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Revista EPOS

versão On-line ISSN 2178-700X

Rev. Epos vol.7 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2016

 

EDITORIAL

 

 

Cristiane Oliveira, Rita Müller e Silvia Nunes

Editoras executivas

 

 

Neste sétimo volume do primeiro número de 2016, o conjunto de artigos da Revista Epos: Genealogias, Violências, Subjetivações encontra na vida e sua gestão o fôlego analítico, articulado nos diferentes campos teóricos, especialmente ligados à biopolítica e à tanatopolítica. Os eixos Genealogias, Violências e Subjetivações estão imbricados no modo como operam as diferentes problemáticas no escopo de artigos que integram este número, assim como as relações tecidas entre violência e governamentalidade. A vida como objeto de olhar, em sua pluralidade téorica-metodológica, visibiliza campos de conhecimento na produção de seus modos de subjetivação – a psicologia; a medicina, a história, a saúde; mas também contempla discussões caras ao cenário brasileiro atual, como a produção dos modos de extermínio legitimados pelo racismo de Estado; a criminalização da juventude negra e pobre; a problematização da matriz binária e da norma heterossexual na constituição dos sujeitos.

Abrimos o número com o dossiê "Tanatopolítica", com quatro artigos que analisam diferentes exercícios do poder sobre a vida e a morte em um estado de exceção. Em "Biopolítica, soberania e tanatopolítica: ensaio sobre as ideias de Foucault e Agamben", Cristiane Oliveira propõe confrontar algumas das ideias de Giorgio Agamben e de Michel Foucault no tocante à politização da vida na modernidade. A autora analisa as modalidades de gestão política da vida propostas por Foucault em sua anátomo-política dos corpos e biopolítica da população. Em seguida, discute as relações entre soberania e biopolítica propostas por esses autores. Explora, ainda, a noção de vida nua proposta por Giorgio Agamben para acoplar soberania, instituída na atualidade pela normalização do estado de exceção, e biopolítica, que se converte em tanatopolítica. Cristiane Oliveira nos convida a pensar a resistência diante do imperativo biopolítico, que marca o nosso tempo em sua relação com o homo sacer.

O segundo artigo do dossiê vem na esteira dos filósofos Michel Foucault e Giorgio Agamben. Marcio Wagner Bertaso e Maria Cristina Campello Lavrador, no artigo "Ameaças de morte a crianças e adolescentes e as biopolíticas do cotidiano", analisam os modos de gestão da vida que se afirmam nos encaminhamentos feitos ao Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte do Espírito Santo (PPCAAM/ES) e, com isto, apresentam um retrato da forma de funcionamento do Sistema de Garantia de Direitos nesse estado no ponto em que se cruzam atores do SGD, crianças/adolescentes/familiares e o PPCAAM/ES. Estão em cena os complexos processos instituídos que o próprio "encaminhamento dos casos" visibiliza na execução de políticas sociais para seu público-alvo. Com Foucault e Agamben, a existência de categorias políticas que afirmam formas de governar a vida no seu aspecto mais miúdo e cotidiano é problematizada, destacando-se também as lutas, resistências e pequenas formas de ação que afirmam a vida no referido contexto estudado. Em uma análise que opera sobre o que "funciona a todo vapor", os autores têm na governamentalidade o ponto em que repousa o olhar: nas relações entre Estado e sociedade civil; entre as organizações sociais e serviços; entre usuários e serviços; e atua diretamente na constituição de formas subjetivas usuário e formas subjetivas profissional.

Na sequência das reflexões sobre o Racismo de estado, o terceiro artigo encontra nos processos de criminalização da juventude negra no Brasil seu relevo analítico. Kenia Soares Maia e Cristina Rauter, em "A contestação adolescente e sua saúde: resistindo aos estigmas e aos processos de criminalização contemporâneos", analisam a relação construída entre adolescência e psicopatia por algumas tendências contemporâneas da psicologia, problematizando uma visão que sublinha os aspectos negativos e psicopatológicos da adolescência. Numa perspectiva crítica, os autores abordam a adolescência como um processo rizomático, no qual a contestação aos modos de subjetivação hegemônicos se faz presente e que diz respeito não à doença, mas à saúde enquanto busca de autonomia.

Findando o dossiê, o artigo de Paula de Melo Ribeiro e Carlos Alberto Ribeiro Costa, "Racismo de Estado, biopoder e negligência: retratos da saúde na história brasileira", aborda a questão das chamadas "doenças negligenciadas", nomeadas por instituições nacionais e internacionais como "doenças de países subdesenvolvidos" ou "doenças dos trópicos". A partir do contexto social e histórico brasileiro, apreendido desde a análise bibliográfica de artigos, livros, documentos e tabloides concernentes ao assunto, o artigo indaga a intrincada máquina de "fazer viver e deixar morrer" relativa às "doenças negligenciadas". O aparente paradoxo manifestado pela racionalidade política das atuais formas de (des)enfrentamento a essas moléstias é considerado em sua historicidade. Ou seja, tanto a enfermidade sob o viés médico quanto os significados que o doente atualiza em seu corpo implicam o indelével traço dos arranjos políticos e sociais na gestão da vida.

Dois artigos compõem, articuladamente, os eixos Violências e Subjetivações. O primeiro, de Juliana Feliciano de Almeida, Maria Fernanda Tourinho Peres e Thais Fonseca Lima, tem seu ponto nodal na noção de território e suas tessituras no campo da atenção à saúde. Intitulado "A violência no território e a construção de vínculos entre os agentes comunitários de saúde e os usuários em um serviço de atenção primária", a pesquisa qualitativa com agentes comunitários visou analisar as representações dos profissionais sobre o território e suas relações com a violência comunitária. Nesse campo representacional, práticas e vínculos sociais são elementos analíticos fundamentais para o entendimento da ressignificação do conceito de violência e práticas comunitárias.

Tendo como analisador o sistema sexo/gênero, o segundo artigo do eixo Violências e Subjetivações e último artigo deste número é de autoria de Maria Luisa Rovaris Cidade e Pedro Paulo Gastalho de Bicalho. Em "Psicologia e governamentalidade: sexo e gênero em debate", o tema da governamentalidade na perspectiva de Michel Foucault ganha destaque no exercício interseccional com a noção de produção de subjetividades e as questões de sexo/gênero de base feminista. Os autores avaliam como a afirmação da heterossexualidade compulsória e da cisgeneridade como matrizes normativas e seus consequentes ideais regulatórios nos convoca a refletir sobre a psicologia e suas redes de reiteração da governamentalidade vigente na modernidade ocidental. A desnaturalização de concepções e intervenções do campo da psicologia propõe a potencialização de práticas capazes de abandonar a sede pela origem dos fatos e das verdades para caminhar em direção à invenção (Erfindung) de Michel Foucault.

Boa leitura!

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