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Saúde & Transformação Social

versão On-line ISSN 2178-7085

Saúde Transform. Soc. vol.3 no.1 Florianopolis jan. 2012

 

EDITORIAL

 

A Revista Saúde & Transformação Social (S&TS) encerrou 2011 ultrapassando as expectativas de seus idealizadores e colaboradores. Como resultado do impacto positivo das tecituras construídas por profissionais e pesquisadores a partir da pluralidade em torno da pesquisa qualitativa, a S&T chega a 2012 lançando sua última edição quadrimestral. A demanda apresentada nos últimos dois anos, fortaleceu a importância do espaço criado pelo periódico e sustentou a conquista da trimestralidade.

Para brindar o sucesso da representação coletiva impressa nas páginas de S&T, trago para o presente editorial uma problemática bastante familiar: a desigualdade social. A temática foi alvo da inquietação de Jean Jacques Rousseau para a produção de grandes legados do século XVIII. Em 1755, o filósofo discorre sobre as causas das desigualdades no livro "Discurso sobre a Origem e Fundamentos da Desigualdade Entre Homens", trazendo uma análise aprofundada sobre a natureza do homem, buscando compreender como o seu desenvolvimento acarreta invariavelmente a desigualdade. Diante da potencialidade desastrosa da desigualdade do estado civil, na obra "Contrato Social", publicada sete anos mais tarde, ele apontava a necessidade de aprender a conviver de forma justa, harmoniosa e livre dentro da própria sociedade, como única alternativa para o problema.

Em 2009, quase três séculos depois, os epidemiologistas britânicos Richard Wilkinson e Kate Picket evidenciaram o poder avassalador da desigualdade sobre as sociedades. Os autores apresentaram uma diversidade de dados que denunciam o sofrimento humano decorrente da enorme diferença que se instala. Em sua argumentação, a desigualdade se mostra como grande dilaceradora da psique humana, gerando insatisfação, desconfiança, ansiedade e violência, seguidas de diversas patologias físicas como doenças cardiovasculares e obesidade. O efeito desestruturante é assim percebido por todos, ricos e pobres, estando relacionado aos grandes problemas sociais.

A insatisfação causada pela desigualdade dilacera, cria sub-homens que se reorganizam em espaços alternativos onde encontram uma possibilidade de recuperar seu valor social. Como ressaltaram Wilkinson e Picket, ao passo que aumenta a desigualdade, aumenta à criminalidade, a violência, o número de pessoas com doenças físicas e mentais, o abuso de drogas e tantos outros tipos de problemas.

Ao lançar um olhar sutil sobre a realidade no nosso país, podemos exercitar a reflexão a partir da desigualdade na formação escolar. Enquanto o Ministério da Ciência e Tecnologia declarou que a taxa média de crescimento no número de doutores titulados entre 1996 e 2008 correspondeu à 11,9% ao ano, o Ministério da Educação informou que entre 2003 e 2009 a taxa média de analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais decresceu cerca de 0,32% ao ano. Nesta perspectiva, não é difícil imaginar o quão distante se sentirá o sujeito, incapaz de ler a bula de seu antihipertensivo, diante da capacidade intelectual notória de nossos doutores. é indiscutivelmente importante garantir a alta qualificação acadêmica, desde que se compreenda a necessidade de suplantar, em igual valor, um contingente de pessoas em condição de extrema desqualificação.

Assim, o conhecimento científico ao mesmo tempo em que elucida também pode ampliar a distância entre os atores sociais, à medida que nossas pesquisas buscam contemplar os desejos de um sistema segregador que desconsidera a capacidade dos sujeitos em atuar e transformar seus contextos. Quando o foco de nossas investigações se direciona a produzir impacto bibliométrico ao invés de atender às necessidades do nosso entorno.

Essas questões nos convidam a pensar em como a comunidade científica tem se organizado no desenvolvimento da pesquisa em saúde frente à desigualdade opressiva que se dissemina pelos diversos setores da sociedade. Retomando o comprometimento da "Saúde & Transformação Social" em "dar voz aos que se engajam, além de fazer ciência", encontramos na revista uma possibilidade, uma busca consciente por diminuir o abismo entre os sujeitos, entre os pesquisadores e suas pesquisas.

 

Edilaine Cristina Silva Gherardi-Donato
Editora para a área de Enfermagem do periódico "Saúde & Transformação Social"
Professora do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas
Escola de Enfermagem de Riberão Preto USP
Centro Colaborador da Organização Mundial da Saúde
para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem
Av. Dos Bandeirantes, 3900 – CEP 14040-902
Riberão Preto – São Paulo – Brasil
Tel.: (16) – 3602-3447
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