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Saúde & Transformação Social

versão On-line ISSN 2178-7085

Saúde Transform. Soc. vol.5 no.1 Florianopolis  2014

 

EDITORIAL

 

 

Clarissa Mendonça Corradi-Webster

Editora Científica para Psicologia do periódico Saúde e Transformação Social, Professora Doutora da Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Departamento de Psicologia, Email: clarissac@usp.br

 

 

Este número da Saúde & Transformação Social aponta para a amplitude e complexidade do trabalho em saúde. Os artigos publicados analisam o cuidado a pessoas em sofrimento, seja este físico ou emocional, chamando também a atenção para o sofrimento do profissional de saúde. Considerando a saúde de modo ampliado, analisam e apresentam propostas de promoção de saúde, de prevenção de agravos e de tratamento. Também analisam políticas propostas para o manejo desta questão.

Os diferentes autores chamam a atenção para o modo como o contexto político, social e econômico influencia nas possibilidades de acesso à saúde e nas manifestações dos agravos. Práticas em saúde devem sempre considerar estas questões e educadores devem buscar incluir estas discussões em sala de aula, a fim de que profissionais de saúde ampliem o olhar, não buscando apenas nos indivíduos os motivos para o sofrimento e adoecimento. A comunidade também deve ser cada vez mais compreendida como espaço privilegiado para trocas e aprendizados de futuros profissionais.

Assim, apresentamos quatro estudos realizados com o método de revisão integrativa da literatura. No primeiro deles, intitulado Processo ensino-aprendizagem em enfermagem no cuidado com o portador de lesões cutâneas: uma revisão integrativa de Lauriana Medeiros Costa Santos, Gilson de Vasconcelos Torres, Vânia Marli Schubert Backes, Jussara Gue Martini e Cícera Maria Braz da Silva, os autores realizam uma análise integrativa da literatura científica produzida pela enfermagem brasileira acerca do processo de ensino-aprendizagem no cuidado com o portador de lesões cutâneas. A partir dessa análise, conclui-se que existe uma necessidade de planejamento das situações de ensino-aprendizagem, reconhecendo as diferenças entre estudantes que tiveram a oportunidade de vivências na prática, daqueles que não tiveram esta oportunidade. Enfatizou-se também a importância de superar o tom mecanicista, enquanto apenas técnica de curativo, além da valorização do diálogo e da qualificação docente. No artigo intitulado Educação Permanente para o aperfeiçoamento do Controle de Infecção Hospitalar: revisão integrativa, de Aline Massaroli, Jussara Gue Martini e Rodrigo Massaroli, os autores analisam as metodologias educativas utilizadas nos processos de educação permanente em saúde para o controle de infecção hospitalar. Observaram que dois oito artigos analisados, apenas um citou a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, evidenciando certo desconhecimento ou distanciamento dos profissionais com essa política. No artigo Atividades dos Agentes Comunitários de Saúde no âmbito da Estratégia Saúde da Família: revisão integrativa da literatura, de Rosineide Santana de Brito, Nathaly Ellen Maria Silva Ferreira e Danyelle Leonette Araujo dos Santos, as autoras tiveram o objetivo de buscar na literatura a identificação das atividades desempenhadas por equipes de agentes comunitários de saúde dos programas da Estratégia de Saúde da Família. Os resultados mostraram que dentre a multiplicidade de encargos dos agentes comunitários de saúde, destacou-se as visitas domiciliares, a identificação de risco vivenciada pela população, o cadastramento de famílias, a entrega de exames e medicamentos e, principalmente, atividades educativas, de orientação e promoção de saúde. O último artigo desta seção é intitulado Entrevistas Telefônicas na Pesquisa Qualitativa em Saúde, de autoria de Camila da Silva Gonçalo e Nelson Filice de Barros, nele é apresentada uma revisão de literatura da análise de características metodológicas de estudos que utilizaram a entrevista telefônica. Verificou-se que, dos artigos selecionados, todos relataram superficialmente o modo no qual essas entrevistas foram realizadas. Apontam que as justificativas para sua utilização da entrevista foram a falta de infraestrutura e o baixo custo.

O uso de drogas tem sido tema de debates atuais. Neste número, dois artigos abordam esta questão. No artigo Atrás da Cortina de Fumaça: Jovens da Periferia e a Temática das Drogas, os autores Paulo Estevão Pereira e Ana Paula Serrata Malfitano, buscaram conhecer as vivências de jovens moradores das periferias em relação as drogas, tentando explicar a relação e o papel das drogas na vida cotidiana, além de apreender quais os contextos sociais colocam esses jovens em maior exposição e vulnerabilidade. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas e oficinas com jovens entre 15 e 29 anos, residentes na periferia de uma cidade de médio porte no interior do Estado de São Paulo e que frequentavam um "Centro da Juventude". Observou-se que a questão das drogas esconde certos aspectos estruturais da sociedade, como discriminação, desigualdade social e inserção precária dos jovens. Tais aspectos requerem um esforço conjunto da sociedade e de políticas públicas, afim de promover o acesso desses jovens aos seus direitos de forma que construam cidadania. No artigo Pesquisa com usuários de Crack e seus Familiares: análise de uma vivência, de autoria de Maycon Rogério Seleghim, Sueli Aparecida Frari Galera e Magda Lúcia Félix de Oliveira, os autores apresentam análises de experiências vivenciadas em um serviço especializado para o tratamento da dependência química do Paraná partindo da Teoria Geral dos Sistemas e fazendo uso de genograma, entrevistas e diário de campo. A partir desses relatos, os autores enfatizaram que quase todas as famílias entrevistadas apresentavam antecedentes de uso de drogas, sendo que oito tinham história de uso de drogas ilícitas, principalmente maconha, cocaína e crack.

Questões relacionadas a saúde mental também são amplamente discutidas neste número. Em Os trabalhadores de Saúde Diante do Nervosismo: uma Perspectiva a Partir da Etnografia Institucional de autoria de Luciana Fernandes de Medeiros Azevedo, a autora propõe uma análise das concepções de trabalhadores da área de saúde acerca das queixas sobre o nervosismo e das práticas de cuidado diante dos pacientes. Os relatos permitiram vislumbrar que os participantes consideram o nervosismo como um sofrimento significativo relacionado as condições de vida e as dificuldades enfrentadas no dia-a-dia das pessoas. Observou-se a necessidade de desenvolvimento de práticas de promoção de saúde entre os trabalhadores, como grupos terapêuticos e rodas de conversa. O diálogo entre os trabalhadores da saúde colabora para que as práticas de cuidados sejam mais eficazes e abrangentes, desenvolvendo uma perspectiva mais ampla do processo saúde-doença. No artigo intitulado O transtorno de personalidade borderline a partir da visão de psicólogas com formação em Psicanálise de Matheus Rozário Matioli, Érica Aparecida Rovani e Mariana Araújo Noce, os autores buscaram apresentar as experiências de profissionais da psicologia com formação em psicanálise no atendimento de pessoas com diagnóstico de transtorno de personalidade borderline, atentando-se nas principais características, no processo diagnóstico e no tratamento dado ao transtorno. Concluiu-se através da fala dessas profissionais que o transtorno de personalidade borderline afeta significativamente a vida da pessoa acometida, dificultando a compreensão de quem ela é causando disfunções nas atividades diárias e em relacionamentos interpessoais.

Buscando ampliar o estudo sobre práticas em saúde que se diferenciam das tradicionais encontradas nos serviços, o artigo intitulado Encantamento e Acolhimento no Cotidiano – um Estudo Sobre Johrei e Reiki de Marcela Jussara Miwa, buscou através de um estudo etnográfico, a compreensão acerca de como o reiki e o johrei afetam no comportamento, nas relações sociais e na visão de mundo de seus praticantes enquanto recurso de enfrentamento do processo saúde-doença. A partir desse trabalho concluiu-se que tais práticas proporcionam benefícios psicossociais aos seus praticantes, colaboram no desenvolvimento e controle sobre suas vidas, além de melhorar suas relações e expectativas sociais, tornando-os mais tolerantes e abertos para aceitar novas visões de mundo.

Tratando saúde de modo ampliado, o artigo Tecnologia social visando à promoção de saúde em uma comunidade rural de São Luís – Maranhão, de Alessandro Costa da Silva e Marcelo Henrique Bandeira Costa Alencar tem como objetivo informar e sensibilizar uma comunidade acerca da tecnologia do Banheiro Seco (BS), que consiste em um tratamento de baixo custo para esgotamento sanitário. Foram realizadas entrevistas, aplicados questionários e oficinas de capacitação com os moradores da comunidade Coquilhos, zona rural do município de São José de Ribamar-MA. Concluiu-se que a comunidade possuía perfil adequado para implantação da tecnologia do BS, demonstrando-se interessados com as possibilidades oferecidas, no entanto, não apresentavam condições financeiras para a construção deste. Também, no artigo Transcendendo fronteiras e criando notícias: A Agência de notícias da Sida em Moçambique, de Lucas Pondaco Bonanno e Maria da penha Vasconcelos, os autores refletem sobre a experiência da criação da Agência de Notícias de Resposta ao Sida (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) em Maputo, capital de Moçambique, em 13 de agosto de 2009. Cabia a Agência Sida fornecer informações sobre a doença, capacitar jornalistas e profissionais da mídia e divulgar problemas encontrados nos serviços de saúde. Em dezembro de 2009, cerca de quatro meses depois da implantação da Agência Sida, seu site contava com mais de 500 visualizações por dia, incluindo outros países além de Moçambique. Dentre as atividades desenvolvidas pela agência estavam, palestras, estágios, intercâmbios e oficinas a respeito da Aids, destacando a comunicação social e o jornalismo científico como importantes atividades transculturais.

São também apresentados dois artigos que abordam experiências de trabalho com alunos de graduação e pós-graduação, onde se buscou aproximar a universidade da comunidade, aprender com esta e colocar em diálogo os conhecimentos científicos e os culturais. No artigo Roda de Arte, Trabalho e Cultura: relato de uma experiência com índios Guarani, as autoras Carine Vendruscolo, Letícia de Lima Trindade, Caroline Camilo Grisa, Rita Maria Trindade Rebonatto Oltramari e Silvana Zanotelli apresentam um trabalho realizado pelo Curso de Enfermagem da Universidade do Estado de Santa Catarina, que teve objetivo de criar uma aproximação entre universidade e população indígena do oeste do estado de Santa Catarina. Foram realizadas oficinas com os índios de etnia Guarani, cada uma abordando um diferente tema e usando a arte como principal ferramenta de expressão. As vivências permitiram aos estudantes conhecer os modos e condições de vida dos indígenas e realizar atividades voltadas para atenção e cuidados em saúde com uma perspectiva multidisciplinar. Aos índios Guarani, presume-se que tais ações possam ter contribuído para promoção de cultura e de saúde, construção coletiva de possibilidades práticas de qualificação profissional, além de construção de cidadania e expressão pela arte. No artigo Visita domiciliar aos pacientes portadores de transtorno mental: ampliando as opções terapêuticas possíveis em um serviço ambulatorial de Sandra Souza Pereira, Juliana Guimarães Silva Cézar, Emilene Reisdorfer e Lucilene Cardoso as autoras descrevem a experiência de alunas de um programa de pós-graduação na realização de visitas domiciliares aos pacientes com transtornos mentais oriundos de um serviço de público de saúde. A partir dos relatos evidencia-se a necessidade de orientações aos familiares de pessoas com transtornos mentais, principalmente em situações de crise. Destaca-se também a importância da articulação entre ambulatórios de atendimento em saúde mental e outros serviços de atendimento integral a esses pacientes e familiares.

Que a leitura deste rico material contribua para reflexões e para proposição de práticas contextualizadas e co-planejadas, onde o usuário não seja tratado como um doente que precisa de informações, mas como um sujeito imerso em um contexto que influencia diretamente no modo como este se relaciona com seu corpo e como se expressa.