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Saúde & Transformação Social

versão On-line ISSN 2178-7085

Saúde Transform. Soc. vol.3 no.1 Florianopolis jan. 2012

 

METASSÍNTESES QUALITATIVAS E REVISÕES INTEGRATIVAS

 

Enfermagem do Trabalho à Luz da Visão Interdisciplinar

 

Occupational Health Nursing Under the Interdisciplinary View

 

 

Murielk Motta LinoI*; Poliana Therese NoraII**; Monica Motta LinoIII***; Mariana FurtadoIV****

IEletrosul, Florianópolis, (SC) - Brasil

IIPrefeitura de Jarágua do Sul (SC) - Brasil

IIISecretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina, Florianópolis, (SC) - Brasil

IVUniversidade Federal de Santa Cataria, Florianópolis, (SC) - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Trata-se de uma reflexão acerca da prática do enfermeiro do trabalho dentro da equipe multiprofissional, enraizado nos conceitos da saúde coletiva e da visão interdisciplinar. Para tanto, buscou-se subsídios em diversas referências que discutem desde a história da medicina do trabalho até os atuais conceitos de saúde do trabalhador, passando por um breve histórico da enfermagem do trabalho. Ao concluir o estudo, percebeu-se a dificuldade de exercer uma profissão que não possui suas atribuições regulamentadas pelo conselho de classe, encontra-se à margem da legislação vigente e ainda possui enorme dificuldade em quebrar as barreiras, arraigadas durante a graduação e especialização, do saber vertical e individualizado para um saber coletivo e interdisciplinar.

Palavras-chave: Enfermagem do Trabalho; Saúde do Trabalhador; Competência Profissional; Papel do Profissional de Enfermagem; Equipe de Cuidados de Saúde.


ABSTRACT

It is a reflection on the practice of occupational health nurse for workers within the multidisciplinary team, rooted in the concepts of public health and interdisciplinary view. Thus, we sought grounding in several references that discuss the history of occupational medicine to the current concepts of workers health, through a brief history of nursing work. Upon completion of the study, the difficulty was perceived of exercising a profession that does not have its duties regulated by a governing body. It is outside the current regulations and still has great difficulty in breaking down barriers entrenched during graduation and specialization, changing vertical and individualized knowledge to a collective and interdisciplinary work.

Keywords: Occupational Health Nursing; Occupational Health; Professional Competence; Nurse's Role; Patient Care Team.


 

 

1. INTRODUÇÃO

O trabalho existe desde o aparecimento do primeiro homem, e tem assumido diversas dimensões no transcorrer da história. Os primeiros relatos demonstrando a preocupação com a saúde dos trabalhadores e sua relação com o trabalho iniciou em 1700, quando Bernardino Ramazzini publicou seu livro intitulado As doenças dos trabalhadores1. Apesar das discussões sobre o tema terem iniciado tão precocemente, infelizmente ainda hoje não há muito espaço para a temática. Muitas outras disciplinas de outras áreas mais recentes têm muito mais valoração tanto na academia quanto no mercado de trabalho.

Ainda assim, pode-se dizer que o campo da saúde do trabalhador é amplo e complexo, abrangendo a prevenção de todas as disfunções provocadas pelo emprego, acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, e todos os aspectos relacionados com as interações entre trabalho e saúde2. Nesse sentido, entre os determinantes da saúde do trabalhador estão compreendidos os condicionantes sociais, econômicos, tecnológicos e organizacionais responsáveis pelas condições de vida e os fatores de risco ocupacionais presentes nos processos de trabalho.

Segundo a Comissão Internacional de Saúde no Trabalho - ICOH o objetivo da saúde no trabalho é proteger e promover a saúde dos trabalhadores, manter e melhorar sua capacidade de trabalho, contribuir para o estabelecimento e a manutenção de um ambiente de trabalho saudável e seguro para todos, assim como promover a adaptação do trabalho às capacidades dos trabalhadores, levando em consideração seu estado de saúde2.

A saúde do trabalhador é, por natureza, um campo composto por diferentes sujeitos, inseridos em contextos diversos e que requerem, portanto, uma atenção interdisciplinar e multiprofissional. As análises dos processos de trabalho, pela sua complexidade, tornam a interdisciplinaridade uma exigência intrínseca à postura profissional, que permite transitar o espaço da diferença. Nesse sentido, nenhuma profissão ou conhecimentos são absolutos, sendo a interdisciplinaridade um princípio constituinte da diferença e da criação3.

A expressão “profissionais de saúde no trabalho” significa a inclusão de todos aqueles que, no exercício de sua capacidade profissional, desempenham tarefas de saúde e segurança no trabalho, provém serviços de saúde no trabalho, ou estão envolvidos no exercício da saúde no trabalho2.

A tendência das empresas, atualmente, é buscar a contratação de equipes multiprofissionais que têm como objetivo buscar uma visão holística da saúde do trabalhador. Neste sentido, a interdisciplinaridade tem sido considerada por diversos autores como uma proposta para alcançar o desenvolvimento de um pensamento que responda à complexidade que caracteriza o mundo atual, com seus desafios. Entre eles, encontram-se os problemas de saúde4.

Diante disso, esse artigo trata de uma reflexão realizada a partir de uma revisão narrativa, baseada na prática profissional dos autores e embasada em literaturas que discorrem desde a história da medicina do trabalho até os atuais conceitos de saúde do trabalhador, passando por um breve histórico da enfermagem do trabalho. Versa sobre a atuação do enfermeiro do trabalho dentro da equipe multiprofissional, à luz dos conceitos da saúde coletiva e da visão interdisciplinar.

 

2. DA MEDICINA DO TRABALHO À SAÚDE DO TRABALHADOR: A HISTÓRIA DOS CONCEITOS

A partir do intento da Revolução Industrial, o trabalhador tornou-se preso à máquina e ao modo de produção que atendiam à necessidade de acumulação rápida de capital. As jornadas extenuantes, em ambientes extremamente desfavoráveis à saúde, às quais se submetiam também mulheres e crianças, eram incompatíveis com a vida. A aglomeração humana em espaços inadequados propiciava a acelerada proliferação de doenças infectocontagiosas, ao mesmo tempo em que a periculosidade das máquinas era responsável por mutilações e mortes5.

O consumo da força de trabalho, resultante da submissão dos trabalhadores a um processo acelerado e precário de produção, exigiu intervenção, sob pena de tornar inviável a sobrevivência e reprodução do próprio processo6. Surge então, na metade do século XIX na Inglaterra, a medicina do trabalho como especialidade médica.

A presença de um médico no interior das unidades fabris representava, ao mesmo tempo, um esforço em detectar os processos danosos à saúde e uma espécie de braço do empresário para recuperação do trabalhador, visando seu retorno à linha de produção. Instaurava-se, assim, o que seria uma das características da medicina do trabalho: uma visão eminentemente biológica e individual, no espaço restrito da fábrica, numa relação unicausal. O resultado disso no âmbito do trabalho vai refletir-se na propensão a isolar riscos específicos e, dessa forma, medicar em função de sintomas e sinais ou, quando muito, associando-os a uma doença legalmente reconhecida. Assim, as medidas que deveriam assegurar a saúde do trabalhador, em seu sentido mais amplo, acabam por restringir-se a intervenções pontuais sobre os riscos mais evidentes5.

A preocupação por prover serviços médicos aos trabalhadores começa a se refletir no cenário internacional também na agenda da Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1919. Assim, em 1953, através da Recomendação 97 sobre a Proteção da Saúde dos Trabalhadores, a Conferência Internacional do Trabalho instava aos Estados Membros da OIT que fomentassem a formação de médicos do trabalho qualificados e o estudo da organização de Serviços de Medicina do Trabalho. Em 1954, a OIT convocou um grupo de especialistas para estudar as diretrizes gerais da organização de Serviços Médicos do Trabalho. Dois anos mais tarde, o Conselho de Administração da OIT, ao inscrever o tema na “ordem do dia” da Conferência Internacional do Trabalho de 1958, substituiu a denominação Serviços Médicos do Trabalho por Serviços de Medicina do Trabalho6.

Com efeito, em 1959 a experiência dos países industrializados transformou-se na Recomendação 112 sobre Serviços de Medicina do Trabalho, aprovada pela Conferência Internacional do Trabalho. Este primeiro instrumento normativo de âmbito internacional aborda aspectos que incluem a sua definição, os métodos de aplicação da Recomendação, a organização dos Serviços, suas funções, pessoal e instalações, e meios de ação7.

No Brasil, a tarefa do Estado de intervir no espaço do trabalho esteve prevista na Reforma Carlos Chagas de 1920 e acabou interrompida com a criação, em 1930, do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.

Em 27/06/1972, por meio da Portaria 3.237 foi instituído o Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho – SESMT, dimensionado de acordo com o grau de risco e o número de trabalhadores das empresas, com função de reconhecer, avaliar e controlar as causas de acidentes e doenças. A criação deste serviço especializado, já era uma recomendação da organização Internacional do Trabalho – OIT, e no Brasil a Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, em seu artigo 164, já prescrevia a existência do SESMT nas empresas8.

Posteriormente, a legislação sobre a temática foi resgatada na Carta Constitucional de 1988 e regulamentada pela Lei 8080/90, a Lei Orgânica da Saúde, especialmente em seu artigo 6º, aqui já tratada como "saúde do trabalhador", e não mais "medicina do trabalho"8.

Apesar dos avanços significativos no campo conceitual, ainda era necessário um novo enfoque e novas práticas para lidar com a relação trabalho-saúde, consolidados sob esta nova denominação. Por Saúde do Trabalhador compreende-se um corpo de práticas teóricas interdisciplinares – técnicas, sociais, humanas – e interinstitucionais desenvolvidas por diversos atores, informados por uma perspectiva comum5.

A Saúde do Trabalhador constitui uma área da Saúde Pública que tem como objeto de estudo e intervenção as relações entre o trabalho e a saúde. Tem como objetivos a promoção e a proteção da saúde do trabalhador, por meio do desenvolvimento de ações de vigilância dos riscos presentes nos ambientes e condições de trabalho, dos agravos à saúde do trabalhador e a organização e prestação da assistência aos trabalhadores, compreendendo procedimentos de diagnóstico, tratamento e reabilitação de forma integrada, no SUS9.

Assim, o propósito central do exercício da saúde no trabalho é a prevenção primária dos acidentes do trabalho e das doenças relacionadas ao trabalho. Segundo o Código Internacional de ética para os Profissionais de Saúde no Trabalho, isto deveria acontecer dentro do contexto organizacional no sentido de assegurar que estas atividades são relevantes, baseadas no conhecimento, corretas do ponto de vista científico, ético e técnico, e estão adequadas às condições de risco ocupacional na empresa e às necessidades da população trabalhadora em questão2.

Para alcançar este propósito adequadamente, não é necessário apenas realizar as avaliações de saúde e prover serviços, mas sim cuidar da saúde dos trabalhadores e de sua capacidade de trabalho. A eliminação ou a redução da exposição às condições de risco e a melhoria dos ambientes de trabalho, em certos casos, são resolvidas implementando medidas simples e pouco onerosas, com impactos positivos e protetores para a saúde do trabalhador e o meio ambiente. Para contemplar as relações saúde-trabalho em toda a sua complexidade, é necessária uma atuação multiprofissional, interdisciplinar e intersetorial9.

Trata-se de nova forma de resposta social organizada aos problemas de saúde, orientada por um conceito positivo de saúde e pelo paradigma da produção social da doença. Assim, deve atuar sobre os nós "críticos dos problemas" baseados no saber interdisciplinar e no fazer intersetorial. Suas estratégias resultam da combinação de três grandes tipos de ações: a promoção da saúde, a prevenção das enfermidades e acidentes e a atenção curativa110.

 

3. O MODELO INTERDISCIPLINAR NA SAÚDE DO TRABALHADOR

Na área da saúde, os pressupostos da integração estão presentes há algum tempo e, nas últimas décadas, a interdisciplinaridade tem sido invocada para a criação de modelos pedagógicos e para a construção de um conhecimento partilhado por ciências biológicas e sociais. São muitas as dificuldades para se trabalhar, sob a perspectiva integradora de vários saberes, e o modelo vigente de formação profissional para a área da saúde reforça a formação clínica, deslocando o aspecto social para a periferia, como se fosse algo secundário. As dificuldades não se limitam ao campo epistemológico, mas de vencer as barreiras que historicamente vêm privilegiando determinada maneira de formar recursos humanos11.

Na verdade, um amplo espectro de disciplinas está envolvido com a saúde no trabalho, pois ela se situa numa interface entre a tecnologia e a saúde, envolvendo aspectos técnicos, médicos, sociais e legais. Os profissionais de saúde no trabalho incluem os enfermeiros do trabalho, os médicos do trabalho, os técnicos de segurança, engenheiros de segurança, os higienistas ocupacionais, os assistentes sociais, os psicólogos ocupacionais, os especialistas em ergonomia, em reabilitação profissional, em prevenção de acidentes, no melhoramento das condições e ambientes de trabalho, assim como os profissionais que se dedicam à pesquisa em saúde e segurança no trabalho. A tendência atual é mobilizar a competência destes profissionais de saúde no trabalho, dentro do marco de referência, do enfoque da interdisciplinaridade e do trabalho em equipe2.

Cada profissão tem suas responsabilidades, refletindo a distinta natureza de seus deveres. é importante definir o papel dos profissionais da saúde no trabalho e suas relações com os outros profissionais, com as autoridades competentes e com os atores sociais envolvidos, em função das políticas econômicas, sociais, ambientais e de saúde. Isto requer uma visão clara a respeito da ética das profissões de saúde no trabalho e dos padrões de conduta no exercício de suas profissões.

Tal entendimento tem por premissa a substituição do "princípio da hierarquia" entre as ciências/saberes pelo "princípio da cooperação". Trata-se de construir uma cultura que, por meio do diálogo, da interação e do questionamento recíproco, permita um agir comunicativo5.

Quando especialistas de diversas profissões estão trabalhando juntos, com um enfoque interdisciplinar, eles deveriam tentar embasar suas ações de acordo com um conjunto partilhado de valores, tendo a compreensão mútua e recíproca dos deveres, obrigações, responsabilidades e padrões do exercício profissional de cada profissão envolvida2.

 

4. INSERÇÃO DO ENFERMEIRO DO TRABALHO NO CONTEXTO DA INTERDISCIPLINARIDADE

A enfermagem do trabalho é definida como a ciência e prática especializada que providencia e presta serviços de saúde a trabalhadores e populações ativas. A prática incide na promoção, na proteção e no restabelecimento de saúde do trabalhador, no contexto do ambiente de trabalho seguro e saudável12.

Anteriormente conhecida como enfermagem laboral, a enfermagem do trabalho, teve início no final do século XIX, na Inglaterra, onde os primeiros enfermeiros prestavam assistência na prevenção/saúde pública, realizando visitas domiciliares aos trabalhadores doentes e seus familiares8.

No Brasil, a enfermagem do trabalho, assim como os demais profissionais de segurança e medicina do trabalho, foi incorporada nas empresas no início dos anos 70, quando o Brasil se consagrou campeão mundial de acidentes de trabalho, e o governo impôs que as empresas contratassem profissionais especializados. Mas foi somente em 2004 que o Conselho Federal de Enfermagem – COFEN em sua resolução 290/2004 decide fixar, como especialidade de enfermagem, de competência do enfermeiro, a enfermagem do trabalho13.

A enfermagem do trabalho entrou nas empresas com o papel curativo, prestando atendimento ao trabalhador que por eventualidade se acidentasse no local de trabalho. Posteriormente, teve seu papel destacado na saúde do trabalhador, atuando primeiramente no atendimento, por meio da promoção e prevenção das doenças relacionadas ou não ao trabalho8.

Especialmente a partir dos anos 90, ocorreram mudanças significativas na natureza do trabalho e nos postos do trabalho, bem como na economia das organizações e também na prestação de assistência de enfermagem. Tais mudanças priorizam o ser humano como trabalhador, a qualidade de vida no trabalho e a saúde e segurança no ambiente laboral.

Esses fatores associam a interação saúde-trabalho com importância crescente para aumento da produtividade, a satisfação no trabalho, aumento significativo na expectativa de vida e redução significativa nos índices de morbimortalidade, inclusive as relacionadas à atividade laboral. Neste sentido, os programas de promoção de saúde e segurança do trabalho, a prevenção dos agravos, doenças profissionais e dos acidentes de trabalho contribuem significativamente para a melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores.

Existe uma gama muito ampla de deveres, obrigações e responsabilidades, assim como um relacionamento complexo entre os profissionais relacionados ou envolvidos com os assuntos de Saúde e Segurança no trabalho2.

Segundo a Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho e Emprego, cabe ao enfermeiro do trabalho executar atividades relacionadas com o serviço de higiene, medicina e segurança do trabalho, integrando equipes de estudos, para propiciar a preservação da saúde e valorização do trabalhador14. Essa atribuição que diz respeito à profissão, deve ser conhecida e cumprida por todos aqueles que prestam assistência de enfermagem aos trabalhadores, independente do seu local de atuação, se a serviço do empregador, como contratado, assessor, consultor ou perito.

O trabalho em equipe não pressupõe abolir as especificidades dos trabalhos, visto que as diferenças técnicas expressam uma riqueza de olhares frente ao processo de trabalho. Os profissionais de saúde destacam a necessidade de preservar as especificidades de cada trabalho especializado, o que implica manter as diferenças técnicas correlatas e agregar conhecimentos aos diferentes enfrentamentos do cotidiano em saúde. Expressa, portanto, uma necessidade de flexibilizar a divisão do trabalho, ou seja, realizam intervenções próprias de suas respectivas áreas, mas também executam ações comuns, nas quais estão integrados saberes provenientes de distintos campos15.

Na prática, porém, esse esforço de unir saberes interdisciplinares para intervir no processo de trabalho encontra barreiras profundas na compatibilização dos conceitos. Necessita a superação de todo um passado de fragmentação da realidade, reproduzido na formação dos profissionais desde a graduação, que se reflete na tendência à manutenção de ilhas de saber/poder e no receio diante da possibilidade de construir pontes com as diversas áreas de conhecimento5.

proposta do trabalho em equipe tem sido veiculada como estratégia para enfrentar o intenso processo de especialização na área da saúde. Esse processo tende a aprofundar verticalmente o conhecimento e a intervenção em aspectos individualizados das necessidades de saúde, sem contemplar simultaneamente a articulação das ações e dos saberes. Observa-se que, no trabalho em equipe, a flexibilidade da divisão do trabalho convive com as especificidades de cada área profissional, mas não vai ao ponto de propor outra ordenação do trabalho coletivo por referência ao modelo biomédico dominante, suscitando o questionamento das desigualdades entre os diferentes trabalhos e a pertinência da introdução de outras abordagens às necessidades de saúde15.

Para o desenvolvimento do trabalho interdisciplinar é preciso incorporar o referencial de outras disciplinas. Assim, torna-se profícuo o olhar de cada uma delas sobre o mesmo objeto e a resultante ultrapassa a soma de enfoques isolados. O quantitativo não se opõe ao qualitativo, o mensurável não nega o imensurável, os determinantes imediatos não são descontextualizados dos gerais, o saber teórico dos técnicos se abre à contribuição do conhecimento tecido no cotidiano dos trabalhadores5:28.

Encontramos hoje, apesar dos inúmeros cursos de especialização em enfermagem do trabalho espalhados pelo país, uma enorme deficiência em encontrar subsídios para a prática das ações de enfermagem dentro da saúde do trabalhador. Ainda, a produção científica é muito escassa, e o órgão responsável pela classe, ainda não determinou amparo legal específico para o exercício da especialidade.

Nesse contexto, aparecem as dificuldades relacionadas a definições de atividades específicas do Enfermeiro do Trabalho, já que apesar de a profissão ser citada pela legislação brasileira desde a conformação do SESMT; da Classificação Brasileira de Ocupações detalhar algumas atividades; e do COFEN, em sua resolução 290/2004, ter fixado como Especialidade de Enfermagem, de competência do Enfermeiro, a Enfermagem do Trabalho; ainda não estão regulamentadas as atribuições profissionais específicas. As atribuições definem que tipo de atividades uma determinada categoria profissional pode desenvolver. Toda atribuição é dada a partir da formação técnico-científica, devem estar previstas de forma genérica nas leis e, de forma específica, nas resoluções dos Conselhos Federais.

Enquanto isto não ocorre, não fica bem delimitado o que deveria ser o trabalho de responsabilidade do enfermeiro do trabalho. Devido a isto, diversas instituições determinam as atividades profissionais conforme suas necessidades e interesses. Além disso, acabam por contratar técnicos e auxiliares de enfermagem para serem subordinados ao médico do trabalho e não ao enfermeiro do trabalho como deveria ser, conforme a Lei do Exercício Profissional de Enfermagem. Isto porque estão amparadas pela Norma Regulamentadora nº 4 (NR-4) do Ministério do Trabalho e do Emprego, que dimensiona inadequadamente os profissionais de enfermagem. Fica a dúvida: por que, segundo legislação vigente, o enfermeiro do trabalho só se faz necessário em empresas que possuem mais de 3500 empregados, com grau de risco a partir de 03, conforme NR-4? A Lei não parece estar de acordo com os atuais conceitos de saúde do trabalhador, que pregam a interdisciplin ridade16.

Apesar disso, sabe-se que um profissional isolado não consegue contemplar a abrangência entre a relação de trabalho e saúde. O conhecimento em questões relacionadas à engenharia, segurança ocupacional, ergonomia, meio ambiente, ambiente de trabalho, epidemiologia, estatística e ciências sociais está intimamente interligado à prática da enfermagem do trabalho, mas também dizem respeito a outras áreas de conhecimento.

Enquanto não há regulamentação profissional específica, cabe, então, basear-se na Lei do Exercício Profissional de Enfermagem, regulamentado pela Lei 7.498 de 25/06/1986, que define as atividades (inclusive) do enfermeiro (generalista). Assim, é necessário que estas ações sejam lidas pela visão do enfermeiro do trabalho nas suas atividades, para dar enfoque voltado para as necessidades da saúde do trabalhador e da instituição no qual faz parte, sempre guiado por seu código de ética profissional. Há de se ter especial cuidado com o conhecimento aprendido/adquirido no local de trabalho, visto que as políticas internas da empresa podem guiar o profissional a prestar uma assistência voltada aos interesses institucionais.

O ideal seria que os enfermeiros possuíssem uma visão de trabalho voltada para o interdisciplinar e multiprofissional, como é necessário na área de saúde do trabalhador. Porém, empiricamente acredita-se que essa ainda não é uma realidade. Possivelmente o principal responsável por isto é a própria formação ofertada nas universidades e até mesmo nos cursos de pós-graduação. Muitas vezes o acadêmico não tem contato com outros profissionais e não é direcionado para importância do trabalho em equipe, o que torna difícil posteriormente adaptar isto para a prática profissional.

Os cursos estão gradualmente tentando mudar esta concepção, visto que os avanços nessa direção começam a evidenciar-se. “Se por um lado, os cursos de pós-graduação lato sensu e stricto sensu, de caráter multiprofissional, instituídos no âmbito da Saúde Coletiva vêm construindo um terreno propício à crítica de visões tecnicistas e reducionistas ainda prevalentes na área; por outro, mesmo as pesquisas multidisciplinares num campo constituído predominantemente por profissionais de formação médico-epidemiológica representam passos significativos no caminho da interdisciplinaridade. O surgimento de algumas propostas institucionais que estimulam a construção e amadurecimento de equipes de pesquisadores de formações diversas tem demonstrado a potencialidade dessa nova perspectiva de investigação/ação5:28.

A enfermagem do trabalho tem desempenhado papel decisivo no planejamento da prestação de serviços de saúde e de segurança nos locais de trabalho, onde é percebida nitidamente a profundidade da assistência e o caráter global no custo-benefício. Além do conhecimento técnico-científico, o enfermeiro deve possuir uma visão ampla dentro da empresa, que supere os horizontes da enfermagem, porém sem interferir ou exercer outra atividade não inerente às suas funções17.

é sabido que o ambiente de trabalho tem influência significativa na saúde dos indivíduos e é local privilegiado para a prestação de assistência preventiva à saúde, uma vez que grande parte da vida se passa no ambiente de trabalho. Neste sentido, fortalece-se que a troca de experiências e as propostas de melhorias entre os profissionais atribuem muitos benefícios ao trabalhador e sua saúde.

 

5. APONTAMENTOS FINAIS

O campo da saúde do trabalhador necessita de um olhar amplo e abrangente, que considere os diferentes contextos sociais e perceba a complexa rede de relações que se estabelece na atividade laboral. Para suprir tal necessidade, é fundamental que o trabalho em saúde seja desempenhado com enfoque multiprofissional e interdisciplinar.

Neste sentido, as atividades do enfermeiro do trabalho certamente se interligam nas atribuições relacionadas com áreas assistenciais, administrativas, educativas, de pesquisa, consultoria e integração com os demais membros da equipe e carece urgente, de maior atenção dos órgãos competentes no tocante a atribuições e regulamentação, como etapa fundamental à sua consolidação

 

Referências Bibliográficas

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Endereço para correspondência

Murielke Motta Lino
Eletrosul Centrais Elétricas
Rua Deputado Antonio Edu Vieira 999 Pantanal
Florianópolis – SC, CEP: 88040-901
e-mail: muryelke@gmail.com

 

Artigo encaminhado 25/08/2011
Aceito para publicação em 13/12/2011

 

 

Notas

*Especialista em Enfermagem do Trabalho, Enfermeira Eletrosul, Florianópolis (SC) - Brasil
**Especialista em Enfermagem do Trabalho, Enfermeira Prefeitura de Jaraguá do Sul (SC) - Brasil
***Especialista em Epidemiologia, Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina, Florianópolis (SC) – Brasil
****Enfermeira, Universidade Federal de Santa Cataria, Florianópolis (SC) - Brasil