – quais comportamentos deverão ser alvo das ações de capacitação (Franken, 2009).

Além disso, 16,75% das competências apresentaram descrições com expressões vagas ou genéricas ou contendo termos técnicos. Expressões vagas ou genéricas devem ser evitadas ao descrever objetivos de ensino e/ou competências, já que podem não descrever efetivamente o que deverá ser ensinado e, consequentemente, aprendido. Além disso, a utilização de termos técnicos nas descrições das competências pode dificultar a compreensão das pessoas com relação ao que deverá ser aprendido. De acordo com Carbone et al. (2009) a descrição da competência pouco clara, favorece múltiplas e convenientes interpretações.

O aspecto intencional identificado nos objetivos de ensino foi identificado em 19,89% das descrições das competências. De acordo com Botomé(1980), intenções do educador/facilitador não são adequadas para definir objetivos de ensino. A declaração de intenção é útil para tranquilizar o educador e não para descrever o que será aprendido pelos alunos. A ocorrência de declarações de intenções nos planos de ensino, ou do contexto do presente trabalho, nas descrições de competências, é inadequada por não especificar o que deverá ser aprendido. É consenso na literatura sobre educação que o objetivo de ensino precisa fazer referência ao comportamento do aprendiz e não ao do educador.

Segundo Franken (2009) objetivos de ensino/ competências precisam descrever de forma precisa o comportamento a ser desenvolvido, caso contrário poderá gerar dificuldades no momento de propor atividades de ensino e capacitação. Portanto, a identificação e descrição desses comportamentos de forma clara e objetiva é fundamental para subsidiar as demais etapas do processo de mapeamento, consequentemente, para a implantação do modelo de Gestão por Competências (Franken, 2009).

 

Considerações Finais

Os dados aqui relatados mostraram que os avanços na direção de refinar o uso do termo "competência" no contexto educacional se mostraram úteis no contexto organizacional. A formulação das "competências" de forma objetiva, clara, focada na descrição do comportamento que constitui a competência é um passo fundamental para o sucesso da Gestão por Competências (Brandão, 2012). É a partir dessas descrições comportamentais que as demais ações de gestão poderão ser desenvolvidas com eficiência: avaliação de desempenho, dimensionamento, treinamento, desenvolvimento, captação. Esses achados contribuem para preencher a lacuna decorrente da pouca atenção que tem sido dada para a descrição das "competências" que subsidiarão todas as demais etapas do processo de Gestão por Competências.

Descrições pouco claras, seguidas de múltiplos comportamentos e/ou complementos, com especificação de verbos que não exprimem ações concretas têm sido frequentes na literatura da área. Em estudo realizado por Freitas e Brandão (2005) as competências foram descritas sem especificar – de forma clara e objetiva – os comportamentos que deveriam ser desenvolvidos a partir das ações de capacitação, como exemplo a descrição da "competência": "criar e aproveitar oportunidades de negócio, considerando os recursos disponíveis, os riscos e os benefícios resultantes". Dalmoro (2010), ao descrever a competência Criatividade, especificou os comportamentos que compunham esta competência: "pensa em novas formas de fazer as coisas; põe em prática formas alternativas de fazer as coisas e estimula outros a pensar fora da caixa" (p. 73).

Gama, Dias e França (2012) é mais um exemplo de estudo que apresenta, na descrição de suas "competências", as condições problemáticas utilizadas no presente estudo. Os autores descrevem a competência Trabalho em Equipe como:

"compartilha informações e conhecimentos com a equipe e outras áreas para o alcance de melhores resultados, reconhece a importância do seu papel na equipe, atuando de forma integrada para o alcance dos objetivos comuns, colabora com o trabalho da equipe e de outras áreas, contribuindo para a melhoria do desempenho institucional e relaciona-se com a equipe respeitando as diversidades, contribuindo para a melhoria no ambiente de trabalho" (p. 09).

Uma descrição inadequada de competências pode gerar impactos tanto na compreensão de quem as detêm ou as necessita, quanto no planejamento das ações de capacitação. Portanto, uma descrição clara e objetiva de competências especifica, com precisão, os comportamentos que deverão ser aprendidos ou aperfeiçoados a partir das ações de capacitação (Franken, 2009).

A análise procedida no presente estudo, aplicando ao conceito de "competência" com forte viés comportamental nos leva a concordar com a proposta de Santos et al. (2009), em favor da substituição do conceito de "competência" e "habilidade" por comportamento, já que este último orienta melhor as estratégias de capacitação. A substituição desses termos torna mais precisa e objetiva a indicação daquilo que os profissionais devem ser capazes de fazer no seu cotidiano profissional. A visão externalista de comportamento tira o locus da competência de dentro do organismo. Competênciapassa a ser vista como a própria interação entre aquilo que o indivíduo faz e os eventos antecedentes e consequentes (Skinner, 1969. Ver também Botomé, 2013).

O conceito de comportamento descrito por Botomé (2013) e Catania (1999) é a relação ou conjunto de relações entre o que o indivíduo faz, o ambiente no qual este fazer é realizado e o ambiente produzido através desse fazer. Não se trata de uma interação qualquer entre organismo e ambiente. A interação, na perspectiva analítico-comportamental, exige a atividade do organismo como parte do processo de passagem de um ambiente que antecede esta atividade para outro que a sucede, ou seja, são todas as relações entre as atividades ou ações do organismo e o ambiente em que ele está durante e após a sua atuação. Diante disso, a especificação de verbos isolados, como salivar, correr e pular, não é considerada uma especificação de comportamento, mas classes amplas de atividades. Um complemento somado ao verbo pode configurar uma interação como parte da delimitação de um comportamento que, por ser considerado um processo, não pode acontecer no vácuo. Além disso, a especificação de verbos sempre exige um complemento que faça referência a um contexto no qual a ação que o verbo denomina ocorre (Botomé, 2013).

Embora a descrição do conceito de "competência", conforme descrito no Decreto 5.707/2006, eventualmente inclua algum componente comportamental entre os elementos que constituem o CHA, é patente uma visão dualista e mentalista do que seja "competência". Esse tipo de visão pode estar na base das dificuldades em se operar com o conceito no contexto aplicado, seja educacional ou organizacional. Essa visão dualista e mentalista fica patente na especificação dos elementos do CHA. A definição de "conhecimento" como informações integradas pela pessoa que repercutem sobre seu julgamento ou seu comportamento e "habilidade" como a aplicação produtiva desse conhecimento, deixa clara uma separação entre um plano cognitivo (o conhecimento) e outro da ação. Essa perspectiva dual do funcionamento das pessoas no mundo é especialmente perigosa porque pode facilmente levar a outra concepção errônea: a de que é o plano cognitivo que determina as ações dos organismos: uma separação entre saber (conhecimento) e fazer (habilidade) com o primeiro determinando o segundo. Esse tipo de concepção sobre o comportamento, e portanto, sobre as competências, pode levar, por exemplo, a ações de "capacitação" com grande equívoco de foco, com predomínio da noção de que basta informar ou conscientizar o indivíduo (conhecimento) para que ele se comporte (habilidade). O agente de capacitação, portanto, se ocuparia muito mais de falar sobre o comportamento que deveria ocorrer do que em criar condições objetivas (contingências ambientais) para que ele ocorra e possa ser praticado. As barreiras criadas por esse tipo de concepção em ações de avaliação de desempenho e seleção de pessoal seguem a mesma direção e, da mesma forma, geram distorções críticas.

Assim, propomos uma análise dos três elementos constituintes descritos no Decreto sob a ótica da Análise do Comportamento - referencial teórico do presente trabalho. Para a análise do comportamento o "conhecimento" é produto de uma ação – o conhecer – e este comportamento, por sua vez, envolve, obrigatoriamente, um indivíduo se comportando (Andery, Micheletto, & Sério, 2000). De acordo com Skinner (1974) o conceito de conhecimento não está relacionado a algo que usamos, mas à nossa ação ou, pelo menos, regras para ação.

Para Skinner (1945) conhecer implica comportar-se de maneira efetiva com relação a uma parcela da realidade. Em outras palavras, o "conhecimento" não é algo que o indivíduo possui, mas uma probabilidade deste agir no mundo de maneira produtiva. Por essa perspectiva, o conceito de "conhecimento" está relacionado a algo que acontece no plano das relações com o mundo físico e social e é produto da história dessas relações. Portanto, "conhecimento" não descreve ocorrências internas e singulares dos indivíduos, nem instâncias geradoras de comportamento. Descrever como se faz uma tarefa, por um lado, e efetivamente executar essa tarefa, por outro, são ambos comportamentos. Cada um desses dois comportamentos distintos é produto das interações do indivíduo com contingências ambientais específicas.

Seguindo esta perspectiva, o elemento "conhecimento" estaria relacionado não às informações reconhecidas e integradas pela pessoa em sua memória, que repercutem sobre seu julgamento oucomportamento, como descrito no Decreto, mas ao repertório comportamental desenvolvido por este indivíduo em sua interação com o ambiente.

O termo "habilidade", conforme descrito no Decreto, se refere à aplicação produtiva do conhecimento. Ou seja, é a capacidade de o indivíduo instaurar conhecimentos e utilizá-los em uma ação. Definir "habilidade" a partir da noção de ação direciona este termo à noção de comportamento originalmente descrita por Skinner (1938). De acordo com este autor, o comportamento é ação, ou seja, é o desempenho do organismo no seu processo de ajustamento e adaptação ao ambiente. Ainda mais propriamente, o termo comportamento se refere ao produto da relação entre as ações dos organismos e o ambiente.

O termo "atitude", conforme descrito no Decreto, está envolvido com o sentimento ou predisposição da pessoa, que direciona sua conduta com relação aos outros, ao trabalho ou a situações (Durand, 2000). Portanto, este terceiro termo nos remete ao conceito de motivação inicialmente introduzido por Skinner (1932) a partir da noção de drive e, posteriormente, reintroduzido por Michael (1982/1993) por meio do conceito de operações estabelecedoras. Skinner (1938, 1953) discute o conceito de motivação em termos de operações de privação/saciação e estimulação aversiva, ressaltando-as como variáveis ambientais controladoras do comportamento. Portanto, motivação, assim como o termo "atitude", conforme descrito na legislação, seriam fatores considerados determinantes para a ação humana.

Portanto, ao analisar os elementos que compõem o conceito de competência, sob a perspectiva analítico-comportamental, chegamos à mesma conclusão que Santos et al. (2009) ao analisarem as diretrizes curriculares do curso de Psicologia: ambos os termos se referem a comportamentos.

Descrever "competências" sob a forma de comportamentos que poderão ser observados e mensurados no ambiente de trabalho, evitando as categorias de condições problemáticas descritas no presente estudo, poderão nortear, com maior clareza, as ações de capacitação que serão promovidas pelas instituições. Basear os treinamentos, somente na especificação dos documentos institucionais, também não parece adequado, já que estes não descrevem, objetivamente, os comportamentos que deverão ser desenvolvidos para que os resultados da unidade e, consequentemente, da organização, sejam atingidos. Geralmente, esses documentos descrevem as atividades e atribuições esperadas para seus servidores, no entanto, não descrevem quais comportamentos deverão ser emitidos para que esses resultados sejam alcançados.

Diante disso, o presente estudo apresentou e aplicou uma proposta de descrição de competência clara e objetiva baseada em comportamentos que poderão ser observados e mensurados no ambiente de trabalho. Estudos subsequentes devem explorar empiricamente o possível impacto do procedimento aqui descrito sobre a efetividade de etapas seguintes do gerenciamento por competências como a definição de prioridades de ações de capacitação para que a instituição atinja os seus objetivos estratégicos. Tomada com enfoque objetivo e operacional, a noção de competência pode contribuir para uma gestão de pessoas mais estratégica e focada em resultados.

 

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Endereço para correspondência
Camila Carvalho Ramos
Universidade Federal do Pará
Augusto Corrêa, 1 - Guamá, Belém - PA,
66075-110
E-mail: camilakrvalho@gmail.com

Submetido em: 09/10/2015
Primeira decisão editorial: 15/12/2015
Aceito em: 27/05/2016
Editor Associado: Candido V. B. B. Pessôa

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