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Perspectivas em análise do comportamento

On-line version ISSN 2177-3548

Perspectivas vol.8 no.2 São Paulo July/Dec. 2017

http://dx.doi.org/10.18761/PAC.2016.014 

ARTIGOS

DOI: 10.18761/PAC.2016.014

 

Levantamento sobre a utilização de jogos na Análise do Comportamento Aplicada

 

A survey on the use of games in Applied Behavior Analysis

 

Levantamiento sobre el uso de juegos dentro del Análisis Aplicado del Comportamiento

 

 

Marcos Spector Azoubel; Nicolau Kuckartz Pergher

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Os jogos têm sido defendidos como ferramenta de intervenção em diferentes contextos de aplicação. O objetivo desta pesquisa foi realizar uma caracterização das pesquisas que envolveram a utilização de jogos (games) como variável independente publicadas no Journal of Applied Behavior Analysis (JABA). Foram selecionados 17 artigos, publicados de 1968 a 2015. Os elementos manipulados mais frequentes foram as regras sobre o funcionamento do jogo, o acúmulo de pontos e as consequências grupais para respostas individuais. A maioria das pesquisas foi realizada em escolas e teve como foco comportamentos considerados inadequados. Os resultados das pesquisas sugerem ampla efetividade das características de jogos na modificação de comportamentos. Discute-se a definição de "jogo" e o caráter de inovação atribuído à chamada gamificação.

Palavras-chave: jogos, gamificação, análise do comportamento aplicada, JABA, pesquisa de revisão.


ABSTRACT

Games have been viewed as intervention instruments in different applied settings. The purpose of this study was to review research articles, published in Journal of Applied Behavior Analysis (JABA), that involved the use of games as an independent variable. Seventeen articles, published between 1968 and 2015, were selected. The most frequently manipulated elements were rules about how a game worked, the accumulation of points, and group consequences for individual responses. The majority of the studies were carried out in schools and focused on behaviors that were considered problematic. The results of these studies indicate the general effectiveness of games in behavior modification. The definition of "game" and the apparent innovation of gamification are discussed.

Keywords: games, gamification, applied behavior analysis, JABA, survey research.


RESUMEN

Los juegos han sido defendidos como una herramienta de intervención en diferentes contextos aplicados. El objetivo de este estudio fue realizar un levantamiento de las investigaciones en las que hubo uso de juegos (games) como variable independiente publicadas en el Journal of Applied Behavior Analysis (JABA). Fueron seleccionados 17 artículos, publicados entre 1968 y 2015. Los elementos manipulados con más frecuencia fueron las reglas sobre el funcionamiento del juego, la acumulación de puntos y las consecuencias grupales para las respuestas individuales. La mayoría de las investigaciones fue realizada en escuelas y tuvo como foco comportamientos considerados inadecuados. Los resultados de los estudios sugieren una amplia efectividad de las características de los juegos en la modificación de comportamientos. Es discutida la definición de ‹juego› y el carácter de innovación en la llamada gamificación.

Palabras clave: juegos, gamificación, análisis aplicado de la conducta, JABA, investigación de levantamiento.


 

 

Entre os setores que crescem ano a ano está a indústria dos jogos eletrônicos, que gera, anualmente, bilhões de dólares ao redor do planeta (Cadin & Guérin, 2006; Gil & Warzynski, 2015). Milhões de pessoas em todo o mundo engajam-se com alta frequência e por longos períodos em jogos de videogames (Young, 2004; Alves & Carvalho, 2011; King, Haagsma, Delfabbro, Gradisar & Griffiths, 2013).

Recentemente, as características dos jogos de videogame têm sido utilizadas em situações aplicadas como estratégia motivacional para aumentar o envolvimento das pessoas em situações cotidianas, o que tem sido chamado de gamificação (gamification). Este é um conceito recente, definido como sendo a utilização de elementos de jogos eletrônicos (games) em outros contextos, que não apenas o contexto de entretenimento (Deterding, Sicart, Nacke, O'Hara, & Dixon, 2011). Desde 2010, ano em que o termo gamificação passou a ser utilizado, o tema tem atraído crescente interesse das indústrias, de educadores e de profissionais de mídia, como pode ser notado pelo constante aumento de intervenções baseadas nas propostas da gamificação (Hamari, Koivisto & Sarsa, 2014).

Apesar da falta de clareza sobre quais são os elementos de jogos definidores de uma atividade gamificada (Huotari & Hamari, 2012), serão expostos alguns dos principais componentes apontados pela literatura da área. São identificados por Groh (2012): exibição de objetivos claros e estruturados, feedbacks substanciais, apresentação de desafios e aumento progressivo da dificuldade. Huotari e Hamari (2012) chamam a atenção para a importância de apresentação de resultados inesperados e para o envolvimento voluntário dos jogadores. O'Donovan, Gain e Marais (2013) colocam como critérios para avaliar a gamificação de uma atividade o fato de haver consequências cumulativas (e.g., pontos de experiência de um personagem, também chamados de XP) e sinalizações visuais de progresso. O estabelecimento de limitações temporais e de recursos (Deterding et al., 2011), além de situações de competição e cooperação (Morford, Witts, Killingsworth & Alavo, 2014) também seriam considerados elementos de jogos definidores de aplicações de gamificação.

Há interesse de analistas do comportamento em investigar por que os jogos, eletrônicos ou não, mantêm o comportamento dos jogadores, bem como em verificar o efeito da utilização de jogos sobre variados comportamentos-alvo (cf. Morford et al., 2014; Perkoski & Souza, 2015; Skinner, 1986). Segundo Skinner (1986), os jogos apresentam consequências reforçadoras abundantes e com baixa latência a cada uma das ações dos jogadores, tornando mais provável o jogar no futuro. Sobre as relações entre ações do jogador e suas consequências, Skinner (1986), em crítica aos jogos de azar, aponta o baixo custo das respostas envolvidas, como girar uma roleta ou puxar uma alavanca, e os esquemas intermitentes de reforçamento envolvidos. Contingências deste tipo terminariam por selecionar padrões de comportamento de jogar em alta frequência, mesmo sem produzir consequências importantes em longo prazo.

Estendendo a análise comportamental do comportamento de jogar para as recentes aplicações de gamificação, Morford, Witts, Killingsworth e Alavosi (2014) sugerem que a aplicação bem-sucedida de gamificação está alinhada com os princípios analítico-comportamentais, pois costuma apresentar procedimentos que respeitam o conhecimento básico sobre princípios comportamentais (e.g., aumento gradual da exigência; apresentação de consequências imediatamente após o responder; proeminência de controle não coercitivo). Entretanto, apesar de estarem normalmente de acordo com prescrições baseadas nos princípios comportamentais, há a alegação da existência de poucos estudos acadêmicos sobre o tema na área da gamificação de forma geral (Huotari & Hamari, 2012) e na área da análise do comportamento (Morford et al., 2014). Além disso, Hamari, Koivisto e Sarsa (2014) consideraram que a maior parte das pesquisas acadêmicas que avaliam os resultados de estratégias gamificadas utiliza métodos com medidas pouco confiáveis. Entre os problemas apontados estão a utilização de questionários ou entrevistas como fonte de dados e a falta de clareza na descrição dos resultados. Por conta dessas limitações, a efetividade da utilização de estratégias gamificadas ainda careceria de subsídios empíricos adequados.

O objetivo desta pesquisa foi realizar um levantamento das pesquisas experimentais que envolveram a utilização de jogos (games) como variáveis independentes publicadas no Journal of Applied Behavior Analysis (JABA), a fim de verificar se existem pesquisas experimentais publicadas por analistas do comportamento envolvendo jogos e, se sim, quais variáveis foram manipuladas, quais foram os comportamentos-alvo da intervenção e se os resultados dão sustentação para a efetividade das práticas gamificadas.

 

Método

Fonte de Dados

Utilizou-se como fonte de dados única o JABA, por se tratar de um periódico historicamente relevante na área da análise do comportamento em pesquisas aplicadas (Silva, 2016; Wahler & Fox, 1981). As buscas foram realizadas na biblioteca virtual da editora Wiley (http://onlinelibrary.wiley.com/advanced/search), atual responsável pela publicação do JABA.

Estratégia de Busca

Uma primeira busca foi feita utilizando o termo gamification para os campos título, resumo e palavras-chave do periódico. Como resultado de tal procedimento de busca não foi encontrado qualquer artigo.

Buscou-se, então, artigos do JABA que contivessem o termo game em seus títulos, resumos ou palavras-chave. O procedimento de busca foi realizado em novembro de 2015 e envolveu todos os artigos publicados desde o início do periódico, em 1968. A busca resultou em 52 artigos.

Critérios de Inclusão e Exclusão

Do total de 52 artigos, foram incluídos aqueles que relatavam pesquisas experimentais, com controle de variáveis dependentes e independentes. Foram selecionados aqueles artigos que utilizaram como variável independente algum jogo ou elementos de jogo e que mediam frequência, duração ou ocorrência de algum comportamento alheio ao jogo, visto que a gamificação é caracterizada pelo uso de elementos de jogos em outros contextos e para a produção de outros comportamentos, que não o próprio jogar.

Foram eliminadas as pesquisas que continham acesso a jogos apenas como reforçadores de certos comportamentos, aquelas com métodos não experimentais, trabalhos tratando de jogadores de atividades esportivas e quando não eram manipuladas as condições de jogo (estavam presentes na linha de base e nas fases de intervenção indiscriminadamente). A partir dos critérios apresentados acima, foram selecionados 17 artigos da amostra.

Procedimento de Análise

A análise deu-se por meio da leitura dos resumos e das seções de Método e de Resultados. Para cada artigo, foram identificadas as variáveis manipuladas e as variáveis medidas, bem como foram extraídos os principais resultados dos estudos.

Resultados

Nesta seção, são apresentados breves resumos dos relatos de pesquisa analisados. Os relatos seguem em ordem cronológica de publicação e há uma sumarização, disponível na Tabela 1, ao final.

O primeiro artigo selecionado foi o de Barrish, Saunders e Wolf (1969). Os autores apresentam um procedimento chamado de Jogo do Bom Comportamento (Good Behavior Game). Nele, são introduzidas consequências grupais para comportamentos individuais considerados inadequados, explicitados nas regras: cada resposta inadequada emitida produzia uma marca no quadro. Os comportamentos considerados inadequados foram de levantar-se da cadeira e de conversar durante a aula. O time com menor número de marcas ganhava privilégios na escola. Os resultados mostraram que a situação de jogo produziu diminuição nas taxas de respostas inadequadas, em comparação com a linha de base, condição em que o jogo não estava em vigor (Barrish, Saunders & Wolf, 1969).

Em 1972, Medland e Stachnik publicaram o relato de uma replicação sistemática do Jogo do Bom Comportamento. Foi aplicado o jogo com apresentação de uma luz verde para cada grupo com objetivo de indicar que "está tudo bem", quando não estivessem sendo emitidos comportamentos inadequados, e uma luz vermelha, para indicar que comportamentos inadequados haviam sido emitidos. A luz vermelha ficava acesa por 30s após o último comportamento inadequado emitido por algum dos alunos. Caso nenhum comportamento considerado inadequado fosse emitido neste tempo, a luz verde voltava a ser acesa. Além disso, foram testados os efeitos (a) da utilização somente das regras (sem consequências), (b) das regras somadas às luzes verde e vermelha e (c) do jogo completo, com apresentação das regras, as luzes verde e vermelha e das consequências para o grupo. Este jogo reduziu a ocorrência de comportamentos inadequados em ambos grupos. Todos os componentes se mostraram eficazes, sendo o jogo completo mais eficiente na redução de comportamentos inadequados (Medland & Stachnik, 1972).

Um ano depois, outra replicação do Jogo Bom do Comportamento (Harris & Sherman, 1973) foi realizada. A situação experimental foi semelhante à do primeiro experimento (Barrish et al., 1969), a única mudança foi em relação à medida da variável dependente. Além de medir a ocorrência de comportamentos inadequados, foi medido o desempenho acadêmico. O jogo se mostrou eficaz na redução de comportamentos considerados inadequados, mas o desempenho acadêmico mostrou apenas leve melhora.

Em 1977, Warner, Miller e Cohen compararam o procedimento do Jogo do Bom Comportamento com a atenção do professor contingente a comportamentos adequados. As medidas da ocorrência de comportamentos inadequados mostraram que o jogo diminuiu de forma mais consistente os comportamentos-alvo do que a atenção contingente provida pelo professor. Além disso, os professores afirmaram preferir a utilização do jogo.

Lutzker e White-Blackburn (1979) apresentaram o Jogo da Boa Produtividade, em alusão ao Jogo do Bom Comportamento, com objetivo de aumentar a produtividade dos trabalhadores de uma indústria de produtos de madeira, num centro de reabilitação. Neste experimento, houve duas condições: uma condição na qual havia feedback da quantidade de tábuas triadas e outra condição com feedback e o com um jogo, que consistia da introdução de consequências grupais para comportamentos de triar tábuas por tamanhos. Os funcionários foram divididos em dois grupos. Era dito a eles que estavam participando de uma competição, embora não houvesse qualquer consequência adicional programada para a equipe vencedora. A triagem de tábuas produzia diversas consequências, desde doces até a diminuição do tempo de trabalho. A situação de feedback produziu pequeno aumento na produprodutividade, enquanto a situação de jogo com feedback promoveu aumentos significativos na produtividade dos trabalhadores.

Outra replicação do Jogo do Bom Comportamento, o trabalho de Fishbein e Wasik (1981) aplicou o jogo com algumas modificações para verificar seu efeito na ocorrência de comportamentos inadequados na biblioteca. Foram modificados os seguintes aspectos: as regras do jogo foram feitas em conjunto com os alunos e os pontos eram dados quando todos os membros as seguiam. O Jogo do Bom Comportamento manteve sua eficácia e reduziu ocorrência de comportamentos inadequados.

Para produzir escovação efetiva dos dentes, Swain, Allard & Holborn (1982) introduziram consequências grupais para escovação eficaz dos dentes em uma escola. Os times com dentes mais limpos eram declarados vencedores, recebiam bastões com seus nomes e tinham nomes escritos num quadro. Esta replicação do Jogo do Bom Comportamento produziu escovações mais efetivas por parte dos alunos do que a condição em que o jogo não estava em vigor.

O primeiro artigo (Murphy Hutchison & Bailey, 1983) da seleção a não apresentar uma replicação do Jogo do Bom Comportamento descreve aplicação de jogos de pular corda e de corrida durante o intervalo escolar, além de time-out contingente a comportamentos agressivos. O procedimento reduziu o número de incidentes agressivos na escola. A redução da agressividade entre os alunos foi mais marcante durante os períodos em que ocorriam os jogos, mas se estendeu a outros períodos da rotina escolar em que o jogo não estava presente.

No trabalho de Foxx, McMorrow e Schloss (1983) foi utilizado um jogo de tabuleiro (Sorry) existente no mercado norte-americano e um baralho adaptado. Os participantes frequentavam uma instituição para tratamento de doenças psiquiátricas. As cartas traziam situações nas quais os participantes deviam ser ouvintes ou falantes em situações sociais. Eram apresentadas consequências selecionadas para cada participante contingente às topografias de respostas selecionadas para cada um deles. Em medidas de interações sociais, todos os participantes aumentaram a quantidade e a qualidade de interações sociais com pessoas não participantes do jogo.

Outra replicação do Jogo do Bom Comportamento (Saigh, & Umar, 1983) foi realizada com o objetivo de reduzir comportamentos inapropriados em sala de aula com refugiados sudaneses. Neste estudo, repetiram-se os procedimentos aplicados por Barrish et al. (1969). O jogo foi eficaz na redução de comportamentos considerados inadequados e os participantes relataram achar a experiência prazerosa.

Lalli, Pinter-Lalli, Mace e Murphy (1991), em pesquisa realizada numa instituição psiquiátrica, replicaram os procedimentos de Foxx et al. (1983) com as seguintes modificações: (a) uso de procedimentos de avaliação de pré-tratamento para identificar os déficits de habilidades específicas dos participantes, (b) treinamento de todos os residentes no ambiente natural, (c) treinamento de interações participante-participante, (d) treinamento dos participantes na formação para responder quatro das seis áreas de habilidades através do uso de um procedimento de role-play, e (e) não apresentação de recompensas, níveis de critério e auto-monitoramento, presentes no estudo base. Todos os participantes aumentaram a quantidade e a qualidade de interações sociais.

No experimento de Bay-Hinitz, Peterson e Quilitch (1994), foram apresentadas as condições (a) jogos cooperativos e (b) jogos competitivos para alunos de uma pré-escola a fim de verificar seus efeitos na emissão de comportamentos agressivos e cooperativos dos alunos. As sessões experimentais constavam da aplicação de uma a três opções de uma lista de jogos (e.g., bonecos, jogos de tabuleiro, atividades de desenhar e de artesanato), sendo alguns cooperativos e outros competitivos. De forma geral, os jogos cooperativos produziram maior número de comportamentos cooperativos e menor número de comportamentos agressivos durante e após os jogos, enquanto os jogos competitivos provocaram maior número de comportamentos agressivos e menor número de comportamentos cooperativos em relação à linha de base.

Em 2008, foi realizada uma pesquisa com objetivo de promover engajamento social em crianças pré-escolares com autismo (Betz, Higbee & Reagon, 2008). O jogo consistia de períodos diários com duração de 20 minutos em que eram disponibilizados seis jogos interativos para um grupo de crianças com autismo e era dada a instrução de que aqueles eram os jogos disponíveis. Elas deveriam escolher os jogos e brincar. Os resultados mostraram aumento no engajamento social dos participantes durante os períodos de recreio escolar.

Fogel, Miltenberger, Graves e Koehler (2010) empregaram duas condições em seu estudo: aula de educação física convencional e aula com exergaming (jogos aeróbicos de videogame). Nos dias das aulas com exergaming, eram dispostas nove estações, cada uma com um jogo de videogame que demandava atividades físicas do jogador. Os resultados mostraram que, na situação de exergaming, houve mais minutos de engajamento em atividades físicas em comparação com as aulas tradicionais.

Donaldson, Vollmer, Krous, Downs e Berard (2011) apresentaram o resultado de uma replicação do Jogo do Bom Comportamento feita em uma pré-escola. As cinco turmas de jardim de infância nas quais o jogo foi aplicado mostraram redução de comportamentos inadequados.

Neef, Perrin, Haberlin, e Rodrigues (2011) aplicaram jogos de revisão de conteúdo para alunos de uma disciplina de graduação. A turma foi dividida em dois grupos e a cada semana um grupo participava dos jogos e o outro não. O grupo que passava pela situação de jogo era dividido em dois subgrupos: os membros de cada subgrupo deveriam preparar questões para o outro subgrupo sobre os assuntos da semana. As perguntas produzidas eram apresentadas durante o jogo e cada resposta correta produzia um ponto. O time com maior número de pontos ganhava quatro pontos na disciplina. Ao fim do experimento, verificaram que os resultados nas avaliações da disciplina para os participantes submetidos aos jogos de revisão foram superiores aos dos participantes que não passaram pela situação de jogo em todas as semanas, exceto na última semana. Os autores sugerem que o desempenho piorado na última semana pode ter decorrido pelo fato de os alunos já terem alcançado as notas desejadas ou pela história de exposição durante o semestre aos jogos, o que pode ter facilitado o desenvolvimento de estratégias de estudo efetivas para ambos grupos, inclusive para os membros do grupo que não participou do jogo na última semana.

 


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O artigo mais recente encontrado (Donaldson, Wiskow & Soto, 2015) relata mais uma replicação do Jogo de Bom Comportamento. Os autores ampliaram os resultados de estudos passados, que mediam o comportamento inadequado durante a aplicação do jogo, adicionando medidas imediatamente anteriores e posteriores ao jogo. A pesquisa foi realizada com crianças de cinco turmas de jardim de infância e mostrou resultados semelhantes aos anteriores (redução de frequência de comportamentos considerados inadequados) enquanto o jogo estava em vigor. Porém, os mesmos efeitos não eram observados nos momentos anteriores e posteriores ao jogo.

A Tabela 1 contém a síntese dos resultados descritos acima. Para cada pesquisa revisada, foram destacados os elementos de jogos empregados, o setting em que foram coletados os dados e os comportamentos dos participantes que foram medidos.

Como é possível notar na Tabela 1, os elementos mais comuns nos jogos utilizados são as regras sobre o funcionamento do jogo, o acúmulo de pontos e as consequências grupais para respostas individuais. Esses elementos estavam presentes na pesquisa original que propôs o Jogo do Bom Comportamento (Barrish et al., 1969) e se mantiveram presentes em diversas pesquisas que a replicaram. Algumas pesquisas empregam explicitamente competição ou cooperação entre os grupos participantes. As pesquisas de Foxx et al. (1983) e de Lalli et al. (1991), diferentemente das demais, empregaram jogos de tabuleiro e de baralho já existentes (embora adaptados). Os trabalhos de Murphy, Hutchison e Bailey (1983) e de Bay-Hinitz et al. (1994) verificaram os efeitos de dar a oportunidade de engajar-se em certos tipos de jogos sobre comportamentos agressivos e/ou cooperativos. A maioria das pesquisas foi conduzida em escolas e teve como foco de intervenção comportamentos disruptivos e/ou comportamentos de estudo emitidos em sala de aula.

 

Discussão

A maior parte dos artigos encontrados poderia se enquadrar na definição mais comum de gamificação, uma vez que apresentam a utilização de elementos de jogos em contextos outros, que não do mero entretenimento (Deterding et al., 2011). Segundo Groh (2012), a apresentação de objetivos claros é um dos elementos de jogos presentes em estratégias de gamificação. Considerado isto, a utilização de regras por parte das pesquisas (e.g., Barrish, Saunders & Wolf, 1969; Medland & Stachnik, 1972; Saigh & Umar 1983) pode ser entendida como apresentação de objetivos claros, visto que as regras presentes nos jogos descrevem contingências claras aos jogadores. Outros elementos apontados como elementos de jogos são a apresentação de consequências cumulativas e as sinalizações visuais de progresso (O'Donovan, Gain & Marais, 2013). Pode-se afirmar que, quando os pesquisadores consequenciaram respostas dos participantes com pontos (e.g., Donaldson et al., 2015; Harris & Sherman, 1973; Neef, Perrin, Haberlin & Rodrigues, 2011), estavam lançando mão da estratégia de apresentação de produtos cumulativos (pontos) e quando utilizaram feedbacks verbais (e.g., Lutzker & White-Blackburn, 1979) ou luzes indicativas de sucesso (e.g., Medland & Stachnik, 1972), estavam sinalizando o progresso dos participantes.

Contingências de competição e cooperação também são elementos considerados como estratégias de gamificação (Morford et al., 2014) e estiveram presentes em algumas das pesquisas analisadas. Foram estabelecidas contingências de competição (e.g., Barrish et al., 1969; Swain, Allard & Holborn, 1982; Warner, Miller & Cohen, 1977) ou cooperação (e.g., Fishbein & Wasik, 1981) entre os participantes das pesquisas, de forma que torna possível afirmar que tais elementos estavam presentes em alguns dos trabalhos.

Entre as pesquisas analisadas, quatro delas (Bay-Hinitz, Peterson & Quilitch, 1994; Betz et al., 2008; Fogel, Miltenberger, Graves & Koehler, 2010; Murphy, Hutchison & Bailey, 1983) utilizaram jogos já existentes, normalmente usados com fins de entretenimento, e mediram efeitos em outros comportamentos socialmente relevantes, que não apenas o jogar em si.

Ainda que os artigos não apresentem o termo "gamificação", é possível interpretar que as pesquisas revisadas utilizem-se de intervenções gamificadas. Vale notar que o termo "gamificação" é recente - e vem ganhando popularidade nesta década (Morford et al., 2014), de forma que seria improvável sua ocorrência em relatos de pesquisas de anos anteriores a 2010. Considerando-se o fato de todas as pesquisas terem relatado sucesso na redução ou aumento de frequência em comportamentos socialmente relevantes, é razoável afirmar que elas mostram, por meio de estudos acadêmicos e experimentais, a utilização bem sucedida de estratégias gamificadas. A partir desta constatação, é possível dizer que há elementos que indicam a existência de uma base de sustentação à efetividade da gamificação em estudos que descrevem a utilização de elementos de jogos e que medem os comportamentos socialmente relevantes de forma direta, não apenas por meio de relatos verbais, como a maior parte das pesquisas em gamificação é realizada (Hamari et al., 2014).

Outro aspecto importante é a necessidade de se analisar o quanto as propostas trazidas pela gamificação são consistentes com os princípios da ciência do comportamento, ainda que de forma implícita, como foi proposto por Morford et al. (2014), e o que haveria de novo nestas propostas. Ainda mais relevante é discutir o que faz com que propostas como aumento gradual de dificuldade, objetivos claros, além da apresentação de consequências substanciais e imediatas (Groh, 2012) pareça algo novo e adquira apelo popular (cf. Deterding et al., 2011; Hamari et al., 2014; Morford et al., 2014), enquanto propostas contendo os chamados "elementos de jogos" são defendidas há tempos por analistas do comportamento.

Por fim, sugere-se a realização de mais pesquisas dedicadas à revisão de trabalhos analítico-comportamentais potencialmente úteis no exame empírico das estratégias de gamificação. Dadas as limitações deste estudo em relação à consulta a um único periódico, a partir de apenas duas palavras-chave, é indicado que futuras pesquisas preencham estas lacunas, ampliando o número de periódicos pesquisados e a quantidade de termos buscados.

 

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Endereço para correspondência
Marcos Spector Azoubel

Rua Oscar Caravelas, 93
Sumarezinho, São Paulo, SP
Email: mazoubel@gmail.com

Submetido em: 12/04/2016
Aceito em: 13/09/2017
Editor: Saulo Velasco

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