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Revista EPOS

versão On-line ISSN 2178-700X

Rev. Epos vol.7 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2016

 

ARTIGOS

 

Quando a/o jovem entra em cena: gênero e sexualidade em debate*

 

When the youth comes into scene: gender and sexuality in debate

 

 

Juliano BonfimI; Marcos Ribeiro MesquitaII

IEstudante de Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas. E-mail: bonfimjuliano@yahoo.com.br
IIDoutor em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professor do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas. E-mail: marcos.mesquita@ip.ufal.br

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A temática da sexualidade tem ocupado um espaço importante nos debates atuais e tal fenômeno contribui enormemente para pensarmos sobre os modos como ela tem sido foco de projetos de pesquisa, políticas públicas, intervenções em escolas, programas de saúde e na mídia, provocando diversas disputas que podem tanto alargar a compreensão da sexualidade como experiência plural, como reforçar as concepções reguladoras e normativas das práticas e papéis sexuais.
OBJETIVOS: conhecer e analisar as estratégias de participação de jovens no debate de gênero e sexualidade na escola.
METODOLOGIA: aposta-se na metodologia de Grupos de Discussão (MATTOS, 2012; MÉNDEZ, 2007) como ferramenta e também na observação participante e conversas informais inspiradas na etnografia para compor os resultados.
RESULTADOS: Nossas/os interlocutoras/es formam um coletivo onde organizam debates, como uma estratégia para movimentar a instituição e discutir questões que às vezes ela não dá conta ou simplesmente não atinge os anseios de muitas/os meninas/os, como é o caso da sexualidade, suas expressões de gênero e diversidade.
CONCLUSÕES: Com a inserção no campo, vimos que jovens, com suas culturas e relações com outros movimentos, têm, de diferentes modos, questionado outra forma de ocupar os diversos espaços e discussões de dentro da instituição.

Palavras-chave: sexualidade; gênero; juventude; participação.


ABSTRACT

INTRODUCTION: The theme of sexuality have been occupying an important place in the current debates and such a phenomenon contributes greatly to thinking about the ways in which it has been the focus of research projects, public policies, interventions in schools, health programs and in the media, provoking diverse disputes that both extend the understanding of sexuality as a plural experience and reinforce the regulatory conceptions and the normative of sexual practices and roles.
OBJECTIVES: to know and to analyze the strategies of participation of young people in the debate of gender and sexuality in the school.
METHODOLOGY: it is based on the methodology of Discussion Groups (MATTOS, 2012; MÉNDEZ, 2007) as a tool and also on participant observation and informal conversations inspired by ethnography to compose the results.
RESULTS: Our interlocutors form a collective where they organize debates, as a strategy to move the institution and discuss issues that sometimes the school cannot handle or simply do not reach the desires of many girls, as is the case of sexuality, their expressions of gender and diversity.
CONCLUSIONS: with the insertion in the field, we have seen that young people, with their cultures and relations with other movements, have in different ways questioned another way of occupying the diverse spaces and discussions within the institution.

Keywords: sexuality; gender; youth; participation.


 

 

Introdução

O presente trabalho faz parte das reflexões de uma experiência de pesquisa que analisou as formas de participação de jovens nas discussões sobre gênero e sexualidade na instituição escolar. Nesse sentido, debruçamo-nos sobre as relações cotidianas de uma escola no interior do Estado de Alagoas, buscando saber quais os roteiros protagonizados pelas/os jovens da instituição estudada. Utilizamos a ferramenta dos grupos de discussão (MÉNDEZ, 2007; MATTOS, 2012) como auxílio para melhor compreender a relação entre as/os jovens e a dimensão do gênero e da sexualidade.

Como temos observado, a temática da sexualidade tem tomado cada vez mais espaço nos debates atuais e tem sido foco de pesquisas, políticas públicas, intervenções em escolas, programas de saúde e na mídia, gerando inúmeras disputas que podem tanto alargar a compreensão da sexualidade como experiência plural, como reforçar as concepções reguladoras e normativas das práticas e papéis sexuais.

Na educação, com a discussão inserida nos temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacional (PCN) em meados dos anos 1990, a sexualidade começa a fazer parte dos currículos oficiais. Isso é fruto de inúmeras lutas dos movimentos sociais feminista e LGBT (BOZON, 2004; FACCHINI, 2005; MACHADO, 2007; LOURO, 2013) e em consequência da epidemia do HIV/AIDS, que direcionou, em alguma medida, o modelo de atuação da sexualidade nesse espaço. Como o assunto surge no campo da saúde e é pulverizado em diversos outros, inclusive a escola, a ideia inicial foi a de construir uma educação sexual capaz de prevenir novas infecções pelo vírus.

Tais dimensões têm impulsionado, ao longo do tempo, a criação de inúmeras iniciativas que reconhecem a centralidade da sexualidade nas vidas das pessoas. O ambiente escolar que tomamos como foco de investigação é pensado como um local privilegiado e estratégico para as questões das sexualidades, principalmente se consideramos a multiplicidade de visões das/os atrizes/atores envolvidas/os, assim como dos tabus e interditos que têm marcado essa temática (ABRAMOVAY et al., 2004).

Segundo Guacira Louro (1997), é na escola, junto é claro com outros espaços sociais, que são reproduzidas as diferenças e desigualdades, principalmente as que estão relacionadas à experiência da diversidade sexual. A instituição escolar aparece como um dos principais espaços onde lésbicas, transexuais, gays e bissexuais declaram ter sofrido, ou ainda sofrem, com as violências. Rogério Junqueira (2009b) denuncia que muitas vezes a escola atua de modo a legitimar as hierarquias e relações de poder em um espaço que funciona sob a lógica da opressão e da violência a que jovens LGBT estão submetidas/os. Nesse sentido, muitas vezes o reconhecimento de jovens lésbicas, gays, travestis e transexuais é negado, a partir da (re)produção de um currículo marcado por dimensões que reforçam essas diferenças, provocando sofrimento e outras problemáticas que afetam diretamente a vida escolar dessas/es jovens, como, por exemplo, baixo rendimento e evasão escolar. (LOURO, 1997; JUNQUEIRA, 2009a; NARDI E QUARTIERO, 2012).

Pela norma social de gênero, as sexualidades são reguladas e definidas como aceitáveis ou inaceitáveis e são oferecidos discursos para que as/os sujeitas/os possam se enquadrar dentro dos padrões da heteronormatividade. Essa norma define e regula os corpos a partir da diferença sexual entre homens e mulheres, no privilégio do homem e na submissão da mulher e da heterossexualidade (TORRES, 2012). Desse modo, corroborando Junqueira (2009a), o processo de escolarização tem se estruturado a partir da naturalização das desigualdades, baseado em princípios, valores, normas e crenças que reduz à "figura do outro" todas/os aquelas/es que não se enquadram nos padrões de normalidade criteriosamente centrados na figura do adulto, masculino, branco, heterossexual, burguês, física e mentalmente normal.

Com efeito, classismo, racismo, sexismo, homofobia (ou heterossexismo, se preferirmos), entre outros fenômenos discriminatórios, fazem parte da cotidianidade escolar não como elementos intrusos que adentram sorrateiramente os muros da escola. Ou seja, além de terem sua entrada geralmente franqueada, eles são cotidianamente ensinados na escola, produzindo efeitos sobre todos/as (estudantes ou não) (JUNQUEIRA, 2009a, p. 211, grifo do autor).

Nesse cenário, os discursos que promovem humilhação, exclusão e/ou violência contra a população LGBT opõem-se aos direitos de cidadania, impedindo que algumas/uns desfrutem deles. O preconceito será moldado, portanto, de acordo com as hierarquizações, como de classe social, gênero, sexualidade, geração etc., e denuncia a concepção de cidadania como direito e privilégio de uns em detrimento do apagamento/silenciamento de outras/os. Dessa forma, a escola pode interferir diretamente na vida das/os jovens. É um espaço onde muitas/os passam boa parte dos seus dias, e no tocante à sexualidade, elas/es atribuem significados às suas vivências/experiências, e se ela é marcada por regras e normas pedagógicas de controle e proibições, estas/es jovens se veem muitas vezes impossibilitadas/os de vivenciar a sua sexualidade nesses espaços. Desse modo, algumas/uns jovens podem não ter na socialização escolar os vários significados necessários para definir e reconhecer como legítimos seus desejos e experiências sexuais (TORRES, 2013).

Assim, ainda que não seja dada a visibilidade necessária para todas as dimensões da sexualidade e que alguns assuntos sejam silenciados ou tratados como tabus, é no ambiente escolar que meninos e meninas têm suas primeiras experiências e conversas sobre sexo, afetividade; e onde também sofrem com as brincadeiras violentas e exclusão provocadas pelas diferenças características da diversidade. Nesse sentido,

A escola, na tradição do pensamento educacional na modernidade, é reconhecida como uma das principais agências sociais responsáveis por equacionar as tensões advindas da luta pela conquista e ampliação universal da cidadania lastreada nos princípios republicanos da igualdade de todos perante a lei. Assim, questões como a intensificação da participação política e a garantia da igualdade social são muitas vezes articuladas à necessidade impiedosa de promover acesso e permanência dos indivíduos a uma educação básica de qualidade em que o uso da escolarização dar-se-ia como estratégia política de universalização do direito à vida cidadã (PRADO et al., 2012, p. 25).

A escola sob o ideal republicano é o lugar onde crianças e jovens vão para aprender a ser alguma coisa, conhecimentos, valores, ser cidadãs/ãos etc. É responsável não só pela socialização dessas sujeitas/os, como também define quem, como e quais lugares serão ocupados na sociedade por elas/es. A escolarização, nesse modelo, consiste, portanto, na principal forma de acesso aos bens culturais da humanidade (PRADO et al., 2012).

É insofismável que a escola ainda seja uma das poucas agências sociais capazes de minimizar os efeitos da desigualdade social e de renda que atingem às famílias e indivíduos. É necessário, portanto, retomar as necessidades educacionais ainda que sob o prisma republicano, mas sob outra ótica em que esses valores e compromissos possam vir a ser ressignificados na repactuação definidora da escola e de seus fins. O que aqui se pergunta é qual a lacuna nessas abordagens quanto aos regimes da sexualidade e suas lógicas de exclusão impostas à escola (PRADO et al., 2012, p. 31, grifos nossos).

Dessa forma, se o currículo é pensado à sombra de um modelo hierárquico da sexualidade, que essencializa as práticas heterossexuais, não legitima a diversidade e a escola não reconhece a centralidade que ocupa nas vidas das/os sujeitas/os que passam por ela, fazemo-nos algumas perguntas: o que um jovem gay ou uma jovem transexual vai aprender sobre si? Quais serão os significados atribuídos à escola por essas/es sujeitas/os no tocante à dimensão da diversidade? O que jovens heterossexuais irão aprender sobre diversidade sexual? Qual a responsabilidade da escola na evasão de jovens que não se encaixam dentro do modelo universal da sexualidade e dos lugares de gênero?

Refletir sobre esses e outros exemplos nos indica o quanto a escola tem sido responsável por possibilitar ou não a participação de algumas/uns jovens, além de nos fazer questionar qual o significado da escola e do projeto de educação. Algumas experiências no interior do espaço escolar, a partir da atuação das/os diversas atrizes e atores que encontramos no percurso da pesquisa, questionam práticas e relações autoritárias cotidianas. Com a inserção no campo, vimos que jovens, com suas culturas e relações com outros movimentos, têm, de diferentes modos, com limites e muitos desafios, questionado outra forma de ocupar os diversos espaços e discussões de dentro da instituição.

Mesmo que a escola ainda apareça como lugar no qual as formas de pedagogizar as sexualidades estejam presentes, ela também tem outro movimento, de maior fluidez e de possibilidades onde encontros e espaços são construídos e direcionam nossos olhares para outra produção de saberes e ações que provocam pequenas fissuras no interior da instituição. Assim, mais do que (re)produzir conteúdos, esse duplo movimento nela presente atua de forma muito própria nas experiências de todas/os e possui um lugar importante na construção de gêneros e sexualidades.

 

As tramas da sexualidade e das juventudes na escola

Acompanhando o cotidiano escolar de algumas/uns jovens em um Instituto Federal, percebemos que a vivência da sexualidade e as experiências da diversidade sexual se encontram em uma organização complexa entre as impossibilidades e as condições favoráveis aos seus anseios. Para as/os jovens estarem na e participarem da escola, é preciso reunir forças e capacidade emocional para resistir a todos os processos de exclusão provocados pela escolarização. Dessa forma, elas/es se organizam em redes e fazem parcerias para que juntas/os consigam pensar na melhor forma de enfrentá-los. De acordo com Andrade (2012, p. 215):

Essa nova sociedade, da segunda metade do século XX e início do século XXI, já não funciona com base na identidade fixa; a instituição de ensino entrou em crise, e a ideia do aluno disciplinado, que obedece a todas as ordens da escola e não traz sua intimidade para dentro da instituição, foi substituída por um caleidoscópio de identidades juvenis ou de culturas juvenis, que funcionam no plural, sem direito a simplificação. Essa diversidade de juventudes não obedece à fronteira de um muro, elas são construídas dentro e fora da escola, sem distinção de espaço.

Com efeito, o lugar da escola para as juventudes parece ter se transformado perante seu propósito no processo de produção de conhecimento, informação e formação para a cidadania (CASTRO, 2012), dividindo o espaço e a centralidade da educação com outros ambientes escolarizáveis de sujeitas/os, os espaços não formais de educação, como movimentos sociais ou outros locais que transformem as/os sujeitas/os em cidadãs/ãos que entendam e defendam seus direitos (TORRES, 2013). É difícil reconhecer a linha tênue que, para além dos muros, separa o espaço da escola com o mundo fora dela. Mesmo com as normas existentes na instituição, encontramos algumas ações protagonizadas pelas/os jovens, que conta também com a participação de outros setores, que a colocam em constante disputa e visibiliza inúmeras experiências. Atualmente, temos os vários exemplos de jovens que têm burlado as regras e ocupado as instituições escolares em busca de uma educação plural e democrática.

Nesse sentido, essas/es protagonistas reivindicam suas posições de cidadania na sociedade, mostrando, das mais diferentes formas, que podem contribuir nos vários espaços sociais, entre eles, a escola. Enxergar essa possibilidade/modalidade de participação nos faz aceitar também que a própria escola é um espaço político e de formação política. E, nesse sentido, não podemos "reduzi-la a uma instituição técnico-educativa de transmissão de determinados conhecimentos considerados como relevantes de uma cultura" (PRADO et al., 2012, p. 31).

A instituição escolar carregada de normas e hierarquias parece não dar conta da educação para a participação, o que torna ainda mais difícil lutar contra todas as problemáticas citadas. Contudo, é nessa mesma organização escolar, onde tudo parece ser proibido, que todas essas questões são vividas, percebidas e subjetivadas pelas/os jovens, que estas/es assumem seus lugares no confronto, surgindo espaços de resistência que nos mostram outras possibilidades de transformação no ambiente escolar.

Esse potencial político, como vimos, está relacionado à escola como espaço de possibilidades de experiências plurais, tanto as que reforçam a norma quanto, e principalmente, aquelas que mostram outras possibilidades, fazendo emergir sujeitas/os capazes de criar outras formas de representação para as juventudes e as sexualidades, por exemplo. A política, nesse sentido, existe a partir da possibilidade de discussão e questionamento sobre as construções e inscrições nos corpos e sexualidades dentro da escola, colocando em questão a naturalização dos lugares e também dos não lugares separados às temáticas (RANCIÈRE, 1996). Dessa forma, o envolvimento das/os jovens estudantes nas questões de gênero e sexualidade, por exemplo, assim como em outras dimensões do âmbito social e da própria escola, é um passo importante para a construção de uma instituição democrática e plural.

Neste trabalho, tomamos a participação das/os jovens como ponto importante para pensarmos a democratização desse espaço, mas não só a delas/es. As possibilidades de mudanças têm ocorrido ao longo dos anos, como vimos, a partir de pressões oriundas dos movimentos sociais organizados para pensar no projeto escolar e discutir os destinos da educação brasileira, colocando o debate das sexualidades na ordem pública e política, ou melhor dizendo, tornando "visíveis, nos registros da política e da argumentação pública, os conflitos derivados que derivam do político" (PRADO et al., 2009, p. 219). Dessa forma, partimos da ideia de que juntos, esses acontecimentos auxiliam na redefinição dessa instituição e das organizações nela presentes. Tomando como base os conceitos de Rancière (1996), entendemos que essas ações instituem outra divisão, do que o autor vai chamar de mundo sensível, o que para ele é sempre uma ação polêmica e litigiosa nas maneiras de ocupar espaços possíveis.

Nesse sentido, as ações não pressupõem comportamentos ou sujeitas/os, mas são, no momento mesmo em que questionam e rompem com os modelos naturalizados e cristalizados na nossa cultura, que definem quem pode e como pode ocupar determinados lugares e discursos, mas "a fórmula é a mesma. Ela consiste em criar, em torno de todo conflito singular, uma cena onde se põe em jogo a igualdade ou desigualdade dos parceiros do conflito enquanto seres falantes" (RANCIÈRE, 1996, p. 62). A sexualidade, portanto, abre espaço para questionamentos sobre a escola e qual a sua importância nesse debate, tendo em vista o grande número de outras discussões que a atravessam – preconceitos, proibições, necessidade de debate etc. –, convocando-a a todo o momento a pensar sobre si, a pensar diferente, a reconhecer a diferença, em um terreno cada vez mais marcado pela disputa de crenças e representações do que vem ou não a ser a educação, a escola.

Outra dimensão dessa noção de política que tomamos diz respeito à representação que jovens têm nos espaços públicos e políticos. A relação estabelecida entre política e juventudes segue sendo discutida a partir de duas visões: uma visão mais positiva e quase essencialista da participação juvenil no mundo político, baseada na comparação intergeracional que remonta ao imaginário das lutas estudantis da década de 1960 (MESQUITA, 2009); e outra marcada pela fixação de espaços de impossibilidade de expressão de voz e vontade, diante da tutela das/os jovens pelas instituições – família e escola, por exemplo.

Em termos organizacionais e políticos, as/os jovens interlocutoras/es da nossa pesquisa conseguem estabelecer uma boa articulação que serve de base para a ação e fortalecimento das demandas juvenis dentro da instituição estudada, traduzindo suas ações em estratégias políticas de reconhecimento de suas vozes. Nesse sentido, a partir da experiência com elas/es, podemos concordar com Dayrell (2007, p. 1.120-1.121):

O cotidiano escolar torna-se um espaço complexo de interações, com demarcação de identidades e estilos, visíveis na formação dos mais diferentes grupos, que nem sempre coincidem com aqueles que os jovens formam fora dela. A escola aparece como um espaço aberto a uma vida não escolar, numa comunidade juvenil de reconhecimento interpessoal. É em torno dessa sociabilidade que muitas vezes a escola e seu espaço físico são apropriados pelos jovens alunos e reelaborados, ganhando novos sentidos. Os grupos se constituem como um espaço de trocas subjetivas, mas também palco de competições e conflitos, muitas vezes resvalando para situações de violência no cotidiano escolar. As relações entre eles ganham mais relevância do que as regras escolares, constituindo-se em uma referência determinante na construção de cada um como aluno, tanto para adesão quanto para a negação desse estatuto.

Dessa forma, quando chegamos à escola encontramos esse cenário de reelaboração das práticas escolares voltadas para a sexualidade a partir das ações das/os jovens que ali nos receberam. Nossas/os interlocutoras/es formam um coletivo onde organizam debates, como uma estratégia para movimentar a instituição e discutir questões que às vezes ela não dá conta ou simplesmente não atinge os anseios de muitas/os meninas/os, como é o caso da sexualidade, suas expressões de gênero e diversidade. Uma vez que a escola, de acordo com a nossa experiência, não discute sobre sexualidade para além do seu aspecto normativo e de controle (prevenção de doenças e gravidez indesejada), elas/es constroem seus próprios programas e pautas, inserindo a discussão da sexualidade no calendário de atividades da escola. Nesse contexto, interessava-nos conhecer e pensar os sentidos daquelas práticas no enfrentamento da cultura escolar, marcada pelas diferenças e tensões entre os modos de experimentar as juventudes.

 

Metodologia

Situamo-nos a partir de uma perspectiva crítica da Psicologia (NEVES E NOGUEIRA, 2004), que visa romper com os paradigmas de uma ciência positivista que não reconhece a (inter)ação entre as/os sujeitas/os como fundante na dinâmica da construção do conhecimento. Nesse sentido, optamos por uma noção de participação e ação das/os envolvidas/os, tentando reforçar desde a horizontalização na relação pesquisadora/or e pesquisadas/os até a defesa da dimensão de atuação e transformação do cenário estudado por todas as atrizes e atores da pesquisa (LINCOLN E GUBA, 2006).

Assim, apostamos em uma metodologia participativa que considerasse as expressões e vozes das/os jovens. Dessa forma, os Grupos de Discussão (MATTOS, 2012; MÉNDEZ, 2007) foram escolhidos como ferramenta principal para trilhar o caminho metodológico desta investigação, embora tenhamos utilizado diferentes procedimentos durante a pesquisa, como observação participante, conversas informais, inspiradas na etnografia, por exemplo.

Grupos de Discussão, ou ainda grupos de reflexão, são ferramentas que permite à/ao pesquisadora/or propor alguma atividade e/ou tema que pode ser debatido pelas/os participantes. Nos grupos, utilizamos algumas situações disparadoras (MATTOS, 2012; MÉNDEZ, 2007) compostas por enunciados abertos que possibilitassem a circulação dos temas abordados. De acordo com Mattos (2012, p. 178):

[...] o pesquisador não dirige a discussão, nem fica na posição de quem deve corrigir o que é falado pelos participantes, mas introduz perguntas e elementos que estimulem os sujeitos a falarem mais sobre o que pensam e até mesmo a elaborar uma fala coletiva sobre determinado assunto ou fato.

Essas situações auxiliam também na construção de categorias prévias sem, contudo, limitar e impossibilitar o surgimento de novas. Dessa forma, pretendeu-se fazer circular o diálogo sobre a temática da sexualidade para que fossem construídas e compartilhadas ideias e saberes a respeito da diversidade sexual no cotidiano escolar. O que mais nos ajudou a ampliar as possibilidades de análise e compreensão do espaço e das ações desenvolvidas pelas/os jovens foi a nossa inserção na instituição e nos grupos e relações daquelas/es sujeitas/os.

Após um tempo de participação em reuniões e atividades do coletivo organizado pelas/os estudantes, muitas/os delas/es já estavam interessadas/os na nossa pesquisa. Nesse sentido, realizamos três encontros com sete das/os meninas/os que participavam daquelas atividades. As/Os jovens tinham idades compreendidas entre 17 e 19 anos. Cada encontro tinha um eixo norteador para a discussão, que visava contemplar os objetivos específicos do trabalho. Esquematicamente, os eixos que nortearam os grupos de discussão foram:

a) saber como a experiência da diversidade sexual é pensada no espaço escolar;

b) compreender como as/os jovens entendem a experiência da diversidade sexual em suas relações cotidianas, saber sobre seus anseios no campo da sexualidade e suas estratégias de enfrentamentos às diversas questões nesse campo.

A delimitação desses eixos demandava a realização de mais de um encontro para aprofundar as questões e oportunizar que todas/os as/os jovens pudessem falar. Para apresentação neste artigo, fizemos um recorte mais especificamente do segundo (b), que foi foco dos dois últimos encontros, no entanto, as discussões dos dois eixos se misturavam nas falas das/os estudantes. Cada encontro contou com a participação de um moderador e uma observadora da equipe de pesquisa, para facilitar a análise das impressões tidas durante o grupo, bem como ajudar na reflexão sobre o alcance dos objetivos. Os grupos foram realizados nas dependências do instituto, em salas de aula que estavam livres, conseguidas pelas/os participantes da pesquisa, e gravados em áudio, com o termo de consentimento assinado por elas/es.

Após a realização dos grupos, os áudios provenientes destes foram transcritos e utilizados para a apreciação dos resultados, para a qual usamos a ferramenta de Análise de Conteúdo (CAMPOS, 2004), que propõe a sistematização e organização das falas em categorias que facilitam a interpretação. Campos (2004) nos alerta que

[...] a análise de conteúdo não deve ser extremamente vinculada ao texto ou à técnica, num formalismo excessivo que prejudique a criatividade e a capacidade intuitiva do pesquisador, por conseguinte, nem tão subjetiva, levando-se a impor as suas próprias ideias ou valores, no qual o texto passe a funcionar meramente como confirmador dessas (p. 613).

Assim, tomamos cuidado para que as categorias de análise contemplassem a riqueza do conteúdo sem, contudo, esquecer de assumir que elas refletem a escolha dos pesquisadores. Nesse sentido, corroborando Mattos (2012), a presença do pesquisador no resultado final é algo inquestionável, uma vez que a organização dos resultados só pode ser realizada evidenciando-se sua própria leitura do que aconteceu e é preciso admitir que, a partir dos usos de métodos de análises de narrativas, é que as falas das/os participantes do processo de pesquisa "se sobrepõem e se articulam ressignificando-se mutuamente" (MATTOS, 2012, p. 179). A autora nos mostra que a análise de narrativas permite o entendimento de como sujeitas/os se posicionam em relação aos significados trazidos em suas falas e não apenas à identificação de quais seriam os significados públicos, compartilhados pelos grupos.

Vale ainda ressaltar que métodos participativos como os grupos de reflexão também implicam o pesquisador no curso de sua pesquisa, ao potencializarem a imprevisibilidade e a surpresa nos processos desencadeados pela investigação, exigindo que o pesquisador se envolva com os resultados suscitados na interação com os participantes. Especialmente no caso dos grupos de reflexão, a imprevisibilidade dos conteúdos produzidos e das dinâmicas que emergem entre os participantes confere ao material uma espessura narrativa que precisa ser analisada em profundidade (MATTOS, 2012, p. 179).

 

Quando as juventudes e a sexualidade entram na cena: experiência de participação na escola

Discutimos as relações e os sentidos atribuídos à sexualidade, à diversidade sexual e às questões de gênero pelas/os jovens a partir de suas experiências na escola. O cenário é bastante marcado pelas diferenças entre os gêneros e as sexualidades e também pelas hierarquias geracionais que não reconhecem as possibilidades de ação delas/es. Ao estudar a escola, conhecemos não só as disciplinas e pedagogias de controle por ela exercidas, como também uma diversidade de atrizes e atores que nos faz reconhecer o caráter político da instituição.

Na visão das/os meninas/os, há uma recente cultura participativa que se forja em momentos pontuais na escola, seja nos debates organizados por elas/es, seja nas ações de reivindicação estudantis. Mesmo assim, segundo elas/es, conseguem se organizar e pensar em prol da coletividade, participando também de ações organizadas pelos pequenos coletivos existentes na instituição. No caso do debate sobre gênero e sexualidade, este é realizado apenas pelo coletivo formado pelas/os meninas/os interlocutoras/es da presente pesquisa e, segundo observamos, conta com boa adesão das/os jovens da escola como um todo.

Apesar de nos últimos anos esse debate ter alcançado maior adesão entre estudantes, segundo Mesquita (2009), falar de gênero e sexualidade no movimento estudantil é uma realidade relativamente nova e não tem acontecido sem conflitos. Como sabemos, a temática é marcada por muitos tabus e interditos e isso pode dificultar os modos de abordagem dentro dos espaços e instituições sociais.

Desse modo, quando o debate é tomado como importante pelas/os meninas/os desse coletivo, fazem-no a partir da necessidade de problematizar essa dimensão compreendida pelas/os integrantes como significativa na esfera de suas vidas. Léo1 ressaltou, por exemplo, a importância que um grupo teria quando sofreu homofobia, um espaço onde ele pudesse se expressar livremente a partir daquilo que é. O jovem reconheceu no coletivo essa oportunidade. Para as meninas/os, organizar-se em grupo é uma estratégia interessante, porque o grupo cada vez mais vai crescendo e agregando outras pessoas que se interessam ou passam pelas mesmas situações. Dessa forma, o grupo acaba se tornando uma referência na escola e "facilita o enfrentamento de qualquer adversidade encontrada" (Léo).

Brunna: É... Sabe porque, acho que as vezes o que precisa é apoio, alguém que consiga dizer – "Olha, isso tá errado, vamos lá, vamos fazer alguma coisa", a gente sozinho não pode fazer nada, a gente sabe que é muito fraco, né? [...] Mas quando você tem um grupo, que te apoia, que te orienta, que... enfim, você sabe que independente do que acontecer ele vai tá ali com você, é mais fácil, acredito que seja muito mais fácil enfrentar esse tipo de situação (Trecho retirado da oficina realizada no dia 23/10/2014).

Léo havia relatado que quando iniciou o 2º ano enfrentou muitos problemas com a nova turma e precisou mudar de turno, solução encontrada pela equipe da escola, para que os problemas cessassem. Segundo ele, as/os colegas faziam com ele brincadeiras de fundo homofóbico que dificultaram a vida do jovem. A fala a seguir nos ajuda a compreender um pouco como se deu e como a escola tratou o problema:

Léo: Eu tinha dois amigos, aí eles reprovaram e eu fiquei sozinho nessa sala de gente que tinha essa brincadeirinha chata… E aí eu fiquei sozinho, fiquei isolado naquela sala e qualquer piada sempre se voltava pra mim… [...] Eles trataram como caso de bullying, eles não falaram o tipo de bullying. Porque tipo, foi o que eu falei, eles usavam meu nome como ofensa, eles ficavam se chamando de Leonilson e tal... e eu me sentia um monstro… uma coisa vergonhosa... E aí, dentro desse processo, eu acho que perdi ainda uma semana de aula, porque eu não estava com vontade de vir pra aula (Trecho retirado da oficina realizada no dia 15/10/2014).

As/Os meninas/os afirmaram ter certeza de que esse episódio envolvendo um de suas/seus integrantes não poderia ter sido tratado como bullying, que se tratava de homofobia e deveria ser tratado como tal. No entanto, como afirma Brunna, "eles [a escola] preferem esquecer isso e não tratar do problema que existe, preferem esquecer e dizer ‘– Não, aqui não existe preconceito'". Mascarar homofobia pelo nome de bullying parece uma estratégia de esconder a gravidade real do problema, o que Junqueira (2010) trata como negação implícita para esconder suas implicações psicológicas, físicas, morais e políticas. Não são raras as vezes que as/os gestoras/es negam a existência de lésbicas e gays no ambiente escolar. É mais fácil, segundo o autor, dizer "homofobia não é um problema. Aqui não há gays nem lésbicas" (JUNQUEIRA, 2010).

Dessa forma, para que outras/os estudantes não sofressem o que Léo sofreu, as/os jovens afirmam que a construção de estratégias de debates sobre homofobia dentro da escola possibilitava que outras/os estudantes tomassem conhecimento de algumas dimensões e dos modos como poderiam tratar essas questões como preconceito, para que, além de compartilhar experiências, pensassem em posicionamentos e desdobramentos juntas/os. Nossas/os interlocutoras/es utilizam a realização de Grupos de Debates, GDs como chamam, como forma de desencadear as discussões e possibilitar tanto que as/os outras/os estudantes opinem e pensem sobre as temáticas abordadas como também se reconheçam entre os diversos relatos trazidos. Nesse grupo, a ética se apresenta como uma responsabilidade e compromisso com as/os outras/os jovens e surge, nesse sentido, da necessidade de ir além dos espaços institucionais da escola, incorporando outras agendas que fazem parte da vida de todas/os e agregando outras/os jovens a partir da referência de amizade.

Outros debates envolvendo gênero e sexualidade foram organizados pelas/os jovens, pautados na necessidade de discutir as suas demandas. Muitos destes nos ajudavam a compreender e evidenciar os modos como a sexualidade estava presente na instituição. Apesar de, na visão das/os meninas/os, não modificar o cenário, enxergam nessa estratégia de fomento algo bem útil e que correspondem às suas expectativas de "balançar as estruturas da escola" (Tâmara), como podemos visualizar no diálogo a seguir:

Brunna: Olha, eu não achava que as nossas atividades mudava alguma coisa na cabeça do povo... Mas ai teve um dia, quando a gente fez um GD, o nosso primeiro GD sobre a redução da maioridade penal, e uma menina participou na semana posterior, na semana posterior a gente fez a reunião do coletivo pra fazer o balanço sobre o GD e ela foi pra nossa reunião, e disse que tinha adorado o GD e ela disse que tinha adorado, que a gente não deixasse de fazer, porque ela tinha entrado lá com uma opinião e tinha saído com outra completamente diferente, que ela nunca tinha imaginado o que a gente tinha falado. E ai, "meu deus, a gente mudou a opinião de alguém", sabe o que é isso? E foi muito massa a opinião dela. [...] Mas enfim... É muito gratificante, ainda que seja muito pouco, muito devagar...

Léo: E a pessoa vai vendo as diferenças em detalhes, né? Porque as meninas estão conversando mais abertamente...

Tâm: Não, e a gente escutou um comentário escrotérrimo ontem em aula, que o professor de inglês falou o seguinte: "Eu fiquei foi abismado, eu sai até pra ver quem era, as meninas do 1º ano falando sobre sexo, sobre coisas que eu nem sei o que é..." Ai eu "que ótimo! As meninas agora conversam, elas agora vão se prevenir, não vão precisar mais engravidar tão cedo, porque elas estão desbloqueando essas coisas, não vão mais se rebaixar pra homem e não sabendo o que é gozar..." (Trechos retirados da oficina realizada no dia 23/10/2014).

Na visão delas/es, os GDs possibilitam que as/os meninas/os reflitam sobre algumas questões relacionadas à sexualidade e, desse modo, conseguem dialogar sobre suas múltiplas facetas: sobre modos de experienciar a sexualidade, seus prazeres e desejos; assim como alguns desdobramentos e violências que surgem a partir de determinados contextos. Nesse último caso, destacamos um fato que aconteceu na escola e que impulsionou a organização e realização de um dos GDs que debateu machismo. O GD proposto aconteceu durante a nossa chegada na escola, que se deu após iniciarmos os primeiros contatos com as/os meninas/os. Naquele dia, por meio do convite realizado por uma das/os integrantes, pudemos participar como expectadores da exposição e debate sobre machismo. Para nossa surpresa, logo na abertura descobrimos o motivo que disparou aquela reunião: estava prestes a fazer um ano que um de seus colegas havia sido assassinado, vítima de ciúmes de um outro rapaz, ex-namorado de uma estudante daquela escola.

As/Os jovens expuseram dados e discutiram sobre violências contra mulheres, como assassinatos, divulgação de imagens íntimas, estupro, assédio etc., que fez boa parte das meninas, que estavam ali em sua maioria, pronunciarem-se e trocar experiências e reconhecerem sobre o quanto era importante aquele espaço, onde elas/es pudessem pensar sobre essas e outras questões que nem sempre são debatidas nos espaços e instituições de que elas/es fazem parte. Como percebemos, ainda há um desafio muito grande em romper com algumas lógicas nesse debate, no entanto, a partir das atividades propostas pelo grupo, eles se tornam referência dentro da escola. Essa referência se materializa quando outras/os estudantes as/os procuram para conversar a respeito de preconceitos ou assédios sofridos dentro e fora da instituição e elas/es vão percebendo as pequenas mudanças no cotidiano da escola.

 

Algumas considerações para continuar a pensar

Enquanto estivemos presentes naquele espaço, as/os jovens organizaram sozinhas/os um cronograma com debates variados que passavam pela dimensão da sexualidade, como os debates sobre machismo, LGBTfobias e libertação sexual feminina, e outros de caráter mais pontuais, como a discussão do processo de licitação da lanchonete da escola, e sociais, sobre a redução da maioridade penal, cultura afro-brasileira, entre outros. A maioria desses debates conta com uma boa participação das/os demais jovens da instituição, ainda que não consigam provocar uma mudança significativa em suas estruturas.

As/Os meninas/os se encontram para estudar e compartilhar experiências de outros espaços de formação (outros movimentos sociais e organizações políticas), na tentativa de planejar alguma atividade. Dessa forma, as parcerias realizadas a partir da inserção em outros grupos e movimentos possibilitam que elas/es enxerguem outros caminhos para sua participação e tenham condições de bancar as discussões no espaço da escola.

Como são as/os próprias/os meninas/os que organizam esses debates, as redes tecidas dentro e fora da escola as/os auxiliam na efetivação da demanda. Essas/es parceiras/os são as/os poucas/os professoras/es do instituto que se posicionam de maneira mais crítica e articulam suas práticas docentes com um diálogo entre movimentos sociais e culturais; são colegas que atravessam as vidas das/os jovens e, em alguma medida, podem conversar e trocar experiências pessoais; são profissionais das mais distintas áreas que contribuem com suas práticas.

Vale destacar também a importante participação dessas/es jovens nas assembleias e atos sobre os planos municipais de educação, principalmente diante das proporções tomadas pelas questões de gênero e sexualidade, traduzidas pejorativamente sob a expressão "ideologia de gênero"; e da Lei Escola Livre, aprovada no Estado de Alagoas, que tenta retroceder os avanços conquistados para a educação, interditando e impossibilitando as discussões políticas e cidadãs; silenciando temáticas como diversidade sexual, cultural, étnico-raciais, entre outras.

Nesse sentido, a partir da experiência e reflexão das ações dessas/es jovens, enxergar personagens e cenas aparecerem em um espaço que, muitas vezes, mostra-se tão fechado para a emergência desses enredos é bastante importante e instigante. Assim, visualizamos um outro lado da escola, onde meninas e meninos questionam os padrões demarcados pelos preconceitos sexistas e geracionais e apresentam em seus discursos e ações que "invadem cada centímetro do espaço e reorganizam o território com novas sensibilidades" (ANDRADE, 2012, p. 231). Temos que reconhecer os limites da homogeneidade dos discursos apresentados nesse grupo que participou da nossa pesquisa, tendo em vista que na instituição também existem fissuras que são importantes para compreender as tramas da sexualidade na escola.

Não podemos negar que há uma abertura dentro da escola para que essas/es jovens possam questionar o papel institucional da educação. Mas isso ainda não consegue romper, entretanto, as lógicas de controle e prescrição da sexualidade em seu interior, como vimos. Elas/es continuam sendo vigiadas/os constantemente, não podendo namorar dentro da escola, os preconceitos continuam sendo reproduzidos pelas/os professoras/es e, algumas vezes, por elas/es mesmas/os. Nesse sentido, reiteramos a importância do debate dentro da instituição, para que possamos, de fato, modificar esse cenário.

No que diz respeito a esse aspecto de mudança, tem sido de fundamental importância o reconhecimento e a participação das juventudes em movimentos sociais, políticos e redes de sociabilidade que passam pela instância institucional, mas não só. A partir das diversas (atu)ações, nos mais distintos espaços, essas/es jovens têm sido capazes de questionar, de "balançar o chão" das entidades normativas, questionando a naturalização das exclusões, agregando outras demandas de suas vidas. Os vários grupos e movimentos dentro da instituição escolar nos mostram a diversidade de relações que ajudam a compor um cenário de competição constante por essas questões que são importantes nos processos de subjetivação das/os jovens. Elas/es não querem só estar na escola, mas fazer parte dela, tendo suas demandas ouvidas.

 

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Nota

1 Pesquisadoras/es costumam usar nomes fictícios para preservar as identidades das/os suas/seus informantes, contudo, algumas/uns dessas/es, às vezes, querem que elas sejam expostas. No caso desta pesquisa, os nomes utilizados serão os de registro e, em muitas vezes, os apelidos pelos quais as/os jovens são conhecidas/os dentro dos diversos grupos que fazem parte. A autorização para o uso dos nomes foi dada por elas/es mesmas/os, que se questionaram sobre a necessidade do sigilo nessa pesquisa, uma vez que falar sobre essas práticas dentro da escola é uma forma de dar visibilidade às ações realizadas por elas/es. Assim, acabaram permitindo que usássemos suas identidades individuais e coletivas.

 

 

Recebido em: 31/5/2017
Aprovado para publicação em: 2/10/2017

 

 

* Gostaríamos de agradecer à CAPES pela bolsa de mestrado concedida ao estudante durante a realização da pesquisa.

O estudo apresentado foi submetido e aprovado (12.01.2015) pelo comitê de ética na pesquisa da Universidade Federal de Alagoas, conforme a Resolução nº 466/13 do Conselho Nacional de Saúde. CAAE: 40102714.0.0000.5013.

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