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Perspectivas em análise do comportamento

versão On-line ISSN 2177-3548

Perspectivas vol.7 no.2 São Paulo jul./ago. 2016

http://dx.doi.org/10.18761/pac.2016.009 

ARTIGOS

DOI: 10.18761/pac.2016.009

 

B. F. Skinner e Simone de Beauvoir: "a mulher" à luz do modelo de seleção pelas consequências

 

B. F. Skinner and Simone de Beauvoir: "womankind" in the light of the model of selection by consequences

 

B. F. Skinner y Simone de Beauvoir: "la mujer" a la luz del modelo de selección mediante consecuencias

 

 

Emanuelle Castaldelli Silva; Carolina Laurenti

Universidade Estadual de Maringá

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Skinner e outros analistas do comportamento defenderam a possibilidade de os princípios da Análise do Comportamento serem usados para a construção de um mundo melhor. Porém, estudos têm sinalizado que esse potencial precisa ser mais bem explorado, sobretudo no contexto dos debates sobre temáticas de caráter social, como, por exemplo, o feminismo. Considerando essa crítica, este artigo tem o objetivo de discutir como a concepção antiessencialista e complexa de ser humano presente no modelo de seleção pelas consequências de B. F. Skinner é consistente com uma das principais teses do movimento feminista, a distinção entre sexo e gênero, que ganhou sistematização e projeção na obra de Simone de Beauvoir. Por meio do esclarecimento das noções de antiessencialismo e de multidimensionalidade do ser humano, são estabelecidos pontos de aproximação entre as proposições de Skinner acerca do comportamento humano e as de Beauvoir a respeito da condição feminina. Conclui-se que a visão de ser humano encorajada pelo modelo de seleção pelas consequências estabelece uma concepção pluralista de mulher, algo que é compatível com a tese de que não há uma essência feminina, e de que o lugar da mulher na sociedade é definido por práticas culturais e não pelo seu sexo biológico.

Palavras-chave: mulher, feminismo, seleção pelas consequências, ser humano, complexidade.


ABSTRACT

Skinner and other behaviour analysts advocate that Behaviour Analysis' principles may be used for constructing a better world. However, recent studies have pointed out the need of further exploitation into this potential, especially in discussions regarding social matters, such as feminism. Considering this critical analysis, this article aims to discuss how the anti-essentialist and complex conception of human being, implied in Skinner's model of selection by consequences, may be consistently associated with one of the major feminist thesis, the distinction between sex and gender, structured and highlighted by Beauvoir's work. By understanding anti-essentialism and human multidimensionality, this article sets matching points between Skinner's propositions on human behaviour and Beauvoir's statements on the feminine condition. We conclude that the notion of human being encouraged by the model of selection by consequences sets a pluralist conception of womankind, being compatible with the thesis that there's no such thing as a feminine essence and that cultural practices define a woman's place in society, not her biological sex.

Keywords: womankind, feminism, selection by consequences, human being, complexity.


RESUMEN

Skinner y otros analistas de la conducta defendieron la posibilidad de que los principios del Análisis de la Conducta sean usados para la construcción de un mundo mejor. Sin embargo, estudios han señalado que ese potencial debe ser mejor explorado, sobretodo en el contexto de debates de carácter social, como, por ejemplo, el feminismo. Considerando esa crítica, este artículo se propone a discutir como la concepción antiesencialista y compleja de ser humano implicada en el modelo de selección mediante consecuencias de B. F. Skinner es consistente con una de las principales tesis del movimiento feminista, la distinción entre sexo y género, que logró sistematización y proyección en la obra de Simone de Beauvoir. Al esclarecer las nociones de antiesencialismo y multidimensionalidad del ser humano, se construyen puntos de acercamiento entre las proposiciones de Skinner acerca de la conducta humana y las de Beauvoir con respecto a la condición femenina. Se concluye que la visión de ser humano alentada por el modelo de selección mediante consecuencias establece una concepción pluralista de mujer, algo que es compatible con la tesis de que no hay una esencia femenina, y que el lugar de la mujer en la sociedad es definido por prácticas culturales y no por su sexo biológico.

Palabras clave: mujer, feminismo, selección mediante consecuencias, ser humano, complejidad.


 

 

Skinner (1971, 1978) defendeu a possibilidade de os princípios da teoria analítico-comportamental serem usados para a construção de um mundo melhor. Outros analistas do comportamento, em diferentes épocas, têm subscrito essa tese skinneriana (Andery, 1990; Holland, 1974, 1978; Ruiz, 1995; Wolpert, 2005). Contudo, alguns estudos têm chamado a atenção para o fato de que a análise do comportamento não tem explorado a contento esse potencial (Holpert, 2004; Mattaini & Luke, 2014; Ruiz, 1995; Wolpert, 2005), uma vez que a participação de analistas do comportamento no debate sobre questões sociais parece, ainda, bastante tímida. Assim, torna-se necessária uma mudança nas temáticas de estudos teóricos e empíricos, para que visem de modo mais sistemático a questões sociais tanto de âmbito local quanto global (Holpert, 2004; Mattaini & Luke, 2014; Ruiz, 1995).

Entre as temáticas sociais que têm recebido pouca atenção por parte dos analistas do comportamento está o feminismo (Wolpert, 2005). Nas últimas três décadas, o termo feminismo reportou-se à tentativa de alterar o papel social da mulher (Fideles & Vandenberghe, 2014), com base em um programa de ação que explicita práticas culturais responsáveis por um desequilíbrio na distribuição de reforçadores sociais, favorecendo os homens em detrimento das mulheres. Essa tentativa faz do feminismo uma ideologia política definida por duas asserções fundamentais: "a de que as mulheres vivem em desvantagem por serem mulheres e a de que essa desvantagem pode e deve ser abolida" (Heywood, 2010, p. 21).

A despeito dessas teses gerais, o feminismo envolve uma pluralidade de perspectivas políticas ou "ondas", muitas vezes antagônicas entre si, o que possibilitou o engendramento de teorias feministas híbridas (Beiras, Nuernberg, & Adrião, 2012; Heywood, 2010; Matos, 2008; Pinto, 2010; Vicent, 1995). Algumas dessas teorias ou "ondas" eram derivadas de ideologias políticas já consagradas, como, por exemplo, o liberalismo e o socialismo marxiano (Heywood, 2010; Pinto, 2010). No entanto, o movimento feminista, mesmo heterogêneo e plural, fortaleceu-se a ponto de deixar de ser considerado um subgrupo derivado de outras ideologias (Gurgel, 2010; Heywood, 2010; Krolokke & Sorensen, 2005; Pinto, 2010).

Um dos poucos trabalhos que têm se proposto a discutir as relações entre análise do comportamento e feminismo é o de Maria Ruiz (1995, 1998, 2003, 2009). Segundo a autora, o impacto das teorias feministas nas disciplinas científicas criou um contexto propício para que fosse discutido como a condição feminina tem sido tratada pelas teorias psicológicas tradicionais, evidenciando suas limitações. O comportamentalismo radical, filosofia da análise do comportamento, foi uma das teorias criticadas pelas feministas (Ruiz, 1995).

De acordo com Ruiz (1995), eventuais afinidades entre feminismo e análise do comportamento não foram exploradas devido à crença, por parte das feministas, de que, para os comportamentalistas, os indivíduos seriam considerados passivos e "reféns" do ambiente, uma concepção denominada tradicionalmente de "ambientalismo" (Lopes, Laurenti, & Abib, 2012, p. 97; Skinner, 1969, pp. 3-7). Desse ponto de vista, as mulheres permaneceriam subjugadas a um ambiente caracterizado por práticas culturais masculinas opressoras. Essa concepção, ao lado de noções como a de que o comportamentalismo é genericamente mecanicista e reducionista tornariam comportamentalismo e feminismo teorias inconciliáveis (Ruiz, 1995).

Entretanto, como afirma Ruiz (1995), essas críticas costumam derivar de uma visão monolítica da história do comportamentalismo, que sobrepõe, de maneira equivocada, a teoria de Watson à de Skinner. Tal justaposição, como mostra Ruiz (1995), seria responsável pela fusão dos compromissos filosóficos de ambas as teorias. De acordo com a autora, Skinner, diferentemente de Watson, defenderia uma epistemologia contextualista, e não mecanicista e reducionista. Com base nessa perspectiva contextualista, a relação de interdependência entre o indivíduo e o seu contexto seria a chave não só para entender as ações humanas, como também para transformar as práticas sociais fomentadas por tais ações (Ruiz, 1995). A autora argumenta que a interpretação contextualista do comportamentalismo radical seria compatível com algumas suposições da epistemologia feminista, como, por exemplo, as críticas à dicotomia sujeito-objeto e à produção de conhecimento descontextualizada1.

Apesar de sua importância para ambas as áreas, a discussão das relações entre análise do comportamento e feminismo é uma tarefa complexa. Um dos motivos, como já foi assinalado, é que há uma diversidade de teorias feministas, a ponto de alguns trabalhos proporem o termo feminismos para dar relevo a essa pluralidade (Krolokke & Sorensen, 2005). Por outro lado, há também diversidade na própria análise do comportamento – uma multiplicidade que se evidencia não apenas nas diferentes práticas de pesquisa (Tourinho, 2011), mas também nos distintos compromissos filosóficos que podem balizá-las (Laurenti, 2012; Micheletto, 1997).

Tendo em vista esse panorama, este trabalho será orientado pela análise dos textos de Simone de Beauvoir (1908-1986) e de B. F. Skinner (1904-1990), considerados precursores do feminismo e da análise do comportamento, respectivamente. Do lado do feminismo, a obra filosófica O Segundo Sexo, publicada em duas partes (Beauvoir, 1949/1970, 1949/1980), será alvo de exame. Embora tenha recebido críticas, e alguns de seus argumentos tenham sido ampliados (e.g. Butler, 1990/1999, pp. 141-143, 162), Beauvoir sistematizou teses que se tornaram parte das primeiras teorias feministas, o que justifica as ressonâncias contemporâneas de sua obra (Del Priore, 2011; Heywood, 2010).

Um exemplo são suas discussões acerca da diferença entre sexo e gênero, usualmente amparadas por debates sobre a natureza e a criação: o sexo seria biológico (definido pelas diferenças bio-fisio-anatômicas entre machos e fêmeas), enquanto o gênero seria socialmente construído (caracterizado pelos papéis designados aos homens e às mulheres, como estereótipos de masculinidade e de feminilidade). Essa forma de diferenciar sexo de gênero, proposta por Beauvoir, foi, mais tarde, adotada e desenvolvida pelas feministas radicais2 (Heywood, 2010; Krolokke & Sorensen, 2005).

De acordo com Heywood (2010), as diferenças entre sexo e gênero são ignoradas pelo patriarcado3, que naturaliza4 as funções sociais das mulheres. Assim, ao se pronunciar sobre essas questões, Beauvoir (1949/1970, 1949/1980) defende a tese de que o sexo dos indivíduos influencia pouco nas distinções de gênero, desnaturalizando o papel social da mulher (Gurgel, 2010; Heywood, 2010; Viana, 2013). Com isso, a autora ressalta a possibilidade de mudança social, na medida em que as identidades sociais das mulheres podem ser reconstruídas ou mesmo abandonadas para ceder espaço a outras (Alós, 2011; Mallot, 1996; Ruiz, 1995; Viana, 2013).

No que diz respeito à análise do comportamento, a discussão será feita com base nos textos de Skinner. Embora a análise do comportamento não se restrinja a esse autor, o exame de textos skinnerianos tem constituído uma estratégia prolífica para elucidar questões teóricas do comportamentalismo radical e mesmo para aferir os avanços da área. No caso deste trabalho, a discussão com o feminismo será pautada pelo modelo de seleção por consequências – um ponto pouco discutido em propostas de aproximação entre análise do comportamento e feminismo (cf. Ruiz, 1995, 1998, 2003, 2009).

Ainda que não se possa negligenciar que Skinner, "mesmo visionário, . . . foi o produto de seu tempo e como tal reflete um ponto de vista androcêntrico euro-americano" (Wolpert, 2005, p. 186), alguns pressupostos do comportamentalismo radical, principalmente aqueles presentes no modelo de seleção pelas consequências, respaldam uma visão antiessencialista e multidimensional de ser humano – já que, nesse modelo, o indivíduo é entendido como o produto integrado de temporalidades históricas distintas (filogênese, ontogênese e cultura) (Skinner, 1981). Presume-se que essa concepção de ser humano é capaz de aproximar o comportamentalismo radical de algumas questões centrais do feminismo.

Com base nessas discussões, este artigo tem como objetivo destacar alguns aspectos do modelo de seleção pelas consequências que parecem consistentes com a distinção entre sexo e gênero, proposta por Beauvoir (1949/1970, 1949/1980). Com isso, espera-se ampliar o debate entre análise do comportamento e feminismo, indicando itinerários alternativos para aproximar a teoria analítico-comportamental de questões sociais contemporâneas.

 

Seleção pelas consequências e antiessencialismo

O antiessencialismo é um dos principais pressupostos do comportamentalismo radical (Donahoe, 2014; Lopes, Laurenti, & Abib, 2012; Skinner, 1981, 1989). Para Skinner (1981), afastar a mente e quaisquer outras essências da explicação do comportamento "é simplesmente reconhecer o caráter dispensável das essências" (p. 503).

O termo essência, embora possa ser entendido de diferentes maneiras (e.g. Ferrater Mora, 1994/2005, pp. 896-902), remete, neste texto, à noção platônica de modelos ou realidades verdadeiras. Nessa acepção, essência contrasta com aparência: a primeira é regular, necessária, imutável, sendo, portanto, capaz de fundamentar o conhecimento verdadeiro; a segunda é irregular, contingente e mutável e, por isso, está atrelada à falsidade. O antiessencialismo critica a ideia de que a realidade é constituída por essências, por modelos ou tipos imutáveis e necessários. A realidade seria mutável, contingente e, por conseguinte, passível de transformação.

Há diferentes expressões do antiessencialismo no comportamentalismo radical. A primeira delas remonta à própria definição skinneriana de comportamento. Skinner (1953) destacou que o comportamento não é uma coisa, mas um processo "mutável, fluido e evanescente" (p. 15). A natureza processual e temporal do comportamento vai na contramão da noção de imutabilidade, típica das essências platônicas. Outro conceito que também dá suporte a essa leitura é o de contingências (Skinner, 1969). A noção filosófica de contingência é antitética à de necessidade – termo usualmente adotado pelo pensamento essencialista (Lopes & Laurenti, 2014). Nesse viés filosófico, afirmar que a ocorrência de algo é contingente implica assumir a possibilidade de que ele poderia acontecer de outro modo. Por outro lado, dizer que a ocorrência de um evento é necessária seria admitir que ele não poderia ter acontecido de outra maneira.

Esse sentido filosófico parece ser consistente com a descrição de Skinner (1969), na medida em que o conceito de contingência especifica, segundo ele, inter-relações probabilísticas entre situação antecedente, ações e consequências. A situação antecedente e as consequências não estabelecem apenas um único itinerário para a ocorrência de um dado tipo de ação operante. Elas são compatíveis com outras possibilidades de ocorrência, já que constituem, no máximo, probabilidades (operantes): "Um operante é uma classe de respostas, não uma instância, mas é também uma probabilidade" (Skinner, 1989, p. 36). Com o conceito de contingência, o comportamentalismo radical afasta-se de uma explicação do comportamento em termos de relações de necessidade para assumir uma visão probabilística das relações comportamentais (Skinner, 1969, 1974, 1981, 1989).

O reconhecimento do caráter prescindível das essências no comportamentalismo radical parece ser proveniente da filosofia darwinista (Laurenti, 2009; Micheletto, 1997). Em sua teoria da origem de novas espécies, Darwin alicerça sua proposta evolutiva em uma crítica à noção de espécie entendida como um tipo platônico ideal e imutável, com base na qual qualquer variação desse tipo ideal era considerada "inessencial ou acidental" (Mayr, 2004/2005, p. 42). Destoando do pensamento tipológico, Darwin considera a variação entre os organismos a "base material da qual depende a mudança evolucionária" (Lewontin, 1998/2000, p. 8). Nessa perspectiva, a produção de variação e a seleção passariam a explicar a origem e a evolução das espécies.

Skinner (1981) nomeia genericamente seu modelo explicativo de "seleção pelas consequências", aludindo à interpretação darwinista de seleção de variações. Em conformidade com a teoria darwiniana da origem de novas espécies, novos comportamentos surgem no repertório de um indivíduo por meio da seleção (pelas consequências) de variações (Skinner, 1981). De acordo com Skinner (1981), as variações no comportamento não são reguladas por um princípio divino ou mental, que garantiria uma adaptação perfeita dos indivíduos às contingências vigentes. Assim, o conceito de variação sugere que o comportamento não é uma unidade absoluta, mas um processo que está sujeito "a mudanças de direção, a interrupções, a desvios" (Lopes & Laurenti, 2014, p. 95).

Considerando esses aspectos, o modelo de seleção pelas consequências parece ser o epítome do antiessencialismo no comportamentalismo radical. Nesse modelo, Skinner (1981) não recorre ao pensamento essencialista para explicar as diferenças entre espécies (uma essência vital), indivíduos (uma essência ou princípio mental), ou culturas (uma mente grupal ou Zeitgeist). A explicação dessas diferenças reside nas diferentes contingências, filogenéticas, ontogenéticas e culturais, respectivamente. Uma vez que contingências são relações condicionais probabilísticas que ocorrem no tempo, cada contingência constituiria uma história de variação e de seleção: a história da espécie, a história do indivíduo e a história da cultura.

Aplicar o pensamento antiessencialista de Skinner à discussão da mulher e pensá-la por meio de processos de variação e de seleção seria excluir a ideia de uma essência feminina e advogar que a noção de feminino seria histórica e contingente. Beauvoir (1949/1970), logo no prólogo de sua obra O Segundo Sexo: Fatos e Mitos, já encaminha uma discussão que obsta à existência de uma essência feminina, comum a todas as mulheres ou a certos padrões de feminilidade:

Mas antes de mais nada: que é a mulher? "Tota mulier in utero5: é uma matriz", diz alguém. Entretanto, falando de certas mulheres, os conhecedores declaram: "Não são mulheres", embora tenham um útero como as outras. Todo mundo concorda que há fêmeas na espécie humana, . . . e contudo dizem-nos que a feminilidade "corre perigo"; e exortam-nos: "Sejam mulheres, permaneçam mulheres, tornem-se mulheres". Todo ser humano do sexo feminino não é, portanto, necessariamente mulher; cumpre-lhe participar dessa realidade misteriosa e ameaçada que é a feminilidade. Será esta secretada pelos ovários? Ou estará congelada no fundo de um céu platônico? E bastará uma saia ruge-ruge para fazer descê-la à terra? Embora certas mulheres se esforcem por encarná-lo, o modelo nunca foi registrado. (Beauvoir, 1949/1970, p. 7)

Conforme Beauvoir (1949/1970), não parece haver um modelo ou tipo ideal capaz de definir o que seja mulher; em outras palavras, não há uma essência feminina. A ideia de essência feminina conferiria um caráter universal e a-histórico à condição feminina, naturalizando as diferenças entre homens e mulheres, com base nas quais são justificadas as desigualdades entre eles ao longo da história.

Da mesma forma que Skinner (1981) não explica a singularidade do indivíduo em termos de uma essência (como a mente), Beauvoir (1949/1970) não recorre a uma essência feminina para esclarecer a especificidade da mulher. O antiessencialismo presente no modelo de seleção pelas consequências parece ser, então, consistente com a discussão não essencialista do feminino em Beauvoir.

 

Seleção pelas consequências e multidimensionalidade do ser humano

No que diz respeito ao comportamento humano, o processo de seleção pelas consequências é complexo, pois envolve diferentes consequências que operam em três níveis históricos, com produtos distintos e inter-relacionados (Andery, 1997; Skinner, 1981).

O primeiro nível de seleção pelas consequências, a filogênese, é o campo da seleção natural das espécies (Skinner, 1981). Nesse nível, a consequência seletiva é a sobrevivência de organismos que possuem um certo fenótipo (estruturas anatomofisiológicas, susceptibilidades, e comportamentos típicos da espécie), que foi selecionado por contingências de sobrevivência (Skinner, 1981, 1989).

O segundo nível seletivo é a ontogênese, que pode ser entendida como a história comportamental de cada indivíduo, constituída a partir do condicionamento operante (Skinner, 1981). Na ontogênese, a consequência seletiva é reforçadora, que age aumentando a probabilidade de ações relacionadas com a produção (reforçamento positivo) ou com a eliminação (reforçamento negativo) de certos eventos. A seleção de operantes é responsável pela construção de um repertório comportamental, que pode ser definido como um conjunto de tendências de ação constituídas por uma história ontogenética de reforçamento (e. g. Skinner, 1974, pp. 138, 159, 167, 1981).

O terceiro nível do modelo explicativo de Skinner é o cultural. Esse é o nível das contingências especiais de reforçamento social mantidas por um grupo (Andery, 1997; Skinner, 1981). No nível cultural opera-se a seleção de práticas culturais. A consequência seletiva é a sobrevivência da cultura, por meio da manutenção de práticas em um grupo social. Essas práticas são mantidas, pois, na história de um grupo, contribuíram para a resolução de seus problemas (Skinner, 1981).

Ao propor que o comportamento humano é produto dessas três histórias, Skinner (1981) sinaliza que a complexidade humana só pode ser compreendida em termos de cada um desses níveis e da inter-relação entre eles (Skinner, 1981, 1989). Beauvoir (1949/1970) entende que a mulher é produto de construções análogas – ou, ao menos, bastante próximas – às três histórias de variação e de seleção do modelo explicativo de Skinner (filogenética, ontogenética e cultural). Para tornar mais evidente esse ponto, serão apresentadas diferentes dimensões do ser humano na perspectiva do modelo de seleção pelas consequências, e discutido em que medida as proposições de Beauvoir sobre sexo e gênero poderiam ser articuladas com esse modelo.

De acordo com Skinner (1989), cada um dos níveis históricos do modelo de seleção pelas consequências constitui uma dimensão regular, mas não essencial, que integra o ser humano. Segundo o autor, "os termos que utilizamos para designar o comportamento individual dependem do tipo de seleção. A seleção natural nos dá o organismo, o condicionamento operante nos dá a pessoa . . . e a evolução da cultura nos dá o self" (Skinner, 1989, p. 28).

Conforme Skinner (1981, 1989), um organismo pode ser inicialmente definido por sua estrutura anatomofisiológica. Todavia, essa definição precisa levar em conta que esse organismo é um produto contingente de uma história de variação e de seleção. Desse modo, uma dada estrutura manteve-se na história da espécie, pois contribuiu com a sobrevivência dos membros dessa espécie em determinadas condições de vida. Além disso, restringir a noção de organismo a uma estrutura bioquímica não parece esgotar essa dimensão do ser humano, pois "o organismo é mais que um corpo, é um corpo que faz coisas" (Skinner, 1989, p. 28). Isso significa que, em uma concepção comportamentalista radical, o organismo não se reduz a um conjunto de células, tecidos e órgãos. O organismo é também um repertório de comportamentos selecionados no nível filogenético, como os reflexos incondicionados e os instintos (ou comportamentos liberados) (Skinner, 1981, 1989). Nesse sentido, o organismo pode ser considerado uma estrutura bioquímica ativa (Lopes & Laurenti, 2014).

Este organismo, produto da seleçãção natural, torna o ser humano u'nico em relaçãção aos outros animais não-humanos, mas também em relaçãção aos outros humanos, pois nenhum organismo humano é idêntico a outro: "sua [a do indivíduo] individualidade é inquestionável. Cada célula em seu corpo é um produto genético único, tão único quanto à clássica marca da individualidade, a impressão digital" (Skinner, 1971, p. 209). Diferentemente do que a palavra possa sugerir, humano não é, portanto, uma configuraçãção orgânica unitária, mas uma diversidade de configuraçõ es anatomofisiolo'gicas combinadas com tendências comportamentais selecionadas filogeneticamente.

Aquilo que torna o ser humano único incide, em um primeiro momento, nessa dimensão orgânica. Contudo, para Skinner (1974, 1989) essa dimensão não esgota a noção de ser humano. Na história filogenética, a evolução do condicionamento operante foi possivelmente acompanhada pela evolução de uma susceptibilidade ao reforçamento, o que permitiu a constituição de um repertório comportamental ontogenético, denominado por Skinner (1974, 1989) de pessoa. Nas palavras do autor: "a pessoa é um organismo, um membro da espécie humana, que adquiriu um repertório de comportamento" (Skinner, 1974, p. 184). Assim, "a figura que emerge de uma análise científica não é a de um corpo com uma pessoa dentro, mas a de um corpo que é uma pessoa, no sentido de que exibe um complexo repertório de comportamento" (Skinner, 1971, p. 199). Cada pessoa seria única no sentido de que nenhum indivíduo possui uma história pessoal idêntica à de outro e, desse modo, nenhum indivíduo irá se comportar da mesma maneira que outro (Skinner, 1974).

A constituição da dimensão pessoal do ser humano depende da estabilidade das contingências ontogenéticas naturais, como o corpo (e.g. Skinner, 1971, pp. 198-199), e, principalmente, da estabilidade de contingências sociais (e.g. Skinner, 1974, pp. 163-170). A dependência do padrão comportamental da estabilidade de contingências ontogenéticas, notadamente sociais, pode sugerir que exista uma relação de correspondência entre a constituição da pessoa e o reconhecimento social da pessoa. Segundo Lopes e Laurenti (2014), se por um lado a diferenciação de um organismo individual como pessoa está sujeita à constituição de padrões de ação regulares em seu fluxo comportamental, em contrapartida, "boa parte das contingências responsáveis pelo comportamento individual é de natureza social, organizada e mantida por um grupo social" (p. 116). A dimensão pessoal do ser humano é constituída, portanto, no contexto de uma cultura. (Contudo, vale destacar, que "mesmo na cultura mais arregimentada cada história pessoal é única. Nenhuma cultura intencional pode destruir essa unicidade" (Skinner, 1971, p. 209).)

No que diz respeito ao reconhecimento social da pessoa, Lopes (2006) afirma que ela é considerada pelos outros como sendo a mesma, sem que, muitas vezes, ela perceba essa identidade atribuída a ela. Sobre esse ponto, Skinner (e. g. 1974, pp. 163-170) parece defender que o repertório ontogenético é, ao menos a princípio, inconsciente. Todavia, esse sentido não pressupõe a noção de um agente ou de uma mente inconsciente, mas se refere ao fato de que nem sempre o indivíduo observa o que faz ou por que o faz. Para Skinner (1974), seria preciso a aquisição de um repertório verbal específico para "induzir uma pessoa responder ao seu próprio corpo enquanto ele está se comportando" (p. 169). A distinção entre comportamentos "inconscientes" e "conscientes" anuncia a diferenciação entre a pessoa e o self.

Segundo Skinner (1989), o self surge no contexto de uma comunidade verbal, que organiza e mantém contingências especiais que reforçam o comportamento dos indivíduos de falar sobre si mesmos. Desse modo, "sem a ajuda de uma comunidade verbal todo comportamento seria inconsciente. Consciência é um produto social" (Skinner, 1971, p. 192). O self remete, portanto, a uma consciência reflexiva que emerge em situações sociais, nas quais são lançadas questões que ajudam os indivíduos a ficar sob controle de suas próprias ações e das condições corporais que as acompanham (sentimentos) (e. g. Skinner, 1971, pp. 191-192); o self, como afirma Skinner (1989), "é como uma pessoa se sente" (p. 28). Nessas contingências verbais, o indivíduo tende a ficar sob o controle de outros aspectos de sua relação com ambiente, descrevendo-os verbalmente e identificando-se com eles (Skinner, 1974).

Para Skinner (1989), a descrição autobiográfica está sob controle de variáveis históricas, sociais e culturais. Isso faz do self uma narrativa construída reflexivamente (Lopes & Laurenti, 2014; Skinner, 1971, pp. 191-192). Desconsiderar a natureza social e histórica do self contribui para adotá-lo como ponto de partida da explicação do comportamento, ou seja, como um eu iniciador (e. g. Skinner, 1989, p. 27). Contudo, dizer que a gênese do eu é uma construção social não significa, necessariamente, que ele é um reflexo do que os outros dizem sobre o indivíduo, pois diferentes contingências podem participar da dimensão pessoal e do self e elas podem ou não coincidir (Lopes & Laurenti, 2014; Skinner, 1971, p. 199). Além disso, a coerência da autobiografia também depende da coerência entre contingências passadas e presentes. Mas como essa coerência raramente ocorre, a narrativa em primeira pessoa tende a ser conflituosa. Em suma, o discurso em primeira pessoa não deve ser unificado (Lopes & Laurenti, 2014; Skinner, 1974).

O modelo de seleção pelas consequências estabelece, então, uma concepção multidimensional de ser humano. As três histórias de variação e de seleção constituem, respectivamente, a dimensão orgânica (organismo), pessoal (pessoa) e reflexiva (self). Examinar essas dimensões separadamente não parece fazer justiça à complexidade humana. Além disso, explicar o comportamento humano considerando essa multidimensionalidade vai na contramão de explicações reducionistas do comportamento. Skinner (1981) chama a atenção para o fato de que o produto comportamental de cada um dos níveis pode ser semelhante em termos de estrutura ou topografia. Por isso, é preciso ter cuidado para não explicar operantes, sobretudo aqueles culturalmente ensinados, em termos exclusivamente filogenéticos:

A força causal atribuída à estrutura, enquanto substituta da seleção, ocasiona problemas quando quando uma característica em um dos níveis explica uma característica similar em outro, a prioridade histórica da seleção natural conferindo-lhe comumente um lugar especial. . . . As contingências de seleção nos três níveis são muito diferentes, e a similaridade estrutural não confirma um princípio gerador comum. (Skinner, 1981, p. 503)

O caráter multidimensional do ser humano e o viés não reducionista do modelo de seleção pelas consequências ajudam a esclarecer, em termos comportamentalistas, algumas noções e pressupostos das teorias feministas. Por exemplo, é no contexto da dimensão pessoal do ser humano que a noção de gênero poderia ser esclarecida de um ponto de vista analítico-comportamental. O termo gênero é usado para se referir à diferenciação social e cultural entre homens e mulheres (Heywood, 2010). Em termos comportamentalistas, pode-se dizer que a palavra gênero designa a pessoa, isto é, padrões de comportamento ontogenéticos, considerados típicos de mulheres e de homens no contexto de uma dada cultura.

Já a noção de self elucida a noção de identidade de gênero, isto é, o modo como o indivíduo se comporta, pensa e sente em relação ao seu próprio gênero. Vale notar que tal esclarecimento não é respaldado pela noção de agente iniciador, mas pelas contingências de reforçamento sociais de uma dada comunidade verbal.

Assim, se gênero e identidade de gênero remetem às inter-relações entre contingências ontogenéticas e culturais tais noções devem ser esclarecidas no âmbito desses níveis. O viés não reducionista do modelo skinneriano sugere, então, que a dimensão orgânica, mesmo participando da constituição do humano não o determina absolutamente. A dimensão orgânica só vai ganhar sentido a partir de uma história ontogenética que está contextualizada em uma cultura – ambas sujeitas às contingências atuais para a manutenção, ou não, de operantes (Skinner, 1981, 1989). Os padrões de comportamento definidos como homem e mulher não seriam, portanto, esclarecidos pela filogênese, mas pela ontogênese e pela cultura.

Embora a terminologia utilizada por Beauvoir seja diferente da de Skinner, poder-se-ia afirmar que ambos propõem uma concepção de ser humano definida em termos biológicos, psicológicos e sociais, isto é, produto de três níveis históricos.

 

Beauvoir e a multidimensionalidade da mulher

Para Beauvoir (1949/1970), a presença no mundo requer um corpo, e, portanto, a mulher exibe um corpo. Porém, esse corpo é insuficiente para definir a mulher e, principalmente, para justificar a posição que ela ocupa em contextos sociais. Assim, a dimensão biológica da mulher precisa ser esclarecida na relação com sua história de vida e com a cultura na qual está inserida.

É, portanto, à luz de um contexto ontológico, social e psicológico que temos de esclarecer os dados da biologia. A sujeição da mulher à espécie, os limites de suas capacidades individuais são fatos de extrema importância; o corpo da mulher é um dos elementos essenciais da situação que ela ocupa nesse mundo. Mas não é ele tampouco que basta para a definir. Ele só tem realidade vivida enquanto assumido pela consciência através das ações e no seio de uma sociedade; a biologia não basta para fornecer uma resposta à pergunta que nos preocupa: por que a mulher é o Outro? Trata-se de saber como a natureza foi nela revista através da história; trata-se de saber o que a humanidade fez da Fêmea humana. (Beauvoir, 1949/1970, p. 57)

Beauvoir (1949/1970) argumenta que o esclarecimento dos dados da biologia, mediante o exame minucioso das configurações anatomofisiológicas, fornecem elementos para definir como seriam as fêmeas, e não as mulheres. Mas, mesmo essa investigação, não seria capaz de dar uma definição universal de fêmea, pois não encontra critérios definitivos para defini-la, como: a função da reprodução (e.g. Beauvoir, 1949/1970, pp. 26-27, 39-43) e a presença de gônadas ou de gametas (e.g. Beauvoir, 1949/1970, pp. 27, 30-37).

Segundo a autora, "a separação dos indivíduos em machos e fêmeas surge, pois, como um fato irredutível e contingente" (Beauvoir, 1949/1970, p. 27). Desse modo, a fêmea, ao lado do macho e de outras configurações anatomofisiológicas, é produto, à semelhança de Skinner, de uma história evolutiva que é contextual e contingente. Macho e fêmea não são categorias primordiais ou tipos ideais, das quais as demais são acidentais.

A despeito das dificuldades de reconhecer biologicamente machos e fêmeas, para Beauvoir (1949/1970) o sexo é biológico. Entretanto, é somente a partir de uma perspectiva humana que se pode comparar machos e fêmeas da espécie humana, pois, como todo conceito, macho e fêmea são noções criadas pela cultura. A estrutura anatomofisiológica é um dos componentes que permite definir os indivíduos. Porém, é insuficiente, pois, um dado fisiológico só adquire um significado em relação a um contexto. Desse modo, os comportamentos da mulher não são determinados, por exemplo, "pelos seus hormônios nem prefigurados nos compartimentos de seu cérebro" (Beauvoir, 1949/1980, p. 363), eles são definidos pela situação da mulher no mundo (Beauvoir, 1949/1980).

Seguindo essa argumentação, Beauvoir (1949/1980) discute, ao longo de sua obra, diferentes estereótipos de mulher e de feminino. Mas, como a própria autora afirma, o uso dos termos mulher e feminino não remonta a arquétipos ou essências imutáveis, mas ao estado da educação e dos costumes (Beauvoir, 1949/1980). Os estereótipos discutidos por Beauvoir (1949/1980) não pretendem enunciar verdades absolutas, mas descrever "o fundo comum sobre o qual se desenvolve toda a existência feminina singular" (Beauvoir, 1949/1980, p. 7). Segundo a filósofa, essa existência abarca a criança, a lésbica, a mãe, a mulher casada, a prostituta e também a mulher na velhice. Eis um exemplo de um desses estereótipos:

De bom grado imaginamos a lésbica com um chapéu de feltro ríspido, de cabelos curtos e gravata; sua virilidade seria uma anomalia traduzindo um desequilíbrio hormonal. Nada mais errôneo que essa confusão entre a invertida6 e a virago7. Há muitas homossexuais entre as odaliscas, cortesãs, entre as mulheres mais deliberadamente "femininas"; inversamente, numerosas mulheres "masculinas" são heterossexuais. Sexólogos e psiquiatras confirmam o que sugere a observação corrente: em sua imensa maioria, as mulheres "danadas" são constituídas exatamente como outras mulheres. (Beauvoir, 1949/1980, p. 144)

A história de cada indivíduo e os estereótipos femininos (gênero), reconhecidos socialmente e corroborados tanto pelo modelo familiar dominante quanto por outras instituições, contribuem para a construção da mulher (Beauvoir, 1949/1970, 1949/1980). Mas aquilo que os outros dizem sobre a mulher "feminina", "submissa", "lésbica", "vulgar", "masculina" não é suficiente para defini-la, pois, as regularidades observadas e utilizadas para caracterizá-la não necessariamente descrevem o que a mulher sente e percebe sobre ela (identidade de gênero).

Desse modo, da mesma forma que não é possível reduzir a mulher à fêmea, também não se pode defini-la pela consciência que os outros têm de sua feminilidade. É preciso considerar a consciência de si. Para Beauvoir (1949/1970), a consciência que a mulher tem de si não pode ser definida apenas em relação à sua sexualidade (seu organismo), pois aquilo que a mulher sente e percebe sobre ela depende, entre outros fatores, da organização da sociedade, cuja estrutura econômica e social é imprescindível conhecer (Beauvoir, 1949/1970). Para a filósofa, aquilo que a mulher sente e percebe sobre seu próprio corpo só ganha vida em relação ao mundo: a mulher forja a si própria nas suas relações com o mundo, pois sentimentos e afetos estão envolvidos nesse processo (Beauvoir, 1949/1970). E é à medida que ela age no mundo que ela se torna singular.

À semelhança de Skinner, Beauvoir (1949/1970) não considera a consciência de si como sendo uma entidade autônoma, independente do mundo. A consciência que a mulher adquire de si decorre de uma situação que depende de sua relação com os outros. Nesse sentido, como a relação da mulher com outros indivíduos é variável, o modo como ela se comporta, pensa e sente em relação ao seu próprio gênero também não representam um destino imutável para ela. Segundo Beauvoir (1949/1980, p. 9):

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode construir um indivíduo como o Outro.

Beauvoir (1949/1970, 1949/1980) afirma que a humanidade não é somente uma espécie, mas é o significado que a espécie assume em certos contextos. Tanto o corpo quanto as ações só adquirem um significado feminino em relação ao mundo – um mundo que é constituído por padrões sociais que muitas vezes impõem o que é ser mulher. Dessa forma, a divisão e a desigualdade entre homens e mulheres em um contexto social não encontram fundamento em um substrato biológico.

Se a mulher é considerada, por exemplo, intelectualmente inferior ao homem, se a ela é reservada a esfera privada e não a pública, se é identificada por aspectos como fragilidade e passividade, se, do ponto de vista ontológico ela é, como diz Beauvoir (Beauvoir, 1949/1980), "o Outro" (p. 10), tais características não são respaldas por variáveis biológicas, mas pela situação da mulher no mundo – uma situação marcada por práticas culturais (educação, costumes) opressoras que precisam ser explicitadas de modo que outras possibilidades de ser mulher sejam constituídas (Beauvoir, 1949/1980).

Separar sexo de gênero contribuiu, então, para mostrar que práticas culturais que favorecem os homens em detrimento das mulheres estavam sendo justificadas por concepções que reduziam, equivocadamente, questões sociais, como o lugar da mulher na sociedade e os estereótipos de feminilidade (gênero), a aspectos biológicos (sexo). Com esse esclarecimento torna-se possível vislumbrar formas mais igualitárias de relações entre homens e mulheres.

O caráter multidimensional e não reducionista do modelo de seleção pelas consequências parece ser consistente com esse encaminhamento político. Mesmo que Skinner (1989) tenha explicado a constituição das diferentes dimensões humanas (orgânica, pessoal e reflexiva) sem recorrer à noção de um agente iniciador, mas aludindo ao ambiente, isso não implica em ambientalismo. De acordo com Skinner (1978), para resolver os problemas sociais, "precisamos mudar nosso comportamento e podemos fazer isso apenas mudando nossos ambientes físico e social. Escolhemos o caminho errado, logo no início, quando supomos que nosso objetivo é mudar 'mentes e corações de homens e mulheres' ao invés do mundo no qual eles vivem" (p. 112). Quando o indivíduo abandona explicações internalistas, e olha para o ambiente identificando os tipos opressores de controle que perpassam as relações humanas torna-se, então, possível exercer o contracontrole. Por conseguinte, uma explicação do ser humano em termos de suas relações com o ambiente, longe de subscrever uma relação na qual o indivíduo seria um produto passivo desse ambiente, não é inconsistente com a visão de um indivíduo ativo, que age na contramão de controles opressores (contracontrole).

Aplicando essa discussão à condição feminina, ainda que as dimensões pessoal (gênero) e reflexiva (identidade de gênero) da mulher sejam constituídas na relação com ambiente social, isso não significa necessariamente que a mulher esteja subjugada a esse ambiente. É possível que a mulher, uma vez identificando formas opressoras de controle social, exerça o contracontrole, contribuindo para um equilíbrio na distribuição de reforçadores sociais para homens e mulheres.

 

Como é a mulher?

Skinner (1989) enfrenta o desafio de explicar a singularidade do ser humano sem recorrer à ideia de essência ou natureza humana. Tal singularidade é esclarecida por diferentes histórias (filogenética, ontogenética e cultural), que obrigam a um recurso constante a diferentes contextos para esclarecer a condição humana. O desafio de Beauvoir (1949/1970, 1949/1980) também é esclarecer a condição feminina sem recorrer ao pensamento essencialista, pois negar a existência de uma essência feminina não é o mesmo que negar que existam mulheres. Beauvoir (1949/1970) explicita o ponto: "se a função de fêmea não basta para definir a mulher, se nos recusamos também explicá-la pelo 'eterno feminino' e se, no entanto, admitimos, ainda que provisoriamente, que há mulheres na terra, teremos que formular a pergunta: que é uma mulher?" (p. 9). Beauvoir alude a outras variáveis, além da biológica, para entender a mulher, principalmente a práticas sociais responsáveis pela suposta condição de inferioridade da mulher em relação ao homem. Assim, entender a condição feminina é uma tarefa que requer uma explicação contextual.

A tentativa de Beauvoir (1949/1970, 1949/1980) de apagar os vestígios do pensamento essencialista, bem como a crítica de Skinner (1981) a esse modelo explicativo sugerem que perguntas essencialistas, como, por exemplo, "o que é a mulher", deveriam ser sistematicamente recusadas. A visão de ser humano que Skinner parece defender permite perguntar "como é a mulher?", o que dá relevo a uma perspectiva contextual, abandonando-se a ideia de que possa existir um modelo unificado, universal de mulher. Conforme Beauvoir (1949/1970):

O fato é que a mulher se veria bastante embaraçada em decidir quem ela é; a pergunta não comporta resposta; mas não porque a verdade recôndita seja demasiado móvel para se deixar aprisionar; é porque nesse terreno não há verdade. Um existente não é senão o que faz; o possível não supera o real, a essência não precede a existência: em sua pura subjetividade o ser humano não é nada. (p. 303)

Nas relações entre as diferentes dimensões do ser humano, surgem diferentes possibilidades de ser mulher. Por exemplo, se um organismo é dito feminino, se os outros dizem que essa estrutura biológica é feminina, e se esse indivíduo se sente, de fato, uma mulher, tem-se uma possibilidade de mulher. Porém, se um indivíduo é um organismo que não é estrutural e funcionalmente feminino, mas o que outros dizem sobre seu corpo e seus comportamentos sustentam que esse indivíduo é mulher e ele se sente mulher, mais uma configuração de mulher é vislumbrada. Se um indivíduo é um organismo que não estrutural e funcionalmente é feminino e aquilo que os outros dizem sobre esse indivíduo reitera que ele não é uma mulher, mas esse indivíduo se sente mulher, tem-se mais uma possibilidade de ser mulher. E assim por diante.

Essas diferentes possibilidades de ser mulher enfatizam a pluralidade da condição feminina. Assimilando as afinidades filosóficas do comportamentalismo skinneriano com o pluralismo pragmatista (cf. Lopes, Laurenti, & Abib, 2012, pp. 63-83), pode-se dizer, então, que a condição feminina é plural. Existem, portanto, diferentes modos de vida femininos, diferentes formas de relação com o mundo – notadamente com o mundo social –, que constituem maneiras distintas de agir, perceber-se e sentir-se mulher. É no âmbito da crítica skinneriana ao essencialismo e ao pensamento tipológico, bem como no tratamento da variação como aspecto inalienável na explicação do comportamento, que essas diferentes maneiras de "ser" mulher são consideradas legítimas, e não acidentes de uma suposta essência feminina – o que vai na contramão de práticas culturais consistentes com apenas uma possibilidade de ser mulher.

 

Considerações finais

Embora alguns trabalhos já tivessem se empenhado na discussão de afinidades entre análise do comportamento e feminismo (Ruiz, 1995, 1998, 2003, 2009), ou mesmo tangenciado outras questões relacionadas à mulher (McSweeney, Donahoe, & Swindell, 2000; McSweeney & Parks, 2002; McSweeney & Swindell, 1998; Myers, 1993), eles não aludiram ao modelo de seleção pelas consequências e às dimensões do ser humano balizadas por esse modelo. Nesse sentido, este trabalho tencionou mostrar outras possibilidades de interlocução entre a filosofia comportamentalista radical e o feminismo, sugerindo que tal interface propiciaria benefícios recíprocos.

As reflexões feministas acerca da mulher podem desafiar o comportamentalismo radical e a análise do comportamento a ampliar suas discussões sobre o comportamento humano, incorporando variáveis consideradas até então "invisíveis" em suas análises funcionais, como gênero, sexo e raça (Wolpert, 2005). Vale mencionar ainda que há uma nova geração de feministas que, além de divulgar e aprofundar as discussões teórico-metodológicas das gerações anteriores, também reflete sobre assuntos relacionados à paternidade, à violência sexual e questões diversas relacionadas à comunidade LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) (Beiras, Nuernberg, & Adrião, 2012), com destaque para a Teoria Queer (Krolloke & Sorensen, 2005). Com isso, novos desafios são colocados ao diálogo entre análise do comportamento e feminismos.

Por outro lado, as discussões da filosofia skinneriana sobre o comportamento humano, em especial sua teoria complexa do ser humano, podem potencializar as reflexões feministas sobre a condição da mulher no mundo. A questão central é que, sendo o ser humano complexo – e agir como mulher também é algo complexo –, é na intersecção do organismo, da pessoa e do self que a mulher precisa ser pensada. Não só a mulher, mas todo ser humano.

 

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Endereço para correspondência
Emanuelle Castaldelli Silva

Rua Padre Germano José Mayer, 887
CEP: 87010-280
Maringá, Paraná, Brasil
E-mail: ecastaldellisilva@gmail.com

Submetido em: 19/03/2016
Primeira decisão editorial: 03/06/2016
Aceito em: 05/06/2016
Editor Associado: Diego Zilio

 

 

1 Além dos trabalhos de Ruiz (1995), há outros que examinam o papel da mulher na produção de conhecimento científico no contexto da psicologia (psicologia do desenvolvimento, social, cognitiva e geral) (McSweeney & Parks, 2002), na análise do comportamento (Myers, 1993), e, mais especificamente, na análise experimental do comportamento (McSweeney & Swindell, 1998) e na análise do comportamento aplicada (McSweeney et al., 2000). Em linhas gerais, esses trabalhos mostram que, tanto na psicologia como na análise do comportamento em particular, a participação das mulheres aumentou na condição de autoras e primeiras autoras de artigos. No entanto, um aumento correspondente não se verifica na participação das mulheres em posições de mais prestígio no âmbito acadêmico, como na equipe editorial. Em suma, a participação das mulheres diminui com o aumento do prestígio da posição (McSweeney & Parks, 2002). Constata-se, portanto, a existência de um conjunto de práticas que impedem as mulheres de alcançar cargos de nível superior (glass ceiling), sugerindo que a desigualdade relacionada ao gênero ainda se verifica na psicologia (precisamente na psicologia desenvolvimental e social) e na análise do comportamento (McSweeney & Parks, 2002).
2 O feminismo radical merece destaque entre as teorias feministas, visto que sua ascensão foi fundamental para proclamar a importância política das divisões entre sexo e gênero, e também para abandonar a ideia de que o feminismo é um subgrupo derivado de outras ideologias (Gurgel, 2010; Heywood, 2010; Pinto, 2010). Segundo Vicent (1995), para as feministas radicais, o gênero é uma divisão social significativa no domínio político. As feministas que aderiram a essa corrente acreditam que o gênero é a divisão social mais importante na sociedade e a categoria que apresenta em seu cerne as razões mais fundamentais da opressão sexual (o termo radical, derivado de raiz, é usado para ressaltar isso) (Heywood, 2010; Vicent, 1995).
3 O patriarcado pode ser entendido como um conjunto de práticas sociais que estabelece uma relação de opressão e subordinação das mulheres em relação aos homens. No entanto, para algumas feministas o termo precisa ser substituído, pois só capta uma das formas históricas de dominação masculina, vinculada ao absolutismo, não sendo capaz de representar outros modos de opressão presentes nas sociedades democráticas: "Falar em dominação masculina, portanto, seria mais correto e alcançaria um fenômeno mais geral que o patriarcado" (Miguel & Biroli, 2014, p. 19).
4 De acordo com Ferrater Mora (1994/2001), o termo natureza pode ser considerado em diferentes acepções. Uma delas pauta-se no contraste entre "aquilo que é por natureza" e "aquilo que é por convenção", descrito pelos sofistas. A primeira definição diz respeito a um modo de ser que é próprio; a segunda diz respeito a um modo de ser estabelecido com propósitos humanos (Ferrater Mora, 1994/2001). Tendo isso em vista, neste trabalho, os termos derivados da palavra natureza farão menção a práticas culturais que tratam algumas ações, que deveriam ser esclarecidas em termos de contextos sociais, como estritamente pertencentes a certas configurações anatomofisiológicas.
5 "Toda mulher é um útero".
6 Beauvoir (1949/1970) vale-se do termo utilizado por Freud (1905/2009) para criticar a concepção de homossexualidade desse autor. Em seus ensaios sobre a sexualidade, Freud (1905/2009) apresenta os "invertidos" como indivíduos desviantes em relação ao seu objeto sexual. De acordo com Freud (1905/2009), os invertidos podem ser "absolutos" (quando o objeto sexual é exclusivamente do mesmo sexo) ou "anfígenos" (quando seu objeto sexual pertence tanto ao seu sexo quanto ao sexo oposto).
7 Mulher de trejeitos e/ou aparência masculinos.

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