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Saúde & Transformação Social

versión On-line ISSN 2178-7085

Saúde Transform. Soc. vol.5 no.2 Florianopolis nov. 2014

 

Artigos Originais

 

Na composição de um mosaico: investigações entre a experiência e o sintoma nos processos de formação em humanização

 

In the composition of a mosaic: investigations between experience and symptom in the humanization training processes

 

 

Alice Grasiela Cardoso Rezende ChavesI*; Maria Claudia Souza MatiasII**; Carolina EidelweinI*; Sabrina Blasius FaustII***; Mariana Pereira DermindoIII****; Eduardo PassosIV*****

I Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS - Brasil
II Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC - Brasil
III Universidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho (UNESP), Assis, SP - Brasil
IV Universidade Federal Fluminense (UFF), Niteroi, RJ - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo problematiza as concepções de humanização encontradas no relato de apoiadores institucionais formados nos cursos desenvolvidos pela Política Nacional de Humanização (PNH) nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Ao colocar em análise as concepções de humanização produzidas por apoiadores institucionais, foi possível problematizar o lugar do pesquisador que investiga suas ações no SUS. Sendo pesquisa implicada, que envolveu pesquisadores da academia e pesquisadores com inserção nos serviços e na gestão destes processos de formação, o estudo avaliativo, em uma de suas categorias de análise, debruçou-se sobre os diferentes sentidos de humanização produzidos pelos cursos. Como resultados, foram encontradas tanto dimensões da humanização como algo imanente ao plano das experiências concretas, refratárias à idealização do homem ou das práticas, quanto concepções sintomáticas, reprodutoras de modos instituídos de conceber a humanização e a ideia de homem. Entre estas últimas, sobressaíram-se aquelas com destaque e centralidade à figura do apoiador, reproduzindo modos idealizados ou hierarquizados de perceber o sujeito nos grupos. No horizonte de análise do plano de produção de tais concepções sintomáticas, encontram-se fatores associados ao tempo de duração dos referidos cursos e aos objetivos vinculados à formação. A duração foi apontada como insuficiente para um adequado manejo dos conceitos-ferramenta trabalhados nos cursos. Os objetivos foram se conformando como vinculados à ideia de implementação da Política, gerando efeito de atribuição de ‘encargo' junto aos apoiadores, insuflando-os a se autorizarem em movimentos contra-hegemônicos. Essas hipóteses foram estranhadas nas entrevistas e grupos focais com os apoiadores, que permitiram constatar um interessante efeito de desestabilização provocado pelos cursos. A metodologia participativa do estudo foi dispositivo problematizador da pesquisa e da implicação dos atores envolvidos.

Palavras-chave: Humanização da Assistência; Políticas Públicas de Saúde; Avaliação em Saúde; Apoio Institucional.


ABSTRACT

The article discusses humanization concepts found in the institutional supporters report trained the in courses developed by the National Humanization Policy (PNH), in the states of São Paulo, Rio Grande do Sul and Santa Catarina.When analyzing the humanization conceptions produced by institutional supporters, it was possible to question the researcher place who investigates the actions in SUS.Since the research involved academic researchers and researchers inserted in services and management of the training processes, the evaluation study in one of its analysis categories held discussions on different humanization meanings produced by the courses.As results, it was possible to find humanization dimensions as something immanent to the plane of concrete experiences, refractory to any idealization of man or practices, and also, symptomatic conceptions, reproducers of instituted modes of conceiving humanization and the idea of man.Among the latter, those with prominence and centrality to the supporter figure excelled, reproducing idealized or hierarchical modes of perceiving the subject in the groups. On the analysis horizon of production plan from these symptomatic conceptions, there are associated factors to the duration time of these courses and objectives related to the training.Duration time was insufficient for a proper management of tool-concepts developed in the courses. The objectives were conforming as linked to the idea of Policy implementation, generating the effect of assigning 'charge' with the supporters, inflating them to self-authorize in counter-hegemonic movements.These hypotheses were strange in interviews and focus groups with the supporters that allowed proving an interesting effect of destabilization caused by the courses. The participatory methodology of the study was a problematical device of the research and actors involvement.

Keywords: Assistance Humanization; Health Public Policies; Health Assessment.


 

 

1. INTRODUÇÃO

No presente artigo, discutiremos resultados de uma pesquisa multicêntrica destacando a experiência vivenciada pelos pesquisadores envolvidos na investigação intitulada Formação em Humanização do SUS: Avaliação dos efeitos dos processos de formação de apoiadores institucionais na produção de saúde nos territórios do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo.

Este estudo, multicêntrico, qualitativo e avaliativo de 4ª geração1,2, buscou avaliar os efeitos da Formação de Apoiadores Institucionais da Política Nacional de Humanização (PNH) para a produção de saúde no SUS. O campo de pesquisa foram os cursos realizados entre 2008 e 2010, nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, tendo como participantes os grupos de interesse envolvidos nos cursos citados.

Desenvolvido entre os anos de 2011 e 2014, este estudo envolveu o Ministério da Saúde brasileiro e universidades públicas dos mencionados três estados: a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP/ASSIS) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que coordenou o estudo. O financiamento deu-se através do Ministério da Saúde, via Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (PROADI-SUS), em parceria com o Hospital Moinhos de Vento, e também via CNPq. Além das três universidades citadas, as secretarias de estado da Saúde dos respectivos territórios atuaram como parceiras no desenvolvimento da pesquisa, cedendo servidores envolvidos com o processo avaliativo para compor as equipes de pesquisadores.

A metodologia foi avaliativa, participativa e de caráter formativo-interventivo, desenvolvida a partir de estratégias que dessem conta deste desenho. Assim, Comitês Ampliados, Grupos Interinstitucionais, oficinas e seminários envolvendo os participantes foram realizados objetivando a experimentação do método de pesquisa. A colheita de dadosI envolveu a análise dos Planos de Intervenção (PIs) dos participantes dos cursosII, questionários, entrevistas e grupos focaisIII.

Durante a etapa de análise documental, constatou-se que os planos de Intervenção produzidos ao final de tais cursos apontavam para resultados não tão interessantes, especialmente para aqueles pesquisadores que, por estabelecerem laços estreitos com a PNH, nutriam expectativas em relação às produções dos apoiadores e também da pesquisa: alguns relatos denotavam uma concepção sintomática de humanização, indo de encontro aos princípios e diretrizes preconizados pela Política que fundamentava os referidos processos de formação.

Diante deste fato, os pesquisadores se depararam com uma dimensão não prevista, o que permitiu que problematizassem sua implicação com o objeto de estudo e o processo investigativo em que são ao mesmo tempo os sujeitos que interrogam e aqueles que produzem os fenômenos em análise. Também se deram conta de que, em algumas situações, quando submetemos a processos investigativos o nosso próprio agir, quando somos ao mesmo tempo o sujeito que interroga e que produz os fenômenos em análise, a pesquisa faz sangrar os seus próprios pesquisadores.

(...) Acontece que o estudo mostrou, em um certo momento, que os resultados não eram tão interessantes assim como se esperava, havia encontrado "falhas" neste processo que imputava a si mesmo. E isso era tão pesado que não conseguia tratar desta questão de modo mais claro. A pesquisa sangrava parte de si mesmo, parte do próprio pesquisador3.

De antemão, para que tenhamos a sensação de contraste que se produziu através da leitura dos PIs, quando os pesquisadores confrontaram-se com alguns registros dos apoiadores e com o que dispõe os princípios e diretrizes da Política, convém registrar que a concepção de humanização elaborada ao longo do desenvolvimento da PNH foi constituída a partir do entendimento de que realizar mudanças nos processos de produção de saúde exige também mudanças nos processos de subjetivação. Para tanto, elegeu-se como norteadora a ideia de que

"(...) os princípios do SUS só se encarnam na experiência concreta a partir de sujeitos concretos que se transformam em sintonia com a transformação das próprias práticas de saúde. Apostar na Política Nacional de Humanização do SUS é definir a humanização como a valorização dos processos de mudança dos sujeitos na produção de saúde".4

Segundo a PNH, é a partir de experiências concretas que podemos produzir conhecimento concernente às práticas no SUS. Nesse sentido, a humanização como produto/conhecimento desta experiência toma o homem em sua dimensão processual, singular, reinvenção permanente de si e dos modos de pensar a saúde. Valorizar a experiência concreta para pensar a humanização significa considerar os sujeitos sempre em relação, envolvidos em práticas locais singulares.

Assim, uma proposição conceitual sobre a humanização na saúde não se contenta em repetir velhos humanismos, ancorados em imagens idealizadas do Homem. Não se reduz a uma concepção de humanização ou de humano como uma medida padrão, definida a partir daquilo que é a norma, do mais frequente, pois este humano "normal" nunca coincide com uma existência concreta.

Além disso, ainda de acordo com Benevides; Passos4, a PNH busca se efetivar na articulação entre o que fazer com o como fazer. Ela se orienta pelos princípios do SUS que, como política de Estado, definem o que se deve alcançar como universalidade do acesso aos bens de saúde, equidade das ofertas de saúde e a integralidade do sistema de saúde. Tal orientação se complementa com os princípios e diretrizes metodológicos propostos pela PNH que se querem como modos efetivos de transformação e criação de realidades. Para tanto, sua aposta tem sido direcionada a "tecnologias relacionais", nas quais as mudanças nos modos de pensar e de fazer ocorrem à medida que os sujeitos entram em relação, constituindo coletivos que possibilitem alterações efetivas nos modos vigentes de produção de saúde.

 

2. NA COMPOSIÇÃO DO MOSAICO...

No decorrer da execução da etapa de análise documental da pesquisa avaliativa, em especial na leitura dos Planos de Intervenção, foram encontradas várias ideias de humanização que compuseram um mosaico de compreensões e entendimentos sobre tal conceito, formulados e expressos pelos apoiadores que participaram dos cursos em avaliação.

Alguns trechos dos PIs expressavam o entendimento de que o apoiador poderia intervir no processo de trabalho, apresentando-se como alguém que atravessa o grupo não para anunciar suas debilidades, mas para operarem juntos em um processo de transformação na própria grupalidade e nos modos de organizar o trabalho e de ofertar ações e estratégias de saúde.

Neste momento me vi efetivamente desempenhando minha função como apoiadora institucional, pois não fui eu quem definiu o modelo de intervenção, mas sim, a equipe de trabalho baseando-se nas discussões das duas rodas. Tentei instigar ao máximo a discussão em coletivo e junto ao grupo pactuar objetivos comuns, que pudessem qualificar nossa intervenção enquanto equipe para produzir mais e melhor saúde com e "para" os "outros" (Plano de Intervenção de apoiador).

Na leitura de alguns PIs, percebe-se que a vivência do curso ampliou a capacidade de análise dos apoiadores, indicando que o trabalho de apoio era direcionado pelo que se denomina de conceito-experiência, ou seja, uma concepção da humanização em saúde definida como modo de fazer "(...) que, ao mesmo tempo, descreve, intervém e produz a realidade nos convocando para mantermos vivo o movimento a partir do qual o SUS se consolida como política pública, política de todos, política para qualquer um, política comum"5. O conceito se torna experiência quando deixa a abstração do pensamento que fala sobre a realidade para se encarnar como modo operativo dela. É muito frequente as formas idealizadas de referência ao humano por meio de conceitos que indicam o que deveria e se espera ser a humanidade em nós. Por outro lado, pode-se construir o conceito de humano a partir da experiência e não como um julgamento dela. A partir da experiência concreta dos sujeitos implicados nas práticas de produção de saúde no SUS que um conceito de humanização da saúde ganha consistência e aponta a direção não de um sistema de saúde ideal, mas daquele que, em vários momentos a serem privilegiados, já se atesta como dando certo.

Em seus relatos, ao descreverem suas intervenções, os apoiadores expressavam a dimensão de intervenção que suas atuações produziram. Em vários fragmentos, observamos a aproximação entre o conceito-experiência e as intervenções relatadas pelos apoiadores.

Atualmente me ocorre o movimento de repensar minhas práticas, através de produções científicas e da criação de espaços conjuntos com outros profissionais que integram seus conhecimentos ao meio das políticas públicas sobre o papel a ser desempenhado em cada uma destas instâncias e conjuntamente para a criação de novas possibilidades de atuação (Plano de Intervenção de apoiador).

Os profissionais esperavam de mim respostas para agir e não pensar para que juntos encontrássemos caminhos para solucionar os problemas priorizados. Então foi uma batalha árdua, por que por algum tempo tive que adentrar pelas frestas e compreender a complexidade do trabalho dos profissionais do distrito que eu supervisionava. Por várias vezes eu pensei, com tudo isso, qual a oferta possível (Plano de Intervenção de apoiador).

Foram encontrados, também, relatos em que os apoiadores descreviam a função do apoiador como algo que se experimenta no corpo, com todos os conflitos, questionamentos e inquietações que isso causa. A função de apoio aparece como se realizando, necessariamente, na imanência da experiência concreta e não na transcendência dos conceitos idealizados, a partir da constituição e fortalecimento de coletivos de trabalhadores e usuários do SUS, da articulação de políticas públicas intersetoriais e de redes compostas por ações e serviços interconectados.

Este primeiro trabalho em roda foi bastante sensibilizador, e em relação a minha função de apoiadora, senti uma dificuldade em acionar a grupalidade, mas entendi que só se aprende a exercer esta função fazendo, ou seja, aprender aprendendo na experiência (Plano de Intervenção de apoiador).

O compromisso de um apoiador não começa após concluir o curso de especialização, mas desde o instante que se propõe se tornar um apoiador da PNH, nem que não entenda bem a dimensão de tudo isso. É preciso praticar, se disponibilizar à experimentação (Plano de Intervenção de apoiador).

Alguns registros indicavam como, na experiência nos cursos de formação, a atuação do apoiador colocava em análise práticas instituídas. Foram também observados entendimentos que tomam a humanização como algo que estaria intrinsecamente relacionado a mudanças nas práticas.

Que se estabeleça um espaço democrático no GTHIV, e não figurativo, meu papel enquanto Apoiadora Institucional (AI) da PNH é atuar como agente de inclusão, assumindo uma atitude de implicação que contribua para a abertura ético-política. A perturbação na roda, ao passo que essa desestabiliza o instituído, possibilita a análise coletiva dos conflitos, os quais passam a serem vistos como força potencializadora de mudanças (Plano de Intervenção de apoiador).

Todos esses fragmentos convergem com a ideia proposta por Benevides; Passos4, da humanização como um "catalizador dos movimentos instituintes que insistem no SUS" como uma estratégia de interferência nas práticas em saúde.

Em contraposição a tais considerações, por vezes identificávamos discursos vazios, repetição dos princípios e diretrizes da PNH na direção da mera reprodução de um sentido já dado. Os apoiadores expressavam concepções de humanização ainda imprecisas e frágeis, calcadas em sentidos idealizados como assistencialismo, paternalismo, tecnicismo gerencial e voluntarismo.

Conceitualmente, o entendimento de humanização presente em alguns PIs dos apoiadores caracterizava-se por reproduzir ideias tradicionais sobre o tema, fazendo a humanização emergir como um sintoma que apenas reproduz uma situação, paralisando os sujeitos exatamente por não incluí-los nesta produção de sentido para o conceito. Fomos confrontados com o que Benevides; Passos4 designaram de conceito-sintoma.

Para ampliar essa análise, faz-se necessário discutir a noção de sintoma com a qual trabalhamos. Nesse sentido, Romagnoli6 escreve que a potência da vida possui uma dimensão criadora, intensa, heterogênea, que estala nos encontros efetuando agenciamentos, produzindo acontecimentos via afirmação de singularidades. Todavia, quando se produz um sintoma, essa potência torna-se encapsulada em um circuito defensivo de repetição. Desse modo, a vibração intensiva da vida cristaliza-se e estratifica-se, empobrecendo o território existencial, que se torna enfraquecido pela ânsia da mesmice e do igual, e indisponível para suportar o movimento e as diferenças. Ao invés de tal vibração atuar como uma diferença que remete a outra diferença, ela é usada dessa maneira como defesa contra a mutação própria da vida. Rolnik7, ao investigar os processos de construção dos sintomas nas subjetividades, salienta que eles funcionam persistindo na referência identitária. Para a autora, essa perseverança atua como um sedativo contra o mal-estar vivido no movimento existencial. Nesse aspecto, o sintoma aflora na recusa de se aventurar na processualidade inerente à vida.

No decorrer do processo investigativo, fomos formulando o entendimento de que, ao construírem seus textos com sentidos que aproximavam a noção de humanização a uma espécie de catequização de sujeitos, alguns apoiadores apontavam um fechamento das possibilidades de leitura e operação dos aportes apresentados nos cursos de formação de apoiadores, demonstrando um distanciamento do contexto dessa produção teórico-metodológica.

Os dispositivos apresentados pela Política Nacional de Humanização poderão ser instrumentos valiosos a serem explorados num mundo ainda no estado bruto, mas antes de lapidá-lo, será necessário despertar para esta possibilidade. Não há poder de convencimento, técnicas de persuasão eficientes se proposições não detectarem agentes que trazem consigo o privilégio de acreditar que é possível transformar e, apesar das dificuldades, ser possível rever verdades (Plano de Intervenção de apoiador).

Penso que humanizar é também mudar principalmente o interior das pessoas. A mudança deve vir de dentro para fora. Primeiro eu devo mudar, para depois "tentar" mudar/humanizar o outro, seja na atitude, na maneira de atender, num "Bom Dia" (Plano de Intervenção de apoiador).

O conceito-sintoma de humanização, por vezes, nos pareceu relacionado ao modo como alguns apoiadores definiam a função apoio e o que entendiam ser um apoiador. Inicialmente, é preciso considerar que, conforme indicam os materiais produzidos pela PNH, o apoiador não é o agente modificador, mas alguém que aciona processos de grupalização para que um coletivo possa, ele próprio, produzir mudanças nos processos de trabalho em saúde. De acordo com a definição de função apoio adotada nos projetos dos cursos avaliados, tal como consta na apresentação dos cadernos temáticos HumanizaSUS:

Apoiar equipes é intervir com elas em processos de trabalho, não transmitindo supostos saberes prontos, mas em uma relação de solidariedade e cumplicidade com os agentes das práticas. Apoiar é produzir analisadores sociais e modos de lidar com a emergência de situações problemáticas das equipes para sair da culpa e da impotência frente à complexidade dos desafios do cotidiano da saúde. Apoiar é construir rodas para o exercício da análise, cujo efeito primeiro é a ampliação da grupalidade entre aqueles que estão em situação de trabalho8.

No entanto, determinadas elaborações dos apoiadores sinalizavam que o objetivo da função apoio seria garantir que a PNH se implantasse e capilarizasse como forma instituída do SUS. Mais importante do que seus princípios e diretrizes metodológicas, verificava-se a importância dada à humanização como programa e não como política transversal que só existe na medida em que modifica os diferentes programas e políticas do SUS. Tal concepção vai de encontro ao princípio de transversalidade a que a PNH se propõe, no intuito de atravessar os programas e demais políticas, buscando contagiá-los e, a partir de então, dissolver-se. Em alguns PIs, o exercício da função apoio era equivalente a implantar a PNH entendida como o único caminho "certo" e "bom" a seguir no SUS.

"É extremamente importante não deixar a chama da PNH se apagar, pois só através da humanização conseguiremos oferecer um atendimento verdadeiramente de qualidade e com dignidade aos usuários do SUS" (Plano de Intervenção de apoiador).

A estrutura da PNH está organizada e traduzida dentro de princípios, método, diretrizes e dispositivos, e se todos os sujeitos envolvidos no processo de produção de saúde seguirem essa cartilha com alteridade, com certeza teremos um "SUS QUE DÁ CERTO" (Plano de Intervenção de apoiador).

Em fragmentos como esses, encontramos uma espécie de inversão: os dispositivos e princípios da PNH são apontados como meios de consolidação da Política e não como modos de produzir mudanças nas práticas de atenção e gestão no processo de produção de saúde.

O conceito-sintoma expressou-se também por meio da figura do apoiador messiânico, presente em algumas intervenções descritas pelos apoiadores. Esse foi o modo a que nos referimos, no transcorrer da pesquisa, como alguns apoiadores se colocavam no processo de formação-intervenção, intitulando-se agentes das transformações mais radicais e fundamentais nos serviços de saúde; como figuras personalizadas, autorreferenciadas; únicos responsáveis pelas mudanças nas práticas de saúde. Dessa maneira, superprojetavam sua função no cenário do SUS, desconsiderando a produção deste trabalho em relação, nos agenciamentos coletivos, conforme a especificidade da função apoio.

Assim, entendo que a missão como apoiadora é bastante desafiadora e de grande responsabilidade, pois quando provocamos mudanças no comportamento das pessoas, estas precisam ser conduzidas com seriedade e de maneira que levem as pessoas se sentirem melhores e atingirem assim o sucesso (Plano de Intervenção de apoiador).

Como apoiadora institucional, estou promovendo a inclusão dos sujeitos e a implicação dos coletivos, estimulando a corresponsabilidade e a cogestão nesta roda de construção e possibilitando que o CMH seja um espaço disparador de mudanças, aplicando a PNH (Plano de Intervenção de apoiador).

Podemos dizer que as ideias sobre humanização atualizadas nos fragmentos dos PIs acima expostos são atravessadas pela idealização tanto da função apoio quanto da concepção de humano com a qual se orientam as práticas de humanização em saúde. Há um ideal de "humano", ou melhor, de "bom humano", fixo, reproduzível e abstrato, que é passível de ser aprendido e "implantado" no comportamento dos sujeitos implicados no processo de produção de saúde: trabalhadores, gestores e usuários do SUS. Nesta abstração, o bom humano, devidamente normatizado, é sempre cordial, educado, gentil, caridoso, sensível e atencioso.

Organizar os modos de produzir saúde a partir da definição de um modelo ou de um padrão-ideal significa considerar a realidade como algo dado a priori, apartada da dimensão coletiva do processo de produção de sujeitos autônomos e protagonistas, capazes de se colocar como produtores de normas, e não apenas de se sujeitarem a elas. É lançarmos mão de "(...) formas instituídas, marcas ou imagens vazias, slogans já sem a força do movimento instituinte. É assim que a humanização se apresenta como um conceito-sintoma presente em práticas de atenção"4.

Diante dos aspectos acima discutidos, a pesquisa deparou-se com um inquietante questionamento: como um processo de formação que se propunha à transformação de modos enrijecidos de trabalho no sistema de saúde contribuiu para a produção de concepções sintomáticas acerca da humanização?

 

3. NOTAS DE UMA PESQUISA: PARA MUITOS PERTENCIMENTOS INSTITUCIONAIS, MÚLTIPLOS OLHARES

Convém mencionar que a equipe de pesquisadores era composta por membros que possuíam múltiplos atravessamentos institucionais. Por exemplo, muitos, além de pesquisadores, também haviam sido coordenadores, tutores, apoiadores dos cursos em avaliação e alguns ainda exerciam a função de consultores da Política. Assim, deparar-se com aqueles dados "não tão interessantes" lhes traziam a pesada e incômoda sensação de "falha", de que alguma coisa havia escapado. A percepção era a de que a produção de concepções sintomáticas a respeito da humanização seria um dos efeitos daquele processo de formação e isso apontava na direção contrária ao que se julgava como inovador e necessário. Poderíamos dizer que um misto de não aceitação e culpa compunha a atmosfera que pairava nas discussões acerca desse tema, fazendo com que, nos processos de análise, a pesquisa sangrasse parte dos próprios pesquisadores.

Acrescente-se a isso o fato de que as dimensões que emergiram com a constatação da produção do conceito-sintoma não eram facilmente verificáveis em dados dispostos nos documentos analisados. Elas correspondiam àquilo que extrapolava o texto, os comentários e os registros, configurando-se no que era captado nas entrelinhas. Nessa direção, estar diante da dimensão conceito-sintoma convocava os envolvidos no processo de produção da pesquisa a procederem às análises de suas implicaçõesV.

Talvez seja esse um dos maiores desafios de se fazer pesquisa sobre temas aos quais nos encontramos implicados de modo tão complexo, isto é, quando somos ao mesmo tempo vários sujeitos: o da ação investigada, aquele que investiga e produz conhecimento. Enfim, o desafio consiste em, quando possuímos tantos pertencimentos institucionais com o tema que pesquisamos, havendo um significativo risco de sobreimplicação, faz-se necessário um ininterrupto movimento de pôr em análise as várias implicações.

A tal respeito, a produção do saber produzido por esse tipo de pesquisa:

Opera sob os vários modos de se ser sujeito produtor do processo em investigação e, em última instância, interroga os próprios sujeitos em suas ações protagonizadoras e os desafios de construir novos sentidos para os seus modos de agir, individual e coletivo. Interroga e pode repor suas apostas e modos de ação. (...) acorda-o do seu silêncio instituído e abre-se para novos sentidos e significações para os fenômenos, reconhecendo-se como seu produtor, ressignificando a si e os sentidos de seus fazeres3.

Nesse movimento recursivo de abertura para novos sentidos, provocado pela irrupção da dimensão do conceito-sintoma, foi fundamental a inserção de olhares outros que pudessem não apenas diversificar e enriquecer as análises, mas ampliá-las, contemplando diferentes posicionamentos. Dessa forma, tínhamos como intuito evitar a tendência em priorizar alguns olhares em detrimento de outros.

Assim, as considerações que seguem abaixo foram construídas em grupo, junto não somente ao coletivo de pesquisadores, mas também a sujeitos que não compuseram a equipe de pesquisa e que foram convidados a discutir alguns dos resultados produzidosVI.

A fim de evitar tomarmos os dados produzidos como algo estático e fixado no tempo e no espaço, como se fossem uma fotografia, negligenciando o aspecto processual da produção do conceito-sintoma entre os apoiadores, fez-se necessário também pôr em relevo os contextos institucionais nos quais essas práticas enunciadas pelos apoiadores em seus PIs foram sendo produzidas e reproduzidas. Foi preciso também perguntar acerca das forças e tensões que tais sujeitos viviam no processo de se constituírem como apoiadores.

Os PIs foram elaborados no momento de encerramento de processos formativos intensos, ocasião em que os apoiadores estavam contagiados pela PNH, sob efeito de certa euforia. A escrita do PI era a estratégia de avaliação do apoiador, o que talvez tenha motivado a elaboração de textos idílicos. Ressalte-se, ainda, que a intervenção tinha que acontecer num curto espaço de tempo. Em um intervalo de menos de um ano, era solicitado aos alunos-apoiadores que, além de analisar a demanda do território onde atuavam, escolhessem um dispositivo da PNH, planejassem e executassem uma intervenção. Tais exigências nem sempre eram compatíveis com o tempo necessário para a elaboração de novos conhecimentos e experiências.

Para que não ficássemos restritos às fotografias apresentadas nos PIs, lançamos mão de um outro modo de produção de análises, que contemplasse o aspecto processual da formação dos apoiadores. Realizamos grupos focais e entrevistas. Nestas ocasiões, compartilhamos as análises até então formuladas com os apoiadores participantes da pesquisa. Foram momentos em que eles puderam interferirVII nas análises produzidas.

Um dos pontos discutidos esteve relacionado à questão de que muitos apoiadores descreveram em seus PIs que as suas intervenções tinham como propósito a implantação da PNH. É importante mencionar que, à época da realização do processo de formação, os cursos eram denominados de Formação de Apoiadores para a PNH e que a escolha de um dispositivo com vistas à implantação da política não foi uma iniciativa deles, mas uma demanda gerada pela equipe gestora dos cursos. Analisando os cursos de formação de apoiadores, conclui-se que eles aconteceram no momento da consolidação da PNH como política instituída no Ministério da Saúde. O olhar lançado a esses processos de formação, tanto pelos pesquisadores quanto pelos apoiadores, depois de pelo menos um ano de concluído o curso, permitiu que se estranhassem os textos dos PIS, em contraste com as avaliações que puderam ser feitas imediatamente após a conclusão dos cursos.

Quanto à figura do apoiador messiânico identificada em muitos registros nos PIs, alguns comentários enunciados nas rodas de conversa expressam as condições de possibilidade que produziram tal concepção messiânica acerca da atuação do apoiador:

(...) é óbvio que se falava que era pela via da composição que a gente teria que fazer análise do campo de forças para não esgarçar, para não haver uma exposição desnecessária. Uma coisa é você falar isso, uma frase aqui, uma frase ali. A outra coisa é você estar imersa em algo que provoca um adesionismo. Você tá provocando um movimento que diz: venha que é bacana! Você vai fazer a diferença! Você consegue! Conto com você! Isso foi mais forte, foi isso que engatou no desânimo, na falta de motivação, na falta de sentido que eles vinham experimentando no SUS (Depoimento de uma formadora dos cursos).

Tu enches a pessoa de esperança de que vai transformar o mundo e acaba convencendo (Depoimento de participante da roda de conversa).

Avaliamos que, em cenários como os que nos deparamos nos serviços de saúde, com relações e condições de trabalho tão desgastadas e precarizadas, com estruturas de gestão enrijecidas e muito hierarquizadas, era importante uma investida na dimensão narcísica dos apoiadores no intuito de se produzir movimentos de enfrentamento contra hegemônicos.

Nessa direção, a partir de tais apontamentos, foi colocado em discussão o fato de que propúnhamos que o apoiador era messiânico quando, na verdade, a proposta do curso é que trazia essa dimensão. Ao conversarmos com os apoiadores após quatro anos do encerramento dos cursos, nos deparamos com relatos de que a prática do dia a dia foi desconstruindo essa concepção de um super-apoiador, como mostram os fragmentos abaixo.

Sim! Eu saí do curso com essa sensação, só que no cotidiano foi outra coisa... depois das muitas frustrações... (Narrativa de grupo focal).

Eu já me senti assim, mas hoje não mais. Acho que a gente vai amadurecendo e hoje eu me sinto muito mais como apoiadora estando junto, (...) do que propriamente fazendo. Mas já me senti na obrigação de ter que fazer para acontecer (Narrativa de grupo focal).

Outro aspecto que corrobora tal afirmação refere-se à expectativa criada com a realização do curso. Muitos apoiadores eram trabalhadores com um tempo longo de atuação na área da saúde, alguns com mais de quinze anos. Traziam consigo modos cristalizados de conceber a produção do cuidado em saúde, bem como de organizar os serviços, as relações com usuários e demais profissionais e as práticas. Nesse sentido, foi avaliado que a temporalidade do curso não foi condizente com sua proposta na medida em que a duração do processo de formação não foi suficiente para a desconstrução de modos arraigados de existir e atuar em saúde. Vale salientar que a duração dos cursos era, em média, de sete a nove meses.

Em outros termos, a produção do conceito-sintoma seria um efeito desse contraste entre o que os alunos-apoiadores construíram ao longo de anos – concepções acerca dos processos de produção de saúde já bastante sedimentadas – e os princípios e diretrizes que os cursos propunham.

Além da temporalidade, foi observado que o curso propunha o que não coube no seu formato. Apesar dos cursos da humanização valorizarem a dimensão da produção de subjetividade (produção de sujeitos protagonistas e corresponsáveis pelo processo de trabalho em saúde), o que não pode se realizar senão em um processo contínuo, eles seguiram a estrutura formativa de um curso rápido que tem pouca possibilidade de acompanhar efetivamente o processo de reposicionamento subjetivo de seus alunos. Em decorrência do enquadre institucional e orçamentário, que impuseram regras e orientações prescritivas, o apoiador deveria organizar e iniciar sua intervenção durante o período de realização do curso. Acontece que cada processo de formação ocorre de modo singular, num tempo que muitas vezes não cabe no período de duração de um curso. Ressalte-se, ainda, que a função apoio é produzida levando-se em conta as idiossincrasias do coletivo envolvido no processo de formação. Desse modo, o estabelecimento da duração dos cursos configura-se como um fator complicador em processos de formação desta natureza, tendo em vista que para uns pode levar três meses e para outros pode levar dois anos, por exemplo.

A gente propôs uma formação pautada no paradigma ético-estético-político, mas os tempos e os desenhos escorregaram para o paradigma tradicional, normativo, submetido ao autoritarismo do tempo cronológico. Tem uma incoerência que a gente precisa olhar com atenção, para as condições que se agenciaram e acabaram por produzir uma espécie de curso-sintoma (Depoimento de uma consultora da PNH).

Cabe pontuar que, ainda que a realização de um curso de formação esteja atrelada à obtenção de um recurso financeiro a ser gasto em um tempo determinado seguido da prestação de contas – imposições sempre presentes no cotidiano – os conceitos-ferramenta da PNH podem viabilizar uma desacomodação ao status quo contribuindo para movimentos de invenção de estratégias mais condizentes para o enfrentamento dessas questões de prazos, de decisões de gestão, de hierarquia. Talvez, com todas essas considerações, o que esteja em discussão seja o reposicionamento do curso não como um produto, mas como um processo.

Gente, não pode ser um curso e pronto, pois estamos tratando de algo que é contínuo (Depoimento de uma apoiadora).

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

"Apontar este caráter sintomático do conceito de humanização impõe que, ao mesmo tempo, identifiquemos o que aí se paralisa, mas também aquilo que insiste como índice de um movimento que não se esgota, sua face positiva. (...). A necessidade de recolocação do problema da humanização obriga-nos, então, a forçar os limites do conceito resistindo a seu sentido instituído" 4.

É importante evitarmos um posicionamento maniqueísta no qual estariam contrapostos em polos opostos o conceito-sintoma e o conceito-experiência. Afinal, por vezes, encontrávamos num mesmo PI indícios de um e de outro, como dimensões do conceito de humanização que compunham aquele percurso de formação.

Ainda que tenhamos constatado que alguns conceitos preconizados pela PNH não tenham ganhado corporeidade junto aos apoiadores à época da realização dos cursos, em quase todos os PIs encontramos relatos de mudança das práticas e de reposicionamento subjetivo dos apoiadores. Alguns deles relataram que entrar em contato com a PNH foi como estar dentro do olho do furacão. Em outros termos, a dimensão de desestabilização que o processo de formação propunha aconteceu.

No decorrer do processo de análise, algumas questões fizeram-se presentes: qual é o tempo suficiente para você experimentar o tornar-se apoiador? Em quanto tempo o processo de formação de apoiadores produz um deslocamento nos modos de pensar e fazer dos sujeitos implicados neste processo? Em quanto tempo é necessário que um curso aconteça para produzir uma prática e discurso que sejam coerentes com os conceitos da PNH? É provável que para alguns sujeitos o tempo do curso tenha sido suficiente, para outros o tempo do curso foi apenas uma parte do processo.

Ao final da pesquisa, nos questionamos sobre a pergunta disparadora da investigação: quais os efeitos do processo de formação na produção de saúde nos territórios do Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina?

É muito difícil saber o que é efeito do quê. A vida não é assim. Linear. Quando eu respondi ao questionário, na pergunta que tratava se o curso produziu mudanças nas minhas práticas, eu respondi sim e não, porque sim, o curso produziu, mas ele não foi o único, a única variável que interferiu. Tinham outras coisas acontecendo e não dá para dizer que o curso tenha esse poder (Depoimento de uma apoiadora).

A formulação de uma das perguntas da pesquisa foi revista. Em vez de nos referirmos ao processo de formação de apoiadores em humanização, passamos a utilizar apoiadores do SUS, denominação mais condizente com o atual cenário de produções em torno do tema do apoio.

O modo de fazer pesquisa nos confrontou com o paradoxo de nos questionarmos acerca daquilo que nós nos propusemos a fazer. Nessa busca de dispositivos que possibilitem a produção de novas práticas, colocamo-nos sempre em movimento, nos situando em uma zona na qual diferentes agenciamentos são constitutivos de reposicionamentos possíveis.

"Talvez o mais difícil seja não pretender penetrar nesse mundo já armado com fórmulas, definições prévias de modelos, métodos ou arranjos de intenções "democratizantes", e conseguir construir uma postura de interrogação do mundo do trabalho, no seu dia a dia concreto. Penso, cada vez mais, que interrogar é o ‘método'..."9.

A pesquisa nos convocou a analisar nossas implicações, perguntando-nos quais as instituições que nos atravessavam; os lugares institucionais que ocupávamos; por onde cada um estava circulando e o que isso produzia nos encontros com a pesquisa. Nesses movimentos, as nossas próprias análises nos causaram estranhamentos: o grupo de pesquisadores e demais envolvidos passaram a estranhar a própria pesquisa.

E se no início aquela dimensão sintomática nos trazia um incômodo que nos fazia sangrar, no decorrer do processo de produção da pesquisa ela passou a configurar-se como um potente dispositivo colocando em análise o processo de formação, a prática de pesquisa avaliativa, a própria Política Nacional de Humanização e o posicionamento de cada ator daquela pesquisa.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2. Furtado JP. Um método construtivista para a avaliação em saúde. Ciênc Saúde Coletiva (Online) 2001; 6(1): 165-181. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/csc/v6n1/7034.pdf. Acesso em 08.08.2014.         [ Links ]

3. Merhy EE. O conhecer militante do sujeito implicado: o desafio em reconhecê-lo como saber válido. In: Franco TB, et al (org.) Acolher Chapecó: uma experiência de mudança do modelo assistencial, com base no processo de trabalho. São Paulo: Hucitec; 2004. p. 21-46.         [ Links ]

4. Benevides R, Passos E. Humanização na saúde: um novo modismo? Interface Comun Saúde Educ 2005; 9(17): 389-406.         [ Links ]

5. Barros LMR, Barros MEB. O problema da análise em pesquisa cartográfica. Fractal Rev Psicol 2013; 25(2): 373-90.         [ Links ]

6. Romagnoli RC. O sintoma da família: excesso, sofrimento e defesa. Interações Estud Pesqui Psicol 2004; 9(18).         [ Links ]

7. Rolnik S. O mal-estar na diferença. Anuário Brasileiro de Psicanálise 2005; 3: 97-103.         [ Links ]

8. Pavan C, et al. Documento orientador da política de formação da PNH. In: Passos E (org.) Cadernos HumanizaSUS - Volume 1: Formação e Intervenção - Série B. Textos Básicos de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. p. 73-94.         [ Links ]

9. Cecílio LCO. O "trabalhador moral" na saúde: reflexões sobre um conceito. Interface Comun Saúde Educ 2007; 11 (22): 345-51.         [ Links ]

10. Pasche DF, Passos E. Cadernos Temáticos PNH: formação em humanização. In: Passos E (org.) Cadernos HumanizaSUS - Volume 1: Formação e Intervenção - Série B. Textos Básicos de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2010. p. 05-10.         [ Links ]

11. Romagnoli RC. O conceito de implicação e a pesquisa-intervenção institucionalista. Psicol Soc (Online) 2014; 26(1): 44-52.         [ Links ]

12. Lourau R. Grupos e instituições. In: Altoé S (org.). Analista institucional em tempo integral. São Paulo: Hucitec; 2004. p. 176-85.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Alice Grasiela C. Chaves
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Av. Paulo Gama, 110 - Farroupilha
CEP: 90040-060. Porto Alegre, RS – Brasil
Email: alicegrasiela@hotmail.com
Tel.: (51) 8101-7178

 

Artigo encaminhado 05/10/2014
Aceito para publicação em 13/11/2014

 

 

Notas

* Mestre em Psicologia
** Doutoranda em Saúde Coletiva
*** Mestre em Saúde Coletiva
**** Graduando em Psicologia
***** Professor Adjunto
I. Termo usado em substituição à "coleta" de dados, com o intuito de diferenciar da tradicional etapa de pesquisas que se resume a levantar informações já prontas, por considerar que há uma dimensão de produção em qualquer ato que entre em contato com o campo.

II. Documento no qual constaria o mapeamento das demandas do sistema ou serviço onde o apoiador atuaria; a escolha de um dos dispositivos da PNH, através do qual o profissional direcionaria sua intervenção e, por fim, o modo como se deu a pactuação e a execução de suas ações10.

III. Para maiores detalhamentos sobre o desenho metodológico desta pesquisa, ver artigo "Errâncias e itinerâncias de uma pesquisa avaliativa em saúde: a construção de uma metodologia participativa" neste mesmo volume temático.

IV. Grupo de Trabalho de Humanização.

V. "É necessário frisar que a implicação não diz respeito à noção de comprometimento, motivação ou relação pessoal com o campo de pesquisa/intervenção, ao contrário, explorar a implicação é falar das instituições que nos atravessam. Atravessamento que [...] vai muito além da nossa percepção subjetiva, da nossa história individual e dos julgamentos de valor destinados a medir a participação e o engajamento em determinada situação. A implicação denuncia que aquilo que a instituição deflagra em nós é sempre efeito de uma produção coletiva, de valores, interesses, expectativas, desejos, crenças que estão imbricados nessa relação"1.

VI. Num evento de divulgação dos resultados da pesquisa, foi realizada, dentre outras, uma roda de conversa intitulada Conceito Sintoma, que reuniu não só pesquisadores e apoiadores formados nos cursos em avaliação, como também aqueles interessados no tema. Participaram, mais especificamente, alunos de graduação e pós-graduação, trabalhadores do SUS e os mais diversos atores que atuam nas redes de produção de saúde nos três territórios em que a investigação ocorreu.

VII. Convém assinalar que o entendimento do termo interferência, adotado no presente trabalho, diz respeito não às "interseções geométricas (morfologicamente traçáveis) de linhas-fronteiras, [mas] às ações, aos acontecimentos, às forças que criam, modificam e desfazem as formas, à procura de uma transversalidade, de um equilíbrio que não é o equilíbrio homeostático da teoria dos sistemas, mas o de uma capacidade de autonomia (sempre posta em questão)"12.