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Saúde & Transformação Social

versão On-line ISSN 2178-7085

Saúde Transform. Soc. vol.3 no.1 Florianopolis jan. 2012

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Reflexões acerca da Educação, sob a ótica do Materialismo Histórico

 

Reflections on Education, from the perspective of Materialism Historical

 

 

Fabio Luís QuandtI*; Fernanda Streit KochII**; Douglas Francisco KovaleskiI***

IUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, (SC), Brasil

IIPrefeitura Municipal de Joinville, Santa Catarina, Brasil

Endereço para Correspondência

 

 


RESUMO

Quando observamos a dificuldade dos nossos alunos de regiões de baixa renda, por exemplo, na leitura e interpretação dos textos, ou na formulação de argumentos numa discussão e debate, fica-nos a dificuldade de determinarmos lugares de responsabilidades ou culpas, mas surgem caminhos a serem perseguidos. Influenciada pelo cerne capitalista desde sua fundação, o município de Joinville (SC) manteve seu caráter desenvolvimentista aliado a processo mercante-fabril ao longo da sua história, moldando assim a expressão das relações de seu povo. Assim, o campo da educação em Joinville evoluiu atrelado ao processo sócio-econômico, com seu início e meio marcado pela produção material humana, reproduzindo e capacitando para manutenção do processo do capital. Porém, diante desta relação de fatores, caracteriza-se como aventureiro e imprudente o panorama no qual o sistema educacional está constituído. Ao passo que a equação das contradições sócio-ambientais não for conectada à dialética do materialismo histórico, e este sobre a práxis, pode indubitavelmente esvaecer qualquer fantasia positivista que paire sobre a realidade do Ser.

Palavras-chave: Educação, Sociedades, Materialismo Histórico.


ABSTRACT

When you look at the difficulty of our students from low-income areas, for example, reading and interpretation of texts, or the formulation of arguments in a discussion and debate, it is difficult for us to determine positions of responsibility or guilt, but arise paths to be pursued. Influenced by the core capitalist since its founding, the city of Joinville (SC) maintained its developmental character combined with merchant-manufacturing process throughout its history, thus shaping the expression of the relations of his people. Thus, the field of education has evolved in Joinville linked to socio-economic process, with its beginning marked by the production and half human material, reproducing and empowering process for maintenance of capital. However, before this list of factors, characterized as reckless adventurer and the landscape in which the educational system is built. While the equation of social and environmental contradictions is not connected to the dialectics of historical materialism, and on this practice, can undoubtedly fade any positivist fantasy that hovers over the reality of Being.

Keywords: Education, Societies, Historical Materialism.


 

 

1. IMERSÃO À DISCUSSÃO

Debater sobre educação acerca de seus meios e fins, principalmente das suas implicações sensíveis, é um encargo de grande importância, pois tratamos de relevâncias que envolvem questões sociais em várias perspectivas: econômicas, políticas, éticas, etc. Quando observamos a dificuldade dos nossos alunos de regiões de baixa renda, por exemplo, na leitura e interpretação dos textos, ou na formulação de argumentos numa discussão e debate, fica-nos a dificuldade de determinarmos lugares de responsabilidades ou culpas, porém, das consequências consideradas problemas no campo educacional, existe um horizonte de agentes movimentadores, que vão da ordem ambiental (família, escola, bairro, etc.), orgânica (disfunções fisiológicas do Ser)1.

 

2. DIALÉTICA DOS FATOS

Influenciada pelo cerne capitalista desde sua fundação, o município de Joinville (SC) manteve seu caráter desenvolvimentista aliado a processo mercante-fabril ao longo da sua história, moldando assim a expressão das relações de seu povo (educação, trabalho, família e etc.). Povo esse que se configura de etnias distantes. Num primeiro momento de colonização (1851), encontramos a população joinvillense composta por imigrantes do continente europeu com origem alemã, que permaneceu hegemônica até um segundo movimento (1950), o qual, provocado pelo alto processo de industrialização do pós-guerra, gerou a imigração dos "não nascidos" da colônia, contando com cidadãos de maioria do sudoeste do Paraná2.

Com a alta taxa demográfica assinalada nas décadas seguintes à segunda imigração, houve também a expansão geográfica, a fim de re-locar os chamados "filhos de operários" e "caboclos"3 que se deu pela renda salarial. Loteamentos periféricos aos bairros de maior poder aquisitivo, os quais estavam no centro do comércio e câmbio, foi à solução política, o que garantiu a manutenção da ideologia vigente. Assim, o campo da educação em Joinville evoluiu atrelado ao processo sócio-econômico, com seu início e meio marcado pela produção material humana, reproduzindo e capacitando para manutenção do processo do capital.

Nossa observação parte deste segundo processo migratório, mas com o foco nos dias contemporâneos e, influenciado pelo passado original. Encontramos nas áreas de loteamento, alguns já "Bairros", altos índices de carência e baixa renda, problemas de habitação, emprego, escolaridade e violência. Situada no novo bairro Ulysses Guimarães, que até meados de 2005 seguia como conjunto habitacional4, a Escola Municipal Amador Aguiar, fundada em 2000, com apoio financeiro do Banco Bradesco, é representada como única instituição de ensino na localidade, mas contemporaneamente o bairro conta com 5 indústrias, 15 comércios, 10 serviços e nenhum posto de saúde, sendo o mais próximo ao bairro vizinho (Ademar Garcia) que abarca uma única unidade4. De renda per capita mensal de R$ 241, 94, o bairro Ulysses Guimarães conta com aproximadamente 7 mil habitantes, tendo 42% de crianças e jovens, ou seja, perto de 2940 cidadãos de idade discente, sendo que se apresentam no momento 1.324 alunos matriculados na instituição alvo5. Localizado numa área de remanescentes e transição de manguezais da região leste de Joinville, ou seja, um ambiente sujeito ao regime das marés, com refluxos e transgressões marítimos, com o solo lodoso-lamacento, de instabilidade natural e alta salinidade6, tem seu estado ainda agravado por ter apenas 45,24% da área do bairro atendida por rede coletora de esgotos7.

Os dados da Secretaria Municipal de Educação de Joinville5 demonstram elevados números de desamparo, violência, uso de drogas ilícitas, junto aos distúrbios de aprendizagem, de característica genética, onde as crianças diagnosticadas na escola recebem tratamento (quando possível) especial. Assim, a proposta que legitima a educação, como explica Leontiev8 de se preocupar com a assimilação pelas novas gerações, da cultura produzida historicamente, encontra mais um obstáculo empírico, e Paro9 vai além, dizendo que sem a preparação, não há a capacidade, sem a capacidade, perde-se a liberdade e ganha-se a alienação. De tal modo, como a verdadeira cura para a enfermidade não está nos efeitos, mas sim no agente patológico, nós expomos a hipótese que o transtorno de aprendizagem do "jovem", de origem biológica ou social, é uma representação do problema, ou seja, a consequência e não a causa. Portanto, todo tratamento de inclusão especial, acaba por se tornar inerte quando reproduzido individualmente e sob o aspecto factual representativo, não atingindo assim o alento promotor de todo processo, fora da dinâmica sensível e objetiva, se tornando mais um falso óbvio da ideologia dominante. Tratar a questão em seu imediato presente, no indivíduo, tem sua importância, contudo, não revirar a questão dialeticamente, como se fosse uma tapeçaria de mil pontos, para enxergar todo caminho intrincado que há sob a superfície positivista, é prolongar e consentir a manutenção dessa contradição social.

A conjuntura da colônia, que mais adiante se tornaria no maior centro urbano do estado de Santa Catarina, tem seu exórdio em terras européias, precisamente no norte da Alemanha no ano de 1827, onde encontravam-se as cidades, Lüebeck, Bremen e Hamburgo2. Nesta época, a fim de ordenar uma reutilização do espaço, o Brasil imperial passava por reformulações políticas que movimentavam os processos de imigrações estrangeiras. Foram criadas leis e decretos, que embora tratassem de organizar os tratados, apresentavam contradições e disposições confusas, beirando a improvisação de atos, os quais provocavam situações de conflito entre imigrante, proprietário de terras e "agentes" de imigração estrangeiros10. Em 1850, com o aprimoramento das negociações, a colonização da província de Santa Catarina teve seu auge, onde ao mesmo tempo veio a apresentar uma diminuição na taxa de escravos.

"Colônia Dona Francisca", futura Joinville, era o nome das terras brasileiras consorciadas num dote matrimonial entre a filha de D. Pedro II (Princesa Dona Francisca) e o príncipe de Joinville, (François Ferdinand Philippe de Orleans). Dado o momento socioeconômico, o Príncipe François fez valer os tratados colonizadores da época e aliou-se a "Sociedade Colonizadora de Hamburgo de 1849"11 para dali proverem lucro, com a formação de colônias rurais. Alemanha e Inglaterra viram nessa ideia uma oportunidade de expandir as relações comerciais, já que a produção manufatureira estava em alta nestes países, porém com problemas sociais graves que amarravam o desenvolvimento econômico, devido ao movimento de industrialização. Assim, o primeiro pensamento organizacional das terras joinvillenses aflorou sob o olhar mercantil.

A primeira leva de imigrantes era composta por suíços, num total de 118, que desembarcou na data 9 de março de 1851. Seguindo a ordens colonizadoras, de pretensão rural, entre estes, estavam lavradores, mas também contavam com tecelões. Logo no dia seguinte e mais adiante, pisaram em terras coloniais, 61 noruegueses, 118 suíços, e 75 alemães, agora contando com ferreiros, padeiros, marceneiros e alguns lavradores. Em 1873, devida à forte crise econômica vivenciada na Europa, a emigração alemã se acentua, e fortalece as raízes nas terras catarinenses. Dadas às precárias condições ambientais, a inexperiência de alguns imigrantes e a heterogeneidade da população, o início do processo de colonização foi marcado por conflitos, problemas relacionados à saúde, moradia e trabalho, lembrando também a sensação de desamparo vivida pelos imigrantes, frente ao abandono de seus agentes hamburgueses12, e esta população não procurava somente uma nova terra para se desenvolver, mas uma nova história, a qual possibilitasse alcançar a felicidade e qualidade de vida que o capitalismo europeu os prometeu. Imigraram estimulados pela propaganda, que apresentava o lugar como se fosse um verdadeiro paraíso terrestre. No entanto, o governo imperial brasileiro por sua vez incentivava a imigração visando substituir a mão-de-obra escrava por colonos livres, ocupar os vazios demográficos e também branquear a população brasileira13.

A contínua chegada de estrangeiros à nova terra, forçou uma expansão territorial na direção do planalto norte, juntamente com o fortalecimento comercial com esta região, devido à "Estrada da Serra", que mais tarde seria conhecida como "Estrada Dona Francisca". Esta ligação mercantil possibilitara o escape de produtos da colônia, assim como a importação de outros. Deste modo, os engenhos de açúcar, mandioca, milho, entre outros, serviram como força motriz para o processo de industrialização, processo que modificou a produção familiar para produção mecanicista. A intenção majoritária dos organizadores hamburgueses era que a colônia se transformasse numa terra de produção agrícola, mas como dito antes, questões ambientais e sócio culturais, acabaram naturalmente por desorganizar a proposta primária, e os colonos, que já haviam experimentado a atividade comercial e industrial em terra-tronco, se viram obrigados a trabalhos semelhantes em solo novo, e os indivíduos que não se adequavam às condições impostas pelo empreendedorismo colonial, novamente eram expulsos, ficando ao sabor da sorte.

O caráter capitalista do processo colonizador movimentou e findou a estrutura sócio-cultural da região, pois o emigrante era remanejado para uma área privada, obrigado a assumir um contrato de trabalho, onde pagaria sua passagem com produtos da lavoura e serviços de estruturação da colônia. Mesmo aquele que adquirisse a gleba, obrigava-se a num período curto de tempo, construir casa e plantio de acordo com as atividades pressupostas pela direção da colônia, já que a atividade de comércio, era privatizada. Deste modo, o que foi sendo evidenciado, foi uma extensão do monopólio capitalista europeu, onde não só emigravam pessoas, mas também ideologias econômicas.

Inicialmente, da mesma forma que o processo de ocupação do espaço e de organizar a infra-estrutura necessária para acomodar os imigrantes na região, estava sob a responsabilidade da Companhia Colonizadora de Hamburgo a "escolarização" dos mesmos. Dentre os recém-chegados havia uma preocupação com a adequação da mão de obra para o trabalho exigido neste início de tarefa. A primeira escola fora estabelecida no ano de 1854, a qual tinha por característica os cultos religiosos. Os salários do "orador" e professor ficavam a cargo dos colonos. Como os colonos não tinham condições financeiras para tal, quem os pagava era a própria Sociedade Colonizadora. O processo de escolarização teve nesse início a preocupação em manter a cultura étnica germânica juntamente à nova dinâmica de trabalho, o que teve muitos empecilhos devido à raridade de frequência desses estudantes nas aulas, devido já a sua jornada de trabalho2. E assim transcorreu nas décadas seguintes.

Ao que se refere o nosso estudo e parte do processo de escolarização, observamos um momento importante na municipalização do espaço e adestramento de um povo. Em 1880, funda-se a Futura Escola Pública: "Escola do Padre" Carlos Boegershausen, de ensino privado no seu início, a qual passou a ser a primeira escola pública acolhendo o "apelo" das comunidades "já" carentes. Com a imigração constante e desenvolvimento das famílias, os investimentos em educação se tornaram uma das principais despesas de Joinville, em 1901, correspondia 9,3% do orçamento total do município5.

Destarte a educação pública, em seu início, ficava sob o encargo do Superintendente Municipal, onde as normas escolares eram aprovadas no Conselho Municipal, que também seguia as diretrizes estaduais, tendo a maioria das escolas nas áreas rurais, sob uma situação delicada, ou seja, encontravam-se entre uma nova a política nacionalizadora do Brasil e a influência fascista do regime alemão.

Com o movimento industrial cada vez mais imponente na expressão do desenvolvimento do joinvillense e também do brasileiro, o Presidente da República, Nilo Peçanha, assinou o Decreto n.º 7.566 de 23 de setembro de 1909, que criava dezenove Escolas de Aprendizes e Artífices, uma em cada Estado da Federação, mantidas pelo Ministério da Agricultura, Comércio e Indústria e oferecia gratuitamente à população o ensino profissional primário.

é no governo de Getúlio Vargas, criando em 1930 o Ministério da Educação e da Saúde, que inicia-se uma reestruturação na educação brasileira. Tendo em vista o ensino profissional, foi estabelecida a Inspetoria do Ensino Profissional Técnico, um órgão controlador das escolas profissionalizantes, transformado-se em 1934, na Superintendência do Ensino Profissional. Sobre o qual, o Ministro da Educação e da Saúde, Francisco Campos promoveu uma reforma no sistema de ensino brasileiro dando uma estrutura legal ao ensino secundário, comercial e superior, onde chegou a definir na Constituição de 1937, no Art.129, que "ensino profissional estava destinado às classes menos favorecidas".

Para tal manobra, foi elaborado o DPN (Departamento de Propaganda Nacional), que tinha como maior representante Professor Humberto Grande, o qual ajudou a elaborar a perspectiva pedagógica estadonovista.

Carecemos, enfim, de políticos e economistas verdadeiros, pessoas práticas e industriais habilitados. Estes transformarão a nossa nacionalidade em poderosa potência mundial. é verdade que tal educação formará menos poetas e literatos, menos bacharéis e doutores, mas preparará homens úteis e prestimosos, técnicos e especialistas de primeira ordem de que tanto o país necessita com a sua vasta extensão territorial, com solo fertilíssimo e subsolo dos mais ricos, com possibilidades agrícolas e industriais enormes14.

A pedagogia estadonovista tinha necessidade de promover a Educação a fim dos interesses do Estado. Aos trabalhadores e seus familiares era elaborado, especialmente, manuais de formação escolar para o trabalho. O trabalho deveria ser entendido como a engrenagem central, sem ele não haveria progresso na superestrutura. Dentre tantos meios de comunicação, o DPN difundia uma cartilha aos jovens estudantes e trabalhadores, que defendiam, em sua ideologia, a brasilidade do cidadão.

Um operário é um bom brasileiro? Sim, menino, porque é um brasileiro que trabalha. Um soldado é um bom brasileiro? Sim, menino, porque é um brasileiro que defende a ordem, a lei e a justiça.

O pai do menino é um operário. O pai do pai do menino também foi um operário. Quem é o pai do pai do menino? é avô do menino. O menino sabe que o avô foi pobre e se queixou das injustiças. Mas o pai do menino já não é tão pobre. Porque o pai do menino já tem DIREITOS. O menino sabe o que é uma divergência? Não, o menino não sabe. Já viu uma briga entre irmãos? Pois isso é uma divergência. Todos os brasileiros são irmãos. O Brasil não quer que os seus filhos, irmãos brasileiros, briguem uns com os outros. O Brasil não quer coisas feias. O Brasil não quer divergências. Aí, está mais uma razão pela qual o Brasil é bom15.

Desta forma a política de Vargas envolve Joinville. Uma economia industrial em promoção e uma classe operária em estabilização, com movimentos portuários, com acordos mercantis contemporâneos a cidades pólos (Blumenau-SC e Curitiba-PR); ligações com planalto catarinense devido à construção da estrada Dona Francisca; sistema ferroviário e conclusão da BR 59 (atual BR 101) junto à implantação da Fundição Tupy, ainda na década de 50 e 60. Joinville, por isso, recebeu o título de Manchester Catarinense – homenagem à capital industrial inglesa2. Para tanto teria que adequar mais uma vez a mão de obra, o que não foi difícil, já que a própria empresa de fundição Tupy desenvolveria, como teria apoio estatal, uma escola técnica profissionalizante, de acordo com as necessidades de manufatura. A Escola Técnica Tupy (atual SOCIESC), iniciou suas atividades em 1959 com a oferta do curso técnico em Metalurgia. Em 1.965 construiu o primeiro laboratório de mecânica dando-se início à formação do Técnico em Mecânica. No ano de 1973 formou-se a primeira turma de Metalurgia. Deste ano em diante a SOCIESC ampliou suas atividades ofertando outros níveis de ensino, além de cursos técnicos para suprir, principalmente, o setor produtivo da região onde atua16.

Observando somente a proposta educacional do município hoje, numa breve análise dos macro-objetivos da secretaria de educação do município, a saber:

Atender com Ensino Fundamental, a população acima de 6 anos; ter pelo menos 99% da população acima de 15 anos alfabetizada até 2008; ampliar a educação de adultos em Joinville, de forma a atingir 75% do adulto com ensino fundamental completo até 2008; Adequar 50% das escolas, até 2008, para o atendimento do portador de necessidade especiais do ensino infantil e ensino; Ampliar a parceria com o governo do estado para construir 6 novas escolas de ensino fundamental e ensino5.

Os quais estão em consonância com as Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nos fica claro a dependência das ações políticas sobre o empiricismo estático acrítico. E fica mais evidente quando em pesquisa verificamos que a SEC-Joinville possui somente dados estatísticos frente à "realidade" de suas instituições e profissionais de ensino. Da mesma forma, em nível nacional, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), promove: índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB); Prova e Provinha Brasil; SAEB e FUNDEB. Todos indicadores de "qualidade" no seu método capitalizador do ensino, o qual trabalha com comparações estatísticas exteriores à nossa historicidade, acerca dos países economicamente "desenvolvidos"17.

 

3. O ATO MODIFICADOR E A INFLUÊNCIA DO ESPAÇO

Seja na seara acadêmica, política, ou até na prosa vizinha, os debates, discussões e críticas frente às contradições espaciais, e assim sociais, nos apresentam horizontes de paisagens infinitas. Livros, teses, denúncias, vivências expõem os problemas sociais (con)vividos no ambiente urbano, que vão desde a questão da moradia, da educação e vínculos empregatícios. Porém, diante desta relação de fatores, caracteriza como aventureiro e imprudente o panorama no qual o sistema educacional está constituído. Ao passo que a equação das contradições sócio-ambientais não for conectada à dialética do materialismo histórico, e este sobre a práxis, o qual pode indubitavelmente esvaecer qualquer fantasia positivista que paire sobre a realidade do Ser. Segundo Marx18, no executar do dia-a-dia o homem transforma a natureza para que suas necessidades sejam supridas, onde a produção material é a produção histórica de si, e num estágio mais avançado, sob a influência da lógica do fetiche mercantil, surge o câmbio, o trabalho dos homens sobre os homens e o estranhamento entre eles. Portanto, o espaço e sua (re)apropriação, junto a sua modificação, ditam em certo tom as causas de nossas aflições.

A pressão do ambiente urbano, com suas técnicas a mercê de uma lógica, as quais modificaram e modificam o meio cotidiano do Ser, marcaram as últimas décadas de desenvolvimento social urbano no Brasil19. Sobre essa realidade, Mészároz20 nos lembra que a concepção dominante de desenvolvimento, que o mundo experimenta hoje, está baseada numa série de postulados, que podem ser resumidos em: o de desenvolvimento como mero crescimento econômico; o da democracia como um conjunto de direitos apenas individuais, aos quais tem pleno acesso somente àqueles que vivem do capital, mais que da sua força de trabalho; e o da educação como um processo seletivo e de caráter predominantemente funcional, visando formar pessoas dispostas e capazes de perpetuar o sistema dominante de divisão de trabalho.

A apropriação do espaço, seja para moradia, seja para o trabalho, acarreta um interesse sócio econômico de: pesquisadores que esmeram pela justiça social frente à realidade marginal flagrada; e por especuladores capitalistas do movimento industrial mecânico e imobiliário, movidos pelo lucro e pilhagem. Mas Pedro Demo21, numa reflexão aguçada e provocativa, como que desmistificando o "bom" e o "mau", nos lembra que mesmo o pesquisador social de "boa vontade" não se encontra fora da dinâmica especulativa do "interesseiro", pois a pesquisa não significa necessariamente uma solução para o flébil, mas pode se transformar numa fuga do problema, caso não desconstrua o romance positivista dos dados factuais, onde a ciência não legitima a política emancipatória.

Marcado pela justaposição de diferentes organizações espaciais específicas que se originam de processos distintos, o espaço urbano apresenta estruturas peculiares dependendo da função do conjunto que a ocupa, ou seja, a transformação do ambiente natural conforme a expressão do desenvolvimento da produção material humana22 e seu arranjo social, se arquiteta por um marco jurídico, político e ideológico que pode ser representado por planejamentos territoriais, ou então, através de alianças de cunho capitalista (industrial, comercial, imobiliária) a ditar a consciência de uma população. Para Edward W. Soja23, a posse ou o domínio da terra, assim como suas modificações e meios de produção, são elementos necessários para a manutenção da ideologia vigente (a ordem do capital), já que a privação leva a exploração, e à relação poder e submissão.

O ato modificador surge na técnica (material ou intelectual) e nesta, a realização da vida, inventando e lançando o espaço. A técnica, segundo o geógrafo Milton Santos24, se instala na superfície da terra para satisfazer questões da realidade objetiva do ser, como: alimentar-se, residir, movimentar-se e criar modernidades instrumentais em seu meio ambiente (objetos). é fato, que o espaço está sob uma paisagem de objetos instrumentais, e que dali, nasce à legitimidade para a adaptação urbana e vivência social, pois está organizada segundo uma lógica e utilizadas pela mesma.

Assim, a ideologia do capital rege os movimentos entre os indivíduos e a produção material, a qual engendra o ensino a sua lógica, servindo primordialmente aos interesses da classe detentora de produção, não sendo assim espontaneamente revolucionária25. Portanto, caberia para tal classe, ensinar os alunos somente os requisitos básicos para que pudessem exercer uma função no campo da produção, disseminando e reproduzindo a lógica dominante.

Perfazendo os traveses e as imbricações da relação ambiente – educação – trabalho, a análise crítica dos transtornos de aprendizagem nos admite levantar questões um tanto intrigantes, apresentando uma concepção dialética da origem dos males educacionais. Assim as etiologias dos problemas de aprendizagem, com origem biológica ou sociológica, podem ser desmistificadas e apreendidas sob o mesmo golpe, à medida que o discurso do materialismo histórico se insere. Ora, mesmo que o distúrbio atinja o indivíduo em seu genótipo exteriorizando para o fenótipo (fisiologicamente), ou seja, de "dentro para fora", sua hereditariedade delicada foi herança do processo histórico de seus progenitores. Para Barreto26, o mesmo acontece na questão psicossocial, já que esta se estrutura no desenvolvimento objetivo do Ser, conforme as influências de seu contorno social. Tanto a família, escola e comunidade se formam na reciprocidade entre elas mesmas, junto à modificação (trabalho, cultura, valores, etc.) do meio.

Vygotsky27, em suas contribuições sobre o estudo das funções psicológicas superiores, complexas, afirma que estas eram o resultado da interação de funções biológicas e psicológicas elementares com a cultura e com a história e que se desenvolviam de forma interpsíquica e intrapsíquica. Nascem a partir da relação que o homem estabelece com o mundo e com a cultura construída e elaborada através da história. Influenciado pela teoria de Marx, concebe que o homem realiza trabalho para modificar o meio e produzir cultura, por meio do fazer histórico-cultural. Destarte, as condições de interação são determinadas pelo meio, através de mediadores que promovem o desenvolvimento do homem e o instrumentalizam para atuar sobre este meio e modificá-lo. Weiss28 enfatiza que tomar a dimensão humana como social é destacar o ensino e considerar a educação como um esforço conjunto da sociedade para permitir que o indivíduo se aproprie das características da própria sociedade.

Inúmeras pesquisas apontam que o maior índice de fracasso escolar ocorre com crianças pobres29, uma vez que nessas áreas com concentração de famílias de baixa renda, são diagnosticadas: carências afetivas; deficientes condições habitacionais, sanitárias, de higiene e de nutrição; ambientes repressivos; métodos de ensino impróprios e inadequados19.

A produção escolar e as oportunidades reais que a própria sociedade oferece aos indivíduos de diversas classes sociais estão intimamente ligadas. Os alunos que pertencem às famílias pouco privilegiadas economicamente, geralmente são incluídos em classes especiais, taxados como limítrofes e com problemas graves de aprendizagem. Este "status" propõe uma severa discriminação, na qual, na realidade, são frutos de um meio onde há falta de oportunidade de crescimento cultural, de rápida construção cognitiva e desenvolvimento da linguagem que lhes permita maior imersão num meio letrado.

Numa esfera mais ampla, é a sociedade que ocupa lugar de destaque dentre as perspectivas de análise do fracasso escolar. Nesta visão, se evidencia o tipo de cultura, as condições e relações político-sociais e econômicas em evidência, bem como o tipo de estrutura social, as ideologias dominantes e as relações explícitas ou implícitas desses aspectos com a educação escolar.

Para Weiss28, as condições socioeconômicas e culturais exercem influência nos aspectos físicos dos alunos de baixa renda pelas consequências no período pré-natal, perinatal, pós-natal, assim como a exposição mais fácil a doenças letais, acidentes, subnutrição e suas consequências.

E de acordo com Drouet30, estas regiões, em contemporaneidade, apresentam maiores índices de: desvios orgânicos; envolvimentos intra-uterinos desfavoráveis (embriopatias, fetopatias, etc.); malformações congênitas; irregularidades bioquímicas; incompatibilidade Rh; lesões cerebrais (mínimas ou severas); doenças infecciosas; envolvimentos consanguíneos.

 

4. CONCLUINDO O PENSAMENTO

O fenômeno movedor que originou o espaço contraditório em Joinville (regiões pobres e ricas) se deu sobre a influência do movimento capitalista, com a imigração do Homem rural à Homem urbano, que teve embalo na industrialização, depois que esta mobilizou o avanço das cidades em prol da reprodução da força de trabalho. Seguindo a sazão nacional, o inchaço urbano recorrente as imigrações e o abandono do poder público em cerne ao plano de desenvolvimento, forjaram, no último meio século, um crescimento populacional desordenado, o qual teve seu início na década de quarenta, no período pós-guerra. à frente, já surgindo os frutos desse desenvolvimento migratório, o crescimento populacional eleva-se a nível preocupante, onde sua densidade extrapola os níveis de produção. Concomitante, em 1964, o Estado passa a agir como representante dos interesses públicos em seus aspectos sociais. Com seu característico centralismo autoritário, os militares tecnocratas planejaram e concretizaram a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano31, o qual incentivou o capital privado em ações imobiliárias de ordem pública, ascendendo ainda mais às desigualdades civis, aceitando os pólos dicotômicos: periferia e o centro32. Assim, o indivíduo assalariado teve seu nicho específico formado pela ideologia desenvolvimentista da época, perfazendo o caminho inverso do espírito humano, que apresentou sua prática movida pela ideia representativa.

Destarte, a relação espacial e social que é apresentada hoje na cidade de Joinville, com forte penar sobre a educação, se dá por origens históricas e vice-versa, onde se verifica mais profunda a cicatriz dessa segregação, espelhando a face de uma sociedade dividida em classes, a qual se mantém. Famílias menos favorecidas na sua história, espoliadas por imigrações, submissas a rasos vínculos empregatícios, acabam por ocuparem áreas periféricas, marginais a infraestrutura civil, submetendo-se a uma reprodução social que atinge o espírito humano, a capacidade realizar e modificar intelectualmente. Por último, sobre esta capacidade, Friedrich Engels32 nos auxilia com sua análise dialética, dizendo:

A mão fica livre e a partir de então podia alcançar destreza e habilidade ainda maior, e a maior flexibilidade assim adquirida era herdada e crescia de geração a geração. Assim a mão não é apenas o órgão do trabalho, é também o produto do trabalho. Só pelo trabalho, pela adaptação e operações sempre novas, pela herança do consequente desenvolvimento [...] herdados em novas operações, cada vez mais complicadas, é que a mão alcançou o alto grau de perfeição que lhe permitiu criar os quadros de Rafael, as estátuas de Thorwldsen, a música de Paganini32.

 

Referências Bibliográficas

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Endereço para Correspondência

Fábio Luiz Quandt
Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
Campus Universitário - Trindade CEP: 88040-900- Florianópolis, SC - Brasil
e-mail: fabio.quandt@gmail.com

Artigo encaminhado 20/09/2011
Aceito para publicação em 21/11/2011

 

 

Notas

* Mestrando, Universidade Federal de Santa Catarina.
** Psicopedagoga, Prefeitura Municipal de Joinville.
*** Doutorando, Universidade Federal de Santa Catarina.