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Saúde & Transformação Social

versão On-line ISSN 2178-7085

Saúde Transform. Soc. vol.3 no.1 Florianopolis jan. 2012

 

METASSÍNTESES QUALITATIVAS E REVISÕES INTEGRATIVAS

 

Postura profissional do enfermeiro à luz de Freire: entrelaces com o Sistema único de Saúde

 

Attitude of nurses in the light of Freire: interconnections with the Brazilian Health System

 

 

Gisele Coscrato*; Sonia Maria Villela Bueno**

Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A Política Nacional de Humanização foi criada pelo governo federal como um mecanismo catalisador dos pressupostos do Sistema único de Saúde (SUS), buscando a reorganização do processo de produção dos serviços de saúde e mudanças estruturais do sistema por meio de novos olhares do que seja o ser humano e assistência holística. No entanto, constatam-se deficiências na formação de profissionais de saúde, correlacionadas a necessidade de atuação integral. Neste contexto, o enfermeiro, dadas suas competências administrativas e assistenciais, exerce papel peculiar, podendo contribuir na busca pela humanização do atendimento. Neste estudo, buscamos debater essas questões utilizando a revisão narrativa, propondo reflexão sobre o universo conceitual freireano para superação de dificuldades e caminho possível na formação universitária dos profissionais de saúde, particularmente do enfermeiro, na consolidação de uma prática mais humanizada.

Palavras-chave: Educação; Humanização da Assistência; Enfermagem.


ABSTRACT

The National Humanization Politcs was created by the federal government as an in mechanism taker of the Brazilian Health System (SUS), searching for the reorganization of the process of services production of health and structural changes of the system by having a different approach between the human being and holistic assistance. However, note are shortcomings in the training of health profissionals, correlated with need for integral performance. In this context, the nurse, having not only management but also helpul skills, has a main role, he/she can help with the humanization matter of the job. In this paper, we tried to debate these matters using a narrative review, suggesting a refletion about the concepts of the universe "freireano" to overcome difficulties and as a possible way in the University background of the health professionals, specially the nurse, the consolidation of a more humane practice.

Keywords: Education; Humanization of Assistance; Nursing.


 

 

1. INTRODUÇÃO

O padrão de industrialização fordista adotado pelos países centrais no início do século XX, estendendo-se para os países periféricos, disseminou diversas mudanças no mundo do trabalho. Ao longo desse século, alguns elementos básicos constitutivos foram consolidados, como o trabalho parcelar e a fragmentação das funções, a dissociação entre a elaboração e a execução no processo de trabalho, a existência da verticalização nas unidades fabris, e a consolidação do operário em massa, entre outros fatores1.

Entre os grandes impactos provocados por todas essas transformações, acerca da produção, reprodução e gestão da força de trabalho, situam-se, por exemplo, o crescimento do desemprego; o aumento da informalidade e de vínculos de trabalho de curta duração; a precarização crescente das relações e condições de trabalho, incluindo a perda dos direitos trabalhistas e da garantia de estabilidade nos postos de trabalho; além do aumento das ofertas de mercadoria e serviços1. Esses aspectos foram marcantes nos mais variados setores de trabalho. Por exemplo, no setor de saúde, no Brasil, também houve a desvalorização dos trabalhadores de saúde, a precarização das relações de trabalho, baixos investimentos em educação permanente dos trabalhadores, pouca participação na gestão dos serviços e frágil vínculo com os usuários2.

Também é importante considerar, frente a todos os impactos colocados, que no modelo fordista de produção, o mercado pedia o trabalhador especialista; aspecto esse que, nas novas políticas econômicas adotadas que buscavam o livre mercado, progressivamente foi esperado que o trabalhador tivesse um perfil mais generalista e atualizado1.

A especialização do perfil profissional no setor da saúde estaria refletindo o enfoque predominantemente curativo em prejuízo do preventivo. Esse aspecto, dentre outros de ordem política, econômico, etc, estaria incidindo sobre o cuidado, que estaria mais fragmentado, focado na doença e no biológico. Nesse contexto, as ações educativas teriam como objetivo a submissão do paciente a novos hábitos de vida, e a comportamentos que os impedissem de ter doenças, sendo que esses hábitos deveriam ser incorporados da maneira como o conhecimento era transmitido pelos profissionais. Muitas vezes, o significado desse conhecimento, repassado de forma tradicional, não era efetivamente compreendido, não se tendo êxito nesse saber médico biologicista e de pedagogia tradicional que estruturavam a saúde3.

O enfoque biológico da atenção à saúde, de caráter curativo, distancia saberes e práticas das realidades, nas áreas de educação e da saúde, prejudicando a difusão científica e a educação em saúde, pois os modos de viver e as crendices populares não são considerados nem compartilhados entre educadores e membros de comunidade. Estabelece-se a precarização dos vínculos entre profissionais da saúde e usuários dos serviços. Evidencia-se, a partir desse contexto histórico, que as instituições de saúde no nível de assistência primária apresentaram dificuldade nos atendimentos, os quais iam tendo demanda crescente, o que tornou-se uma necessidade, corroborar as relações entre o sistema formal de saúde e a comunidade4.

No Brasil, oficializa-se a criação do Sistema único de Saúde (SUS), a partir da Constituição Nacional de 1988, assegurando a saúde como direito de todos os cidadãos. A implementação dos princípios do SUS, em sua plenitude, estaria sendo dificultada pelo paradigma biomédico em saúde, no qual várias profissões de saúde se fundamentam, baseado em referenciais positivistas, pautado em causa e efeito, predominantemente tecnicista, especializado, impositivo, acrítico e centralizador da responsabilidade sobre a saúde (e as doenças) dos indivíduos apenas nos serviços de saúde. Destarte, exclui a compreensão das singularidades humanas, derrogando quaisquer tentativas de mudanças paradigmáticas, no processo de formação dos profissionais para a saúde, em sua integralidade e complexidade4,5.

Verifica-se que mesmo após os avanços operacionalizados pelo SUS, são marcantes a fragmentação do processo de trabalho e das relações interprofissionais, da rede assistencial, a burocratização e verticalização do sistema, a pouca qualificação dos trabalhadores, a formação dos profissionais de saúde distante da formulação da política pública de saúde, o modelo de atenção centrado na relação queixa-conduta; para citar alguns dos aspectos resultantes da desumanização do setor de saúde na relação com os usuários do serviço público, e da desarticulação frente às necessidades do SUS2,5.

Ainda, quando são realizadas avaliações dos serviços, aponta-se o despreparo dos profissionais em lidar com as subjetividades, arraigada a toda – suposta - prática de saúde. Emerge-se que não há interdisciplinaridade das práticas e saberes, de modo que, na direção contrária a ela e à humanização em saúde, fragmenta-se a atenção dispensada ao usuário, aos serviços, e do ensino acadêmico de profissionais (fortemente pautado na especialização, e nas partes do sujeito)3,6,7.

O processo de produção em saúde incita, nesse contexto, necessidade de transformação nos campos das práticas e dos saberes, dirigindo-se a abarcar o ser humano enquanto ser inserido nos contextos social, cultural, histórico, ambiental, etc, de forma mais integralizada (e não fragmentadora) e portanto, condizente à pretendida humanização proposta pelo Ministério da Saúde2.

 

2. OBJETIVOS

Diante do exposto, a proposta do presente artigo foi a de discutir e apontar o referencial teórico de Paulo Freire a ser utilizado como uma referência pedagógica universitária em saúde, particularmente, na formação do enfermeiro, como tentativa de buscar o aperfeiçoamento da profissão, condizente a uma atuação mais humanizada.

 

3. PERCURSO METODOLÓGICO

Procuramos levantar na literatura científica, fundamentação o mais atualizada possível, com caráter qualitativo, tendo-se como preceito que as questões referidas e posteriores discussões podem ser consideradas amplas ou abertas, optando-se por discorrer no texto evitando as chamadas categorias ou redução a determinados conteúdos. Para tanto, utilizamos o método de revisão narrativa, dada a amplitude deste estudo. Como percurso metodológico, a revisão narrativa propõe a contextualização do tema, buscando literatura científica de outros autores atualizada sobre determinada temática, estabelecendo fundamentação teórica e disponibilizando descrição e discussão sobre o conhecimento existente sobre o assunto.

Portanto, esse tipo de método de revisão não está contemplado tão somente na busca de trabalhos científicos por meio de seleção através de palavras-chave, quando ocorre a quantificação de dados de modo predominante, mesmo que em forma de categorias mais encontradas. Conquanto não reflete os paradigmas estruturalistas científicos, pois vai em busca de novos horizontes possibilitando o pensar sobre o pensar já produzido. Sendo que na revisão narrativa, é feita uma coletânea de textos, entre documentos, artigos e teses que possibilitem fundamentar mais do que a descrição dos dados encontrados, mas qualitativamente, propõe a discussão crítica dos achados voltada à contextualização da temática projetada inicialmente no estudo, lançada por alguma inquietação acerca do universo real8.

Neste estudo, foram selecionados artigos, documentos oficiais e teses que se referiam às políticas de humanização existentes atualmente no SUS e à atuação e formação do profissional enfermeiro frente a esse contexto. Após, foi feita leitura atentiva, repetida e aprofundada desses trabalhos.

Dentre os critérios de inclusão, estabeleceu-se que os artigos selecionados fossem dos últimos dez anos (a partir de 2001), publicados em periódicos nacionais e disponibilizados nas bases de dados Scielo e Lilacs (palavras-chave: educação, humanização, enfermagem); que os documentos fossem do Ministério da Saúde; e que as teses também correspondessem aos últimos dez anos. Sendo que as temáticas deveriam versar, de forma atual, sobre a Política Nacional de Humanização, bem como sobre a atuação e formação do enfermeiro.

Também buscamos utilizar alguns dos principais trabalhos de Paulo Freire como caminho metodológico para subsidiar um debate conceitual, a fim de propor uma análise crítica sobre a formação humanizada do enfermeiro.

 

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO

A humanização do SUS teve seu primeiro nome em 2001, denominado Programa Nacional de Assistência Hospitalar, quando o Ministério da Saúde buscou implantar e ordenar as ações de modo que a atenção fosse humanizada nos serviços de saúde. Este programa visou melhorar a qualidade do atendimento hospitalar e focou principalmente as relações entre usuários e profissionais da área da saúde. A partir de então, a humanização também avançou em outras instâncias do SUS, e o programa se transforma em 2003, em uma política denominada Política Nacional de Humanização da Gestão e da Atenção – PNH9.

A PNH enfoca as ações de humanização voltadas também para as demais instâncias da saúde, garantindo e efetivando o SUS, através da mudança dos modelos de atenção e gestão da saúde. Valoriza os usuários, trabalhadores e gestores como sujeitos implicados no processo de produção de saúde. Busca, portanto, autonomia, solidariedade, transformação da realidade, co-responsabilização, vínculo e participação coletiva nos processos de gestão e produção de saúde, resgatando a cidadania dos sujeitos9.

Um dos aspectos que refinam a existência da humanização é a comunicação. A viabilidade das relações e interações humanas são originadas no saber falar e ouvir, no sentido de dar espaço ao conhecimento e compreensão do outro, exprimindo o sofrimento humano e as percepções de dor ou de prazer, de forma recíproca e de reconhecimento entre os sujeitos no processo de produção em saúde, resultando daí uma relação humanizada10.

Quando analisa-se a assistência de enfermagem, é verificado que a qualidade do cuidado prestado está associado à percepção de melhoria da qualidade de vida do paciente. No cenário emergente da humanização nas políticas públicas de saúde, tem se considerado de grande relevância a promoção de discussões acerca dos contextos e vivências deste profissional, com vistas ao aperfeiçoamento dos relacionamentos inter-pessoais e do cuidado, o que denota exigir preparo do enfermeiro para discussões em equipe7,10.

Percebendo como um processo de trabalho inserido num mundo globalizado e capitalista, o trabalho em saúde ainda valoriza os meios tecnológicos e a execução de tarefas, muitas vezes padronizadas e com rotinas, em contraponto à valorização da singularidade dos usuários11,13. Sobre as condições de trabalho nesse contexto, são apontados os baixos salários, dificuldade de conciliar vida familiar e profissional, jornadas duplas ou triplas, que propiciam cansaço e sobrecarga de trabalho, prejudicando a transformação dos trabalhadores, que convivem continuamente com a dor, o sofrimento, a morte e a miséria, em pessoas mais críticas e sensíveis11.

O profissional de enfermagem lida com situações que exigem escuta, envolvimento, senso crítico e acolhimento, para as quais muitas vezes ele não está preparado, tanto por motivos de falhas na formação como na organização de práticas, representando limitações na humanização da assistência13.

Além disso, no que pese à assistência, nas últimas décadas, foram feitos pesados investimentos em tecnologias que viessem a auxiliar o cuidado em saúde, com finalidade de proporcionar melhores condições de vida humana. Paradoxalmente, muitas vezes o cuidado resulta, sobremaneira, em um processo mais despersonalizado, especializado e fragmentado11,12.

O enfermeiro configura-se como um dos elementos centrais no compromisso e desafio de concretizar um cotidiano mais humano na prática em saúde, a partir da construção mútua entre os sujeitos. Esse processo de valorizar a humanização em saúde é, em grande parte, originado deste profissional, pois nos seus processos gerenciais, o uso de tecnologias leves como o acolhimento, o vínculo, a autonomização, a responsabilização e gestão, vão de encontro ao respeito pelas subjetividades, tornando realidade os preceitos de Paulo Freire. Podendo interferir na produção do cuidado e na articulação entre os elementos que compõem a equipe de saúde14.

Torna-se pertinente destacar que a Enfermagem é descrita como ciência e arte de cuidar de indivíduos, famílias e comunidades. Através de Florence Nightingale, há a consolidação de uma nova concepção de enfermagem, sendo enraizada em princípios, ensino e arte do cuidado, afirmando-a como prática científica15,16.

Todos esses aspectos denotam a necessidade de se investir no profissional de saúde, em sua formação, valorizando o conhecimento da dimensão subjetiva e no entendimento do ser humano, com seus conflitos e complexidade, fundamental para uma assistência humanizada12,13.

Entretanto, paralelamente, a formação dos profissionais de saúde, mostra-se incipiente quanto à humanização, distanciando o profissional do resgate pela cidadania, no que pese à inserção em uma contextualização menos reducionista e biologicista, no que tange a saúde17,21.

De maneira didática, entende-se que os novos paradigmas da Educação para a Saúde, enquanto eixo central da promoção (e portanto, da produção) em saúde, que enfoca crítica, ativa e reflexivamente as necessidades do sujeito assistido, seria o eixo norteador do cuidado humanizado na enfermagem, aspectos esses que apresentam (ou deveriam apresentar) interfaces intrínsecas com o SUS e a Política de Humanização proposta. Assim, esquematizamos esse pensamento, a seguir:

 

 

Desta maneira, entendemos o contexto da enfermagem enquanto profissão que, no momento atual, passa por diversas revisões do universo teórico-conceitual acadêmico, tanto quanto a práxis cotidiana, pondo em xeque o modelo de atenção tradicional, frente a diversas situações-problema da prática diária em saúde. Paulatinamente, o que se vê é a procura de um outro caminhar e (por que não?) do ousar nos processos de trabalho, repercutindo em soluções alternativas ao tradicional. O que gera questionamentos quanto à formação do enfermeiro. Neste sentido, esquematizamos este raciocínio, a seguir:

 

 

é importante ressaltar que o governo federal destaca a importância dessa temática, apontando a necessidade de reformulação dos cursos superiores em saúde, de forma que o SUS venha a emancipar o que preconiza 22,23.

Se o modelo de atenção à saúde está cada vez mais em processos de transformações, visto que o modelo tradicional não atinge as subjetividades humanas, o contexto da enfermagem também insere-se na questão de superação de paradigmas: na práxis e no paradigma educativo tradicional. Este último ainda é marcado pela imposição, acriticidade, verticalismo, o que tem sido assunto sobre a formação desses profissionais nos últimos anos, frente às necessidades advindas da prática cotidiana18,22.

Todo esse processo do educar em saúde sedimenta e vai de encontro aos pensamentos de Freire, que aponta que deve-se considerar o contorno geográfico, social, político e cultural do indivíduo, família e comunidade, havendo a inserção em um processo político-pedagógico que requer o desenvolvimento de um pensamento crítico e reflexivo acerca da realidade, articulando ações transformadoras e autonomia da tomada de decisões do indivíduo, sem desconsiderar sua inserção na sociedade24,27.

Como operacionalizar a formação do enfermeiro de modo a possibilitar a visão, numa união entre teorização e prática, dos princípios do SUS – integralidade, equidade, universalidade? Como buscar, no processo ensino-aprendizagem deste profissional, uma abordagem integral do paciente, do entendimento do contexto sócio-cultural e dos determinantes do processo saúde-doença, enfim, vislumbrar a humanização em saúde proposta pela política pública de saúde? Propomos o marco teórico de Paulo Freire como pertinente neste processo.

Ressaltamos que, no referencial teórico de Paulo Freire, a humanização não significa tão somente o assistencialismo, a simpatia, o "tratar bem". Essa postura é alienada, pois o universo conceitual freireano propõe que na humanização, o ser humano deve ser considerado como ser ativo, atuante nas transformações da realidade vivida, pelo processo de conscientização, de resgate da cidadania24.

é preciso anular a relação opressor/oprimido entre trabalhadores de saúde e usuários, e mesmo entre os profissionais. Que se torne imprescindível buscar o diálogo entre os homens, os quais interferem e sofrem influências do mesmo mundo; através do ensino e da aprendizagem, ou seja, da educação, elemento-chave tido como ato político e modificador do mundo25.

Assim, segundo os pressupostos metodológicos de ensino baseados no referencial de Freire, a humanização está interposta à educação. A prática de humanizar, em sua essência de conceito, ao tornar o homem ser ativo, consciente e transformador da realidade, só se tornaria possível através do processo ensino-aprendizagem, conferindo sua capacidade política e cidadã27.

Faz-se mister colocar, nesse sentido, que alguns estudos têm demonstrado a relação da prática pedagógica adotada com a formação de profissionais de saúde. Uma postura pedagógica que não estimula o diálogo entre educadores e educandos, autoritária, tecnicista, biologicista, acrítica e fechada, teria influências decisivas na formação de profissionais autoritários, fechados ao não consentir o diálogo, coniventes e submissos, resultando em perfis de liderança assim caracterizados. Ao contrário, a postura pedagógica democrática, dialógica, reflexiva, contextualizada com os diversos entornos em que o homem está inserido (econômico, ambiental, político, cultural e social), e crítica, implicaria em lideranças mais ativas, progressistas, humanistas, criativas e emancipatórias. Esse perfil de liderança converge, sobremaneira, na humanização do serviço de saúde, sendo, nela, apontado o enfermeiro como figura principal19,21.

Propor mudanças paradigmáticas nos saberes, formulações de estudos e práticas em saúde, tendo em mente a dinamicidade da realidade vivida, significa considerar o entorno social, econômico, cultural que o indivíduo, família e comunidade estão inseridos, para que se prime pela integralidade, universalidade e equidade, constituindo a prática humana em saúde. Isso demanda uma formação mais sólida voltada para o olhar da complexidade humana, que abarque uma práxis com interdisciplinaridade e intersetorialidade, pois que nenhum profissional ou instituição é autosuficiente por si mesmo(a).

Mais do que a formação de profissionais, é preciso que se busque a formação de seres humanos cidadãos, atuantes na promoção da saúde, na mudança do modelo hegemônico em saúde curativista e predominantemente técnico, tão empedrado, que se distancia tanto da abordagem crítica, humanizada, criativa e dialógica, que é possível nos pressupostos freireanos26.

 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A enfermagem, assim como outras profissões em saúde, apresenta lacunas em sua formação, dificultando a operacionalização dos princípios do SUS, principalmente no que concerne às práticas humanas em saúde, que levem em conta o entorno sócio-cultural dos usuários assistidos.

No presente estudo, procuramos realizar uma análise crítica da situação da saúde brasileira, passando pelo cenário de reestruturação da economia que originou novos processos de trabalho, o que em saúde, pode ter contribuído para o enfoque na especialização dos profissionais e no distanciamento do homem do seu semelhante. Também demonstramos a situação em que o cuidado em enfermagem situa-se em meio à construção do SUS, ainda impregnado pelo modelo biologicista em saúde, sabendo que muitas iniciativas estão sendo tomadas para modificação do quadro.

Discutimos a perspectiva dialógica do marco teórico de Paulo Freire como um caminho possível na reorganização das práticas em saúde e formação do enfermeiro, tendo como enfoque o ensino e aprendizagem de uma abordagem integral e humanizada, frente à importância política que esse profissional exerce na equipe de saúde, dadas suas competências profissionais administrativas e de assistência.

Sabemos que há vários estudos das profissões em saúde, entretanto, nesta revisão narrativa, chamamos a atenção para a necessidade de estudos que resgatem a interdisciplinaridade dos saberes na construção do SUS. E para que sejam feitos esforços para a formação do enfermeiro, como parte desse processo, no que concerne a humanização da prática em saúde, sendo que o marco teórico freireano constitui um caminho pedagógico.

 

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Endereço para correspondência

Gisele Coscrato
Doutorado em Enfermagem Psiquiátrica Campus Universitário 2011-2012
Universidade de São Paulo, São Paulo – SP, CEP: 05508-900
e-mail: gcoscrato@yahoo.com.br

Artigo encaminhado 18/09/2011
Aceito para publicação em 16/11/2011

 

 

Notas

*Doutoranda, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) - Brasil
**Professora Associada, Universidade de São Paulo, São Paulo (SP) - Brasil